O crime de espionagem do art.359-K do Código Penal como um crime militar extravagante.
Em 2021 o projeto de Lei. 2.108 gerou a Lei 14.197, decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República. Nesse sentido, instituiu no Código Penal em seu Título XII os crimes contra o Estado Democrático de Direito.
No caso em tela, vamos focar e analisar, dentre as novidades legislativas, o tipo penal do crime de espionagem descrito no art.359-K e verificar se podemos considerá-lo como um crime militar extravagante, ou seja, um crime militar fora do Código Penal Militar.
Aproveitando a oportunidade, vamos transcrever o supracitado artigo do CP:
Art. 359-K. Entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos.
1º Incorre na mesma pena quem presta auxílio a espião, conhecendo essa circunstância, para subtraí-lo à ação da autoridade pública.
2º Se o documento, dado ou informação é transmitido ou revelado com violação do dever de sigilo:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 15 (quinze) anos.
3º Facilitar a prática de qualquer dos crimes previstos neste artigo mediante atribuição, fornecimento ou empréstimo de senha, ou de qualquer outra forma de acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
4º Não constitui crime a comunicação, a entrega ou a publicação de informações ou de documentos com o fim de expor a prática de crime ou a violação de direitos humanos.
Inicialmente, devemos considerar que o tipo penal se encontra no Título inserido nos crimes contra o Estado democrático de direito. Nesse sentido, podemos afirmar que o bem jurídico tutelado é a soberania do país como um dos valores fundamentais da República, justificando a tipificação da conduta para salvaguardar o território nacional.
Qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo do crime, seja civil, militar nos crimes comuns, o nacional ou estrangeiro. No caso do §2°, a violação do dever funcional sugere que o crime seja próprio, ou seja, onde só pode ser realizado por quem tenha o dever de sigilo. Outrossim, no §3º exige que o agente tenha acesso ao sistema de informações para que possa desenvolver o tipo.
O Estado é o sujeito passivo do tipo, visto que ele é o titular do bem jurídico a ser violado.
O tipo exige que os verbos praticados estejam em desacordo com a determinação legal ou regulamentar e que a documentação ou informação, objeto material do crime, seja classificada como secretas ou ultrassecretas nos termos da lei. A lei que classifica os documentos como secretos e ultrassecretos é a lei ordinária federal nº12.527 de 2011 e, nesse sentido, regula as informações cujo o sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade ou do Estado colocando em risco a soberania do Estado ou a integridade do território nacional. Nesse sentido, encontramos a definição de secretas e ultrassecretas em outra lei fazendo deste dispositivo uma norma penal em branco homogênea. É mister lembrar que as informações aqui consideradas secretas e ultrassecretas são em caráter amplo, ou seja, não somente as informações escritas, mas também toda sonora, fotográfica ou outra forma que consiga representar inclusive o pensamento humano, conforme orienta e leciona o §2° do art.311 do Código Penal Militar nos delitos de falsidade e o art. 371 do Código de Processo Penal Militar no mesmo sentido.
Após essa breve análise do dispositivo em voga, vamos entrar no terreno do Direito Penal Militar e verificar o que a legislação castrense nos diz a respeito dos crimes não previstos em sua legislação.
O rol dos crimes militares foi expandido com o advento da lei n. 13.491/2017, pois, após esse diploma legal, os crimes previstos fora do CPM também podem ser considerados crimes militares. Para ilustrarmos essa ampliação, vamos transcrever a alteração trazida pela referida lei no inciso II do art.9º do Código Penal Militar:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º O art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: ..................................................................
......................................................................................
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017).
O inciso II do art.9º do Código Penal Militar traz as mesmas hipóteses em que deve ser praticado o crime para ser considerado militar:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
Nesse sentido, podemos afirmar que após a inovação legislativa inserida no inciso II do art.9º do CPM, o crime de espionagem elencado no art.359-k do Código Penal, pode ser considerado um crime militar extravagante se praticado na conformidade do inciso II do art.9 do CPM e suas alíneas, confirmado a existência de crimes militares fora do código castrense.
Bibliografia
Escola do Ministério Público da União. Crimes militares extravagantes e por extensão competência e efeitos da lei nº 13.491/2017. Disponível em https://escola.mpu.mp.br/conteudos-educacionais/cursos/aperfeicoamento/crimes-militares-extravagantes-e-por-extensao-competencia-e-efeitos-da-lei-no-13-491-2017/1.CrimesMilitaresExtravagantesSemana11.pdf. Acesso em: 28/03/2023
Coimbra, Cícero - Crime militar extravagante de espionagem (art. 359-K do Código Penal). Disponível em https://blog.grancursosonline.com.br/crime-militar-extravagante-de-espionagem-art-359-k-do-codigo-penal/ Acesso em: 28/03/2023
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Inquietações na investigação criminal militar após a entrada em vigor da Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017. Revista Direito Militar, Florianópolis, n. 126, p. 23-28, set./dez. 2017.