Fontes constitucionais e supralegais dos direitos da população LGBT sobre nome e gênero na área da saúde

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SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Direitos constitucionais – 2.1. A dignidade da pessoa humana – 2.2. O direito ao bem-estar – 2.3. O direito à igualdade – 2.4. O direito à intimidade – 2.5. O direito à saúde – 3. Regime jurídico de normas internacionais: constitucionalidade e supralegalidade – 3.1. Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos com status de emenda constitucional – 3.1.1. A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (e à espera da Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância) – 3.2. Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos com status de supralegalidade – 3.2.1. O Pacto de São José da Costa Rica – 3.2.2. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – 4. Conclusões – 5. Referências.

RESUMO: Neste trabalho, analisam-se as disposições constitucionais e supralegais que embasam os direitos relacionados ao nome e ao gênero da população LGBT nas saúdes pública e privada no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: LGBT. Nome. Gênero. Constituição. Supralegalidade.

1. Introdução

Este estudo vincula-se a outro que já publicamos1, sobre os direitos relacionados a nome e gênero da população LGBT na saúde pública e na saúde privada, complementando-o.

A complementação dá-se na medida em que, aqui, examinaremos o que consideramos as fontes constitucionais e supralegais daqueles direitos.

A existência de lastros constitucional e supralegal tem grande relevância, na medida em que revela os compromissos doméstico e internacional do País com relação a eles, convocando o legislador infraconstitucional, os regulamentadores, as autoridades e os cidadãos a observá-los em alto nível.

Para fins de enquadramento temporal, este estudo foi finalizado em fevereiro de 2023.

2. Direitos constitucionais

A Constituição da República é a fonte primeira dos direitos da pessoa.

Como se sabe, na hierarquia do ordenamento jurídico brasileiro é a Constituição que tem primazia. Nenhuma outra norma ou comando jurídico pode contrariar seus dizeres, como esclarece Walber de Moura Agra2:

“Como norma que inicia o ordenamento jurídico, criando as demais espécies normativas, a ‘Lex Mater’ exerce um papel fundamental na interpretação jurídica. Alicerçando o sistema normativo, as normas constitucionais indicam os limites que as normas infraconstitucionais devem obedecer, configurando-se na norma suprema do ordenamento, à qual as outras têm de se adequar, sob pena de inconstitucionalidade.”

Conforme o modelo adotado pelo constituinte pátrio, a Constituição nem sempre traz disposições para aplicação direta, havendo aquelas dotadas de maior abstração, não raro de teor principiológico, dependendo, para a efetivação de seus dizeres, da edição de normas infraconstitucionais com caráter mais específico, de maior concretude. Seriam, respectivamente, como indica Walber de Moura Agra3, as normas constitucionais autoaplicáveis, que consagram direitos prontamente exercíveis, às quais se contrapõem as normas constitucionais não-autoaplicáveis, que precisam de complementação legislativa.

Toda vez que o legislador deixar de atuar para dar exequibilidade às normas não-autoaplicáveis, ter-se-á uma inconstitucionalidade por omissão. Walber de Moura Agra4 explica:

“Com a Carta Magna de 1988 foi criada a inconstitucionalidade por omissão, que ocorre quando o legislador infraconstitucional não regulamentar dispositivo constitucional. Determinados mandamentos constitucionais somente produzem efeitos positivos se forem regulamentados pelos legisladores infraconstitucionais. A omissão do Poder Legislativo impede que a norma constitucional adquira completa eficácia, cometendo o legislador ordinário uma inconstitucionalidade.”

Sem que detalhemos demais o assunto, limitar-nos-emos a dizer que existem instrumentos jurídicos para suprir, pelas vias judiciais, a omissão legislativa que gera a inconstitucionalidade impeditiva da eficácia dos direitos constitucionalmente previstos.

No âmbito dos direitos de nome e gênero da população LGBT na saúde, em que a inconstitucionalidade por omissão não é rara, vêm à baila os temas da judicialização e do ativismo judicial5. Luís Roberto Barroso6 escreveu:

“A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, freqüentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.
A idéia de ‘ativismo judicial’ está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.”

Ou seja: a Constituição da República prevê ou sugere determinados direitos de forma genérica, mas o legislador, por razões nem sempre muito claramente compreensíveis (ou mesmo sem razão alguma), omite-se no seu dever de editar as normas infraconstitucionais necessárias a dar eficácia específica a eles, tornando-os de difícil exercício ou mesmo inúteis em certos casos. Afinal, de que serve um direito se não puder ser exercido? Eis um grave paradoxo de nosso Estado de Direito, paradoxo criado pela classe política.

No Brasil, é notável a quantidade de direitos constitucionais da população LGBT no âmbito da saúde que desde 1988 não foram trabalhados pelo legislador infraconstitucional como deveriam, mas que, graças aos já comentados ativismo judicial e judicialização, notadamente no controle da constitucionalidade pela frente da inconstitucionalidade por omissão, vêm ganhando eficácia, suprindo, assim, a inércia total ou parcial do legislador.

Examinaremos, a seguir, aqueles que consideramos os cinco principais preceitos constitucionais que fundam os direitos de nome e gênero da população LGBT.

2.1. A dignidade da pessoa humana

O Título I da Constituição trata dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.

Os princípios são valores que devem orientar a república, o que inclui a interpretação e aplicação das suas normas jurídicas. Já um fundamento é uma base sobre a qual se constrói algo, como são os alicerces de um edifício. Isso significa que os princípios fundamentais são os valores norteadores e basilares do Direito Brasileiro.

Um desses fundamentos é a dignidade da pessoa humana, assim colocado no texto constitucional:

“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(…)
III - a dignidade da pessoa humana;”

Walber de Moura Agra7 registra que “não existe uma determinação criteriosa de conceituação do que seja dignidade da pessoa humana nem de sua definição”, mas, em seguida, escreve8:

“A dignidade da pessoa humana representa um complexo de direitos que são apanágio da espécie humana, sem eles o homem se transformaria em coisa, ‘res’. São direitos, como a vida, lazer, saúde, educação, trabalho, cultura, que devem ser propiciados pelo Estado e, para isso, pagamos tamanha carga tributária.”

A saúde, citada pelo autor acima transcrito, é um bom exemplo. A ela, somem-se o direito ao nome e os direitos de identidade de gênero, pois não é digno de uma pessoa humana viver em desconformidade com o nome e o gênero com que não se identifica.

2.2. O direito ao bem-estar

Ainda no contexto dos princípios fundamentais, o bem-estar é assim previsto na Constituição:

“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(…)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Normalmente, o bem-estar é abordado pela ótica social (bem-estar social, “welfare state”), mas, evidentemente, o bem-estar da sociedade demanda o bem-estar dos indivíduos que a compõem.

O bem de todos deve, a nosso ver, ser apreciado em primeiro plano pela ótica da pessoa, do indivíduo. Seria difícil afirmar que a república preconiza o bem-estar de todos se, paradoxalmente, ela impedisse ou dificultasse o exercício de alguns direitos essenciais à satisfação da autoafirmação no que diz respeito ao gênero, à afirmação sexual e ao nome individuais. O bem-estar social seria, segundo pensamos, a faceta coletiva disso, os limites ditados por outras políticas estatais (sanitárias, criminais, civis etc.) destinadas a impedir abusos nocivos à sociedade e aos direitos dos demais indivíduos, bem como as políticas de favorecimento a uma vida digna em sociedade (segurança, viabilidade econômica etc.).

Assim, nossa visão sobre a previsão do dispositivo acima transcrito é a de que ele reclama a existência dos direitos de autonomia individual quanto à escolha e identificação de nome e gênero, na medida em que, sem isso, dificilmente se poderá afirmar o bem-estar da pessoa.

2.3. O direito à igualdade

No seu Título II, a Constituição trata dos direitos e garantias fundamentais. Não são mais princípios, mas direitos, embora alguns deles sejam dotados de maior abstração e dependam da atividade do legislador infraconstitucional para sua efetiva exequibilidade.

O conhecido art. 5º dispõe:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)”

A norma constitucional impede distinção de qualquer natureza e garante a inviolabilidade do direito à igualdade. Walber de Moura Agra9 comenta:

“A doutrina diferencia a ‘igualdade na lei’ da ‘igualdade perante a lei’. Esta significa que o operador jurídico não pode aplicar a lei descurando de sua isonomia para os casos similares, com o objetivo de impedir o surgimento de discriminações; aquela significa que o legislador, ao criar a lei, não poderá proceder de modo a gerar casuísmos, privilégios, valendo como postulado para os legisladores na confecção da norma. (...)
O Texto Constitucional brasileiro de 1988 não adotou a diferenciação exposta acima. A expressão contida no ‘caput’ do art. 5º refere-se tanto à igualdade na lei quanto à igualdade perante a lei, obrigando os legisladores e os operadores jurídicos a seguirem o preceito isonômico.”

E, mais especificamente quanto ao tema sob estudo, o mesmo autor escreve10:

“A garantia de igualdade entre os homens e as mulheres também abrange os homossexuais, tanto os masculinos quanto os femininos, os bissexuais e os transexuais. A Constituição, ao garantir a intimidade de ao proibir a discriminação, protegeu a livre opção sexual, impedindo qualquer tipo de preconceito.”

Nesse sentido, somente haverá a igualdade constitucional em havendo proteção jurídica à população LGBT no tocante à satisfação de seu bem-estar e de sua dignidade, tanto quanto existe essa proteção jurídica para as demais pessoas, e disso deflui com naturalidade a relevância de que exista legislação que resguarde a conformidade do nome e do gênero.

2.4. O direito à intimidade

O direito à intimidade está no inc. X do art. 5º:

“Art. 5º. (…)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Como a intimidade é “a esfera de vida que só ao cidadão em particular diz respeito, não pertencendo a mais ninguém”11, não é difícil notar que nome e gênero estão no seu âmbito.

Não há como negar quão íntima é a relação de cada pessoa com seu nome e seu gênero, o modo como lida com isso e o modo como se determina quanto a eles em face da sociedade.

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São, antes de tudo, as reflexões, as percepções e as decisões íntimas que dão os contornos da pessoa quanto ao gênero e ao nome que condizem com o seu ser mais profundo, com o seu bem-estar humano e social e com a sua dignidade.

2.5. O direito à saúde

A Constituição assim trata do direito à saúde:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

De forma sucinta, podemos dizer que o art. 196 trata de dois temas: o direito à saúde (em geral) e a saúde pública (dever do Estado). Não se podem confundir, portanto, direito e dever. Como direito, a saúde pode ser explicada de muitas formas, e uma delas é como a faculdade que cada pessoa tem de estar saudável, de ter saúde física e mental. Como dever do Estado, a saúde pode ser abordada na sua dupla faceta de obrigação estatal de prover serviços assistenciais da saúde (faceta fático-jurídica) e de editar normas jurídicas que assegurem a conquista da saúde pelas pessoas (faceta puramente jurídica).

É relevante atentar a outros termos desse art. 196. Com primor, o texto do dispositivo não alude apenas a doenças, mas também a “outros agravos”. Realmente, saúde não é um estado relacionado apenas à doença, mas a outras condições bio-físico-psíquicas, e até sociais (saneamento, água tratada, captação de esgoto etc.), compondo um conceito de ampla envergadura que goza dessa proteção constitucional.

Outro trecho relevante é o que estabelece acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, e que normalmente é interpretado sob a mais evidente significação do chamado acesso universal à saúde provida pelo Estado. Mas não é apenas isso: a igualdade é também o direito de os diversos obterem, por esse acesso universal, os tratamentos de que necessitem para que sua condição particular atinja a sanidade. Nesse sentido, a Constituição se preocupa com os anseios de saúde da população indistintamente, incluindo, obviamente, o segmento LGBT.

Pouco mais adiante, a Constituição dispõe:

“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
(...)
§ 4º. A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.”

Aqui já não trata a Constituição do direito à saúde nem do dever estatal de provê-la, mas da liberdade dada à iniciativa privada para atuar na assistência à saúde. É bastante diferente do dever estatal e do acesso universal da saúde pública: trata-se, aqui, de uma liberdade de mercado. É nesse art. 199 que se enquadra a chamada saúde suplementar, o nicho dos planos de saúde. Leonardo Vizeu Figueiredo12 explica:

“A rede particular de prestação de serviços de saúde atua suplementarmente à rede pública, sendo disponibilizada por entidade privadas de forma adicional e facultativa aos serviços disponibilizados pelo Estado.”

Essa descrição é importante para que não se pretenda vislumbrar, na saúde suplementar, o mesmo acesso universal que o constituinte reservou para a saúde pública a ser fornecida pelo Estado. Independentemente de qualquer juízo, é essa a lógica constitucional estabelecida, embora haja respeitáveis entendimentos em sentidos diversos.

O § 4º desse art. 199, que também transcrevemos acima, pode e deve ser considerado a base constitucional do dever imposto ao legislador de, uma vez entendidos – como é inevitável – determinados anseios de saúde de segmentos da população LGBT, notadamente os procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero, existirem normas jurídicas que permitam a efetivação deles.

Por fim, diz a Constituição, no que nos importa aqui:

“Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

Neste dispositivo está a previsão constitucional da regulamentação da saúde no Brasil, tanto no segmento público quanto no privado. A partir disso houve o advento, no país, da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998) e da criação da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar como órgão regulador dos planos de saúde (pela Lei nº 9.961/2000).

Em suma, pelo plano normativo constitucional nenhuma pessoa ficará desprovida de assistência pública à sua saúde no Brasil, podendo, se assim desejar, adquirir serviços suplementares privados para essa mesma assistência, ficando certo que a legislação deverá ser capaz de atender às necessidades que isso represente.

3. Regime jurídico de normas internacionais: constitucionalidade e supralegalidade

A mesma Constituição da República de 1988 prevê, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004:

“Art. 5º. (...)
§ 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Como dito, esse § 3º foi introduzido em 2004. Surgiu, assim, o problema do status dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos a que aderiu o Brasil antes da referida Emenda.

Sobre essa matéria técnica, o STF já se posicionou pela não-retroatividade do § 3º sob comento, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 466.343-1/SP13 por acórdão de 03/12/2008 da relatoria do Min. Cezar Peluso:

“Em termos práticos, trata-se de uma declaração eloqüente de que os tratados já ratificados pelo Brasil, anteriormente à mudança constitucional, e não submetidos ao processo legislativo especial de aprovação no Congresso Nacional, não podem ser comparados às normas constitucionais.
Não se pode negar, por outro lado, que a reforma também acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados pactuantes, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico.
Em outros termos, solucionando a questão para o futuro – em que os tratados de direitos humanos, para ingressarem no ordenamento jurídico na qualidade de emendas constitucionais, terão que ser aprovados em quorum especial nas duas Casas do Congresso Nacional –, a mudança constitucional ao menos acena para a insuficiência da tese da legalidade ordinária dos tratados e convenções internacionais já ratificados pelo Brasil, a qual tem sido preconizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desde o remoto julgamento do RE n° 80.004/SE, de relatoria do Ministro Xavier de Albuquerque (julgado em 1º.6.1977; DJ 29.12.1977) e encontra respaldo em um largo repertório de casos julgados após o advento da Constituição de 1988.”
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E a conclusão foi, em suma, de que tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos subscritos pelo Brasil antes da Emenda nº 45 têm natureza normativa supralegal: não gozam do status de texto constitucional previsto no § 3º do art. 5º, mas tampouco se resumem a algo como leis ordinárias. Citamos, do mesmo julgamento:

“Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade.
Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.
(...)
Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua ‘eficácia paralisada’.”

Portanto, têm relevância especial, no nosso Direito, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos firmados pelo Brasil, e abordaremos aqui os mais afinados ao tema em estudo.

3.1. Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos com status de emenda constitucional

Poucas14 foram as normas internacionais acolhidas pelo Brasil sob o novel rito do § 3º do art. 5º da Constituição, as quais, destarte, gozam do mesmo status de verdadeiras emendas constitucionais.

No que importa ao presente estudo, identificamos apenas um documento.

3.1.1. A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (e à espera da Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância)

Em 2013, na 43ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, de que o Brasil é membro, foram aprovados dois importantes documentos: (i) a Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância; e (ii) a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância.

Por razões que desconhecemos, o Brasil, que subscreveu ambas, somente efetivou o rito do § 3º do art. 5º da Constituição com relação à segunda delas, que, como veremos, aborda o racismo na sua configuração mais tradicional (genotifenotípica).

Assim, a Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância15, que é mais ampla e trata, entre outros, da discriminação sexual (por sexo, orientação sexual, identidade e expressão de gênero – art. 1.1), ainda não ganhou o status de emenda constitucional.

A nosso ver, porém, isso – conquanto lamentável – não traz prejuízo, pois a outra Convenção subscrita pelo Brasil está vigente com status de emenda constitucional, e, por ter dizeres muito similares aos da outra, e por tratar do racismo (que, entre nós, tem um sentido mais amplo que o tradicional), atinge praticamente o mesmo resultado, como veremos a seguir.

A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, foi aprovada pelo nosso Congresso Nacional nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição por meio do Decreto Legislativo nº 1/202116. Posteriormente, foi promulgada pela Presidência da República pelo Decreto nº 10.932, de 10 de janeiro de 202217, que incorporou a íntegra do texto da Convenção.

O documento é apresentado por “consideranda” que lhe dão tom de combate ao racismo no seu sentido mais tradicional. No entanto, ainda nos consideranda, outros dizeres como dignidade, igualdade, família humana, erradicação total e incondicional do racismo, da discriminação racial e de todas as formas de intolerância, nos permitem aplicar essa Convenção ao tema sob estudo.

Isso não apenas pelos dizeres acima mencionados, mas também pela relevante observação de que o racismo, à luz do tratamento jurídico que tem sido dado no Brasil sobretudo por conta de três importantes decisões do STF, contempla, na técnica jurídica, a discriminação sexual.

Na primeira dessas decisões, o célebre julgamento de um “habeas corpus” criminal que versava sobre práticas antissemitas, o HC 82424/RS, o plenário do STF decidiu, aos 17 de setembro de 2003, que raça é apenas uma, a raça humana. Sinteticamente, nos itens 3 e 4 da ementa:

“3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais.
4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.”

Assim, racismo é a prática de subdivisões dentro da espécie humana por critérios infundados e injustificáveis com o fito de uma perniciosa segregação.

Nesse sentido, ganham relevância a segunda e a terceira decisões do STF a que aludimos: na Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão (“ADO”) nº 2618 e no Mandado de Injunção (“MI”) nº 473319.

A ADO e o MI foram analisados e julgados praticamente em conjunto pelo STF, e o objetivo dessas ações era suprir a omissão do legislador federal no tocante à definição, por lei, de crime (tipo penal) de homotransfobia.

Destacamos da ementa do MI os itens 4, 5 e 6:

“4. A omissão legislativa em tipificar a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero ofende um sentido mínimo de justiça ao sinalizar que o sofrimento e a violência dirigida a pessoa gay, lésbica, bissexual, transgênera ou intersex é tolerada, como se uma pessoa não fosse digna de viver em igualdade. A Constituição não autoriza tolerar o sofrimento que a discriminação impõe.
5. A discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, tal como qualquer forma de discriminação, é nefasta, porque retira das pessoas a justa expectativa de que tenham igual valor.
6. Mandado de injunção julgado procedente, para (i) reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e; (ii) aplicar, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito, a Lei 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.”

E destacamos da ementa da ADO esses trechos:

“Exposição e sujeição dos homossexuais, transgêneros e demais integrantes da comunidade LGBTI+ a graves ofensas aos seus direitos fundamentais em decorrência de superação irrazoável do lapso temporal necessário à implementação dos mandamentos constitucionais de criminalização instituídos pelo texto constitucional (CF, art. 5º, incisos XLI e XLII) – (...) A situação de inércia do Estado em relação à edição de diplomas legislativos necessários à punição dos atos de discriminação praticados em razão da orientação sexual ou da identidade de gênero da vítima – A questão da ‘ideologia de gênero’ – (...) – Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, ‘in fine’).”

Em suma, decidiu o STF que, enquanto não houver tipo penal específico, constitui crime de racismo (nos termos da Lei nº 7.716/198920) qualquer das condutas homofóbicas ou transfóbicas, reais ou supostas, que envolvam aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém.

É por isso que entendemos, enfim, que o tratamento jurídico do racismo no Brasil não se restringe mais à tradicional formatação genotifenotípica.

Feitas essas considerações, voltemos à Convenção sob comento.

Se bem que a Convenção dê carga no racismo tradicional, como já dissemos, ela também prevê, como igualmente já comentamos, “formas correlatas de intolerância”. Por isso, nosso entendimento é de que a Convenção precisa ser considerada no contexto dos direitos da população LGBT.

No que toca mais diretamente ao presente estudo, destacamos da Convenção:

“Artigo 2
Todo ser humano é igual perante a lei e tem direito à igual proteção contra o racismo, a discriminação racial e formas correlatas de intolerância, em qualquer esfera da vida pública ou privada.

Artigo 3
Todo ser humano tem direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção, em condições de igualdade, tanto no plano individual como no coletivo, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados na legislação interna e nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes.
(...)

Artigo 7
Os Estados Partes comprometem-se a adotar legislação que defina e proíba expressamente o racismo, a discriminação racial e formas correlatas de intolerância, aplicável a todas as autoridades públicas, e a todos os indivíduos ou pessoas físicas e jurídicas, tanto no setor público como no privado, especialmente nas áreas de emprego, participação em organizações profissionais, educação, capacitação, moradia, saúde, proteção social, exercício de atividade econômica e acesso a serviços públicos, entre outras, bem como revogar ou reformar toda legislação que constitua ou produza racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância.
(...)

Artigo 9
Os Estados Partes comprometem-se a garantir que seus sistemas políticos e jurídicos reflitam adequadamente a diversidade de suas sociedades, a fim de atender às necessidades legítimas de todos os setores da população, de acordo com o alcance desta Convenção.”

Assim, a Convenção reforça direitos assegurados pela nossa Constituição sob as rubricas que já comentamos aqui: dignidade da pessoa humana, bem-estar, igualdade, intimidade e saúde. E, por isso mesmo, a Convenção, sobretudo no art. 9, conclama o sistema jurídico brasileiro, por todas as suas fontes, a atender a população LGBT nas pautas do nome e do gênero.

3.2. Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos com status de supralegalidade

Como já verificamos, trata-se, aqui, das normas internacionais acolhidas pelo nosso Direito antes do rito do § 3º do art. 5º da Constituição, e que, por orientação do STF, desfrutam de status de supralegalidade.

No que interessa ao presente estudo, identificamos dois documentos.

3.2.1. O Pacto de São José da Costa Rica

O Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, tendo-a promulgado pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 199221.

Esse diploma supralegal não trata de gênero, o que talvez facilmente se explique pela época em que foi editado. Mas, dentro do melhor que se podia esperar para então, preconiza a não-discriminação por sexo ou de qualquer outra natureza (art. 1). Afirma que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral (art. 5.1).

O art. 3 trata do direito ao reconhecimento da personalidade:

“ARTIGO 3
Direito ao Reconhecimento da Personalidade Jurídica
Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.”

O direito à personalidade jurídica já era previsto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 194822. Gênero, sexualidade e nome estão relacionados à personalidade, atributo da pessoa. A personalidade é especialmente endógena, desenvolve-se na pessoa e dela se manifesta para o mundo exterior se e como a pessoa quiser. Trata-se da própria pessoa, não de qualquer outra coisa. É o que a pessoa é por si mesma, não por classificações impostas por outras pessoas ou pelo Estado. Nisso consiste o reconhecimento da personalidade: nessa matéria, o Direito precisa se amoldar à pessoa, não o contrário.

Quanto à dignidade, seu art. 11 dispõe:

“ARTIGO 11
Proteção da Honra e da Dignidade
1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.
2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.
3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.”

É muito relevante esse art. 11 ao presente estudo: ele prevê o direito da pessoa ao reconhecimento da sua dignidade e a protege contra ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, assegurando o direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas. O direito à proteção da lei: eis, aí, receita consideravelmente simples, mas que nem sempre é implementada.

O art. 24 retoma esse tema da proteção da lei, desta vez no sentido da isonomia:

“ARTIGO 24
Igualdade Perante a Lei
Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.”

Muito curioso é o art. 18, ao qual daremos nossa particular interpretação:

“ARTIGO 18
Direito ao Nome
Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse23 direito, mediante nomes fictícios, se for necessário.”

Permitimo-nos identificar no segundo período desse art. 18 uma espécie de reconhecimento avant la lettre do direito ao nome social. Vemos essa possibilidade na expressão nomes fictícios, se for necessário. O Pacto sob comento é de 1969, mas sua interpretação, segundo nos parece, precisa ser atual e coerente com seus desígnios.

A propósito dos temas sob estudo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos respondeu a uma consulta que envolvia esses temas sob a ótica do Pacto, tendo expedido a célebre Opinião Consultiva nº 24/201724, documento de fundamental relevância pela própria condição do órgão emissor. Dizem suas conclusões adotadas por unanimidade (tradução nossa):

“(...)
2. A alteração do nome, e em geral a adequação dos registros públicos e dos documentos de identidade para que fiquem conformes à identidade de gênero autopercebida, constitui um direito protegido pelos artigos 3, 7.1, 11.2 e 18 da Convenção Americana, combinados com o 1.1 e o 24 do mesmo instrumento, pelo que os Estados são obrigados a reconhecer, regular e estabelecer os procedimentos adequados para tais fins, nos termos estabelecidos nos parágrafos 85 a 116.
(...)
3. Os Estados devem garantir que as pessoas interessadas na retificação do registro do gênero (ou, conforme o caso, das menções ao sexo), na alteração de seu nome, em adequar sua imagem nos registros ou nos documentos de identidade de conformidade com sua identidade de gênero autopercebida, possam recorrer a um procedimento ou a um processo: a) focado na adequação integral da identidade de gênero autopercebida; b) baseado unicamente no consentimento livre e informado do solicitante sem que se exijam requisitos como declarações médicas e/ou psicológicas ou outros que possam resultar desarrazoados ou patologizantes; c) deve ser confidencial e, ademais, as alterações, correções ou adequações nos registros, bem como os documentos de identidade, não devem refletir as alterações baseadas na identidade de gênero; d) deve ser célere e, na medida do possível, deve ser gratuito; e e) não deve exigir a comprovação de procedimentos cirúrgicos e/ou hormonais. O procedimento que melhor se adequa a esses elementos é o procedimento ou processo substancialmente administrativo ou notarial. Os Estados podem disponibilizar paralelamente uma via administrativa que possibilite a escolha pelo interessado, nos termos dos parágrafos 117 a 161.
(...)”

Enfim, o Pacto de São José da Costa Rica é um importante diploma de eficácia supralegal no contexto dos direitos aqui estudados.

3.2.2. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, aprovado por nosso Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n° 226, de 12 de dezembro de 1991, e confirmado pelo Executivo via Decreto nº 592, de 6 de julho de 199225.

No que nos interessa aqui, o Pacto protege o direito da personalidade:

“ARTIGO 16
Toda pessoa terá direito, em qualquer lugar, ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.”
Protege, ainda, os indivíduos contra ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, o que, por óbvio, alcança a intimidade, o foro mais íntimo da pessoa:
“ARTIGO 17
1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.”

Prevê, também, os direitos à liberdade, à não-discriminação e à proteção da lei:

“ARTIGO 26
Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da Lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.”

Trata-se, portanto, de um importante reforço para orientar o ordenamento jurídico brasileiro na proteção dos direitos da população LGBT.

4. Conclusões

Conclui-se que a existência de diversos dispositivos, ora com status constitucional, ora com status supralegal, coloca determinados direitos numa alçada de fino trato jurídico. Princípios, fundamentos e direitos interagem, fundem-se, mantêm relações de vínculo e de complementação. Não se anulam nem se apagam: harmonizam-se. Esse dinamismo será sempre determinado pela aplicação à realidade e aos sujeitos que deles se valem.

Não é em vão a adesão do Brasil às normas internacionais, nem letra morta o que diz a Constituição da República. Essas normas convocam o Estado a legislar para a efetiva proteção dos referidos direitos da população LGBT a nome e gênero adequados, para que correspondam a cada pessoa, e não para que cada pessoa se torne fâmula deles, como se objetos fossem.

5. Referências

AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. In Suffragium – Revista do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, vol. 5, nº 8, ano 2009, p. 11-22. <https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/5498> Acesso em 05/09/2022.

BOTTESINI, Maury Ângelo. Lei dos planos e seguros de saúde comentada artigo por artigo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de direito de saúde suplementar – Manual jurídico de planos e seguros de saúde. São Paulo: MP, 2006.

SANTOS, Samuel Belluco Silveira. Direitos da população LGBT na saúde: nome e gênero. 14 fev. 2023. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/102483/direitos-da-populacao-lgbt-na-saude-nome-e-genero> Acesso em 16/02/2023.


  1. <https://jus.com.br/artigos/102483/direitos-da-populacao-lgbt-na-saude-nome-e-genero> Acesso em 16/02/2023.

  2. P. 55.

  3. P. 88.

  4. P. 505.

  5. Trata-se de temas palpitantes na doutrina jurídica. Maury Ângelo Bottesini (p. 123) também tratou disso a seu modo, assim como muitos outros juristas.

  6. P. 14.

  7. P. 125.

  8. P. 124.

  9. P. 150-151.

  10. P. 152.

  11. Walber de Moura Agra, p. 166.

  12. P. 29.

  13. <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur323/false> Acesso em 25/08/2022.

  14. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/quadro_DEC.htm> Acesso em 25/08/2022.

  15. <https://www.oas.org/en/sla/dil/docs/inter_american_treaties_A-69_Convencao_Interamericana_disciminacao_intolerancia_POR.pdf> Acesso em 04/09/2022.

  16. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Congresso/DLG-1-2021.htm> Acesso em 04/09/2022.

  17. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Decreto/D10932.htm> Acesso em 04/09/2022.

  18. <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADO%2026%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true> Acesso em 04/09/2022.

  19. <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22MI%204733%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true> Acesso em 04/09/2022.

  20. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm> Acesso em 05/09/2022.

  21. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm> Acesso em 22/08/2022.

  22. Artigo 6°. Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.ohchr.org/sites/default/files/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf> Acesso em 12/09/2022.

  23. O Decreto traz esta palavra no plural (“esses”), comprometendo a clareza do dispositivo. Corrigimos para o singular com base no texto do Pacto que se encontra no sítio oficial da Corte Interamericana de Direitos Humanos, disponível em <https://www.corteidh.or.cr/tablas/17229a.pdf>. Acesso em 05/09/2022.

  24. <https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_esp.pdf> Acesso em 11/09/2022.

  25. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm> Acesso em 12/09/2022.

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