Noções de direito administrativo

27/02/2023 às 15:07
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1 Introdução

O Direito Administrativo não está regulamentado por meio de um único diploma legal, mas sim através de um conjunto de leis esparsas, que unificadas traduzem todos os regramentos que permeiam o estudo da Administração Pública em geral.

Para o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, o Direito Administrativo “é o ramo do Direito Público que disciplina o exercício da função administrativa, e os órgãos que a desempenham”.2

Trata-se de uma vertente do Direito Público, que disciplina e regulamenta os órgãos e agentes vinculados à Administração Pública, com a finalidade de garantir a priorização do interesse da coletividade por meio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

2 Das Fontes do Direito Administrativo

A compreensão do Direito Administrativo está intimamente ligada às fontes que originaram o referido estudo. Temos como fontes a (i) Lei, (ii) a Doutrina, (iii) a Jurisprudência e os (iv) Costumes.

A “Lei” é considerada a fonte primária do Direito Administrativo, abarcando em sentido amplo a Constituição Federal, os atos normativos primários, leis ordinárias, leis complementares, medidas provisórias, decretos regulamentadores, portarias, e todos os dispositivos legais que disciplinam o tema.

No que toca a Doutrina, trata-se de fonte secundária do Direito Administrativo, consubstanciada nos trabalhos desenvolvidos por estudiosos do referido ramo, materializado em artigos, livros, pareceres, etc. A Doutrina exerce papel importante na fomentação de novas normas ou na adequação daquelas já existentes.

Outra fonte secundária é a jurisprudência, que se traduz no conjunto de decisões judiciais proferidas no mesmo sentido de interpretação. Tais decisão constituem um parâmetro para sentenças futuras, e, desta forma, a jurisprudência é elevada a categoria de fonte do Direito Administrativo.

Por fim, os costumes são considerados como fonte do Direito Administrativo, uma vez que, havendo lacuna na legislação, os hábitos vivenciados na administração pública podem influenciar nas ações estatais e na criação de novas normas.

3 Dos Princípios que regem o Direito Administrativo

Os princípios são essenciais para nortear as bases e diretrizes esperadas da Administração Pública e de seus Servidores.

Segundo Miguel Reale, “Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.”3

Desta forma, através dos princípios é possível realizar a interpretação das normas de direito administrativo, bem como suprir eventuais lacunas no sistema jurídico esparso que regulamenta a administração pública.

O artigo 37 da Constituição Federal descreve os seguintes princípios:

  • Legalidade;

  • Impessoalidade;

  • Moralidade;

  • Publicidade;

  • Eficiência.

No entanto, o rol previsto na Constituição Federal não é taxativo, existindo outros princípios que foram construídos pela Doutrina e Jurisprudência, tais como:

  • Isonomia;

  • Supremacia do Interesse Público;

  • Princípio da Proporcionalidade;

  • Finalidade;

  • Motivação;

  • Autotutela;

  • Segurança Jurídica.

Logo, os diversos princípios que norteiam a administração pública trazem inúmeras diretrizes que devem ser respeitadas pelos aplicadores da Lei, como forma suplementar de interpretar as normas que regulamento o Direito Administrativo.

  1. Do Princípio da Legalidade:

O Princípio da Legalidade está previsto no artigo 37 da Constituição Federal, e trata-se do fundamento do Estado Democrático de Direito, que visa coibir eventuais abusos do Poder Estatal.

Segundo disciplinado no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal ““Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, o que significa dizer que a Lei deve nortear as condutas omissivas e comissivas da população, atuando como “limite”, mas também como “garantia”.

Se de um lado a administração pública está atrelada aos limites da legislação, exigindo apenas aquilo que está previsto em Lei, por outro lado o administrado tem o dever de cumprir às exigências do Estado, desde que previamente abarcadas pela Legislação.

Portanto o Administrado tem liberdade para fazer tudo aquilo que a Lei não proíbe, enquanto o Estado deve restringir seus limites de atuação aos ditames impostos pela legislação.

  1. Do Princípio da Impessoalidade:

Segundo o princípio da Impessoalidade, a Administração Pública deve ser conduzida de maneira imparcial, impedindo eventuais discriminações, ou, ainda, permitindo que sejam dispensados privilégios de qualquer natureza.

Para a Doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da impessoalidade pode ser definido da seguinte maneira:

“(...) Exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração. No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento. (...) No segundo sentido, o princípio significa, segundo José Afonso da Silva (2003:647), baseado na lição de Gordillo que “os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração Pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal”. Acrescenta o autor que, em consequência “as realizações governamentais não são do funcionário ou autoridade, mas da entidade pública em nome de quem as produzira. A própria Constituição dá uma consequência expressa a essa regra, quando, no § 1º do artigo 37, proíbe que conste nome, símbolo ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos em publicidade de atos programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos”.4

Logo, segundo se depreende do Princípio Constitucional da Impessoalidade, cabe à Administração Pública uma atuação isonômica em face de seus administrados, de modo que nenhum de seus agentes têm autonomia para utilizar-se da máquina pública para obter proveito pessoal, de modo que o objetivo da Administração é sempre perseguir o interesse coletivo.

  1. Do Princípio da Moralidade:

A Administração Pública deve atuar com moralidade, o que significa que todos os atos devem estar pautados na lei. Tendo em vista que tal princípio integra o conceito de legalidade, conclui-se que o “ato imoral” representa um “ato ilegal”, e, portanto, todos os atos administrativos estão sujeitos ao controle do Poder Judiciário.

O Princípio da Moralidade Pública pode ser definido como um conjunto de determinações jurídicas que regulamentam a observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade, que podem variar em decorrência dos contextos culturais em que são inseridas.

Tal princípio ganhou notória aplicabilidade no campo do Direito Administrativo, ao passo que inúmeros atos moralmente questionáveis poderiam ser facilmente validados pelo ordenamento jurídico. Neste sentido convém citar os sábios ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:

“O agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto.” (MEIRELLES, 2012, pág. 90).5

Na legislação brasileira, foram criados alguns instrumentos com o nítido objetivo de proteger a moralidade na Administração Pública, dentre eles, convém citar a Ação Civil Pública de Improbidade, a Ação Popular, o Controle Externo Exercido pelos Tribunais de Contas e as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).

Com base no Princípio da Moralidade, fica evidente que os agentes revestidos de cargo público, e a Administração em Geral, devem agir em conformidade com preceitos éticos, uma vez que evidenciando-se eventual violação, tal fato implicará em transgressão do próprio Direito, de modo que, ficando caracterizado o ato ilícito a conduta viciada será invalida.

Portanto, a moral administrativa revela a distinção prática entre a boa e a má administração, revelando em seus conceitos a ideia do “bom administrador”.

  1. Do Princípio da Publicidade:

O Princípio da Publicidade garante à população o direito à informação, e consequentemente obriga a Administração Pública a agir com transparência em todos os atos administrativos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao discorrer sobre o princípio da publicidade afirma que todos têm direito de receber informações dos órgãos públicos, e tal direito pode ser suprimido apenas quando o sigilo for essencial para à segurança da sociedade e do Estado:

“O inciso XIII estabelece que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”6

Assim, como regra geral, todos os atos da administração pública devem ser pautados no dever de publicidade, trazendo aos cidadãos segurança jurídica, ao passo que os agentes públicos podem sofrer controle de todos os atos praticados no exercício da atividade pública.

  1. Do Princípio da Eficiência:

O Princípio da Eficiência é um dos mais importantes no contexto atual, pois se mostra um dos instrumentos capazes de viabilizar serviços públicos de qualidade através de uma gestão eficiente.

Segundo o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da eficiência possui duas vertentes, uma que regula a atuação do agente público e a outra a administração pública em geral:

“o princípio apresenta-se sob dois aspectos, podendo tanto ser considerado em relação à forma de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atuações e atribuições, para lograr os melhores resultados, como também em relação ao modo racional de se organizar, estruturar, disciplinar a administração pública, e também com o intuito de alcance de resultados na prestação do serviço público”

É evidente, sob outro prisma, que o Princípio da Eficiência possui seus entraves e dificuldades conforme abordado pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Melo:

"Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto (...) Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da ‘boa administração7

No entanto, em que pese a dificuldade de controle da eficiência no âmbito da administração pública, tal princípio visa garantir uma “boa administração” através do alcance de bons resultados na prestação do serviço público.

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  1. Do Princípio da Isonomia:

O Princípio da Isonomia é um dos mais importantes do sistema jurídico brasileiro, pois simboliza um tratamento justo e igualitário para todos os cidadãos:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”

A busca pela igualdade de direitos é uma das bases que originaram a democracia, com seus ideais fomentados desde a antiguidade, e formalizado como uma das bandeiras professadas na Revolução Francesa, através do lema: "liberdade, igualdade e fraternidade".

No contexto da Revolução Francesa, a igualdade era defendida para subtrair os privilégios das classes dominantes, tais como, o clero e a nobreza e do desejo de que todos os cidadãos gozassem dos mesmos direitos. A partir da Revolução idealizada na França, os demais países passaram a incluir em suas constituições ideais de igualdade.

No Direito Administrativo, o princípio da isonomia garante que a atividade estatal, estará fundamentada na Lei, independentemente de quem sejam os interesses beneficiados ou prejudicados. Desta forma, até mesmo os interesses do Estado, enquanto pessoa jurídica, não podem ser favorecidos em detrimento da lei.

  1. Do Princípio da Supremacia do Interesse Público:

O Princípio da Supremacia do Interesse Público é uma das bases da Administração Pública, pois a existência do Estado só ganha sentido quando o interesse perseguido é o interesse da coletividade.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, todas as normas de direito público têm a função específica de resguardar interesses públicos, mesmo que reflexamente protejam direitos individuais.

Na mesma linha de raciocínio, o Doutrinador Hely Lopes Meirelles defende que o princípio da Supremacia do Interesse Público se manifesta pontualmente na condição de superioridade do poder público nas relações jurídicas desenvolvidas com os particulares, superioridade que se justifica pela necessidade de prevalência dos interesses coletivos sobre os interesses individuais.

Para o Doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, a prevalência dos interesses da coletividade sobre os interesses dos particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável, sendo a justifica mais adequada para que a Administração Pública goze das prerrogativas garantidas em Lei, tais como a presunção de legitimidade e a imperatividade dos atos administrativos, os prazos processuais e prescricionais diferenciados, o poder de autotutela, a natureza unilateral da atividade estatal, entre outras.

Desta forma, havendo conflito entre o interesse público e o interesse particular, em regra, deve prevalecer o interesse da coletividade.

  1. Do Princípio da Proporcionalidade:

O princípio da proporcionalidade, também tratado como princípio da razoabilidade, tem por finalidade propiciar o equilíbrio entre os direitos individuais e os anseios da sociedade.

Referido princípio estabelece que nenhuma garantia constitucional goza de valor supremo e absoluto, capaz de aniquilar outra garantia de valor equivalente, com vistas a coibir injustiças regulamentadas em Lei.

No campo do Direito Administrativo, o Jurista Dirley da Cunha Júnior, afirma que o princípio da proporcionalidade “é um importante princípio constitucional que limita a atuação e a discricionariedade dos poderes públicos e, em especial, veda que a Administração Pública aja com excesso ou valendo-se de atos inúteis, desvantajosos, desarrazoados e desproporcionais”.8

Para o Doutrinador Pedro Lenza9:

“o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral de direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico”

Denota-se que o princípio da proporcionalidade, também conhecido por princípio da razoabilidade, funciona como um escudo capaz de evitar que as prioridades eleitas pela Constituição Federal sejam afrontadas ou até mesmo esvaziadas, por ato legislativo, administrativo ou do poder judiciário.

Sendo assim, é possível afirmar que o princípio da proporcionalidade representa um avanço, pois permite a defesa dos direitos e garantias fundamentais, impedindo que legislações sejam capazes de sufocar os direitos e garantias individuais.

  1. Do Princípio da Finalidade:

O princípio da finalidade imprime à autoridade administrativa o dever de praticar o ato administrativo com vistas à realização da finalidade perseguida pela lei. Para o Doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, “quem desatende ao fim legal desatende à própria lei”.

Para Helly Lopes Meirelles, o princípio da impessoalidade se equipara ao princípio da finalidade, todavia a referida tese encontra resistência entre os demais doutrinadores, já que para a maior parte da doutrina, os princípios distinguem-se entre si, já que o princípio da finalidade se desdobra em abuso de poder e desvio de finalidade.

Considerando que o princípio da finalidade impõe ao administrador uma atuação pautada em viabilizar o objetivo da norma, pode-se deduzir, desta forma, que esse preceito está intimamente ligado ao princípio da legalidade.

Neste sentido, convém salientar que o Professor Celso Antonio Bandeira de Mello, adverte que o princípio da finalidade, em verdade, não é uma decorrência da legalidade, mas é inerente a ela. Segundo o Autor:

"Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desviá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la. Daí por que os atos incursos neste vício - denominado "desvio de poder" ou "desvio de finalidade" - são nulos. Quem desatende o fim legal desatende a própria lei".

Logo, a ação da Administração Pública deve estar sempre voltada para o interesse público, e a finalidade da Administração em geral deverá estar intimamente arraigada ao objetivo da norma e ao interesse da comunidade tomada em sua inteireza.

  1. Do Princípio da Motivação:

Segundo os pressupostos do princípio da motivação, o administrador tem o dever de indicar os fundamentos de fato e de direito que o levaram a adotar qualquer decisão no âmbito da Administração Pública, demonstrando de forma motivada a correlação lógica entre a situação ocorrida e as providências adotadas.

Portanto, a motivação é o meio pelo qual serão analisadas as condutas dos administradores, sob o prisma dos princípios da finalidade, da legalidade e da moralidade.

Segundo o entendimento de Hely Lopes Meirelles, o ato discricionário, editado dentro dos limites contidos em Lei, confere ao administrador uma margem de liberdade para exercer um juízo de conveniência e oportunidade, não sendo necessária a motivação. No entanto, ocorrendo tal fundamentação, o ato deverá observar da Teoria dos Motivos Determinantes.

Em contrapartida, o entendimento majoritário da doutrina, é de que, mesmo no ato discricionário, é imperativa a motivação para que se justifique o caminho adotado pelo administrador. Ademais, com respaldo no que prevê o artigo 50 da Lei nº 9.784/98, as discussões doutrinárias foram superadas, ao passo que o referido artigo exige a motivação para todos os atos nele elencados, compreendendo entre estes, tanto os atos discricionários quanto os vinculados.

Insta salientar que, a Constituição do Estado de São Paulo, prevê no artigo 111, que, “a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”, privilegiando assim, princípios que não foram abarcados de forma expressa na Constituição Federal.

Desta forma, o princípio da motivação decorre do Estado Democrático de Direito, determinando que os agentes públicos, munidos do poder de decisão, apresentem os fundamentos que acarretaram eventuais posicionamentos. Assim, apesar de não constar expressamente no texto da Constituição Federal, ele decorre da interpretação de diversos dispositivos constitucionais, devendo ser observado pela Administração Pública em geral.

  1. Da Autotutela:

De acordo com o princípio da autotutela, cabe à Administração Pública exercer o controle sobre seus próprios atos, de modo que, os atos ilegais e inoportunos podem ser revogados ou anulados. Isso decorre do controle da legalidade previsto em Lei.

Nesse sentido, convém citar o disposto na Súmula 346, do Supremo Tribunal Federal, que prevê que "a administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos".

No mesmo sentido é a Súmula 473, também da Suprema Corte, "a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".

Ademais cabe frisar que, o princípio possui previsão legal, conforme previsto no artigo 53 da Lei 9.784/99: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

Logicamente, portanto, a autotutela envolve dois aspectos da atuação administrativa, o primeiro no que toca a “legalidade”, e o segundo no que se refere ao “mérito” do ato praticado.

Quanto ao aspecto da legalidade, a Lei 9.784/99 prevê que a Administração deve anular os atos perfectibilizados, quando possuírem alguma ilegalidade. Trata-se, portanto, de um poder-dever do Estado, ou seja, uma obrigação. Sendo assim, o controle de legalidade, que decorre da autotutela, pode ser realizado independentemente de provocação.

Entretanto, convém esclarecer que a autotutela encontra limites nos princípios da segurança jurídica e da estabilidade das relações jurídicas. Assim, conforme consta no artigo 54 da Lei 9.784/99, “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

  1. Do Princípio da Segurança Jurídica

O princípio da segurança jurídica encontra-se fundamentado no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, como garantia de que apesar das constantes mudanças sofridas no ordenamento jurídico, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Assim, no âmbito da administração pública, os atos administrativos devem ser pautados em decisões consistentes que viabilizem segurança jurídica em todos os seus aspectos, sob pena de nulidade.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao discorrer sobre o princípio da segurança jurídica no âmbito da administração pública, afirma que:

“O princípio se justifica pelo fato de ser comum, na esfera administrativa, haver mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a consequente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior. Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera insegurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua situação será possível de contestação pela própria administração pública”

Em semelhante linha de raciocínio, convém citar o entendimento do doutrinador Lucas Rocha Furtado10:

“por mais contraditório ou sem sentido que possa parecer, o princípio da segurança jurídica surge para conter ou limitar a aplicação do princípio da legalidade administrativa, sobretudo em relação à possibilidade de a Administração Pública anular atos ilegais que tenham, todavia, gerado benefícios favoráveis a terceiros”.

Neste sentido, convém citra que o artigo 2º, XIII, da Lei 9.784/1999, dispõe que a Administração Pública está sujeita, ao princípio da segurança jurídica.

Art. 2º - A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Assim, é evidente a preocupação do Legislador em garantir aos administrados que todos os atos realizados no âmbito da Administração Pública sejam pautados nos princípios e garantias constitucionais, para coibir atos abusivos da administração pública.

4. Conclusão

Diante do exposto, é possível afirmar que o conjunto de princípios que norteiam o Direito Administrativo e consequentemente a administração pública representam um conjunto de valores que devem ser observados na elaboração de normas e atos da Administração.

Ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, o Direito Administrativo não é codificado, desta forma, os princípios atuam como verdadeiros alicerces valorativos do sistema. Dentre estes princípios, todos os supramencionados exercem papel fundamental no âmbito do direito administrativo.

Por meio dos princípios administrativos o agente público não pode se desviar do objetivo da administração, estando sempre vinculado ao princípio da legalidade. Assim, havendo desvios ou excessos, haverá afronta aos princípios da finalidade, da impessoalidade, da legalidade, etc.

Logo, por meio do liame de princípios que regem o direito administrativo se permite não só a defesa do interesse público, mas também a participação dos administrados na fiscalização das atividades desenvolvidas na Administração Pública. Por meio do princípio da publicidade todos os atos são externados ao público, para que haja fiscalização da legalidade na atuação do administrador público.

Sendo assim, todos os princípios estão correlacionados e sistematizados no ordenamento jurídico, de modo que tais valores são harmônicos entre si, e dependem um do outro para que sejam alcançados os objetivos da Administração Pública.

Conclui-se, portanto que, através da inter-relação entre os inúmeros princípios que regem o Direito Administrativo, está pautado o exercício da Administração Pública em geral, de modo que os princípios são fonte do direito administrativo e norteiam a atividade estatal.

5. Referências

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Podium, 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. ed. 12, São Paulo: Malheiros, 1999.


  1. ....

  2. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004, p.27.

  3. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.

  4. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 68.

  5. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Ed. Medeiros, 2012.p.90;

  6. DI PIETRO, Mara Sylvia Zanela. Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

  7. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. ed. 12, São Paulo : Malheiros, 1999.

  8. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Podium, 2009, p. 50.

  9. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 75.

  10. Lucas Rocha Furtado, Curso de Direito Administrativo, Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2007, p. 125

Sobre a autora
Érica di Genova Lario

Procuradora do Município de Diadema/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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