Consumidor: a demora na entrega de mercadorias pode ensejar indenização por danos morais?

14/03/2023 às 20:49
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Todos os consumidores deveriam conhecer ainda nos bancos escolares, em tenra idade, seus direitos no mercado do consumo. Não há como conceber o cotidiano, o dia a dia, o existir, o viver sem consumir. O consumo faz parte da vida em sociedade e, como não poderia deixar de ser, temos esses direitos assegurados na Constituição Federal (inc. XXXII, art. 5º c/c art. c/c inc. V, do art. 170) e principalmente na Lei 8.078 de 11/09/1990, também conhecido como Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor ou ainda, CDC - Código de Defesa do Consumidor.

Inicialmente deve-se ter em mente que teremos uma relação de consumo, regrada pelo Código de Defesa do Consumidor, quando no contexto observarmos o elemento subjetivo - relação entre consumidor e o fornecedor cf. arts. 2º e 3º - assim como o elemento finalístico - o consumidor como destinatário final.

Nesse contexto, todas as premissas do CDC deverão ser aplicadas visando a proteção do consumidor - o que, por certo, busca reequilibrar a relação e nem por isso dispensa que a boa-fé seja presente nos dois polos da relação, tanto pelo consumidor quanto pelo fornecedor do produto ou do serviço.

A observação e o respeito de todos os direitos e deveres do CDC é o que se espera de todos os atores do mercado de consumo. Nesse ponto temos o questionamento se de fato, principalmente nos dias atuais, a demora na entrega (muito recorrente) de mercadorias ou da prestação dos serviços objeto das relações poderá ensejar reparação por danos morais, especialmente por caracterizar a quebra de uma expectativa e o descumprimento de deveres estipulados no CDC.

Via de regra o mero descumprimento do prazo não deverá ensejar reparação indenizatória, todavia, quando evidenciado que o descumprimento do dever de entrega no prazo, independentemente da existência de culpa (art. 14) causa danos aos consumidores (inclusive os danos extrapatrimoniais) de rigor a indenização por danos morais deverá ser imposta.

Não se desconhece que hoje em dia, como aponta com muito acerto o Professor Marcos Dessaune (Resumo sistematizado e conclusão da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor. 2017) haverá dano quando o recurso escasso do consumidor (seu TEMPO) for vilipendiado:

"(...) O TEMPO É UM RECURSO PRODUTIVO LIMITADO QUE NÃO PODE SER ACUMULADO NEM RECUPERADO AO LONGO DA VIDA DAS PESSOAS; e ninguém pode realizar, simultaneamente, duas ou mais atividades de natureza incompatível ou fisicamente excludentes, do que resulta que uma atividade preterida no presente, em regra, só poderá ser realizada no futuro suprimindo-se outra atividade. Ou seja, o dano em questão resulta da lesão ao tempo vital do consumidor que, enquanto bem econômico escasso e inacumulável, nessa situação sofre um desperdício irrecuperável; do mesmo modo, tal dano decorre da lesão a qualquer atividade planejada ou desejada do consumidor que, enquanto interesse existencial suscetível de prejuízo quando deslocado no tempo, nessas circunstâncias sofre uma alteração danosa inevitável”.

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Nessa toada, a jurisprudência pátria vem reconhecendo que efetivamente o descumprimento do prazo de entrega de produtos, serviços e mercadorias pode ferir sim o direito do consumidor lhe causando lesão extrapatrimonial que precisa ser compensada com a correspondente indenização por danos morais:

APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DO PRODUTO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS QUE SE IMPÕE. 1. Tratando-se, in casu, de responsabilidade objetiva, nos moldes do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, desnecessária a comprovação da culpa do fornecedor, bastando a demonstração do dano e do nexo de causalidade para que exsurja o dever de indenizar. 2. O atraso injustificado de 03 meses na entrega do armário adquirido ultrapassa a barreira do mero aborrecimento e do simples inadimplemento contratual, eis que frustram a legítima expectativa dos autores quanto a utilização do produto, restando configurada a ofensa aos Princípios da Boa-fé Objetiva e da Confiança. 3. À luz dos Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade, e levando-se em consideração as características do caso concreto, sem deixar de considerar ainda o caráter punitivo e a natureza preventiva da indenização, majora-se a verba compensatória dos danos morais, fixando-a em R$ 6.000,00 (dez mil reais). Recurso ao qual se dá provimento. (TJ-RJ - APL: 00834144420188190038, Relator: Des (a). WILSON DO NASCIMENTO REIS, Data de Julgamento: 04/02/2021, VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 05/02/2021)

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

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