Abertura judicial de falência no Brasil

27/02/2023 às 12:01

Resumo:


  • A quantidade de falências requeridas em dezembro de 2022 foi de 52, resultando na retirada do mercado de 42 pessoas jurídicas, sendo 32 micro e pequenas empresas e 10 agentes de médio porte.

  • Os setores mais afetados foram indústria e serviços, evidenciando a necessidade de avaliação e possíveis ajustes na Lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial e falências no Brasil.

  • A crise econômica, financeira e patrimonial, intensificada pela pandemia, tem gerado efeitos sociais como desemprego e inadimplência, destacando a importância de uma legislação atualizada e eficaz para lidar com os desafios empresariais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Carlos Roberto Claro1

27 fev 2023

Os indicadores são da Serasa Experian e traduzem a realidade de muitos agentes econômicos nacionais, mergulhados em crise econômica, financeira e patrimonial.

Em dezembro/2022 foram requeridas 52 (cinquenta e duas) falências, sendo retiradas do mercado 42 (quarenta e duas) pessoas jurídicas. Destas, 32 são micro e pequenas empresas e outras 10 são agentes econômicos de médio porte.

Com efeito, os setores da indústria e de serviços foram os que mais faliram2. Não obstante o razoável tempo de vigência da Lei 11.101/053 (mais de 18 anos) - sem descuidar de sua recente alteração4 -, precisa ela ser avaliada, testada à luz dos grandes casos de reestruturação e falência em curso no país.

Especialmente em momento de crise aguda empresarial, é certo que se acentua o número de agentes econômicos retirados do mercado, via processo de falência, sem descuidar daqueles que se valem do regime recuperatório, não raro, as demandas judiciais envolvem não mais milhões, mas bilhões de reais5.

Os efeitos jurídicos, econômicos, financeiros e principalmente sociais (desemprego e consequente crise social [inclusive inadimplência do consumidor e retração das operações ]) são previsíveis, de modo que há de se repensar acerca do teor da Lei 11.101/056.

Volto, uma vez mais, a repisar o texto de Jeremy Waldron:

Um projeto de lei não se torna lei simplesmente sendo decretado, ocupando o seu lugar em Halsburry ou no livro de estatutos. Torna-se lei apenas quando começa a desempenhar um papel na vida da comunidade, e não podemos dizer qual papel será – e, portanto, não podemos dizer ‘qual lei’ foi criada -, até quando ela comece a ser administrada e interpretada pelos tribunais. Considerado um pedado de papel com o selo de aprovação do parlamento, um estatuto não é direito, mas apenas uma possível ‘fonte de direito’7 8

Considerando a crise sanitária mundial - verificada a partir de março/2020 e que ainda se não encerrou9 -, sem descuidar de outros aspectos, tais como a alta de juros bancários [e diminuição do prazo para pagamento das dívidas], e consequente encarecimento do crédito; efetiva retração do consumo10 [possivelmente em consequência da diminuição do poder aquisitivo e até mesmo o próprio endividamento da população].

Ainda, há o elevado endividamento de agentes econômicos, levando-os à crise patrimonial aguda e consequente retirada do mercado, via falência. O fato é que a Lei 11.101/05 ainda precisa de ajustes pontuais, tanto no que diz com os regimes recuperatórios quanto no processo falimentar propriamente dito11.

Os micros e pequenos agentes são, talvez, aqueles que mais sofreram com a crise sanitária vivenciada e muitos acabaram sendo retirados do mercado, via falência. As consequências são variadas, sem dúvida.

A lei há acompanhar o desenvolvimento da sociedade organizada - possuindo, sem dúvida, função social, visando a pacificação social - e com ela, a sociedade deve estar em harmonia, em estrita sintonia, a fim de que seja bem aplicada aos casos concretos, visando a resolução dos conflitos12 13.

A Lei 11.101/05 precisa ser (re)examinada em vários aspectos, como dito algures, a fim de que, em momento de crise, possa contribuir para a tentativa de soerguimento do agente econômico deficitário, exatamente como sói ocorrer com as legislações internacionais sobre insolvência.


  1. Advogado desde 1987; Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná, desde 2013; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; parecerista; pesquisador e autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

    http://lattes.cnpq.br/5264249545377944

    http://orcid.org/0000-0002-6589-9761

  2. https://www.serasaexperian.com.br/conteudos/indicadores-economicos/. Acesso: 27/02/2023.

  3. A Lei 11.101/05 tem indisfarçável caráter simbólico, considerando o momento em que promulgada e efetiva mudança de visão acerca da crise empresarial; o objetivo é tentar recuperar o agente econômico mergulhado em crise. A lei, é possível afirmar, tem a missão de contribuir para a tentativa de soerguimento da pessoa jurídica que vivencia dificuldades (art. 47). É simbólica a lei de 2005 - assim como as demais constantes do ordenamento jurídico pátrio - , cabendo adotar a terminologia de Marcelo Neves, para quem: ‘legislação simbólica’ aponta o predomínio, ou mesmo hipertrofia, no que se refere ao sistema jurídico, da função simbólica da atividade legiferante e do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 23. Destaques no original.

  4. Não se descuida que a Lei 14.112/2020 de fato trouxe significativas alterações ao texto originário de 2005, mas ainda há muito mais a alterar no referido diploma legal, salvo engano.

  5. https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/02/24/cinco-maiores-reestruturacoes-somam-r-256-bi.ghtml. Acesso: 27/02/2023.

  6. Ao primeiro sinal de crise a primeira medida da companhia é, quase que invariavelmente, conceder férias coletivas [não raramente forçadas] aos trabalhadores, ainda mais se se avizinha o mês de dezembro e o período de festas, como sói ocorrer; a segunda medida é a dispensa de trabalhadores, e os dados aqui apresentados bem demonstram a realidade. Cabe, pois, repersonalizar o sujeito de direito, reconhecendo o trabalhador como ser humano e, nessa dimensão, vendo-o como elemento principal e nuclear da nova ordem constitucional, a qual lhe assegura dignidade, bem-estar e justiça social (arts. 1º, III, 170 e 193 da CF). DALLEGRAVE NETO, José A. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 2a edição. São Paulo: LTr, 2007, p. 331.

    Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:
  7. A dignidade da legislação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 11-12. Grifos no original.

  8. . A lei geral tem como escopo a convivência social, que não se pode dizer alcançado com a simples emanação, mas apenas com a aplicação dessa norma na vida de relação, consoante Emilio Betti. Interpretação da lei e dos atos jurídicos: teoria geral e dogmática. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 232. John Austin bem esclarece que a existência da lei é uma coisa; seu mérito ou demérito é outra. A lei, que realmente existe, é uma lei, apesar de acontecer de não se gostar dela. The province of jurisprudence determined. New York: Prometheus Books, 2000, p. 184.

  9. De fato, a crise sanitária mundial contribuiu, por evidente, para enfatizar o fato de que as falências se acentuaram no país, sendo que até mesmo grandes corporações estão mergulhadas em significativa crise econômico-financeira. Por outro lado, não foram poucas as entidades em recuperação judicial que acabaram por se desfazer de ativos, ou até buscaram outros meios recuperatórios para honrar planos judiciais e poucas, de fato, voltaram a operar de forma estável no mercado competitivo. Os números apresentados pela Serasa bem esclarecem a realidade hodierna.

  10. Não obstante o fato de que há certa estabilidade, no que diz com a crise sanitária, porquanto significativa parcela da população foi vacinada, ao menos quanto a segunda dose, o fato é que o crescimento da economia é deveras lento. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/cerca-de-191-milhoes-estao-com-a-2a-dose-contra-a-covid-19-em-atraso-diz-saude/. Acesso: 27/02/2023.

  11. Especificamente acerca da lei, escrevi um texto com bastante referencial teórico. CLARO, Carlos R. Temas de recuperação empresarial e falência. Curitiba: Editora Íthala, 2012.

  12. Salvar as entidades com mínimas condições de sobrevivência e retirar do mercado - a fim de evitar até mesmo efeito multiplicado (crise sistêmica) - aqueles agentes que se encontram em crise patrimonial, sem condições de continuar a operar.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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