Aplicação da teoria da causa madura no processo do trabalho e suas nuances práticas

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  1. CONCEITO

A teoria da causa madura (art. 1.013, §3º do CPC2, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho à luz do art. 15 do CPC e 769 da CLT3) define-se como a possibilidade de o Tribunal ordinário ou superior, quando na competência recursal, de já julgar o mérito de um ato recorrível4. Ela é corolária do efeito expansivo objetivo interno dos recursos, definido como a possibilidade de a decisão do recurso atingir matérias não impugnadas no recurso, mas interdependentes (não autônomos) dos capítulos impugnados5.

Nesse sentido, quando uma sentença recorrível extingue o pedido de equiparação salarial, ela é terminativa (art. 485 do CPC) e desafia recurso ordinário (art. 895, I da CLT) como via singular e taxativamente cabível para a sua reforma ou anulação6. Nesse caso, caso reformado ou anulado o ato atacado no apelo endógeno ordinário, o Tribunal pode julgar desde logo o mérito do pedido, sem a necessidade de retorno dos autos para o Juízo singular, caso seja desnecessária a produção de novas provas.


  1. HIPÓTESES DE CABIMENTO DA TEORIA DA CAUSA MADURA

Essa possibilidade foi substancialmente ampliada no CPC de 2015, quando comparada com o art. 515, §3º do CPC de 19737 e efetiva o princípio da primazia das decisões de mérito em seara recursal, definido como a preponderância das decisões que resolvam a matéria de fundo da pretensão formulada, em detrimento de extinções terminativas, à luz do art. 4º do CPC.8 Isso possui total conformidade com o princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII da CR/88) e do devido processo legal (art. 5º, LIV da CR/88).9

Por outro lado, a teoria da causa madura possui diversas hipóteses de cabimento, à luz dos incisos do art. 1.013, §3º do CPC. A reforma da sentença terminativa do art. 485 do CPC (Inciso I) retrata a qualidade de efeito desobstrutivo do recurso10 para permitir a análise do mérito strictu sensu da demanda subjacente. Os incisos II e IV tratam de nulidades do ato recorrível (arts. 794 e 797 da CLT c/c art. 278, parágrafo único, do CPC), de forma que a aplicação da causa madura nessa hipótese é corolária do efeito translativo dos recursos, definido como a possibilidade de julgamento de parcela de ordem pública, independentemente da manifestação da parte e sendo uma obrigação do Tribunal a sua aplicação.11

E, por fim, o inciso III ocorre na hipótese de sentença citrapetita, quando o juiz se omite no julgamento de alguma das pretensões formuladas ou fundamentos capazes de infirmar a conclusão, formulados por quaisquer das partes (arts. 141 e 492 do CPC), à luz do princípio do non liquet (art. 140 do CPC). Essa hipótese de fundamentação deficiente inclusive enseja a nulidade da sentença por negativa de prestação jurisdicional, em consonância com os arts. 93, IX da CR/88, 489, §1º do CPC e 832 da CLT.

  1. CONTROVÉRSIA QUANTO AO CABIMENTO NO PROCESSO DO TRABALHO

A aplicabilidade da teoria da causa madura ao processo do trabalho demanda controvérsia doutrinária e jurisprudencial, exatamente porque reclama exame de compatibilidade com o ramo, à luz da cláusula de barreira do art. 769 da CLT12e 13 e do art. 3º, XXVIII da Instrução Normativa 39/2016 do TST.

Uma primeira corrente sustenta a inaplicabilidade da teoria da causa madura para o processo do trabalho, visto que haveria supressão de instância por parte do Tribunal. Nesse sentido, para essa corrente, o TRT deve determinar o retorno do processo para o 1º grau, a fim de que julgue adequadamente o processo, seja quando houver a anulação da sentença ou a reforma de sentença terminativa, de forma que a mera previsão do art. 3º, XXVIII da IN 39/2016 do TST não vincula o juiz.14

Ademais, haveria um silencio eloquente das regras taxativas dos recursos singulares da CLT no devido processo legal e à luz do preceito constitucional implícito da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI da CR/88). Isso ainda se aplicaria para os recursos de natureza extraordinária submetidos a prequestionamento (Art. 896, §1º-A, I da CLT), visto que há limitação do efeito devolutivo vertical em sua interposição, diante de sua fundamentação vinculada à uniformização da interpretação jurisprudencial dos TRTs e do óbice à revisão de fatos e provas, à luz da Súmula 126 do Tribunal Superior do Trabalho15 c/c Súmulas 297, III (a contrario sensu) 16 e 45917 do TST e art. 896, §1º-A, IV da CLT.

A segunda corrente entende que é perfeitamente possível o julgamento do restante da causa, caso a matéria julgada na primeira instância seja de mérito. Assim, caso uma sentença que pronunciou prescrição (art. 487, II do CPC) for reformada, o TRT pode julgar imediatamente o mérito strictu sensu da matéria, haja vista que o efeito devolutivo devolve toda a matéria referente ao mérito e ao capítulo impugnado (efeito devolutivo horizontal e vertical, a luz dos arts. 899 da CLT e 1.013, caput e §1º do CPC).18

E a terceira corrente eclética admite que o TRT adentre ao mérito da questão envolvida com a teoria da causa madura se ela estiver apta para julgamento. Assim, se o magistrado prolator do ato recorrido já houver instruído a demanda (produzido as provas e concedido o contraditório prévio e substancial), é possível o julgamento imediato da demanda, à luz dos arts. 369 do CPC c/c arts. 9º, 10 e 1.013, §4º do CPC e art. 5º, LV da CR/88.19

Ademais, essa corrente se sustenta, em função de o contraditório prévio e substancial é plenamente exercido nas contrarrazões da parte recorrida (art. 900 da CLT e art. 1.009, caput e §1º do CPC), sendo observado o devido processo legal. E essa condição é plenamente aplicável para os recursos de natureza extraordinária, visto que a limitação das questões fáticas nos pressupostos intrínsecos do apelo (à luz da Instrução Normativa nº 23 do TST20) não afasta a aplicação compatível da teoria da causa madura, quando consoante com os demais pressupostos desses recursos.

Assim, a definição dos fatos pelo TRT, ainda que haja a limitação inerente ao Recurso de Revista neste ponto, é possível a aplicação da teoria da causa madura, como no caso de ações civis públicas instruídas e extintas sem a resolução do mérito pelo TRT, à luz do princípio da primazia das decisões de mérito, conforme art. 282, §2º do CPC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, por todos os ângulos de análise, até mesmo no microssistema de tutela coletiva (art. 21 da Lei 7.347/85), há a plena aplicabilidade da teoria da causa madura ao processo do trabalho, respeitadas as posições em contrário. A compatibilidade axiológica com a promoção da isonomia material de partes é consoante a desigualdade das partes na relação material diagonal (art. 5º, §§1º e 2º da CR/88) e enseja a aplicação do efeito expansivo objetivo interno para o Processo do Trabalho.

A administração da justiça de forma otimizada para créditos normalmente alimentares e essenciais para a manutenção do patamar mínimo da dignidade humana (conforme arts. 1º, III, 5º, LXXVIII e 100, §1º da CR/88) é essencial para a inafastabilidade do controle jurisdicional para as pretensões formuladas pelas partes ao Estado Juiz.

REFERÊNCIAS

BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Sumula nº 459 do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, 2017. Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/?tipoJuris=SUM&orgao=TST&pesquisar=1. Acesso em 6.4.2023.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

SARAIVA, Renato. MANFREDINI, Aryanna. Curso de Direito Processual do Trabalho. 12. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Código de Processo Civil – Lei 13.105 de 2015. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 6.4.2023.

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 6.4.2023.

BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto-Lei 5452 de 1943. Brasilia, 1943.

BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Instrução Normativa nº 23 do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, 2003. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/4190. Acesso em 7.4.2023.

BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Súmula nº 126 do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, 2003. Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/?tipoJuris=SUM&orgao=TST&pesquisar=1. Consulta em 6.4.2023.

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BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Sumula nº 297 do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, 2003. Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/?tipoJuris=SUM&orgao=TST&pesquisar=1. Acesso em 6.4.2023.

DIDIER JUNIOR, Frédie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Salvador: Editora Juspodivm, 2016.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

LOPES JUNIOR, Gervásio. Julgamento direto do mérito na instância recursal. Salvador: Editora Juspodivm, 2007.

MIESSA, Élisson. Manual dos Recursos Trabalhistas: Teoria e Prática. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.

MIESSA, Élisson. Processo do Trabalho. 5. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2018

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2015


  1. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas – ESA/OAB-AM. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas. Servidor Público Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região. Autor da Obra: “Conciliar na Justiça do Trabalho: É sempre a melhor opção?” da Editora RTM. Contato: [email protected]

  2. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Código de Processo Civil – Lei 13.105 de 2015. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 6.4.2023.

  3. BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto-Lei 5452 de 1943. Brasilia, 1943.

  4. DIDIER JUNIOR, Frédie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Salvador: Editora Juspodivm, 2016. P. 194

  5. MIESSA, Élisson. Manual dos Recursos Trabalhistas: Teoria e Prática. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p. 265.

  6. MIESSA, Élisson. Manual dos Recursos Trabalhistas: Teoria e Prática. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p. 65.

  7. DIDIER JUNIOR, Frédie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Salvador: Editora Juspodivm, 2016. P. 194

  8. MIESSA, Élisson. Processo do Trabalho. 5. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2018. p. 872.

  9. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 6.4.2023.

  10. LOPES JUNIOR, Gervásio. Julgamento direto do mérito na instância recursal. Salvador: Editora Juspodivm, 2007.

  11. SARAIVA, Renato. MANFREDINI, Aryanna. Curso de Direito Processual do Trabalho. 12. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015. p. 470.

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  12. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 1103

  13. SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2015

  14. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 1104

  15. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Súmula nº 126 do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, 2003. Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/?tipoJuris=SUM&orgao=TST&pesquisar=1. Consulta em 6.4.2023.

  16. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Sumula nº 297 do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, 2003. Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/?tipoJuris=SUM&orgao=TST&pesquisar=1. Acesso em 6.4.2023.

  17. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Sumula nº 459 do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, 2017. Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/?tipoJuris=SUM&orgao=TST&pesquisar=1. Acesso em 6.4.2023.

  18. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 1104

  19. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 1104 e 1106

  20. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Instrução Normativa nº 23 do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, 2003. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/4190. Acesso em 7.4.2023.

Sobre o autor
Márcio Fernandes Lima da Costa

Pós-graduado em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas – ESA/OAB-AM. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas. Servidor Público Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região. Autor da Obra: “Conciliar na Justiça do Trabalho: É sempre a melhor opção?” da Editora RTM.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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