Justiça distributiva: igualdade de recursos breve reflexão acerca da teoria de ronald dworkin

13/03/2023 às 16:52
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RESUMO

A escassez de recursos impossibilita que todos os indivíduos obtenham de maneira igualitária acesso a bens necessários à uma sobrevivência digna. Objetivando encontrar soluções e explicar as razões dessa desigualdade, foram erigidas diversas teorias acerca da justiça distributiva, tendo como principais pensadores John Rawls, Robert Nozick e Ronald Dworkin. O presente estudo tem por objeto discorrer sobre a corrente doutrinária desenvolvida por Dworkin, intitulada de Igualdade de Recursos, fazendo-se, ao final, uma breve reflexão no que concerne a tal teoria.

Palavras-chave: Igualdade de Recursos, Justiça Distributiva, Reflexão, Ronald Dworkin, Teorias.

INTRODUÇÃO

A distribuição de bens, recursos e oportunidades sempre foi alvo de preocupação e estudo por parte dos teóricos e pensadores, uma vez que não se revela equânime a todos os indivíduos, o que faz surgir discrepâncias a justificar a existência de desigualdades difíceis de superar.

É cediço que inúmeros fatores influenciam nessa repartição de recursos, mormente quando se observam caracteres de ordem pessoal, a exemplo da sucessão patrimonial, vínculos familiares, região onde o indivíduo nasce, que acabam por facilitar ou tornar exaustivo o percurso a ser seguido para se atingir o mesmo fim.

Sabe-se, outrossim, que independentemente do contexto histórico, social, político e econômico vivenciado, sempre existiram desigualdades entre indivíduos e classes, razão pela qual resta muito dificultosa a análise dos motivos que ensejaram tantas diferenças.

Diversas teorias foram criadas para tentar encontrar soluções e explicar os fatores que levaram a uma desigual distribuição de recursos, destacando-se como principais pensadores John Rawls, Robert Nozick e Ronald Dworkin.

O presente estudo tem por escopo discorrer acerca da Justiça Distributiva, iniciando em seu primeiro capítulo com uma síntese das teorias de Rawls e Nozick, para no segundo capítulo fazer uma explanação sobre a Teoria da Igualdade de Recursos de Dworkin. No terceiro capítulo, será feita uma breve reflexão no que concerne à corrente doutrinária erigida por este pensador.

Não se pretende, por óbvio, esgotar a matéria relativa à justa distribuição de riqueza, mas apenas fazer uma reflexão sobre o que levaria à tamanha desigualdade entre os indivíduos. Seria mera sorte ou azar, talvez competência ou capacidade de gerar renda, ou quiçá ingerência estatal a fomentar a produção e distribuição equânime de bens.

1 – A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA E SUAS PRINCIPAIS TEORIAS

A preocupação atinente à distribuição de bens e recursos aos indivíduos, é assunto que há séculos tem ocupado espaço em debates entre pensadores e filósofos, de maneira que foram erigidas inúmeras teorias a fim de explicar os motivos da desigualdade, bem como para encontrar soluções com o escopo de tornar tal distribuição mais equânime.

A ausência de equilíbrio nessa repartição de recursos é constatada desde os primórdios da humanidade, revelando-se presente nos mais diversos contextos históricos, sociais, políticos e econômicos, razão pela qual não se demonstra tarefa fácil a elaboração de uma tese que melhor explicite o que seria essa justa distribuição.

Dessa forma, questiona-se o que levaria uma determinada sociedade a possuir uma melhor distribuição de renda, bens e oportunidades, a possibilitar que seus cidadãos desfrutem de maneira mais igualitária das possibilidades ofertadas pela regulação econômica e pelo mercado de trabalho, podendo competir e alcançar posições de relevo, seja na gestão pública influenciando o sistema político, seja na iniciativa privada obtendo rendimentos elevados e riqueza.

Vale ressaltar que não se pode admitir que haja uma inflexível predestinação nessa distribuição, impedindo que os indivíduos alcancem a sua própria posição social, notadamente em virtude de suas aptidões pessoais e capacidade em obter renda ou bens. É cediço, entretanto, que diversos fatores podem influenciar na repartição, facilitando ou abreviando o caminho a ser percorrido por alguns e, ao revés, tornando mais exaustivo o percurso de outros para alcançar o mesmo objetivo.

Destarte, não há dúvida que a depender dos vínculos familiares ou, até mesmo, da região ou país que determinada pessoa nasceu, suas oportunidades serão maiores ou menores e, consequentemente, a obtenção de recursos e bens demandará proporcionalmente uma quantidade maior ou menor de esforço a ser despendido para a consecução de idêntico fim almejado.

Poder-se-ia citar inúmeros pensadores acerca do assunto, contudo, os que mais se destacaram por apresentar significativa contribuição são os teóricos John Rawls, que trata da concepção de justiça como equidade; Robert Nozick que, a partir da doutrina do justo título, procura trazer uma alternativa à teoria de John Rawls; e Ronald Dworkin, que elaborou sua corrente doutrinária por meio da ideia de igualdade de recursos.

Em sua teoria, John Rawls não poupa críticas ao utilitarismo, uma vez que para ele não seria plausível a busca incessante de um bem-estar coletivo, em detrimento de determinados indivíduos que devem suportar a imposição ilimitada de sacrifícios ou perdas, fundamentando seus argumentos com base nos princípios da liberdade básica e da diferença, bem como no postulado da igualdade democrática.

Por sua vez, Robert Nozick fundamenta a sua teoria no Justo Título, com caráter libertário, alegando que deve haver um Estado mínimo desempenhando cada vez menos tarefas, de modo a apenas proteger certos direitos individuais, a exemplo da propriedade e o cumprimento dos contratos. Possui fundamento nos princípios da aquisição, da transferência e da retificação.

Não obstante a perfunctória menção às teorias de John Rawls e Robert Nozick, o presente estudo tem por principal escopo discorrer sobre a corrente doutrinária erigida por Ronald Dworkin, mormente a Teoria da Igualdade de Recursos, que será também objeto de uma breve reflexão a ser consignada em capítulo próprio.

2 – A TEORIA DA IGUALDADE DE RECURSOS

Ronald Dworkin é um filósofo norte-americano, que nasceu em 1931 e foi professor da York University School of Law, também lecionando na University College London. É atualmente considerado um dos maiores pensadores do século XX, não apenas para a Ciência do Direito, mas também para a filosofia política e moral contemporânea (MARTINS, 2022).

A Teoria da Igualdade de Recursos foi desenvolvida por Dworkin em sua obra intitulada “a virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade”, que teve por escopo discorrer acerca das diversas Teorias da Igualdade, em especial sob a ótica do Liberalismo Igualitário, contrapondo-se ao Utilitarismo de Jeremy Bentham e de John Stuart Mill, além de propor alguns ajustes a partir da Teoria da Justiça de Jonh Rawls (2008), resultando na sua própria Teoria da Justiça Distributiva.

A referida corrente doutrinária foi formulada por Dworkin após refutar outras teorias da igualdade, a exemplo do ocorrido em sua obra “a raposa e o porco-espinho: justiça e valor”, por meio da qual procurou enaltecer as falsas concepções de igualdade trazidas pelo laissez-faire e pelo Utilitarismo.

Dworkin fez duras críticas ao laissez-faire que, embora enfatize as escolhas individuais traduzidas num amplo liberalismo político e econômico, não resulta em verdadeira igualdade material, uma vez que no desenvolvimento de suas vidas as pessoas não partem do mesmo ponto de equilíbrio, além de serem influenciadas por fatores externos que alteram a distribuição de riquezas e oportunidades.

No que concerne ao Utilitarismo, o tratamento igualitário deve levar em consideração o prazer e o bem-estar como desideratos a serem alcançados. Dworkin também refuta tal corrente, ao sugerir um simples exercício mental para criticá-la, por meio de um exemplo em que um pai deixaria maior parte de sua herança para um filho, em razão deste possuir, em tese, maior aptidão para o desenvolvimento pessoal. Referida conclusão, por óbvio, não é a mais justa ou em consonância com o respeito à igualdade.

Para Dworkin, as principais teorias da igualdade distributiva são as definidas como de bem-estar e de recursos. As teorias da igualdade de bem-estar defendem o esquema distributivo, tratando as pessoas como iguais quando há distribuição ou transferência de recursos entre elas, até que nenhuma transferência adicional seja necessária para deixá-las mais iguais em bem-estar.

Em sua obra “a virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade”, Dworkin enfatiza que o bem-estar pode ser considerado como sendo tudo o que é fundamental à vida, subdividindo sua doutrina em 03 (três) grupos de teorias, quais sejam: teorias bem-sucedidas de bem-estar; teorias de estado de consciência; e teorias objetivas de bem-estar (DWORKIN, 2011).

Para o primeiro grupo (teorias bem-sucedidas de bem-estar), a igualdade de êxito é tratada como sinônimo de igualdade de bem-estar, segundo a qual é recomendada a distribuição e a transferência de recursos até que nenhuma transferência adicional possa reduzir os êxitos entre as pessoas. No entanto, a ideia de êxito decorre de diferentes preferências, subdivididas em políticas, impessoais e pessoais.

As preferências políticas dizem respeito à distribuição de recursos por alguma lógica socialmente aceita, como o mérito ou a empatia a determinada classe. As preferências impessoais concernem a situações ou coisas não titularizadas por uma determinada pessoa. As preferências pessoais implicam no reconhecimento da distribuição de recursos para que as pessoas sejam iguais na busca do êxito na satisfação relativa à própria vida, sob sua própria ótica.

O segundo grupo (teorias de estado de consciência), por sua vez, defende que a distribuição de recursos deve buscar a satisfação decorrente de convicções e preferências pessoais. Entretanto, o nível de ambição e o grau de talento de cada um podem provocar disparidades entre as pessoas, não justificando a transferência de recursos de uma para a outra.

O terceiro grupo (teorias objetivas de bem-estar) foi erigido por Dworkin objetivando salvaguardar as inafastáveis diferenças subjetivas. Trata-se de utilizar a regra da igualdade de êxito total, a partir da insatisfação das pessoas, medida a partir dos recursos que estão à sua disposição. Há um exemplo que derruba tal teoria, denominado de “o problema dos gostos dispendiosos”: seria aceitável que uma pessoa que desenvolve gostos dispendiosos receba um auxílio adicional de recursos para manutenção desse gosto, apenas para reequilibrar a sua condição de bem-estar, em detrimento da diminuição de recursos dos demais integrantes da comunidade?

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À primeira vista, as propostas trazidas por tais teorias parecem ser atraentes, tendo em vista que almejam uma distribuição que resulte em vidas igualmente desejáveis a todos os indivíduos. No entanto, alguns obstáculos se apresentam, sendo um deles a grande dificuldade em comparar os níveis de bem-estar das pessoas, além do próprio conceito de bem-estar ser bastante impreciso.

Dessa forma, considerando a grande dificuldade em determinar quais preferências devem ser relevantes para a justa distribuição, Dworkin conclui que só é possível elaborar uma teoria interessante do bem-estar se nela estiverem compreendidas as preferências de qualquer origem, tomando-se o bem-estar individual como um todo.

Constata-se pelos argumentos expostos por Dworkin, que as teorias da igualdade de bem-estar são repletas de incoerências, motivo pelo qual são por ele também refutadas as teorias Welferista e Utilitarista que, sob o pretexto igualitário, defendem alguma função maximizadora de bem-estar como meta política.

Assim, não é o bem-estar, qualquer que seja a sua definição, o fator de equiparação capaz de promover a verdadeira igualdade entre os membros de uma sociedade, mas sim os recursos distribuídos aos cidadãos, o que deu ensejo ao modelo de igualdade de recursos descrito por Dworkin.

No que concerne à Teoria da Igualdade de Recursos, Dworkin inicia defendendo que o mercado ou a economia não são inimigos da igualdade. Ao revés, são essenciais para o desenvolvimento da igualdade de recursos, citando como exemplo um grupo de náufragos, numa ilha com recursos limitados, onde se cria uma divisão de recursos igualitária, permitindo que uma nova relação social inicie do zero, com total equilíbrio entre as partes.

Nesse contexto, fica assegurado que, ao final da divisão, nenhuma pessoa invejasse ou cobiçasse o quinhão da outra. Trata-se do chamado “teste da cobiça”. Sugere-se, então, a divisão de todos os recursos em parcelas idênticas, tantas quantos fossem os habitantes da ilha. Contudo, essa divisão logo se mostra impossível, haja vista que os recursos de cada espécie não se mostram múltiplos do número de indivíduos, bem como não se revela possível dividir determinados recursos.

Ademais, ainda que fosse possível tal divisão, verifica-se uma forma de injustiça que o “teste de cobiça” não identifica, ou seja, embora nenhum indivíduo, após a divisão, deseje cobiçar a parcela do outro, muitos desejariam ter recebido um conjunto diverso de recursos (exemplo: uma laranja, em vez de cinco maçãs). Percebe-se, portanto, que a igualdade de quinhões não implica necessariamente na mesma satisfação, devendo-se também respeitar as preferências de cada um.

A sugestão de Dworkin, nesse caso, é então realizar um leilão dos bens disponíveis, no qual todos os habitantes devem participar e ingressar com igual poder aquisitivo, de modo que cada indivíduo pode formar o conjunto de recursos que mais lhe aprouver, de acordo com suas preferências individuais. Além disso, ao final do leilão, ninguém poderá cobiçar a parcela de outra pessoa, pois também poderia tê-la adquirido, se o quisesse.

Não obstante, se não há dúvidas acerca da eficácia do leilão para a promoção da igualdade na distribuição dos recursos, novos problemas surgem após sua conclusão. Ou seja, diferenças na capacidade produtiva e, até mesmo, o fator da sorte, fazem com que em pouco tempo a desigualdade se estabeleça na comunidade.

O modelo de leilão proposto por Dworkin é muito semelhante ao que ocorre no mercado ou na economia, não se permitindo a constante manutenção da condição inicial de igualdade, de modo que são muitos os fatores que contribuirão para a mudança do estado de igualdade, com impacto na fortuna de cada um, dentre os quais a capacidade pessoal de mercancia.

Existem diferenças intrínsecas e indissociáveis dos seres humanos relativamente às suas habilidades, competências e deficiências, que não podem ser simplesmente desconsideradas, razão pela qual a teoria da “justiça da linha de largada”, também chamada de teoria de “igualdade de oportunidades”, não pode ser considerada como um postulado a ser seguido de forma absoluta.

No caso específico do fator sorte mencionado por Dworkin, há uma importante distinção a se fazer no que concerne a 02 (dois) tipos de sorte: a sorte bruta e a sorte por opção. Aquela envolve riscos que não dependem de escolhas individuais, como, por exemplo, a chance de alguém ser atingido por um raio. A sorte por opção diz respeito ao risco que o indivíduo escolhe correr, dos jogos de azar.

Para Dworkin, a sorte por opção ocorre quando um indivíduo assume determinado risco da sua atividade de forma pensada e calculada, sendo a sorte bruta relativa a situações imprevisíveis que alteram o desenvolvimento contínuo da pessoa. Desse modo, deveriam ser acrescidos aos bens iniciais do leilão um denominado “seguro hipotético”, para que todos tenham à sua disposição a oportunidade de proteção contra situações não previstas.

Vale ressaltar que a diferença na capacidade produtiva dos indivíduos é também um fator que impede a manutenção da igualdade de recursos, passado algum tempo desde o leilão inicial. Não há como negar que o maior talento de alguns para a produção de determinado bem compromete o sucesso de outros que, menos talentosos, optem por se dedicar à mesma atividade. Revela-se indubitável, portanto, que as diferenças de talento entre as pessoas interferem nas economias individuais.

Desse modo, a Teoria da Igualdade de Recursos difere da Teoria da Justiça da Linha de Largada, segundo a qual, desde que o leilão inicial seja igualitário, todas as transferências futuras de recursos entre os indivíduos serão justas, uma vez que a mera diferença de talento individual compromete a preservação do estado de igualdade de recursos.

Ademais, o ideal de igualdade, da forma como o concebe Dworkin, possui 02 (dois) desdobramentos ou princípios do individualismo ético, quais sejam: (a) Princípio da Igual Importância e (b) Princípio da Responsabilidade Especial.

O Princípio da Igual Importância consiste no dever de buscar o sucesso da vida de todas as pessoas, sem distinções, exigindo que os indivíduos se desenvolvam de forma equânime na condução de suas vidas. Por outro lado, para o Princípio da Responsabilidade Especial, os indivíduos devem assumir as conseqüências das escolhas que fazem no decorrer de suas vidas, devendo o sistema de distribuição de riquezas ser elaborado de modo que as opções pessoais reflitam nos resultados atingidos pelos indivíduos.

Destarte, resta indubitável que a igualdade pretendida por Dworkin, não se revela cega à multiplicidade de estilos de vida existentes entre as pessoas. Noutros termos, não se deve simplesmente somar tudo o que é produzido pela sociedade e dividir o resultado pelo número de membros, conferindo a todos parcelas idênticas. Para Dworkin, tal proposta é desigual e injustificável, motivo pelo qual a sociedade deve ser estruturada de forma que todos os cidadãos, igualmente considerados pelo Estado, possam perceber, ao longo de sua vida, o resultado de suas escolhas individuais.

As ideias que compõem a doutrina de Dworkin acerca da Justiça Distributiva, são sempre preocupadas com a tutela da igualdade substancial e não formal, considerando as diferentes características de cada um no que se refere à capacidade produtiva, acumulação de riquezas, habilidades e deficiências, garantindo-se, ainda que hipoteticamente, a igualdade do ponto de partida.

Dworkin defende a igualdade como sendo um ideal político máximo e, principalmente, sua opção pela igualdade de recursos em detrimento de outras concepções de igualdade, notadamente a de bem-estar. Descreve, ainda, os parâmetros a serem observados a fim de que se atinja a distribuição igualitária dos recursos entre os membros de uma comunidade, estendendo o alcance de sua proposta, inclusive, à esfera política.

A igualdade e a liberdade são dois ideais costumeiramente tratados como opostos ou conflitantes. A proposta de Dworkin, contudo, é demonstrar que a liberdade deve ser vista não como um ideal distinto ou como um obstáculo à igualdade, mas sim como um verdadeiro aspecto desta, sendo ambos os princípios necessários à igual consideração dos indivíduos. Assim, não se pode, em hipótese alguma, admitir a subordinação da igualdade à liberdade, sob pena de, em determinados casos, o Estado deixar de considerar igualmente os cidadãos, em nome da liberdade, o que seria um absurdo.

Segundo Dworkin, um eventual conflito entre os dois ideais só se verifica caso sejam satisfeitas duas condições: em primeiro lugar, a vida de um grupo de indivíduos deve melhorar mediante a supressão de certas liberdades; em segundo lugar, o princípio da igual consideração deve exigir que isto seja feito. Presentes ambas as condições, para Dworkin, o direito à liberdade deverá, necessariamente, ser sacrificado.

Dworkin afirma, outrossim, que a liberdade é necessária para que se alcance a distribuição ideal, mas que também é necessária, para tanto, a imposição de restrições à liberdade, a fim de que as pessoas possam traçar seus projetos de vida e realizá-los com relativa segurança acerca da manutenção de sua vida e de seus bens.

Nesse contexto, novamente Dworkin cita o exemplo do leilão para estabelecer uma ponte entre o princípio igualitário abstrato e o “teste de cobiça”, ao afirmar a necessidade de se identificar o verdadeiro custo de oportunidades que a aquisição de determinado bem por uma pessoa implica para as outras.

O exemplo que cita é o da divisão de um terreno a ser leiloado. Se for ofertado em lotes muito grandes, é provável que poucas pessoas se interessem em investir a quantidade correspondente de recursos iniciais em sua aquisição, o que fará com o preço diminua. No entanto, se o terreno for levado a leilão em porções menores, o preço tende a aumentar, haja vista que mais pessoas tendem a se interessar por sua aquisição. Qual das duas formas de leilão seria mais justa?

Tal questionamento é respondido por Dworkin, ao dizer que o segundo leilão seria mais justo, porquanto mais sensível aos desejos e aspirações dos indivíduos. No primeiro caso, em que as opções são mais limitadas, parte dos custos de oportunidades permanece oculta. Assim, Dworkin chega ao que se denomina princípio da abstração, ou seja, os recursos devem ser ofertados da maneira mais flexível ou abstrata possível.

Conforme Dworkin, o princípio da abstração está intimamente relacionado ao sistema de liberdades e restrições da sociedade que busca a igualdade de recursos, de modo que a opção por determinada maneira de ofertar bens pode acabar se tornando uma restrição à liberdade.

É de se destacar que para Dworkin, não se pode em nome da igualdade diminuir o déficit de recursos de uns à custa da restrição à liberdade de outros, nos moldes do denominado princípio do sacrifício, uma vez que a liberdade e a igualdade material são incomensuráveis, a não justificar a compensação de uma por outra. Assim, a liberdade não é um ideal oposto à igualdade e, muito menos, uma virtude contingente à igualdade de recursos, mas sim um elemento fundamental desta.

3 – BREVE REFLEXÃO ACERCA DA DOUTRINA DE RONALD DWORKIN

Insta consignar, ab initio, que Ronald Dworkin agiu de maneira acertada, ao refutar por completo a doutrina utilitarista de Jeremy Bentham e de John Stuart Mill, uma vez que não se pode dar total prevalência ao bem-estar da coletiva, em detrimento de determinados indivíduos que, muitas vezes de forma injusta, são sacrificados na ânsia cegamente dirigida à obtenção do prazer dos demais.

Dworkin, fazendo jus ao título que lhe foi conferido como sendo um dos maiores pensadores do século XX, construiu uma doutrina denominada de “Igualdade de Recursos”, sem olvidar de alguns caracteres inerentes a todos os indivíduos e presentes em qualquer sociedade, notadamente ao discorrer sabiamente acerca do “teste de cobiça”.

Não há dúvida que as capacidades individuais são relevantes nas conquistas e no sucesso de cada um, em especial para o acúmulo de bens, aumento da renda ou na obtenção das melhores oportunidades. Desse modo, ainda que hipoteticamente todos os indivíduos iniciem do mesmo “ponto de partida”, com os mesmos bens e oportunidades, durante o percurso da vida naturalmente diferenças surgirão em virtude das características e habilidades pessoais.

Não obstante Dworkin relatar que a liberdade estaria em consonância com a sua tese, em nada interferindo na busca da igualdade material por ele pretendida, deve-se ter em mente que tal expressão não é sinônimo de libertarismo, ou seja, com a total ausência de ingerência estatal na consecução da finalidade relativa à justa distribuição de riqueza.

Dessa forma, conquanto a liberdade esteja em sintonia com a igualdade pretendida por Dworkin, faz-se mister a atuação estatal para impor restrições a eventuais abusos praticados, bem como para fomentar o desenvolvimento das pessoas (físicas ou jurídicas) para que alcancem as metas almejadas. Assim, haverá uma tutela da igualdade material pelo Estado e, por outro lado, haverá um estímulo à capacidade ou habilidade individual de gerar renda e adquirir bens.

Vale ressaltar que os exemplos mencionados por Dworkin evidenciam claramente a natureza humana, de modo que sua análise comportamental retrata de maneira fidedigna a insatisfação dos indivíduos, ainda que, em tese, recebam os mesmos bens a revelar uma suposta igualdade entre eles. Noutros termos, os casos exemplificados por Dworkin demonstram que a distribuição equânime de bens, embora objetivamente seja aparentemente justa, numa análise subjetiva ou interna do indivíduo, poderá resultar numa insatisfação pessoal que revele uma possível desigualdade.

Destarte, pode-se inferir que, em verdade, nunca haverá uma perfeita e justa distribuição de riqueza, porquanto de maneira subjetiva ainda poderá haver desigualdade nos casos de insatisfação pessoal.

A complexidade das relações pessoais e o enigma ainda não decifrado relativo aos caracteres psíquicos da natureza humana, redundam na total impossibilidade de se alcançar a tão almejada justiça distributiva, de modo que as teorias apresentas, a despeito de possuírem uma alta densidade teórica, não respondem ou explicam de maneira satisfatória os questionamentos acerca do assunto.

Enquanto não esclarecidas todas as dúvidas suscitadas, deve a sociedade ainda conviver com diversidades, não só atinentes à distribuição de riqueza, mas também no que concerne à capacidade de cada um de, por meio de suas próprias habilidades, saírem de seu status quo e galgarem novos degraus para adquirirem ao menos respeito à dignidade humana.

CONCLUSÃO

O presente artigo, em seu primeiro capítulo, discorreu suscintamente sobre as principais teorias relativas à justa distribuição de riqueza, fazendo uma síntese das correntes doutrinárias de John Rawls e Robert Nozick. O segundo capítulo, por sua vez, adentrou na tese elaborada por Ronald Dworkin, que foi sucedido por uma breve reflexão acerca da sua teoria.

Dada a relevância de Dworkin como pensador e filósofo, restou necessário um estudo, ainda que superficial, de sua doutrina, em especial diante de sua enorme contribuição na análise comportamental do indivíduo e das respectivas relações sociais, que invariavelmente dificultam ou impedem uma solução justa na distribuição de bens, recursos e oportunidades.

A doutrina sabiamente formulada por Dworkin, intitulada de Igualdade de Recursos, objetivou fazer uma explanação minudente acerca da Justiça Distributiva, notadamente em contraposição ao laissez-faire e ao Utilitarismo, dando ênfase à liberdade como mola propulsora ao atingimento da igualdade material.

Atento à realidade social e aos caracteres do indivíduo, Dworkin formulou uma corrente que se adequa a qualquer contexto histórico, social, político e econômico, razão pela qual se destaca dentre as demais teses elaboradas por outros pensadores. À vista disso, deve ser estudada numa detida análise de seus principais aspectos teóricos, porquanto dela se infere que a igualdade de recursos é um ideal que nunca será alcançado, precipuamente pelas capacidades e habilidades inerentes a cada indivíduo.

Depreende-se da doutrina de Dworkin, portanto, que a verdadeira e justa repartição de riqueza, apenas será alcançada se houver uma substancial mudança psíquica na natureza humana e em suas relações sociais, de modo que, conquanto sejam criadas inúmeras teorias acerca do assunto, apenas com a alteração comportamental dos indivíduos, poder-se-á atingir o ideal almejado de uma justiça distributiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DWORKIN, Ronald Myles. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. 689 p.

MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 6. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2022. 1720 p.

Sobre o autor
Rodrigo Spessatto

Mestre em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), bem como possui pós-graduação lato sensu em Direito Público pela Universidade Potiguar (UnP) e graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Atualmente é Procurador da Foz Previdência (FOZPREV), tendo experiência na área de Direito Público com ênfase em Direito Tributário, Previdenciário, Administrativo e Constitucional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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