Injúria racial no ambiente de trabalho

10/04/2023 às 17:40
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Sabe-se que o surgimento do preconceito racial no Brasil iniciou-se no período colonial quando os trabalhadores - escravos negros - chegaram ao país através dos portugueses por meio de contrabando.

Esses trabalhadores escravos, além de serem forçados a trabalhar sem nenhuma condição humana, ainda eram submissos a inúmeras formas de discriminação em seu local de trabalho. Entretanto, depois de decretada a abolição da escravatura não foi elaborado nenhum projeto social com intuito de socializar esses "ex-escravos", ou leis que reprimissem qualquer tipo de discriminação racial, fazendo com que continuassem excluídos da sociedade.

Comumente, isso acontece porque o sentimento de superioridade racial, por parte de alguns funcionários mesmo que velado, ainda existe dentro de muitas empresas e também na sociedade. A injúria racial no “chão de fábrica” é tão rotineira, que na maioria das vezes aquele que nunca se tornou sujeito passivo do crime de injúria racial, nem sempre percebe que seu colega de trabalho sofre constantemente quando ouve, vê ou lê à ofensa contra sua honra subjetiva.

O Brasil, como se sabe, é um país que tem uma diversidade vasta de raças, etnias, cor e religiões, não seria diferente que dentro das empresas também exista esta diversidade, proporcionando cada vez mais a prática do crime de injúria racial, por parte daqueles que consideram seu grupo racial superior aos demais grupos raciais, étnicos e religiosos.

De acordo com o site O Globo, o Ministério Público do Trabalho recebeu mais de 896 denúncias de casos de discriminação racial em razão de origem, raça, cor ou etnia nos últimos cinco anos.

Para erradicar esse crime dentro das empresas e, por conseguinte em toda sociedade, é preciso conscientizar não somente os trabalhadores e empregadores, mas também toda a sociedade, pois sabemos que para banir essa conduta de discriminação racial no ambiente do trabalho, é necessário um trabalho social intenso, fora e dentro das empresas, ou seja, realizar trabalho de conscientização nas escolas infantis, faculdades e em toda sociedade, com intuito de desmistificar essa ideia de superioridade racial que apregoam muitos em nossa população.

Contudo a Constituição Federal Brasileira (CFB) vigente tem como diretriz fundamental, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, tornando-se o fulcro para todos os demais ordenamentos jurídicos vigente no Brasil. Pois para que exista uma convivência social harmoniosa em diversos grupos sociais existentes, como um grupo de trabalhadores de empresas, em geral, é evidente que o combate ao racismo, a injúria racial e os demais tipos de discriminação, seja intensificado por parte do Estado e de todos os colaboradores diretos e indiretos de uma relação trabalhista. Portanto, inicialmente é necessário que todos os integrantes dessa relação trabalhista saibam identificar uma agressão de cunho racista. Diferenciando principalmente o racismo da injúria racial, que muitos ainda os confundem.


DIFERENÇA ENTRE INJÚRIA RACIAL E RACISMO

Acredita-se que ainda nos dias atuais muitos trabalhadores não saibam a diferença entre um crime de injúria racial e o de racismo, embora ambos tenham os objetivos similares, dificultando sua identificação.

Entende-se que o racismo é o sentimento de superioridade que um determinado grupo racial tem para com outro grupo, julgando-o inferior ao seu. Deste modo, o trabalhador poderá identificar o racismo, por exemplo, através de uma dificuldade imposta pelo empregador na ascensão profissional de um empregado cuja sua cor, origem, religião, seja divergente de suas características racial (grupo).

Enquanto o racismo consiste em ofender um determinado grupo racial em sua coletividade, discriminando toda integralidade de um grupo, a Injúria Racial constitui-se em atingir a honra subjetiva de alguém, em detrimento de sua origem, cor, etnia ou religião. Do mesmo sentimento de superioridade, que o indivíduo praticante do crime de racismo utiliza para praticar o delito, este também o desfruta para praticar o crime de Injúria Racial.

Uma das diferenças entre os dois crimes é o bem jurídico tutelado. O racismo visa atingir a Dignidade Humana e Injúria Racial visa atingir a honra subjetiva da vítima. Entende-se como honra subjetiva o sentimento de dignidade individual da pessoa.

Nesse entendimento, para que se caracterize o crime de Injuria Racial, seria necessário que o agressor o praticasse com a intenção de menosprezar a vítima, atingindo seu decoro ou dignidade. A mera referência de palavras, neste caso, não configuraria o crime de Injuria Racial.

A injúria pode ser praticada de qualquer forma: palavras, gestos, com simbologias, atitudes entre outras maneiras de demonstrar o menosprezo pela vítima. É necessário destacar que, um “xingamento” por si só sem a intenção de atingir a dignidade da vítima, não se caracteriza como crime de injuria.

Infelizmente, boa parte do quadro de funcionários de uma empresa ainda não consegue identificar uma agressão de discriminação racial no seu ambiente de trabalho, dificultando o combate a essa conduta discriminatória.

Mesmo diante da evolução no combate à discriminação racial no Brasil, com a elaboração de vários dispositivos (normas) legais que tipificam, reprime a conduta discriminatória em tela, ainda sim é possível presenciar uma parte da sociedade agindo com atos repugnantes de discriminação, seja no convívio social e/ou principalmente nos ambientes de trabalho. É necessário saber que a pessoa que cometer tal atrocidade no âmbito do trabalho, poderá responder não somente na justiça do trabalho, mas também nas demais esferas do Direito, inclusive na cível e na penal.


A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO AMBIENTE DO TRABALHO SOB A ÓTICA JURÍDICA

No tocante às relações de trabalho, a Constituição Federal repudia a diferenciação de proventos, de funções, de critérios de promoção por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (artigo 7º, inciso XXX), assegurando a igualdade de direitos nas relações trabalhistas independentemente de sua origem, raça, cor ou estado civil.

É perceptível que o Estado tem a responsabilidade tanto no âmbito interno como no externo, sendo que no âmbito interno cabe ao judiciário o poder de fiscalizar o cumprimento das normas advinda da convenção. Em se tratando do âmbito interno a responsabilidade recai sobre o organismo profissional de empregadores e trabalhadores, podendo ser apresentada uma reclamação à repartição internacional do trabalho (RIT), pelo não cumprimento das normas pelo Estado. Outro mecanismo de responsabilidade externa pode ser através de instauração de um processo na Organização Internacional do Trabalho (OIT) também contra o Estado que não prontificou medidas eficientes ao combate à discriminação no ambiente de trabalho.

As relações de trabalho ganham preceitos jurídicos importantes para o combate à discriminação no trabalho, igualando todos sem distinção de cor, religião, sexo, opinião política ou qualquer outra forma de discriminação que tenha o intuito de não permitir a igualdade de tratamento no âmbito de trabalho. Ademais, no plano infraconstitucional há uma vasta gama de leis, que de acordo com o que determina a Constituição e os compromissos internacionais firmado pelo Brasil, fornece mecanismo para combater a discriminação racial.

O artigo 2º da Consolidação das Leis Trabalhista (CLT), prevê que o empregador deverá valer de seu poder diretivo. Assim o empregador ao observar condutas que caracterizam atos discriminatórios no ambiente de trabalho, poderá de forma adequada, reprimi-los, de modo que todos saibam que tal conduta poderá acarretar sanções como advertências, suspensão ou até mesmo em uma rescisão contratual com justa causa.

Quando deparamos com o racismo ou a discriminação racial entende-se que um dos direitos da personalidade da vítima é atingido, no qual é a sua honra, acarretando assim um dano moral para essa vítima fundamentado no artigo 5º, incisos, V e X da Constituição Federal de 1988. Sendo assim, como já explanado no conceito de injúria racial, quando a vítima tem sua honra subjetiva atingida é caracterizado um crime de Injúria racial, diferentemente do racismo, também já explicado anteriormente.


COMO COMBATER A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO TRABALHO

Pesquisas mostram que o perfil racial e de gênero das mais de 500 empresas do Brasil continua apresentando desigualdades sociais de caráter estrutural, refletindo no ambiente de trabalho. Apenas 4,7% dos funcionários negros tem um cargo de confiança nas maiorias das empresas brasileiras.

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Sendo assim, o desenvolvimento econômico em parceria com o desenvolvimento social é fundamental para que esse número de empregados negros possa cada vez mais fazer parte do quadro de funcionários de cargo de expressão dentro das empresas. Sabe-se que a discriminação nas empresas está além da diversidade no quadro de cargos de confiança das empresas. Antes de conseguir os requisitos para um cargo de gestão, a maioria desses trabalhadores de “chão de fábrica” tiveram que constantemente submeter a injúrias raciais, proferidas por aqueles que insistam em prosseguir com o sentimento de superioridade racial, sejam por parte da própria chefia ou até mesmo pelos próprios colegas de trabalho.

As pesquisas apontam ainda um levantamento sobre a dificuldade que as empresas enfrentam em elaborar mecanismos de combate a essas discriminações, e os impactos que a diversidade pode trazer aos seus negócios.


O POSICIONAMENTO DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RELAÇÃO À INJÚRIA RACIAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

Conforme o Ministério Público do Trabalho as denuncia relacionadas à discriminação racial sofrida nos ambientes de trabalho, tem crescido 30% nos últimos cinco anos. Foram recebidas 896 denúncias ao Ministério Público do Trabalho, por discriminação em razão da origem, raça, cor ou etnia.

No entanto se sabe que este percentual pode ser ainda maior, pois há muita subnotificação. Muitos trabalhadores só denunciam nos casos extremos, pois o receio de perder o emprego os terroriza, mesmo assegurado pela nossa Constituição Federal.

No entanto se o trabalhador ajuizar uma reclamação trabalhista em face de sua empregadora na vigência do contrato, e logo após sofrer rescisão contratual, este poderá recorrer na Justiça seu direito de reingresso no quadro de funcionário com reparação a título de indenização por danos morais, pois a demissão é considerada discriminatória. O pagamento de indenização oriunda por danos morais tem caráter punitivo e compensatório, com intuito de servir como medidas pedagógicas, evitando o excesso dos atos coercitivo do empregador.


PREVENÇÃO E COMBATE À DISCRIMINAÇÃO DENTRO DAS EMPRESAS

A prevenção e combate dos atos discriminatórios no ambiente de trabalho devem ser função de todos integrantes desse ambiente, não ficando a cargo somente dos gestores, tendo em vista que as condutas praticadas geram consequências de cunho negativo a toda sociedade. Essas consequências para o empregado, são os prejuízos que vão de natureza econômica, psíquica e de relação social. Para as empresas, as condutas discriminatórias geram consequências financeiras com altos custos com pagamentos de indenizações por danos morais, além de outros eventuais passivos trabalhistas, podendo responder até mesmo na esfera penal. Por fim, os efeitos causados na sociedade, pela discriminação racial é o rateio de custos financeiros que toda saciedade arca para o funcionamento do sistema público de saúde e da previdência social.

A empresa deve constantemente ajudar a eliminar esses comportamentos praticados por alguns funcionários. Inicialmente é preciso identificar onde as condutas se iniciaram e como começaram assim orientando seus subordinados a respeitarem seus colegas de trabalho. O gestor também pode propor para a empresa, treinamentos, palestras periódicas sobre a discriminação racial com intuito de fixar a ideia de igualdade racial.

O Decreto número 9.571 estabelece as diretrizes, para “a prevenção e o combate à discriminação no trabalho podem se iniciar com medidas relativamente simples, passíveis de serem adotadas inclusive em pequenas organizações” (BRASIL. Decreto n° 9.571, de 21 de novembro de 2018).

Uma das medidas adotadas é a divulgação, de maneira clara e compreensiva, o compromisso da empresa com o combate à discriminação racial no ambiente de trabalho. É importante destacar que esse compromisso seja divulgado para todos que integram a empresa como os prestadores de serviços, fornecedores, futuros funcionários e outros que venham ter contato direito e indireto com a empresa.

É recomendado deixar claro nas informações que: a discriminação é ilegal e não será tolerada naquele ambiente; as consequências da violação da política antidiscriminatória estabelecida pela empresa, impondo sanções internas; que caso haja vítimas no ambiente do trabalho e esse venha denunciar, não serão punidos, bem como por participar e ou testemunhar em investigação nos processos administrativos ou judiciais; que o sigilo será garantido aos trabalhadores que denunciarem práticas discriminatórias.

No entanto para que essas diretrizes sejam de fato compreendidas e aplicadas, é recomendável disponibilizar exemplos proibitivos de condutas, que sejam importantes para o contexto da empresa. Não devendo haver dúvidas quanto à clareza e o comprometimento da empresa ao combate à discriminação racial no ambiente de trabalho. Demonstrando que as regras são impostas pelo CEO daquela empresa.

O empenho da chefia responsável por um determinado grupo de trabalhadores é essencial. Como pessoas mais experientes e com cargos de expressão dentro das empresas, os gerentes e supervisores tem um papel fundamental para ajudar a lidar com os comportamentos discriminatórios.

Quando detectado um ato discriminatório por parte de algum funcionário, é necessário o encaminhamento da denúncia ao órgão designado para tratar os casos de discriminação. Destaca-se que, mesmo que as denúncias não sejam feitas por meios adequados, estas deverão ser encaminhadas aos respectivos órgãos. Não havendo dentro da empresa um setor especializado para lidar com esse assunto, as denúncias deveram ser encaminhadas para o gestor daquele setor, com poderes para tomar as medidas adequadas necessárias.

Contudo, uma conduta de ato discriminatório, advertido pelo gestor e ignorado pelo empregado, constitui justa causa para rescisão do contrato de trabalho, conforme o artigo 482 da Consolidação das Leis Trabalhista e o entendimento dos magistrados dos Tribunais do Trabalho.

No entanto, como já mencionado anteriormente é de suma importância a criação de métodos coercitivos mais eficazes e menos danoso aos trabalhadores, com intuito de reprimir as condutas discriminatórias nos ambientes de trabalho. Evitando os atos discriminatórios e conseguintemente uma demissão por justa causa.

Para fiscalizar o empenho das empresas instaladas no território brasileiro, no combate as discriminações existem órgãos fiscalizadores do trabalho que tem a função de averiguar as condições de uma relação trabalhista dos empregados brasileiros em seu ambiente laboral. Verificando também as demais formas para uma boa relação no trabalho.

Finalizando, podemos concluir que para erradicar as condutas discriminatórias de cunho racial nos ambientes de trabalho, não basta apenas a presença do Estado nesta luta criando leis que repudiam todos aos atos discriminatórios e impondo multas para as empresas que são responsabilizadas pelos atos individuais de seus funcionários. É de extrema importância que todos os colaboradores presentes de uma relação trabalhista, sejam superiores hierárquicos ou empregados, intensifique no combate à discriminação, respeitando as políticas de antidiscriminação racial imposta pela empresa evitando assim, responder isoladamente pelos atos abusivos praticados.

Sobre o autor
Deivid Araújo

Advogado inscrito na OAB – MG sob. o número 218.046. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. https://deividaraujoadv.com/

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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