No presente texto, vamos analisar se é legítima a ideia de que o bloqueio das redes sociais é uma medida cabível para a proteção de direitos e que não viola a liberdade de expressão.
As garantias e direitos constitucionais, foram conquistados ao longo dos séculos e das sociedades. O custo foi altíssimo, e a história ficou marcada por muitas lutas e vidas que se doaram para que hoje fosse possível ter liberdades e direitos essenciais à vida e a cidadania.
Em um Estado Democrático de Direito, regido por uma forma de governo republicana, defender esses fundamentos não é só uma possibilidade, como também um dever cívico de todos os cidadãos, e principalmente, dos órgãos e instituições democráticas que possuem mecanismos para tal defesa.
Diante disso é imprescindível reprimir todas as formas e tentativas de violar essas garantias, utilizando dos meios legítimos para que não se volte a décadas passadas, em que pessoas viviam em um estado de opressão, alienadas dos direitos fundamentais a sua existência.
Hoje, vivemos em um cenário de virtualização das relações sociais, e consequentemente, o espaço público de discussões e diálogo foi ampliado para os ambientes virtuais. Não há de se discutir que é direito de todos expressar suas opiniões e pensamentos sem nenhum tipo de censura, sendo que é por meio dessa possibilidade dada pelas redes sociais que cada indivíduo poderá exercer sua cidadania e participação na sociedade.
Todavia, o que temos visto é o abuso dessas prerrogativas realizado de forma ilegítima para atacar, denegrir e ameaçar a ordem institucional, a honra e a imagem de outras pessoas. De forma precipitada, tais atos tentam ser justificados por meio de liberdades individuais e coletivas, como por exemplo, a liberdade de expressão e pensamento, rotulados no art. 5º da nossa Constituição Federal.
Nesse cenário, os meios de comunicação, em especial, as redes sociais, tornam-se instrumentos para ataques realizados por grupos e pessoas aos valores inerentes a nossa sociedade como a democracia e as instituições republicanas. O impacto gerado pela disseminação de desinformação e inverdades contidas nos conteúdos circulados, causa sérios riscos ao Estado de Direito, assim como a imagem, a vida e a honra das vítimas desses atos, que a vista da nossa legislação merecem a devida responsabilização civil e penal.
Diante disso, há de se falar em medidas para reprimir essas violações e fazer cessar a impunidade de tais agentes. Nesse sentido, inúmeras decisões judiciais foram proferidas nos últimos anos em resposta a essas práticas, desde ordens para exclusão de postagens, até a suspensão de contas de usuários nas redes sociais.
Em 2007, a plataforma de compartilhamento de vídeos da Google, o Youtube, foi retirado do ar por um dia. No presente caso, tal medida foi solicitada pela justiça brasileira devido o não cumprimento de ordem judicial que determinava a retirada de um vídeo com conteúdo intimo da modelo Daniela Cicarelli. Como vemos, existe a possibilidade de plataformas que a princípio, deveriam ser para a interação e socialização, serem usadas de forma maliciosa para violar os direitos da personalidade: a vida, a imagem, o nome, a honra, entre outros.
Mais recentemente, temos o caso da ordem de bloqueio do Telegram, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, também justificada pelo não cumprimento de decisão judicial que solicitava o compartilhamento de dados de grupos e usuários que supostamente disseminavam desinformação, planejavam e incitavam ataques as instituições republicanas como o STF, o Congresso, e também aos seus membros. Ficou estabelecida também multa diária ao provedor da plataforma caso não cooperasse com as investigações, fundamentada pelo que está disposto na Lei Penal, no seu art. 359, que pune a desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito, sob pena de três meses a dois anos de detenção, ou multa.
É preciso ressaltar que o bloqueio a rede social, foi apresentada aqui como última medida, dado o seu carácter rigoroso, consequentemente levando a interrupção da comunicação nesse espaço para troca de mensagens entre os seus usuários. Mas que, entretanto, também encontra fundamento na lei 12.965/14, o Marco Civil da Internet, no art. 12, onde prever desde a advertência, até a proibição do exercício de atividades relacionadas a transmissão de dados nas plataformas caso haja violação das normas contidas nos arts. 10 e 11 do mesmo diploma legal, que permitem obter os registros e informações por meio de ordem judicial.
Aqui não se discute a limitação do acesso a esses espaços públicos de comunicação como forma de censura e ataque as liberdades públicas, a exemplo da liberdade de expressão, e sim a repressão a todo tipo de violação a direitos e ameaça aos valores fundamentais da nossa sociedade.
Ainda, é necessário relembrar uma das lições primárias que aprendemos no mundo jurídico, que não há direitos absolutos.
Parafraseando o entendimento de Norberto Bobbio, sempre que houver dois direitos fundamentais se enfrentando, não é possível defender um deles incondicionalmente e desprezar o outro.
Do mesmo modo, levando em conta os ensinamentos de Robert Alexy sobre as regras e os princípios, nos princípios deve ser aplicada a técnica da ponderação sempre que dois deles entrarem em conflito no caso concreto - o estado de direito ou a honra das pessoas frente a liberdade de expressão. Ou seja, há a necessidade de realizar um equilíbrio entre os direitos fundamentais, para que não sejam usufruídos de forma arbitraria, gerando injustiças ao invés de isonomia.
Já ficou claro que existem limitações aos princípios, como a liberdade de expressão e a liberdade de pensamento, para se evitar os excessos causadores de danos aos demais direitos. A própria Constituição Federal de 88, que consagra os princípios citados anteriormente, também prever limites elencados no art. 5º, como;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
A proibição do anonimato, é uma medida que serve como requisito para o exercício da manifestação do pensamento e traz a possibilidade de identificar quem transmitiu a opinião que poderá vir a causar danos a terceiros e consequentemente, gerar a responsabilização civil ou penal.
Ainda no rol do art. 5º, temos o inciso X;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
A disposição citada traz a tona os direitos da personalidade, que também possuem o status de serem fundamentais, sendo assim, a liberdade para expressar ou expor uma opinião, ideia ou pensamento, encontra limites na medida que possa violar algum desses direitos ou mais de um ao mesmo tempo.
Ainda podemos falar das limitações a liberdade de pensamento e expressão encontradas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a qual o Brasil é signatário. O art. 13, visa legitimar o exercício dessas liberdades na medida em que respeitem; os direitos ou à reputação das demais pessoas, como também, a proteção da segurança nacional, da ordem pública, da saúde ou da moral pública.
Diante de tudo o que foi exposto, entendemos que os excessos, inclusive nas redes sociais devem ser reprimidos, com a devida responsabilização de acordo com as normas legais. E que são necessárias as medidas de limitação, ainda que quando justificado, o bloqueio das plataformas onde essas violações são praticadas, como assegura a legislação brasileira. A internet não deve ser uma terra sem lei.
Aqui, mais uma vez, não estamos falando de cessar um direito, e sim, de corrigir os abusos para que não haja um dano maior na vida das pessoas e no Estado Democrático de Direito.
Cabe relembrar o ditado, que embora popular, ainda precisa penetrar nas nossas ações; "o direito de uma pessoa encontra limites, no direito de outra".