Em 8 de junho de 2020, no Recurso Extraordinário nº 1.264.676-SC, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão da relatoria do ministro Alexandre de Moraes, decidiu que o ocupante do cargo de Controlador Interno, ou Auditor de Controle Interno, deve ser preenchido por servidor efetivo.
Na oportunidade, ficou assentado o seguinte, conforme o dispositivo do acórdão que segue:
...Diante do exposto, com base no art. 21, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, DOU PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 2º, 3º e 4º da LC 22/2017, do Município de Belmonte/SC, na parte em que estabeleceu o provimento dos cargos de Diretor de Controle Interno e de Controlador Interno por meio de cargo em comissão ou função gratificada.
Ora, como é consabido, com tal decisão, o sodalício reitera sua própria jurisprudência, a qual de há muito vem confirmando a necessidade dos cargos técnicos serem providos por servidores efetivos.
Nesse sentido, decisão paradigmática proferida no RE n. 1.041.210-SP com repercussão geral reconhecida, verbis:
Criação de cargos em comissão. Requisitos estabelecidos pela Constituição Federal. Estrita observância para que se legitime o regime excepcional de livre nomeação e exoneração. Repercussão geral reconhecida. Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema. 1. A criação de cargos em comissão é exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público de provas ou provas e títulos e somente se justifica quando presentes os pressupostos constitucionais para sua instituição. 2. Consoante a jurisprudência da Corte, a criação de cargos em comissão pressupõe: a) que os cargos se destinem ao exercício de funções de direção, chefia ou assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) que o número de cargos comissionados criados guarde proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os institui; e d) que as atribuições dos cargos em comissão estejam descritas de forma clara e objetiva na própria lei que os cria. 3. Há repercussão geral da matéria constitucional aventada, ratificando-se a pacífica jurisprudência do Tribunal sobre o tema. Em consequência disso, nega-se provimento ao recurso extraordinário. 4. Fixada a seguinte tese: a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir. (g. n.)
Destarte, a primeira constatação que fazemos é a total reverência ao artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal, os quais prescrevem que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” e “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
Além disso, a Constituição da República, em seu artigo 74, prescreve a obrigação dos poderes de manterem sistema de controle interno. Eis os seus termos:
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.
§ 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. (g. n.)
De seu turno, em se tratando dos Estados e municípios, eventual denuncia deve ser dirigida ao Tribunal de Contas do Estado ou ao Tribunal de Contas Municipal, onde houver.
Seguindo essa linha, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui reiterada jurisprudência sobre a necessidade de contratação por concurso público de agente para o exercício do cargo de controle interno.
Nessa senda, eis a ementa formulada pelo Procuradoria Geral de Justiça na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2210799-21.2022.8.26.0000, verbis:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS COMPLEMENTARES Nº 171, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2013, E Nº 215, DE 28 DE MAIO DE 2015, DO MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA D’OESTE. FUNÇÕES EM CONFIANÇA DE “CHEFE DE SETOR DE CONTROLE INTERNO E AUDITORIA DE CONTRATOS” E “CHEFE DE DEPARTAMENTO DE CONTROLADORIA”. TECNICIDADE E PROFISSIONALIDADE. EXIGÊNCIA DE POSTO DE PROVIMENTO EFETIVO. IMPOSSIBILIDADE DE INSTITUIÇÃO DE FUNÇÃO DE CONFIANÇA. INCONSTITUCIONALIDADE (ARTS. 35, 111, 115, II E V, 144 E 150 DA CE). TEMA 1.010 DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. Inconstitucionalidade de dispositivos normativos criadores de funções de confiança para o exercício das atribuições de Controle Interno, que são técnicas – conforme se depreende dos arts. 35. e 150 da Constituição Estadual, aquele que reproduz o art. 74. da Constituição Federal – e exigem a criação de posto de provimento efetivo. 2. A instituição de funções em confiança em substituição aos necessários cargos de provimento efetivo compromete a própria finalidade constitucional do Controle Interno, que requer a necessária independência para o exercício do mister. 3. Matéria explicitada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 1.264.676/SC e corroborada pelo colendo Órgão Especial (ADI 2272457-80.2021.8.26.0000, ADI 2283660-39.2021.8.26.0000, ADI 2273979-45.2021.8.26.0000, ADI 2238648-02.2021.8.26.0000 e ADI 2236151- 15.2021.8.26.0000). 4. Violação aos arts. 35, 111, 115, II e V, 144 e 150 da Constituição Estadual.
Portanto, nas trilhas do princípio da simetria e pelos textos constitucionais, em especial do Estado de São Paulo, as Leis Orgânicas Municipais devem seguir as trilhas de seu respectivo Estado, a fim de que a legislação tenha uma relação simétrica e coerente, prestigiando, em última análise, o princípio da igualdade entre os cargos públicos.
Outrossim, o louvável o enunciado elaborado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo acerca da necessidade da chefia da Advocacia Pública Municipal ser ocupada por procurador de carreira deve ser estendida à Controladoria Pública Municipal para fins de controle de constitucionalidade. Eis os seus termos:
ENUNCIADO Nº 35 “CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. CARGOS EM COMISSÃO. ADVOCACIA PÚBLICA. As atividades da Advocacia Pública (assessoria e consultoria a entidades e órgãos da Administração Pública), inclusive sua Chefia, são reservadas a profissionais recrutados por concurso público”. (g. n.)
Aliás, em analogia ao que assentou a Suprema Corte em relação aos procuradores municipais no Recurso Extraordinário n. 663.696-MG1, os controladores internos se inserem nas funções essenciais à fiscalização contábil, financeira e orçamentária dos entes públicos, integrando as carreiras típicas de Estado, merecendo garantias especiais do legislador.2
Nada obstante, o teto remuneratório dos Controladores Municipais é o subsídio do Prefeito, conforme o artigo 37, inciso XI, da Constituição de Outubro3.
De outro vértice, conforme pontuaram os professores Bolzan e Almeida, em aula de pós graduação da rede LFG,
Isso porque, a ausência de estabilidade desses servidores admite ingerências políticas nas suas atuações a ponto de que, se não for feita a irregularidade exigida pelo chefe do executivo local, por exemplo, o servidor comissionado será exonerado no dia seguinte, sem a necessidade de expor qualquer motivo para o seu desligamento. Por outro lado, a estabilidade do servidor efetivo/concursado lhe confere maior autonomia de trabalho, pois a sua demissão do serviço público dependerá de processo administrativo prévio, que lhe conferirá a ampla defesa.
Concluindo, além de limitar sobremaneira a atuação da Controladoria Interna como órgão de Estado e função essencial ao sistema de controle interno, a possibilidade de nomeação de um servidor extramuros ou de fora da carreira é certamente desprestigiadora daqueles que dedicam horas de estudo e dias de privação para ingresso no cargo de Controlador Municipal nas urbes do país, além de comprometer a imparcialidade da função.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA de, Fabrício Bolzan; ALVES, Gustavo Duarte Nori. Poder Público em Juízo. Valinhos: 2018.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 7 abr. 2023.
SÃO PAULO. Ministério Público. Enunciados de entendimento. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Assessoria_Juridica/sumulas_de_entendimento. Acesso em: 7 abr. 2023.
Supremo Tribunal Federal. STF decide que teto remuneratório de procuradores municipais é o subsídio de desembargador de TJ. 28 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=404724&caixaBusca=N . Acesso em: 7 abr. 2023.
Notas
1 EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL ACERCA DO TETO APLICÁVEL AOS PROCURADORES DO MUNICÍPIO. SUBSÍDIO DO DESEMBARGADOR DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA, E NÃO DO PREFEITO. FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
2 Segundo o artigo 247 da Constituição Cidadã, as leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41. e no § 7º do art. 169. estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.
3 A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.