Breves considerações acerca dos contratos de locação que têm o Poder Público como locatário à luz do entendimento do TCE/SP

01/03/2023 às 11:56
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Como se sabe, os contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) submetem-se, em regra, aos preceitos de direito público, aplicando-se apenas supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. Todavia, há determinados contratos celebrados com a Administração Pública que são regidos, em caráter principal, por normas de direito privado. Nesse sentido, dispõe o § 3º do art. 62 da Lei nº 8.666/93 que:

Art. 62.  O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.
(...)
§ 3º  Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber:
I - aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado;
II - aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público.

Os arts. 55 e 58 a 61 do referido diploma legal tratam das cláusulas e formalidades essenciais dos contratos administrativos, bem como das prerrogativas extraordinárias (cláusulas exorbitantes), que se caracterizam por colocar o Poder Público em posição de superioridade na relação contratual.

Especificamente no que diz respeito ao prazo máximo de vigência dos contratos de locação, muito embora o dispositivo acima transcrito não mencione o art. 57 da Lei 8.666/93, que trata da duração dos contratos administrativos, o entendimento que prevalece, é no sentido de que nesses contratos deve ser observado o disposto no art. 51 da Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações). Tal compreensão é compartilhada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo:

De se notar, no entanto, que não há menção expressa ao artigo 57, do qual se extraem normas que disciplinam a duração dos ajustes regidos pela Lei nº 8.666/93.
Todavia, cediço que a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), que regula as locações de imóveis urbanos, prevê, em seu 3º, que os contratos de aluguel de bens podem ser ajustados por qualquer prazo. Além disso, o art. 51 estipula que, nas locações não residenciais, o locatário terá direito à renovação do acordo por igual período ao inicialmente pactuado.
Referida previsão visa proteger o interesse do inquilino, haja vista que a ruptura do contrato fatalmente prejudicaria a constância da atividade por ele realizada no imóvel, e incorreria, inevitavelmente, em custos com desocupação e transferência de todo o aparato utilizado no labor para outro edifício.
Dessa forma, e considerando que a Lei de Licitações dispõe que as normas gerais nela definidas aplicam-se a contratos de natureza privada apenas quando mostrarem-se compatíveis com a legislação que os regem, entendo possível ressalvar as locações de imóveis da incidência da regra contida no art. 57, inciso II, da Lei nº 8.666/93, segundo o qual a duração máxima dos contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua será a de 60 (sessenta) meses.
Este, por sinal, é o entendimento da Advocacia-Geral da União, conforme se depreende da Orientação Normativa nº 6, de 01/04/2009:
“A VIGÊNCIA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEIS, NO QUAL A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA É LOCATÁRIA, REGE-SE PELO ART. 51 DA LEI Nº 8.245, DE 1991, NÃO ESTANDO SUJEITA AO LIMITE MÁXIMO DE SESSENTA MESES, ESTIPULADO PELO INC. II DO ART. 57, DA LEI Nº 8.666, DE 1993”.
Logo, aplicada a disciplina da Lei nº 8.245/91 aos contratos de locação em que o Poder Público figura como locatário, de se concluir pela viabilidade das prorrogações encetadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do 6º e 7º Termos de Aditamento em exame, para locação do imóvel sede do Fórum Regional da Vila Prudente.
(TCE/SP - TC-37199.026.97 - Primeira Câmara - Relator: Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues - Sessão: 30/07/2019)

Não obstante a inaplicabilidade a tais contratos de locação do limite máximo de vigência previsto no inciso II do art. 57 da Lei nº 8.666/93, impõe-se a observância do disposto no § 2º do mencionado dispositivo, que condiciona toda e qualquer prorrogação de prazo à prévia apresentação de justificativa por escrito e autorização da autoridade competente; da vedação constante do § 3º, que proíbe a celebração pela Administração de contratos por prazo indeterminado; bem como da regra do parágrafo único do art. 60, no sentido de que o contrato verbal é nulo, não produzindo efeitos. Em outras, palavras, ainda que se admitida prorrogações sucessivas nos contratos de locação em que Poder Público seja o locatário, veda-se a prorrogação automática desses ajustes por prazo indeterminado.

De sorte que, assim como é exigido de praxe para os demais ajustes, a prorrogação de contrato de locação que tenha o Poder Público como locatário, requer o atendimento do seguintes requisitos: previsão contratual específica; manifestação de interesse do locador; justificativa escrita acerca da vantajosidade econômica e do atendimento ao interesse público; autorização prévia da autoridade competente para celebrar o contrato; existência de dotação orçamentária; manutenção das condições de habilitação jurídica, inclusive dos poderes de administração do locador sobre o imóvel, assim como de regularidade fiscal, social e trabalhista; além de celebração tempestiva do respectivo termo aditivo.

Aqui cumpre ressaltar que embora seja dispensável a realização de pesquisa de mercado por ocasião das prorrogações dos contratos de locação, considerando o princípio da economicidade, mostra-se necessário que tais renovações sejam devidamente justificadas no tocante a sua vantajosidade. Outrossim, o aditamento deve ser instrumentalizado tempestivamente, sob pena de caracterizar contrato verbal, além de evidenciar a ausência de planejamento e controle das contratações. Não obstante, em situações excepcionais, admite-se a retroatividade dos efeitos de prorrogação formalizada após o termo da vigência contratual. 

As orientações acima estão em consonância com o entendimento do Plenário do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo:

Conforme relatado, a irregularidade dos termos aditivos teve como fundamentos a ausência de demonstração da vantagem econômica, conclusão alcançada por não ter sido observado procedimento compatível com o inciso II, do artigo 57, da Lei nº 8.666/93, e as formalizações dos instrumentos para as prorrogações de vigência após o termo final do prazo antecedente.
A disciplina dos contratos administrativos contempla regras para a duração dos ajustes, centradas no artigo 57 da Lei nº 8.666/93, vinculadas à natureza do objeto contratual.
É o caso da prestação de serviços contínuos, hipótese em que a Lei nº 8.666/93 condiciona a modificação da duração contratual, com seu alargamento, à manutenção de preços e de condições mais vantajosas para a Administração, em comparação com uma nova contratação, nos termos do inciso II do artigo supracitado.
Essa norma, contudo, não alcança os contratos de locação que tenham o Poder Público como locatário. Por não se sujeitarem integralmente às normas de direito público, o artigo 62, § 3º, inciso I, da Lei nº 8.666/935 expressamente restringe, no âmbito contratual, a incidência dos artigos 55 e 58 a 61 e de normas gerais eventualmente oriundas de outros dispositivos.
Este Plenário reconhece as especificidades desses contratos:
Devo destacar que, por se tratar de locação de bem imóvel, regida predominantemente pelo Direito Privado (cf. art. 62, §3º, I, da Lei n.º 8.6669/93), não há como negar a existência de maior autonomia e liberalidade na formação do vínculo contratual, devendo prevalecer, assim, a real intenção das partes, exatamente como pretendeu restabelecer o termo de retificação em julgamento.
(TC-008088/026/08, Tribunal Pleno, sessão de 11-03-15, rel. Conselheiro Renato Martins Costa)
Não há, assim, aplicação da regra específica dos contratos administrativos de serviços contínuos para os contratos de locação.
Apesar disso, a Administração se submete ao princípio da economicidade, de modo que seus contratos, independentemente do regime jurídico dominante, exigem diligência na estipulação dos valores e das condições.
Afastada a obrigatoriedade da pesquisa de mercado para os contratos de locação aqui apreciados, procedimento atrelado ao artigo 57, II, da Lei nº 8.666/93, as boas condições financeiras durante as prorrogações podem ser avaliadas através de outros elementos do ajuste.
(...)
Dessa forma, não sendo obrigatória a consulta ao mercado para a renovação dos contratos de locação e inexistindo elementos nos autos que indiquem a ausência de vantagem para a prorrogação promovida, não há como repreender o procedimento adotado.
Em relação aos termos aditivos terem sucedido ao decurso do prazo do contrato, a defesa das prorrogações nessas circunstâncias não pode ser acolhida.
Os contratos celebrados pela Administração Pública se sujeitam à forma escrita, sendo nulo e de nenhum efeito o contrato verbal, na redação do artigo 60, parágrafo único, da Lei nº 8.666/9310 . Essa regra também alcança os contratos de locação em que o Poder Público seja locatário por força do supracitado artigo 62, §3º, inciso I, da mesma lei.
Acolher a prorrogação automática sem a celebração de instrumento para a modificação de prazo representaria acatar um contrato verbal, espécie de ajuste rechaçada pelo ordenamento jurídico.
Sobre o tema, didáticas as exposições no Acórdão nº 1.127/2009 do Plenário do Tribunal de Contas da União:
não se aplica [aos contratos de locação em que o Poder Público seja locatário] a possibilidade de ajustes verbais e prorrogações automáticas por prazo indeterminado, condição prevista no artigo 47 da Lei nº 8.245/91, tendo em vista que (i) o parágrafo único do art. 60 da Lei nº 8.666/93, aplicado a esses contratos conforme dispõe o § 3º do art. 62 da mesma Lei, considera nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração e (ii) o interesse público, princípio basilar para o desempenho da Administração Pública, que visa atender aos interesses e necessidades da coletividade, impede a prorrogação desses contratos por prazo indeterminado.
Não obstante, considero que sendo este o único aspecto irregular nos atos em apreço, a ponderação entre a finalidade dessa norma para os contratos da Administração — conjugada aos efeitos manifestados pela sua violação — e a finalidade do contrato de locação, contextualizada à celebração do contrato direto e aos requisitos legais necessários, evidencia que o julgamento de irregularidade se opõe ao princípio da proporcionalidade. Em última análise, a forma escrita dos contratos tem relação com o regime jurídico administrativo, sobretudo com os princípios constitucionais expostos no artigo 37, caput, a publicidade e a possibilidade de fiscalização dos atos praticados.
Por sua vez, o contrato de locação ora analisado objetivou a consagração de direitos sociais de caráter fundamental no âmbito daquela comunidade local, como o lazer e a saúde, buscados através da prática esportiva.
Assim, como neste caso não há indicativos de que os aspectos de proteção ao interesse público através da fiscalização sobre a atuação administrativa tenham sido prejudicados, é possível relevar a falha.
O julgamento de irregularidade dos termos aditivos representa medida gravosa aos benefícios decorrentes do contrato e desnecessária para estes atos, uma vez que o registro de recomendações à Administração para o afastamento da falha, sob pena de futuros julgamentos de irregularidade, é providência suficiente ao êxito do controle posterior dos atos e de menor lesividade.
Por isso, afasto a declaração de irregularidade dos instrumentos, mediante recomendação para que a Administração Municipal de Piracicaba observe a tempestiva celebração dos termos aditivos nos contratos em que figure como locatária de imóvel, vedada a celebração de aditamento de prorrogação de prazo de vigência após o termo final do contrato com a atribuição de efeitos retroativos, atentando-se à norma do artigo 60, parágrafo único, c.c. artigo 62, § 3º, inciso I, ambos da Lei nº 8.666/93.
(TCE/SP - TC-15848.989.21 - Tribunal Pleno - Relator: Conselheiro Sidney Estanislau Beraldo - Sessão: 24/11/2021)
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O termo aditivo referente à prorrogação contratual deve observar ainda, no que couber, as cláusulas essenciais dos contratos administrativos previstas no art. 55 da Lei nº 8.666/93, bem como as previsões contidas nos arts. 60 e 61 do mesmo diploma legal.

Sobre a autora
Suelane Ferreira Suzuki

Advogada e Procuradora do Município de Ribeirão Preto. Especialista em Direito Imobiliário e Urbanístico e em Direito Empresarial e Processo Falimentar. Atuou como Delegatária do Oficial de Registro de Imóveis, Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Queluz. Foi servidora da Justiça Federal de Primeiro Grau em Pernambuco e do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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