Tribunal do Júri: Improcedência da qualificadora do motivo torpe

10/03/2023 às 09:56
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Inicialmente, é necessário frisar que o rito do Tribunal do Júri é diferenciado dos demais, não só pelo fato de tratar dos crimes que são praticados contra a vida, mas por seu procedimento que é dividido em duas fases, razão pela qual, é importante atacar as qualificadoras do crime em ambos momentos processuais, a fim de evitar eventual julgamento sobre as mesmas, pois em caso de condenação, poderá agravar a pena do denunciado.

De forma breve tecemos algumas ponderações de como garantir a improcedência da qualificadora do motivo torpe previsto no art. 121, §1º, inc. I, do CPP, in verbis:

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

O motivo torpe que qualifica o crime de homicídio deve ser caracterizado pela ignomínia, abjeção, opróbrio, infâmia, não se fazendo presente quando desavenças anteriores entre acusado e vítima demonstram que o evento foi o auge discussão existente.

Portanto, em casos fora da hipótese acima se faz necessário o afastamento da qualificadora: motivo torpe, pois seu fundamento seria diverso do que sua própria natureza a impõe, uma vez que a discussão entre o réu e a vítima antes dos fatos não pode ser considerada como uma motivação moralmente desprezível, abjeta ou vil

Então quando estiver provado a ocorrência de conflitos anteriores, pelos depoimentos dos familiares da vítima, parentes do réu, inclusive testemunhas alhures que comprovem tal situação, se torna imperioso o afastamento desta qualificadora.

Nesse sentido, a jurisprudência já consolidou o entendimento que quando ocorrer desavença anterior, demonstrando que o evento foi o auge da dissensão existente, não há que se falar em torpeza.

Vejamos a jurisprudência sobre o tema:

DIREITO PENAL. HOMICÍDIO. QUALIFICADORA. PRONÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROVIMENTO PARCIAL. 1 - PARA A TEORIA FINALISTA DA AÇÃO, O DOLO É INTEGRANTE DO TIPO, CONSTITUINDO-SE EM ELEMENTO SUBJETIVO IMPLÍCITO, QUE SERÁ AFERIDO, ANALISADO E CLASSIFICADO PELO COMPORTAMENTO QUE EXTERNA O ELEMENTO ANÍMICO. 2 - PERFAZ O TIPO PENAL DO HOMICÍDIO AQUELE QUE DISPARA VÁRIOS TIROS DE ARMA DE FOGO CONTRA A VÍTIMA, TRANSFIXANDO-LHE O CORPO POR TRÊS VEZES. 3 - O MOTIVO TORPE QUE QUALIFICA O CRIME DE HOMICÍDIO DEVE SER CARACTERIZADO PELA IGNOMÍNIA, ABJEÇÃO, OPRÓBRIO, INFÂMIA, NÃO SE FAZENDO PRESENTE QUANDO DESAVENÇAS ANTERIORES ENTRE ACUSADO E VÍTIMA DEMONSTRAM QUE O EVENTO FOI O AUGE DA DISSENSÃO EXISTENTE. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PARCIALMENTE PROVIDO. (RECURSO EM SENTIDO ESTRITO 20010110866727RSE DF. 2ª Turma. Relator: ANGELO CANDUCCI PASSARELI. Data de Julgamento: 29/05/2003. DJU de 17/09/2003, p. 53) (GRIFOS ACRESCENTADOS)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO SIMPLES – PRONÚNCIA – RECURSO MINISTERIAL – ALEGAÇÃO DE QUE O CRIME FORA COMETIDO POR MOTIVO TORPE – PEDIDO DE “RESTABELECIMENTO” DA QUALIFICADORA DE MOTIVO TORPE – CRIME COMETIDO EM RAZÃO DE BRIGA ANTERIOR – VÍTIMA QUE AMEAÇOU CODENUNCIADO E EFETUOU DISPAROS NA DIREÇÃO DO RECORRIDO – CONCLUSÃO DO PARECER DA PGJ – MOTIVO TORPE NÃO EVIDENCIADO – LIÇÃO DOUTRINÁRIA - JULGADOS DO TJRO E TJMS – RECURSO DESPROVIDO. “A discussão entre o réu e a vítima antes dos fatos não pode ser considerada como uma motivação moralmente desprezível, abjeta ou vil; assim, descabido pretender-se incluir a qualificadora da torpeza em pronúncia que corretamente afasta tal pretensão. Recurso em Sentido Estrito [...] interposto pelo "Parquet" a que se nega provimento, por não ser a qualificadora do motivo torpe incidente ao caso in concreto.” (TJMS, RSE nº 00000496520108120039) TJ-MT - Recurso em Sentido Estrito RSE 00012362420028110005 MT (TJ-MT)Jurisprudência•Data de publicação: 23/09/2016.

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO TENTADO. PRONÚNCIA. QUALIFICADORA. MOTIVO TORPE. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. 1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo a existência do crime e indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu e a favor da sociedade, conforme o mandamento contido no art. 413 do Código Processual Penal. 2. Em respeito ao princípio do juiz natural, somente é cabível a exclusão das qualificadoras na decisão de pronúncia quando manifestamente descabidas, porquanto a decisão acerca da sua caracterização ou não deve ficar a cargo do Conselho de Sentença. 3. No caso, o Tribunal de origem afastou a qualificadora do motivo torpe por entender que não bastava à exordial descrever briga anterior, mas deveria relatar as circunstâncias do suposto embate. 4. Denúncia que narra suficientemente a torpeza do homicídio, consubstanciada na briga anterior envolvendo os denunciados e as vítimas, não se relevando despropositada a submissão da imputação ao Tribunal do Júri. 5. Não há necessidade da denúncia relatar em pormenores as razões, circunstâncias, meio de execução ou resultado da desavença anterior indicada à configuração do motivo torpe. 6. Apresentado fato concreto, a verificação de ser ele razão abjeta ou não à prática do homicídio é matéria afeta ao Conselho de Sentença. 7. Recurso provido. STJ -RECURSO ESPECIAL REsp 1742172 RS 2018/0119568-2 (STJ) • Data de publicação: 01/02/2019.

Diante destas razões, quando o representante do órgão ministerial não trouxer aos autos qualquer elemento de prova capaz de indicar que a morte da vítima ocorreu por motivo torpe deve ser afastada a respectiva qualificadora.

Sobre o autor
Andrew Lucas Valente da Silva

Advogado da Seccional da OAB/AP, com graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá - CEAP. Pós- graduado em direito penal e processual penal pela faculdade CERS. Atuante no Tribunal do Júri, Crimes Contra a Dignidade Sexual, e crimes em geral previstos no Código Penal e leis especiais. Membro da Comissão Especial Criminal da OAB/AP. Membro da Comissão Especial da Jovem Advocacia. Colunista no Canal Ciências Criminais, Migalhas, Direito Net, Jus Navegandi e Jus Brasil. No magistério ministrou aula no projeto voluntário Concurseiros Unidos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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