UMA DAS GRANDES DESVANTAGENS de não regularizar desde logo em sede de Inventário a PARTILHA dos bens deixados por conta do falecimento de alguém é o risco de que algum dos herdeiros, preenchendo os requisitos exigidos para a USUCAPIÃO, possa requerer para si, com exclusividade, a propriedade dos bens, perpassando com isso inclusive a imperiosidade da realização do Inventário.
Como sempre falamos aqui, o procedimento de Usucapião não se presta para substituir o Inventário - e é bom que se recorde que ambos "remédios jurídicos" hoje em dia podem ser resolvidos diretamente em Cartório, na via EXTRAJUDICIAL, sem a necessidade de um longo e custoso PROCESSO JUDICIAL, bastando com isso que um Advogado Especialista assista aos procedimentos como exigem tanto a RESOLUÇÃO CNJ 35/2007 quanto o PROVIMENTO CNJ 65/2017 que regulamentam respectivamente o Inventário Extrajudicial e a Usucapião Extrajudicial.
Com o falecimento do titular dos bens a universalidade patrimonial (espólio) transfere-se imediatamente aos seus herdeiros por ficção legal, na forma do art. 1.784 do CCB:
"Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários".
A Lei não deixa a um só momento os bens soltos, acéfalos, fora da posse de alguém, sem titular - ainda que os herdeiros possam nem mesmo saber do falecimento ou ainda, da existência daqueles bens. A respeito da referida disposição legal comentam os festejados juristas FARIAS e ROSENVALD (Curso de Direito Civil. Vol. 7. 2023):
"Efetivamente, com a abertura da sucessão (= morte da pessoa humana), todas as suas relações patrimoniais (ativas e passivas) são transmitidas automática e imediatamente para os seus herdeiros. É como se o próprio autor da herança, em seu último suspiro de vida, no limiar de sua morte, estivesse, com as próprias mãos, transmitindo o seu patrimônio. Não há entre a morte (= abertura da sucessão) e a transmissão do patrimônio qualquer INTERVALO de tempo. Por isso, os herdeiros sucedem imediatamente o defunto, adquirindo o patrimônio desde o momento em que o causante faleceu".
Com toda certeza a SAISINE se opera automaticamente como reconhecem a Lei, doutrina e jurisprudência, porém, como sabemos de outras lições, a Usucapião pode sim criar raízes e frutificar inclusive nesse cenário de transmissão de patrimônio oriundo de HERANÇA, nos casos em que a posse seja exercida com EXCLUSIVIDADE por algum herdeiro, sem oposição dos demais, observados os requisitos legais da modalidade de Usucapião pretendida.
A transmissão ocasionada pelo falecimento do titular dos bens opera a transferência da universalidade como um todo em favor de todos os herdeiros por pura e legítima ficção legal, importando, em outras palavras, na constituição ainda que transitória de um condomínio "pro indiviso" (art. 1.791, par. único do CCB) - que no entanto não pode suplantar a possibilidade da Usucapião desejada por quem (co-herdeiro ou terceiros) reúna os requisitos que a Lei exige - portanto, é plenamente possível que um dos herdeiros possa requerer o reconhecimento da usucapião (judicial ou extrajudicialmente) sobre bem ou sobre a integralidade do montante patrimonial da herança em desfavor dos demais. Basta que preencha os requisitos - não importando inclusive se há ou não inventário aberto - como assevera a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
"REsp 1863154/MG. J. em 01/08/2022. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO AJUIZADA POR HERDEIRO EM FACE DO ESPÓLIO. INTERESSE PROCESSUAL CARACTERIZADO. VIABILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE PELA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. 1. Reconhecimento do interesse jurídico de herdeiro para o ingresso com ação de usucapião extraordinária em face do espólio, buscando o reconhecimento do preenchimento dos requisitos legais dessa modalidade de aquisição originária da propriedade. 2. JURIDICAMENTE VIÁVEL A PRETENSÃO direcionada contra o espólio de usucapir determinado bem comum, transmitido imediatamente à totalidade dos HERDEIROS pelo falecimento do autor da herança, em virtude do princípio da" saisine ". 3. Bens que, embora regidos pelas regras do condomínio" pro indiviso ", se submetem à prescrição aquisitiva extraordinária, uma vez comprovados o transcurso do TEMPO e a POSSE EXCLUSIVA, mansa e pacífica, com" animus domini ". 4. Existência ou não de inventário em curso é juridicamente irrelevante ao caso, sendo, portanto, insuficiente para se proceder à distinção com os precedentes desta Corte. 4. Manutenção do acórdão, que determinou o retorno dos autos à origem, para regular processamento e julgamento da ação de usucapião extraordinária ajuizada por herdeiro em face do espólio que se impõe. 5. Precedentes específicos da Terceira e da Quarta Turmas do STJ. 6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO".