Institutos jurídicos do Direito Administrativo que contemplam a participação dos administrados no processo de tomada de decisão das questões sobre desenvolvimento sustentável

03/04/2023 às 11:40
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Institutos jurídicos do Direito Administrativo que contemplam a participação dos administrados no processo de tomada de decisão das questões sobre desenvolvimento sustentável

RESUMO

Diante do crescente avanço tecnológico e desenvolvimento econômico das sociedades modernas e da própria Administração Pública, é de extrema relevância saber se ocorreu participação dos administrados na construção desse espaço. Trata-se da necessidade de avaliar se os princípios administrativos que dispõem sobre a participação popular e a transparência estão sendo respeitados e também de avaliar o seu grau de influência. Nesse aspecto, sabe-se que, no arcabouço legal que trata do meio ambiente foram previstos diversos instrumentos jurídicos e administrativos para proteger esse direito de participação popular, dentre esses mecanismos, destacam-se os Estudos de Impacto Ambiental (EIAs), os Relatórios de Impacto Ambiental (RIMAs), a Ação Popular, a Ação Civil Pública e a Audiência Pública. Esse estudo, com um viés no campo do Direito Administrativo, tem por escopo analisar de que forma se dá a participação popular especificamente nas Audiências Públicas, busca-se verificar de que modo é possível a participação popular na defesa dos direitos socioambientais dentre desse instituto jurídico- administrativo.

Palavras-chave: Audiência Pública; participação popular; meio ambiente

ABSTRACT

Faced with the growing technological advances and economic development of modern societies and of the Public Administration itself, it is extremely important to know whether there was participation by those administered in the construction of this space. This is the need to assess whether the administrative principles that provide for popular participation and transparency are being respected and also to assess their degree of influence. In this aspect, it is known that, in the legal framework that deals with the environment, several legal and administrative instruments were foreseen to protect this right of popular participation, among these mechanisms, the Environmental Impact Studies (EIAs), the Environmental Impact (RIMAs), Popular Action, Public Civil Action and Public Hearing. This study, with a bias in the field of Administrative Law, aims to analyze how popular participation takes place specifically in Public Hearings, seeking to verify how popular participation is possible in the defense of socio-environmental rights within this legal institute - administrative.

Keywords: Public Hearing; popular participation; environment

  1. INTRODUÇÃO

De acordo com Bortoleto (2013), a Administração Pública brasileira só pode exercer a autoridade que ostenta na busca do interesse público. Devido a essa submissão ao interesse público, surgem o que Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010) denomina de “pedras angulares”, quais sejam, o princípio da supremacia do interesse público – em caso de litígio, o interesse público deve prevalecer ao interesse privado - e o princípio da indisponibilidade do interesse público – a atividade administrativa jamais deve se afastar do interesse público.

Desses dois princípios, decorrem todos os outros princípios que integram o regime jurídico administrativo. Botelho (2013) pontua que nem todos os princípios estão expressos na Constituição, como no caso dos consagrados princípios dispostos no art. 37 da atual Carta Magna (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência) ou em normas infraconstitucionais (como na Lei 9784/199, Lei do Processo Administrativo Federal, em que aparecem, dentre outros, os princípios das razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa e contraditório), alguns princípios são implícitos, mas, de acordo com o autor, nem por isso, devem ser violados.

Assim, é o Princípio da Participação Popular, embora de extrema importância e em gradativa inserção no ordenamento pátrio, não aparece expresso com essa nomenclatura na Constituição Federal e em legislações extravagantes mais usuais.

Não obstante não estar claramente expresso com essa terminologia, “Princípio da Participação Popular”, na Carta Magna atual, o aludido princípio desponta em diversos dispositivos constitucionais e tem um sólido histórico no ordenamento pátrio maior. Afinal, não é à toa, que a Constituição atual foi chamada de Constituição Cidadã. Pois bem, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal em 1988, o Brasil arvorou para si a perspectiva da democracia representativa e participativa, abarcando em seu ordenamento jurídico-administrativo a participação da comunidade em diversas legislações brasileiras infraconstitucionais, como é o caso da Ação Civil Pública, Lei n.º 7.347, publicada ainda em 1985.

Nesse aspecto, diversos são os instrumentos legais de participação popular que foram inseridos no ordenamento pátrio, de modo a buscar que os cidadãos atuem de maneira efetiva na tomada de decisão. Dentre esses mecanismos, Moreira (2017) destaca: as Audiências Públicas, os plebiscitos e referendos, a iniciativa popular legislativa, os conselhos municipais, o orçamento participativo, os órgãos de fiscalização, o portal da transparência.

Nesse cenário, esse trabalho tem por objetivo tratar da relevância do princípio da Participação Popular dentro do Direito Administrativo. A pesquisa buscará demonstrar o quão importante é a participação cidadã na fiscalização das decisões por parte do Poder Público, elencando os principais instrumentos jurídico-administrativos que concedem primazia ao aludido princípio.

Para alcançar o desiderato científico, esse trabalho, por meio da investigação da literatura diversa, buscará firmar bases teóricas concernentes à participação popular dentro de instrumentos legais do Direito Administrativo. Utilizou-se nesse trabalho metodologia de cunho primordialmente descritivo. Especificamente, optou-se por trabalhar com mecanismos advindos de uma abordagem qualitativa, ou seja, aquelas que preconizam que existe uma conexão entre o mundo e o homem, relação essa que não pode ser apenas quantificada.

  1. DESENVOLVIMENTO

    1. Os Princípios como fontes essenciais do Direito

Nunes (2002) ensina que a “Fonte é a nascente da água, e especialmente é a bica donde verte água potável para uso humano. De forma figurativa, então, o termo fonte, designa a origem, a procedência de alguma coisa”. Na mesma linha de pensamento, Maria Helena Diniz (2001), pontua que fonte do Direito pode ser concebida como base de validade da ordem jurídica. Para a civilista, fonte pode ser definida como o lugar de onde surge o direito.

Nesse sentido, a doutrina predominante no que tange ao Direito Administrativo, assevera que os princípios são fontes dessa seara jurídica. De acordo com a maioria dos estudiosos, os princípios são espécies dentro do grande gênero “fontes do Direito”. Dentre outras espécies, pode-se citar: a própria lei, considerada fonte primária do Direito Administrativo, a Doutrina, a Jurisprudência, os tratados internacionais e os princípios.

Dessa forma, de maneira bastante didática, Carvalho (2018), afirma que os princípios são regras não escritas que funcionam como suporte para o Direito. Na visão do autor, os princípios são “vetores genéricos” capazes de informar o ordenamento de um Estado, nos aspectos que não possuam previsão legal expressa.

Herman Benjamin (1992), estudioso da temática e um dos mais importantes magistrados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assevera:

São os princípios que auxiliam no entendimento e identificação da unidade e coerência existentes entre todas as normas jurídicas que compõem o sistema legislativo ambiental, é destes princípios que se tiram as diretrizes básicas que permitem compreender a forma pela qual a proteção do meio ambiente é vista na sociedade, e ainda, são os princípios que servem de discernimento básico para a interpretação das normas que compõem o sistema jurídico nacional, condição indispensável para a boa aplicação do direito nessa área (BENJAMIN, 1992, p. 115).

Se por um lado, alguns autores consideram os princípios como norteadores do Direito, há doutrinadores e até mesmo legisladores que consideram os princípios como verdadeiras soluções para as lacunas jurídicas. Esse entendimento pode ser observado de maneira expressa na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a qual, em seu art. 4º, dispõe “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Em síntese, o instituto jurídico “princípios” deve ser compreendido como mecanismo hábil a influenciar a respeito do entendimento dos valores protegidos por um ordenamento jurídico de um Estado.

O célebre estudioso Canotilho (1998) ensina que esses institutos, os princípios, possuem como finalidades precípuas: obstar o aparecimento de normas que lhes sejam opostas, regulamentar a hermenêutica das condutas normativas e resolver a lide em comento diante da falta de outras condutas normativas.

Nessa mesma perspectiva, o insigne estudioso na seara do Direito Administrativo Celso Antônio Bandeira de Melo (1980) assim preconiza:

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo os sistemas de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.

Ferraz Júnior (2011) traz outra perspectiva sobre a temática dos princípios, o autor afirma que existem doutrinadores que levantam a tese de que os princípios gerais do direito são resquícios do direito natural como fonte, todavia, assevera que há autores que defendem que os princípios são, na verdade, mecanismos de igualdade, os quais tem por escopo a busca da justiça, da sensação de equidade; Júnior (2011) ainda lembra que há autores que mitigam tais institutos ao antigo brocardo de Roma “honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere”1. Destarte, é possível concluir que, na verdade, o tema ainda que extremamente relevante para o Direito, é totalmente inacabado.

Histórico da Participação popular dentro do ordenamento jurídico brasileiro

Não obstante na atualidade ser indissociável a participação popular na gestão da coisa pública, tal dimensão foi construída de modo iterativo ao longo da elaboração de diversas normas do ordenamento pátrio.

A Constituição de 1988, sem dúvidas, cristalizou a relevância de tal princípio em vários artigos distribuídos ao longo da mesma, todavia, foi no campo dos Direito Difusos, que tal princípio solidificou-se.

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Dentre vários institutos administrativos constitucionais que contribuíram para o recrudescimento do ingresso do princípio da participação popular no ordenamento jurídico brasileiro, merece destaque, principalmente, a lei que disciplinou a Ação Civil Pública, Lei n.º 7.347, publicada ainda em 1985, ou seja, antes do advento da própria Constituição Federal de 1988.

A lei 7.347 criou a oportunidade da ação civil pública de responsabilidade por danos contra o meio ambiente, o patrimônio cultural e outros interesses difusos. Desse modo, a lei fez com que o princípio da participação popular ingressasse de modo inequívoco no ordenamento pátrio. Tal entrada pode ser constatada quando da leitura do art. 5º da referida lei, em que esse dispositivo menciona que, as associações que estejam constituídas há pelo menos um ano e que tenham pertinência temática ao tema a que pleiteiam a ação, são partes legítimas para recorrer ao judiciário.

Outro marco relevante do princípio da participação popular no ordenamento pátrio, mas já com um viés mais voltado para o Direito Ambiental, deu-se por meio da Resolução CONAMA n.º 001/1986, a qual dispôs a respeito da realização de audiências públicas para prestação de informação à comunidade sobre os projetos e seus impactos ambientais quando da implantação de empreendimentos de significativa degradação ambiental (BRASIL, 1986).

Na mesma esteira, apenas um ano após a edição da Resolução supramencionada, adveio a Resolução CONAMA n.º 009/1987, cujo escopo foi disciplinar as audiências públicas, inclusive, abrindo espaço para que a mesma pudesse ser convocada por outros entes: órgão ambiental competente, quando este julgasse necessário, ministério Público e, concedendo primazia total ao princípio em estudo desse trabalho, tal Resolução possibilitou que que audiência pública pudesse ser requisitada também por entidade civil ou por meio da solicitação de cinquenta ou mais cidadãos.

No que diz respeito especificamente à Constituição brasileira de 1988, tem-se que a positivação de tal princípio deu-se, de modo expresso, no art. 37, §3º:

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)   (Vide Lei nº 12.527, de 2011)

III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Nesse ínterim, pós a promulgação da Constituinte de 1988, o doutrinador na área ambiental, Machado (1994), assevera que haviam sido abarcados na legislação ambiental brasileira três eixos de participação popular:

  • Das pessoas através das ONGs nos conselhos municipais;

  • Das pessoas juntamente com entidades na etapa de comentários e na etapa de audiência pública no procedimento de estudo de impacto ambiental;

  • Participação nas ações judiciais.

Desse modo, de acordo com Antunes (2010), já era factível identificar que o princípio da participação popular estava contemplado, nem que fosse apenas no aspecto formal nos três Poderes.

Assim, abaixo tem-se Quadro 1, o qual, de modo didático faz breve apontamento a respeito da inserção do Princípio da Participação Popular na atual Constituição do Brasil.

Quadro 1 – Inserção do Princípio da Participação Popular na Carta Magna de 1988

Ações Legislativas

Ações Administrativas

Ações Processuais

Plebiscito

(art. 14, I,)

direito de informação

(art. 5º, XXXIII)

Ação Popular

(art. 5º, LXXIII)

Referendo

(art. 14, II)

direito de petição

(art. 5º, XXXIV)

Ação Civil Pública

(art. 129, III)

Iniciativa popular

(art. 14, III)

EIA/RIMA

(art. 225, IV)

Fonte: Adaptado de SILVA (2014).

Outros princípios administrativos imbricados ao Princípio da Participação Popular

O doutrinador Leite (2000) pontua que o princípio da participação popular só resta integralizado quando complementado pelo Princípio da Informação. De acordo com o autor, a participação que não abarca a devida informação não é nem verossímil, nem eficaz, torna-se mero ritual. Com o mesmo posicionamento, o doutrinador NUNES (2006) assinala que “os cidadãos com acesso à informação têm melhores condições de atuar sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e ideias e de tomar parte ativa nas decisões que lhes interessam diretamente”.

Assim, o Princípio da Participação Popular para ser concretizado deve antes ser contemplado pela satisfação do Princípio da Informação pois que a informação é um instrumento que possibilita que o homem ou a sociedade possam opinar a respeito de alguma temática e, por conseguinte, sejam capazes de se qualificar para tutelar seus ideais.

Se por um lado a participação popular aliada à correta informação é, de fato, basilar ao processo de proteção de democratização da Administração Pública, por outro, a publicização das ações do administrador público é crucial ao interesse da coletividade, trata-se do princípio da publicidade dos atos da Administração Pública.

Nessa perspectiva, Machado (2006), de maneira acertada, pontua que é preciso entender a necessidade da publicidade em todos os campos dos procedimentos jurídicos, legislativos e administrativos. Por meio da obra de Kant, o autor ensina que não são probas as ações que fazem referência ao direito de outros homens cujas máximas não se compatibilizam com o princípio da publicidade. Machado também ensina que direito à publicidade não é suficiente em si mesmo, o homem e a coletividade urgem ao direito à crítica. Na visão do doutrinador, apenas a publicidade crítica é capaz de gerar a possibilidade de se lograr êxito na informação solicitada no que concerne à dinâmica de funcionamento do Estado, com o escopo de que seja possível avaliar o Estado e criticá-lo por meio da opinião do público.

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Instrumentos jurídico-administrativos que contemplam o Princípio da Participação Popular

  1. Audiências Públicas

A audiência pública faz parte dos procedimentos exigidos na dinâmica da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) de várias nações, dentre as quais se destacam: Canadá, França, Holanda e Estados Unidos, seu principal papel é ser uma possibilidade de participação da comunidade no processo de tomada de decisão (MILARÉ, 2009).

No que concerne à previsão legal das Audiências Públicas, Milaré (2009) leciona que, na Constituição Federal, diversos instrumentos de garantia foram previstos para as hipóteses de agressões ao meio ambiente, impondo-se, agora, a abertura de espaço e de canais aos grupos sociais intermediários (associações civis de defesa do meio ambiente, de moradores de bairro, sindicatos etc.), para que, em constante mobilização, pudessem permitir a adequação necessária da ação dos detentores do Poder às exigências e necessidades populares.

Sobre tal assunto, corrobora a opinião de Antunes (2010):

A Audiência fará com que os cidadãos tomem conhecimento do conteúdo do EIA e do RIMA. Para a Administração, ela tem a função de ser um momento no qual poderá ser feita a aferição das repercussões junto à sociedade, do empreendimento proposto. Sugestões e críticas podem, e devem, ser feitas, assegurando que os administradores possam saber exatamente qual é a opinião popular sobre o projeto (ANTUNES, 2010, p 87).

Ademais, as audiências públicas realizadas para debate sobre a implantação de empreendimentos possuem regras específicas para o seu funcionamento, como procedimentos formais e orientações metodológicas, tais como data e hora definidas, pauta, atas de reunião, determinação de gravação em vídeo e/ou de voz dos debates.

Existem também normas atreladas à forma de conduzir do debate, desde a determinação de quais atores terão direito a voz, qual o quantitativo de tempo de fala para cada presente na audiência, se existirá o direito a réplicas, tréplicas, ao tempo de intervalo, entre outros acertos. Ao término, existem procedimentos que visam a orientar a sistematização da opinião dos atores e a incorporação ou não de seus pleitos na política ou na ação com a qual a audiência pública está vinculada (MATOS et al., 2002 apud FONSECA et al., 2013).

Quadro 2 - Características básicas das audiências públicas

  • Aplicação do princípio da publicidade;

  • Aplicação do princípio da participação popular;

  • Aplicação do princípio da informação;

  • Aplicação do princípio da Prevenção e da Precaução;

  • Possui caráter pontual;

  • Implica debate entre os envolvidos;

  • Tem o escopo de reduzir os conflitos;

  • Contém regras específicas para o seu funcionamento.

Fonte: Adaptado de FONSECA et al. (2013).

Além da previsão legal no âmbito do direito ambiental, a relevância desse instrumento de consulta popular pode ser dimensionada pelo que dispõe a redação do artigo 58, § 2º, inciso II, da Constituição da República de 1988, o qual prevê a realização de audiência pública pelas comissões do Congresso Nacional. A Lei n° 8.625/93, inciso IV, parágrafo único, Artigo 27, também prevê que o Ministério Público poderá promover audiências públicas para melhor exercer as atribuições que lhe são impostas (CÉSAR, 2011).

Em suma, Oliveira (2017) afirma que a obtenção de resultados satisfatórios está condicionada a realização de uma audiência com base em regras claras e de acesso à informação, definidas em leis.

  1. Administração Gerencial

O Princípio da Participação Popular, como não poderia deixar de ser, é também bastante usual a uma ciência bastante próxima do Direito Administrativo, a Administração Pública. Dentre vários outros institutos, por meio do “Estado em rede” tem-se uma percepção do quanto tal princípio também influencia a gestão da res pública.

De acordo com Mazza (2015), a concepção do “Estado em rede” surgiu como uma tentativa de melhoria no modelo da administração pública gerencial. Esse modelo tinha por escopo inicial apenas a busca por resultados, tratava-se de mera superação do modelo weberiano, conhecido como Modelo Burocrático. Mas a teoria do “Estado em rede” tem um objetivo superior pois que o mesmo objetiva realizar uma gestão direcionada para a cidadania, transformando os indivíduos de destinatários de políticas públicas em protagonistas na definição de estratégias governamentais.

Ainda de acordo com Mazza (2015), tal instituto tem como meta principal incorporar a participação popular, especificamente a da sociedade civil organizada, na priorização e implementação de estratégias governamentais, recrudescendo a gestão regionalizada e participativa.

Nesse aspecto, Moreira (2017) ensina que o próprio conceito do instituto “Governança”, tão caro à Administração Pública, modificou-se, devido a inserção da perspectiva da participação popular na gestão da coisa pública. Se antes, a “Governança” era definida como a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos humanos, financeiros e administrativos; atualmente tal conceito modificou-se para “Governança Pública”.

Hodiernamente, o conceito supracitado não se limita mais aos aspectos gerenciais, administrativos e ao funcionamento eficaz do Estado. Nos dias atuais, ele está atrelado a padrões de articulação e cooperação entre os atores sociais e políticos e arranjos institucionais, os quais coordenam e regulam transações dentro e através das fronteiras dos sistemas econômico, abarcando também as redes sociais informais.

  1. Plebiscito e Referendo

Dentro do ordenamento constitucional brasileiro esses dois institutos, o plebiscito e o referendo, podem ser analisados como meios similares consultivos da opinião popular nos negócios do Estado e, em linhas gerais, diferenciam-se basicamente pelo momento de suas realizações.

O Plebiscito pode ser elencado como um dos mecanismos basilares da democracia participativa disponibilizados ao povo. Está elencado no art. 14, inciso I, da CF/88. Em linhas gerais, pode ser conceituado como a possibilidade de oeleitorado decidir uma determinada questão importante para os destinos da sociedade, com efeito vinculante para as autoridades públicas atingidas. Trata-se de participação direta pois é o povo que decide, sem representantes.

Já o Referendo, malgrado também resultar na participação popular, mediante voto, possui uma finalidade específica de ratificar ou não um ato governamental. Tal instituto ocorre quando existe manifestação do povo no qual o eleitor aprova ou rejeita uma atitude de alguma autoridade do governo.

  1. Ação Civil Pública

Tal instrumento está previsto no art. 129, III da Constituição Federal de 1988 e destina-se à tutela dos interesses difusos e coletivos relativos ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, da ordem econômica e da economia popular, dentre outros.

De acordo com Gilmar Mendes (2011), a Ação Civil Pública é um instrumento de defesa do interesse geral, e, não obstante não ser direcionado, por definição, para a tutela de posições individuais ou singulares, tem-se constituído em relevante mecanismo de defesa dos direitos difusos, especialmente os direitos do consumidor e do meio ambiente, w também no controle social dos atos públicos

Nesse sentido, Carrion (1997) ensina que quando se fala em controle social da administração pública, busca-se sugerir a ideia de um controle político e social, não se trata apenas de um controle de legalidade, mas principalmente de um controle de mérito, de conveniência e oportunidade o ato administrativo.

  1. Ação Popular

De acordo Lenza (2012, p. 1059), a ação popular, juntamente com o voto, a iniciativa popular, o plebiscito e o referendo, é um mecanismo constitucional que ratifica o que está preconizado no art. 1º, parágrafo único da CF/88: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Destarte, a ação popular afigura-se como relevante meio de democracia direta e participação política do cidadão. Por meio desse instrumento objetiva-se tutelar a coisa pública.

A leitura do art. 1º da lei que regula a Ação Popular, Lei 4.717/1965, já denota a valia do Princípio da Participação Popular para o Direito Administrativo dentro desse instrumento:

Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos (grifos do autor).

A lei confere legitimidade bastante abrangente, isto é, “qualquer cidadão”, o que abarca justamente a ideia já discutida nesse trabalho sobre a ampla participação da sociedade na fiscalização dos atos do Poder Público.

Ainda sobre esse artigo, é perceptível que o legislador também foi bastante extenso quanto ao rol de pessoas que possam a vir sofrer a lesão mencionada pelo artigo. Sem dúvidas, através da hermenêutica teleológica, a inferência que se pode fazer desse artigo é a de que a Lei visa conceder legitimidade ao cidadão para fiscalizar qualquer ato que possa por em risco ou cause prejuízo a res pública.

Nesse mesmo sentido, se perfila o Ministro Britto (2005) apud Novelino (2018, p. 505):

A lei da Ação Popular estabelece um extenso rol de legitimados passivos que abrange, de forma geral, entes d Administração Pública direta ou indireta e pessoas jurídicas que, de algum modo, administrem verbas públicas. Em regra, exige-se a presença, no polo passivo, da pessoa jurídica de direito público a que pertencer a autoridade que deflagrou o ato impugnado ou em cujo nome foi este praticado.

Corroborando a magnitude do aludido princípio em estudo ao instrumento legal descrito nesse tópico, a exímia Ada Pellegrini Grinover (1979), há décadas atrás já pontuava que tal instrumento garante o direito democrático de participação do cidadão na vida pública, e para tal, a Ação popular baseia-se em dois fundamentos: no princípio da legalidade dos atos administrativos e no conceito de que a coisa pública é patrimônio do povo

CONCLUSÃO

Diante de todas as informações trazidas nesse trabalho, foi possível constatar que a democracia hodierna não se materializa apenas por meio dos representantes eleitos e dos sistemas burocráticos que atendem aos ditames legais exarados pelos centros de poder do Estado. Uma nação democrática requer meios de participação direta da comunidade desde ao que tange ao aspecto de decisões macro, como plebiscito, referendo, iniciativa legislativa popular e ação popular, quanto ao que aduz nos processos de decisões particularizadas, tais como decisões administrativas, pois, que tais decisões afetam, direta ou indiretamente, os indivíduos.

Esse trabalho demonstrou que, por meio da efetivação do princípio da participação popular é possível que sociedade acompanhe e verifique as ações da gestão pública, sendo capaz, inclusive de avaliar os objetivos, os processos e os resultados da execução das políticas elencadas pela Administração Pública.

Através desse trabalho conclui-se pela extrema relevância dos instrumentos de participação popular dentro do Direito Administrativo, na sua perspectiva mais prática, a gestão da res pública. Por exemplo, dentre os instrumentos analisados nesse trabalho, conclui-se que a Audiência Pública é instrumento legal que concede primazia ao princípio da participação popular. Trata-se de instituto a ser utilizado em diversas searas do Direito, pois que, justamente preconiza o que há de mais democrático na sociedade, isto é, a tomada de decisões após debate de ideias com a comunidade. Nesse sentido, tal mecanismo é atinente ao Direito Administrativo moderno que preza pelo Estado em Rede, pela Administração Gerencial, pelo Direito Administrativo capaz de aliar o princípio da Supremacia do Interesse Público com o Princípio da Participação Popular.

Das fontes pesquisadas desse trabalho, foi possível verificar, por exemplo que o principal objetivo de um instrumento jurídico-administrativo de participação popular, tal como a audiência pública, não deve se ater apenas à exposição àqueles que serão impactados pelo empreendimento, ela deve, prioritariamente, pressupor o debate, a proposição de novas ideias e sugestões de todos os envolvidos.

Por fim, o trabalho demonstrou que é no exercício do fundamento da cidadania, por meio da participação popular, que o Estado Democrático de Direito se concretiza e se fortalece e a Administração Pública alcança seu principal objetivo, o interesse da coletividade.


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SILVA, R. F. T. Manual de Direito Ambiental. 4 ed. Salvador: Jus PodiVm, 2014.


  1. Tal brocardo é proveniente de um antigo jurista de Roma, conhecido como Ulpiano. Na verdade, o trecho é, em sua totalidade o seguinte “Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere”, o qual, em português, pode ser traduzido como “Os preceitos do direitos são estes: viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um, o que é seu” (VIVIAN, 2015).

Sobre o autor
Jonathan Alves de Oliveira

Técnico do Ministério Público de Pernambuco, mestre em desenvolvimento e meio ambiente pela UFPE, graduado em Direito pela UFPE, em Engenharia Ambiental pela UNINASSAU, com Pós graduação em Direitos Humanos (Instituto CEI), Pós Graduação em Direito Público (Faculdade Legale), Pós Graduação em Ciência Criminais (CERS), Pós Graduação em Direito Administrativo (Universidade Anhanguera-Uniderp).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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