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A inconstitucionalidade da criminalização das casas de prostituição e demais atividades de lenocínio

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4. PROSTITUIÇÃO NO BRASIL

O Brasil é um país liberatador, abolicionista no referente tratamento legal da prostituição. Ou seja, é permitida a prostituição em si, sendo ela inclusive reconhecida como ocupação legal pelo Ministério do Trabalho e Emprego, mas sendo proibidas as condutas de lenocínio, atividades que permeiam e movimentam o comércio sexual, de variadas formas.

De certa forma, é verídico alegar que o país é totalmente hipócrita e age simbolicamente ao trabalhar o tema, pois permite a atividade, mas a marginaliza por meio da referida criminalização, coabitando com ela sem coibir a prática e a existência desses delitos. Como já entendido desde o início, se prostituir por livre vontade não é ilícito, mas sim atividades que explorem essas mulheres nesse âmbito. Um exemplo a ser citado é a novela que ficou conhecida por se tratar do tráfico internacional de mulheres para Turquia, Salve Jorge. As mesmas eram enganadas em virtude da procura de emprego para que pudesse melhorar de vida, e chegando lá, descobriam que foram comercializadas criminalmente.

No perpassar dos anos, foram criados projetos de lei apresentados sobre a prostituição e as atividades de lenocínio, alguns no intuito de regulamentá-la, outros tantos visando proibila. A primeira tentativa de regulamentação foi datada em 1896, por meio do Regulamento Provisório da Polícia de Costumes, na cidade de São Paulo, assinado pelo chefe de polícia José Xavier de Toledo. Esse regulamento tinha como objetivo principal estabelecer a forma das prostitutas se vestirem e se comportarem em locais públicos; sofreu diversas críticas e foi rejeitado, principalmente por regulamentar a prostituição, algo não reconhecido pelo Estado.

No ano de 2012 o então deputado federal Jean Wylys criou o Projeto de Lei 4211/2012 que leva o nome de Gabriela Leite, uma prostituta, fundadora da ONG Davida, autora do livro “Filha, mãe, avó e puta uma história de uma mulher que decidiu ser prostituta”.

O projeto para esse PL já havia sido citado na câmara dos deputados no ano de 2003, através do deputado federal Fernando Gabeira, porém o projeto foi arquivado pelo fato de Gabeira não ter se reelegido.

Também conhecido como Lei Gabriela Leite, o PL 4211/2012, de autoria do deputado Jean Wyllys, tem como um de seus pontos principais a definição do crime de exploração sexual e servirá como instrumento de combate à mesma, pois distingue o que é prostituição um ato livre e consciente praticado por pessoa adulta da exploração sexual. Como atualmente nosso Código Penal não faz essa distinção, ambos são marginalizados e não fiscalizados pelas autoridades competentes. Garantindo essa regulamentação, profissionais da área serão tiradas/os de um submundo de marginalização, contribuindo significativamente com o combate ao crime de exploração sexual, praticado principalmente contra crianças e adolescentes.11

O projeto pretende deturpar o Capítulo V, do Título IV da parte especial do Código Penal, para deliberar o conceito de exploração sexual e coibi-la, sendo esta designada pela apropriação total ou acima de 50% do rendimento pela prestação de serviço sexual por terceiro, pelo não pagamento pelo serviço sexual contratado e pela imposição à alguém de prestar prostituição mediante grave ameaça ou violência.

Despreende-se, portanto, pela total inconstitucionalidade da criminalização, pelo Código Penal Brasileiro, das atividades de lenocínio, que compara a prostituição livre e consentida às formas de exploração sexual. Tal ilegalidade é compreensível, como restou demonstrado, considerando que referida criminalização ofende princípios fundamentais. Em primeiro lugar, o princípio da lesividade, por não apresentar bem jurídico e vítima a serem protegidos, e a laicidade e amoralidade do Estado. Ademais, ofende direitos individuais inerentes aos profissionais do sexo que têm sua dignidade sexual, autonomia, liberdade individual e sexual, liberdade de profissão e direito à igualdade vilipendiados por quem deveria, na verdade, efetivá-los.


5. CONCLUSÃO

Diante dos fatos supracitados, conclui-se que o crime de lenocínio e tráfico de pessoas, previsto no capítulo V, Título VI do Código Penal não apresenta um bem jurídico a ser tutelado, além de não estar bem delimitado a figura das vítimas, não respeitando, ainda, o princípio da lesividade. Como a prostituição não é crime, sendo reconhecida como ocupação legal pelo Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), não há motivos para considerar seu livre exercício se equiparando com a exploração sexual, pois a profissão é de livre escolha por qualquer pessoa.

Se uma pessoa escolhe essa profissão livremente, não há porque impedir alguém de contratar sua mão de obra, ou querer seus serviços em locais destinados a esse fim, punindo quem o mantém. Assim como impedir um médico, professor, arquiteto ou qualquer outro profissional de exercer suas devidas profissões, é um absurdo impedir profissionais do sexo de realizarem suas atividades, uma vez que é igualmente atividade profissional como as outras acima mencionadas.

Liberdade sexual e dignidade sexual não sendo bens jurídicos assegurados, a conclusão que se obtêm são de que tais crimes são subsequentes de uma ação indevida do Estado, baseado em aspecto moral. Isso é inadmissível em um Estado laico, criminalizar algo baseado em aspectos morais é no mínimo inaceitável, por esse motivo que o lenocínio deve ser descriminalizado, punindo apenas condutas que apresentam exploração sexual.

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BIBLIOGRAFIA

PEREIRA, Alessandra Margotti dos Santos. A Inconstitucionalidade da criminalização das casas de prostituição e demais atividades de lenocínio. Belo Horizonte, 2016. p. 12-38.

BARRETO, Letícia Cardoso. Somos sujeitas políticas de nossa própria história: Prostituição e feminismos em Belo Horizonte. Tese de doutorado apresentada à banca examinadora de Doutorado no Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de PósGraduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientação: Miriam Pillar Grossi; Coorientadora, Claudia Andrea Mayorga. Florianópolis, SC, 2015. 261. p.

Correia, Vânia; Azevedo, Reynaldo. Prostituição, direitos e vulnerabilidade são tema de debate. Agosto, 2012. Disponível em: <https://agenciajovem.org/prostituicao-direitos-evulnerabilidade-sao-tema-de-debate/>. Acesso em : 26 de Nov de 2022.

Prostituição: uma abordagem feminina. Publicação da SOF Sempreviva Organização Feminista. Redação: Nalu Faria, Sonia Coelho, Tica Moreno. São Paulo, Dez de 2013. Disponível em: <https://br.boell.org/sites/default/files/prostituicao_uma_abordagem_feminista.pdf>. Acesso em: 26 de Nov de 2022.

Rodrigues, Marlene Teixeira. PROSTITUIÇÃO E FEMINISMO: UMA APROXIMAÇÃO AO DEBATE CONTEMPORÂNEO. Revista Fazendo Gênero. p. 2-11, 2010.

FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Entendendo a Filosofia do Direito: tese da separação entre direito e moral x tese da conexão. 06. de Set de 2017. Disponível em:<https://genjuridico.com.br/2017/09/06/entendendo-filosofia-do-direito-tese-separacaodireito-moral-x-tese-conexao/>. Acesso em: 27 de Nov de 2022.

Casa de Prostituição. 04 de Out de 2018. Disponível em: <https://questaodeinformativo.com/casa-de-prostituicao/>. Acesso em: 27 de Nov de 2022.

MENDES, Arthur. Princípio da lesividade e os crimes de perigo abstrato. 13 de Mar de 2019. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/11048/Principio-dalesividade-e-os-crimes-de-perigo-abstrato>. Acesso em: 29 de Nov de 2022.

Prostituição no Brasil. 24 de Jul de 2021. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Prostitui%C3%A7%C3%A3o_no_Brasil>. Acesso em: 29 de Nov de 2022.

ALVES, Sabrina Gomes Silva. PATERNALISMO JURÍDICO E DIREITOS FUNDAMENTAIS. 2018. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – Câmpus Itumbiara. p. 1-4. Acesso em: 04 de Dez de 2022.

PACHECO, Suiara Haase. A regulamentação da prostituição e o combate à marginalização dos trabalhadores do sexo. Revista da Faculdade de Direito da FMP nº 10, 2015, p. 136-154. Acesso em: 04 de Dez de 2022.

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Notas

  1. ..

  2. ...

  3. ...

  4. CHAPKIS, 1997; EDWARDS, 1997; MARSHALL, MARSHALL, 1993; ROBERTS, 1998; TEIXEIRA RODRIGUES, 2009.

  5. BLANCHETTE; SILVA. Amor Um Real Por Minuto - A prostituição como atividade econômica no Brasil urbano. 2010

  6. OLIVEIRA. Prostituição feminina, feminismos e diversidade de trajetórias. 2013. p. 20.

  7. OLIVEIRA. Prostituição feminina, feminismos e diversidade de trajetórias. 2013. p. 21.

  8. ZAFFARONI Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 467

  9. GODOY. A proteção dos bens jurídicos como fundamento do Direito Penal. 2010. P. 55-56

  10. BITENCOURT. Tratado de Direito Penal. 2009. P. 22

  11. Folheto informativo. Jean Wyllys Explica. 2015. P. 20


Abstract: This study aims to expose the legal and constitutional grounds for the criminalization of houses of prostitution. Based on the assumption that prostitution is a legal occupation, properly recognized by the Ministry of Labor and Employment, and that Criminal Law should only prohibit conduct that injures some property, thus presenting victims. This work seeks to express that such criminalization is based only on moral and religious aspects. For this purpose, an analysis is carried out about the concepts of legal interest and the principle of harmfulness from the paradigm of the Democratic State of Law, demonstrating the paternalistic role of the State and at what point it must be abdicated. With the growing demand from sex professionals for the regulation of prostitution and activities that exploit it economically, this work is of great importance, in proportion to demonstrating how such criminalization is unconstitutional and affects basic rights of people who choose to prostitute themselves.

Keywords: Prostitution; Criminal Law; Legal Well; Criminalization; Harmfulness.

Sobre os autores
Jairo de Sousa Lima

Advogado. Professor da FAESF-PI. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Bacharel em Direito pela Faculdade de Ensino Superior de Floriano. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, pela Uninovafapi. Advogado da ABECS-PI (Associação beneficente de cabos e soldados e bombeiros militares). Membro da ANACRIM. Presidente da Subcomissão de Relacionamento com o Poder Judiciário da OAB/PI. Palestrante. Autor de dois livros e mais de 70 artigos jurídicos publicados no Canal Ciências Criminais e outros portais e revistas. WhatsApp (89) 9 9474 4848

João Pedro Ribeiro Gonçalves Soares

Graduando de Direito pela Faculdade de Ensino Superior de Floriano- FAESF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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