Da aglutinação de cargos públicos: limites constitucionais

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  1. Da Possibilidade de Transformação de Cargos Públicos

Tendo em vista o modelo de Constituição sistemática adotado pelo legislador constituinte originário, importa, preliminarmente, que se busque analisar o regramento constitucional acerca desta temática, para que, posteriormente, seja verificada a possibilidade de realização de aglutinação de cargos públicos em uma única carrera.

 

Destarte, a Constituição Federal expressamente prevê em seu art. 48, inc. X, a possibilidade de transformação de cargos públicos. Neste sentido, demarque-se o quanto contido na Constituição da República acerca deste tema:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

                                    ...

X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

 

Entrementes, quando se analisa a temática da estruturação de uma carreira, voltada aos servidores de um determinado órgão público (ou conjunto de órgãos), deve-se buscar, prima facie, a adequação da respectiva estrutura funcional às necessidades daquele órgão, uma vez que o desiderato da organização em carreira é ordenar o serviço público com o objetivo de melhor atender ao interesse público, fundamento central que norteia o funcionamento das entidades públicas.

 

Assim, a estruturação de cargos em carreira deve estar voltada, em primeiro lugar, a alcançar o interesse público primário, que estaria materializado, por exemplo, na melhoria dos serviços que aquele órgão público presta à sociedade.

 

Desta maneira, com fundamento então no interesse público, é que se prevê a possibilidade da criação, da transformação e da extinção de cargos públicos. Pois bem, com fulcro neste desiderato central, é que se insere a possibilidade de restruturação de carreiras, por meio da elaboração de planos de cargos, carreira e salário, estatuto e outras normas específicas.

 

Neste diapasão, uma vez identificado o fundamento constitucional relativo à matéria, bem como, o prisma que deve nortear esta questão, impõe-se afirmar que careceria de razoabilidade, a adoção de iniciativas legislativas que venham promover a estruturação ou a reestruturação de carreiras, sem que, ao mesmo tempo, demonstrem a preocupação – e proponham medidas concretas -, no sentido da necessária adaptação dos cargos às novas necessidades do órgão público respectivo.

 

Não há impedimento, por consequência, seja de ordem constitucional ou legislativa, a que a lei promova a alteração na denominação dos cargos públicos, alterando inclusive parte de suas atribuições, desde que tais medidas normativas, como vem reconhecendo o Supremo Tribunal Federal, não ensejem em elevar o cargo a um grau de escolaridade superior àquela exigida para o ingresso, da mesma forma que nada obsta a que a lei organize estes cargos (modificados ou não) em carreira, procedendo, inclusive, a sua aglutinação em uma única carreira.

 

Entrementes, em razão do princípio da simetria constitucional, a norma prevista no art. 48, inc. X, da Constituição Federal, se estende para todas as entidades federativas, sendo uma norma constitucional de reprodução obrigatória no âmbito dos estados e dos Municípios.

 

No mesmo sentido, a norma prevista no art. 84, VI, alínea b, da Constituição Federal também detém um caráter extensivo para todas as entidades federativas, prevendo a possibilidade do Chefe do Poder Executivo por meio da edição de Decretos Executivos extinguir cargos ou funções públicos, quando estiverem vagos.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

...

VI - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;  

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

 

Desta maneira, excetuando o quanto previsto no art. 84, inc. VI, alínea b, da Constituição, a criação, a disciplina, a transformação e a extinção do cargo público faz-se necessariamente por lei. Sobre a matéria, registre-se o magistério de Marçal Justen Filho:

“A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo de investidura e das condições de exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’.

Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica.” (“Curso de Direito Administrativo”, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 581).

 

Ne mesmo sentido, registram-se também os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho acerca deste assunto:

“Tem sido usualmente admitida na Administração a denominada transformação de cargos ‘sem aumento de despesa’, implementada por atos administrativos oriundos despesa’, implementada por atos administrativos oriundos através dos quais se extinguem alguns cargos e se criam outros com despesa correspondente à daqueles. Na verdade, não se trata propriamente, no caso, de transformação de cargos, a ser prevista em lei, mas sim de mera reorganização interna muito mais de caráter administrativo.” (“Manual de Direito Administrativo”, 14ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 494).

 

            Sobre esta temática José dos Santos Carvalho Filho ainda esclarece que, ao seu juízo, “o poder de iniciativa para a criação ou reestruturação funcional de cargos e carreiras se aloja no âmbito da discricionariedade de cada titular, cabendo-lhe o exame da conveniência e oportunidade para tomar aquela providência” (“Manual de Direito Administrativo”, op. cit., p. 495), razão pela qual conclui que se trata de assunto da competência do Poder Executivo, a quem caberia a iniciativa de lei relativa a esta temática.

 

            Pois bem, assentado que a Constituição Federal expressamente prevê a possibilidade de transformação de cargos públicos, bem como, que esta norma, em razão do princípio da simetria constitucional, também se aplica para os Estados e os Municípios, importa buscar se analisar em que consiste este instituto jurídico.

 

Sobre esta matéria Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira e Tatiana Martins da Costa Camarão (2014, p. 260) apresentam a seguinte definição de transformação de cargo público: “transformação consiste na alteração de titulação e atribuições de um cargo existente, caracterizando um novo provimento de cargo. Pressupõe a extinção de cargo anterior e criação de um novo”.

 

Neste passo, tendo em vista o quanto previsto na Constituição Federal, em seu art. 37, inc. II, que condiciona a investidura em cargos ou empregos públicos de provimento efetivo, a prévia aprovação em concurso público, torna-se necessário que seja analisado os limites da reestruturação de cargos e carreiras públicas. Assim, registre-se o quanto previsto na referida norma constitucional:

                        Art. 37 ...

...

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

 

            Ainda sobre esta matéria, também importa consignar a Súmula Vinculante n. 43 do Supremo Tribunal Federal:

Súmula Vinculante n° 43: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

 

            Neste passo, admitido pelo legislador constituinte a possibilidade de reestruturação de cargos e carreiras públicas, esta não pode implicar em violação da regra de acesso aos cargos públicos por meio de prévia aprovação em concurso público de provas e de provas e títulos, havendo a necessidade de se buscar uma interpretação constitucional de maneira a amoldar estas duas regras constitucionais previstas no art. 48, X e no art. 37, II.

 

            Dessa forma, reconhecido o direito a transformação de cargos públicos e restruturação de carreiras, como é muito comum em nosso direito, este não é ilimitado, devendo ser exercido dentro dos parâmetros constitucionais, em consonância com a interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.

 

            Pois bem, em razão do princípio da unicidade constitucional, torna-se necessário compreender que as normas constitucionais devem ser interpretadas de forma sistemática, buscando se extrair das normas jurídicas um significado que permitam que elas possam conviver de forma harmônica dentro do sistema constitucional vigente.

 

 

  1. Dos Limites Constitucionais para a Transformação de Cargos Públicos e a Aglutinação de Carreiras

Entrementes, a questão relativa à transformação de cargos públicos, com aglutinação de carreiras, é uma matéria amplamente analisada em sede jurisprudencial, detendo balizas muito bem demarcadas pelo STF.

 

Desta forma, como já assentado, apesar de existir expresso fundamento constitucional que possibilita a transformação de cargos públicos, este não pode ser feito de maneira a violar a regra de acesso aos cargos públicos de provimento efetivo por meio de concurso público, conforme determina o art. 37, inc. II, da Constituição Federal.

 

Neste passo, como sabido, a forma de provimento derivado prevista na Lei n. 8.112/90 de ascensão foi reputada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal justamente por compreender que representava uma violação do quanto contido no art. 37, inc. II, que prevê como condição de ingresso a necessidade de aprovação em concurso público. Quanto ao assunto, o magistério de Matheus Carvalho (Manual de Direito Administrativo. Salvador: JusPodivm, 2021, pág. 1078):

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Ressalte-se que, por meio da promoção, não se pode assumir um cargo em outra carreira mais elevada (Por exemplo, ser promovido do cargo de técnico do Tribunal para o cargo de analista do mesmo órgão). Tal situação significaria a possibilidade de mudança de carreira sem a realização de concurso e tinha previsão no ordenamento jurídico brasileiro, com o nome de ascensão ou acesso. Dessa forma, a ascensão, que era prevista na Lei n. 8.112/90 e estabelecia esta situação, não encontra mais respaldo no ordenamento jurídico vigente, porque burla a obrigatoriedade de concurso para ingresso em nova carreira, estampada no art. 37, II da Constituição Federal.

 

            Assim, o STF vem entendendo que a transformação de cargos públicos não pode ensejar o acesso a carreiras cujo requisito de ingresso prevê um maior nível de escolaridade, por representar uma afronta ao mandamento constitucional que estabelece como condição de ingresso para cargos de provimento efetivo à prévia aprovação em concurso público.

 

Desta forma, a reestruturação dos cargos e carreiras deve observar circunstâncias especiais, como a estrita correlação das atribuições do cargo até então exercido pelo servidor, cujas aptidões foram aferidas em concurso público prévio, e das funções reunidas no novo cargo ou aglutinadas em uma única carreira.

 

Neste diapasão, torna-se importante registrar a nota informativa do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação de Minas Gerais, noticiando o Parecer Favorável da Procuradoria da República pela unificação das carreiras do fisco  https://sinfazfiscomg.org.br/conteudo/1560/procuradoria-geral-da-republica-exarou-parecer-opinando-pela-procedencia-da-lei-que-unificou-a-carreira-do-fisco-na-sefaz-df :

A Procuradoria Geral da República, em 19 de junho de 2012, exarou parecer opinando pela improcedência do pedido de inconstitucionalidade da Lei 4717/2011 do Distrito Federal - a unificação de carreiras do Fisco no DF - ADI 4730. Em seu parecer, ratifica as argumentações apresentadas pelo Governador do Distrital Federal e pela Câmara Legislativa do Distrito Federal.       

Vale ressaltar que esta tendência à unificação das carreiras do fisco nos Estados vem ocorrendo regularmente após a CF/1988, que criou dispositivo vedando a ascensão funcional. Várias carreiras que exerciam atividades semelhantes na área de tributar, arrecadar e fiscalizar, exercendo praticamente as mesmas atividades, mas em carreiras diferentes, ficaram engessadas, dificultando, desta forma, a realização das atividades e prejudicando a eficiência no serviço público. O Princípio da Eficiência, introduzido na CF através da EC 19/98, tem o condão de informar à Administração Pública, visando aperfeiçoar os serviços e as atividades prestados, buscando otimizar os resultados e atender ao interesse público com maiores índices de adequação, eficácia e satisfação.

...

A Procuradoria Geral da República exarou parecer conforme a realidade que vem ocorrendo nos dissídios nas carreiras dos fiscos nos Estados, conforme jurisprudência, vejam abaixo a mesma situação ocorrida na SEFAZ-SC:

“Também na ADI nº 2335-7/SC, sendo Relator o Ministro Gilmar Mendes, foi adotada decisão semelhante (RTJ 188/105). Nessa ação foi arguida a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 189, de 17.1.2000, do Estado de Santa Catarina, que extinguiu os cargos e as carreiras de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria, e criou, em substituição, a de Auditor Fiscal da Receita Estadual. A mesma lei previu o aproveitamento dos ocupantes dos cargos extintos nos cargos criados  pela lei impugnada.” (Maria Sylvia Zanella di Pietro).

Enfatizamos ainda que, em Minas Gerais, o ilustre Dr. João Camilo Penna, então Secretario da SEF/MG de 1975 a 1979, promoveu Reforma Administrativa, unificando as carreiras de Arrecadação (coletorias) e Fiscalização, criando a carreira única:  “Quadro Permanente de Tributação, Arrecadação e Fiscalização” através da lei 6762/1975. “Esta reforma promoveu um melhor aproveitamento do potencial de trabalho, com aumento de produtividade e redução de custos”. (Secretaria de Estado da Fazenda – 100 anos de história – 1891 a 1991).

 

Sobre esta matéria, importa ainda consignar o julgamento prolatado pelo STF em sede de controle de constitucionalidade concentrado:

“Por maioria, o Tribunal julgou improcedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Popular Socialista - PPS contra a LC 189/2000, do Estado de Santa Catarina, que extingue os cargos e as carreiras de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria, e cria a carreira de Auditor Fiscal da Receita Estadual - AFRE, determinando o aproveitamento dos ocupantes dos cargos extintos nos cargos criados. O Tribunal, não vislumbrando diferença entre este caso e o que assentado no julgamento da ADI 1.591-SP (DJU de 3.12.2002), afastou a alegada ofensa à exigência de concurso público, tendo em vista a afinidade de atribuições das carreiras consolidadas e a necessidade de dar espaço a soluções de racionalização administrativa.” (ADI 2.335-SC, rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, Plenário do STF, Informativo n° 312 do STF).

 

            Desta maneira, o Supremo Tribunal Federal não veda a reestruturação ou a aglutinação de carreiras!!!

 

            Com efeito, data máxima vênia, tal vedação não faria nem sequer sentido, tendo em vista que o art. 48, inc. II, da Constituição Federal, jamais fora declarado inconstitucional, bem como, que este dispositivo detém a mesma força normativa daquele contido no art. 37, II, do mesmo diploma constitucional, em consonância com o entendimento consagrado sobre o assunto, no sentido de que todas as normas constitucionais detêm a mesma força normativa.

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            Outrossim, importa consignar que a partir da decisão prolatada na ADIn n. 2.135, fora restabelecida a redação original do art. 39, da Constituição Federal, que expressamente prevê a existência de um plano de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, in verbis:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.         

 

            Assim, a organização em carreira dos servidores públicos federais, estaduais e municipais é um mandamento constitucional expresso, pelo que se impõe a necessidade de que seja reconhecido o direito da Administração Pública em adequar a sua organização funcional a suas novas necessidades.

 

            Vejamos, neste sentido, de que apesar do provimento derivado de acesso aos cargos públicos ter sido declarado inconstitucional, existem diversos outros provimentos derivados previstos na Lei Federal n. 8.112/90, que disciplina como se sabe o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, que preveem a transformação de cargos públicos, que jamais foram declarados inconstitucionais. Assim, demarquem-se as regras abaixo transcritas:

 Art. 25.  Reversão é o retorno à atividade de servidor aposentado:             

...

§ 1o  A reversão far-se-á no mesmo cargo ou no cargo resultante de sua transformação.        

...

Art. 28.  A reintegração é a reinvestidura do servidor estável no cargo anteriormente ocupado, ou no cargo resultante de sua transformação, quando invalidada a sua demissão por decisão administrativa ou judicial, com ressarcimento de todas as vantagens.

...

§ 2o  Encontrando-se provido o cargo, o seu eventual ocupante será reconduzido ao cargo de origem, sem direito à indenização ou aproveitado em outro cargo, ou, ainda, posto em disponibilidade.

Art. 29.  Recondução é o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado e decorrerá de:

...

Parágrafo único.  Encontrando-se provido o cargo de origem, o servidor será aproveitado em outro, observado o disposto no art. 30.

Art. 30.  O retorno à atividade de servidor em disponibilidade far-se-á mediante aproveitamento obrigatório em cargo de atribuições e vencimentos compatíveis com o anteriormente ocupado.

 

Entrementes, estas mudanças na legislação vigente que acarretam alterações na denominação ou mesmo nas atribuições do cargo originalmente ocupado pelo servidor (para o qual foi ele nomeado em face de aprovação em concurso público), na maior parte das situações são manifestamente imprescindíveis para se buscar alcançar o interesse público.

 

            Ora, é sabido que em razão do princípio da mutabilidade constitucional se impõe a necessidade da Constituição se adaptar as mudanças existentes na sociedade. Destarte, se a norma central do nosso ordenamento jurídico necessita se amoldar as novas dinâmicas sociais, com muito mais razão as normas infraconstitucionais também necessitam estar de acordo com as novas exigências impostas pelo interesse público.

 

            Dessa maneira, o regramento contido no art. 48, inc. X, da CF, que prevê a possibilidade de transformação dos cargos públicos, é absolutamente fundamental para possibilitar que o Estado tenha condições de buscar efetivamente alcançar o interesse público, adequando as suas legislações as necessidades atuais, de forma a permitir a reordenação e a aglutinação de carreiras.

 

            Vejamos que o art. 7º, da Emenda Constitucional n. 41, também prevê a possibilidade de transformação ou reclassificação de cargos ou funções:

Art. 7º Observado o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal, os proventos de aposentadoria dos servidores públicos titulares de cargo efetivo e as pensões dos seus dependentes pagos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em fruição na data de publicação desta Emenda, bem como os proventos de aposentadoria dos servidores e as pensões dos dependentes abrangidos pelo art. 3º desta Emenda, serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei.

 

Assim, importa que se reconheça que não existe qualquer impedimento de ordem constitucional ou legislativa, que a lei promova a alteração na denominação dos cargos públicos ou a aglutinação de carreiras, alterando, inclusive, parte de suas atribuições, desde que tais providências não impliquem em elevar o cargo a um grau de escolaridade superior àquela que era exigida como condição de ingresso, no momento da realização do concurso público.

 

 

  1. Carreiras Aglutinadas

Entrementes, importa que sejam analisadas algumas carreiras públicas que foram objeto de aglutinação, para que se consolide o entendimento acerca da posição do Supremo Tribunal Federal sobre esta matéria.

 

            Dessa maneira, inicialmente, se destaca o quanto previsto na Lei nº 10.355, de 26.12.2001, que veio estruturar a “Carreira Previdenciária” no âmbito do INSS. Assim, registre-se o quanto contido em seu artigo 1º:

Art. 1o Fica estruturada a Carreira Previdenciária, no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, composta dos cargos efetivos regidos pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que não estejam organizados em carreiras e não percebam qualquer outra espécie de vantagem que tenha como fundamento o desempenho profissional, individual, coletivo ou institucional ou a produção, integrantes do Quadro de Pessoal daquela entidade, em 31 de outubro de 2001, enquadrando-se os servidores de acordo com as respectivas atribuições, requisitos de formação profissional e posição relativa na tabela, conforme o constante do Anexo I.   (Vide Decreto nº 8.069, de 2013)

 

            Neste diapasão, com fulcro nesta lei, restaram aglutinados em uma única carreira servidores que eram regidos pela antiga Lei nº 5.645/1970. Desta forma, consigne-se quanto previsto em seu art. 2º:

Art. 2º Fica estruturada a Carreira do Seguro Social, composta dos cargos efetivos vagos regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, integrantes do Quadro de Pessoal do INSS, e dos cargos efetivos cujos ocupantes atenderem aos requisitos estabelecidos por esta Lei, e que sejam:

I - integrantes da Carreira Previdenciária instituída pela Lei nº 10.355, de 26 de dezembro de 2001, ou;

II - regidos pelo Plano de Classificação de Cargos instituído pela Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970, ou por planos correlatos, desde que lotados no INSS em 30 de novembro de 2003.

 

Registre-se, ainda, o quanto previsto no artigo 5º da referida norma, com a redação que lhe foi posteriormente dada pela Lei nº 11.501/2007:

Art. 5º Os cargos de provimento efetivo de nível auxiliar e intermediário integrantes da Carreira do Seguro Social do Quadro de Pessoal do INSS cujas atribuições, requisitos de qualificação, escolaridade, habilitação profissional ou especialização exigidos para ingresso sejam idênticos ou essencialmente iguais ficam agrupados em cargos de mesma denominação e atribuições gerais, conforme estabelecido no Anexo V desta Lei, passando a denominar-se: (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)

I - os cargos de nível auxiliar: Auxiliar de Serviços Diversos; e (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)

II - os cargos de nível intermediário: (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)

a) Agente de Serviços Diversos; (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)

b) Técnico de Serviços Diversos; ou (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)

c) Técnico do Seguro Social; (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)

 

Assim, como resulta claramente evidenciado da análise da Lei nº 10.355/2001, ocorreu a aglutinação de diversos cargos em uma única carreira.

 

Na mesma linha, a Lei nº 10.549, de 13.11.2002, procedeu a transformação de cargos de assistente jurídico, em cargos de Advogado da União. Neste sentido, demarque-se o quanto contido no art. 11 da referida Lei:

Art. 11.  São transformados em cargos de Advogado da União, da respectiva Carreira da Advocacia-Geral da União, os cargos efetivos, vagos e ocupados, da Carreira de Assistente Jurídico, da Advocacia-Geral da União.

§ 1o  São enquadrados na Carreira de Advogado da União os titulares dos cargos efetivos da Carreira de Assistente Jurídico, da Advocacia-Geral da União.

§ 2o  O enquadramento de que trata o § 1o deve observar a mesma correlação existente entre as categorias e os níveis das carreiras mencionadas no caput.

§ 3o  Para fins de antigüidade na Carreira de Advogado da União, observar-se-á o tempo considerado para antigüidade na extinta Carreira de Assistente Jurídico, da Advocacia-Geral da União.

§ 4o  À Advocacia-Geral da União incumbe adotar as providências necessárias para o cumprimento do disposto neste artigo, bem como verificar a regularidade de sua aplicação.

§ 5o  O disposto neste artigo não se aplica aos atuais cargos de Assistente Jurídico cuja inclusão em quadro suplementar está prevista no art. 46 da Medida Provisória no 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, nem a seus ocupantes.

 

Desta forma, neste caso, a Lei utiliza-se tanto da expressão transposição, quanto da nomenclatura transformação, buscando se referir nas duas situações a alteração na situação funcional que até então era existente, para o novo disciplinamento da matéria.

 

            Vejamos, que o Supremo Tribunal Federal apreciando a matéria em sede da ADIn n. 2.713.1 DF, reconheceu a constitucionalidade da Lei n. 10.549/2002:

ADIn nº 2.713.1/DF

“2. No que diz respeito á alegada inconstitucionalidade material dos preceitos hostilizados por violação ao princípio do concurso público (CF, art. 37, II e 131, § 2º) melhor sorte não assiste à autora. É que a análise do regime normativo das carreiras da AGU em exame apontam para uma completa identidade substancial entre os cargos de Assistente Jurídico e de Advogado da União. (...) No presente caso vejo, com maior razão, pela forte identidade de atribuições, a inocorrência de afronta ao princípio do concurso público na transformação dos cargos em exame (...). Por fim verifico que os requisitos exigidos, em concurso, para o provimento de ambos os cargos são compatíveis.

(...)     

Diante do exposto, não configurada ofensa ao princípio do concurso público, e sim, a racionalização, no âmbito da AGU, do desempenho do seu papel constitucional, por meio da unificação de cargos pertencentes à carreiras de idênticas atribuições e de mesmo vencimento, julgo improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade.”        

 

Além destes diplomas legais, por meio da Medida Provisória n. 2.229-43/2001 também foram aglutinados em uma única carreira, diversos cargos públicos. Desta forma, registre-se o quanto contido em seu art. 39:

Art. 39. São transformados em cargos de Procurador Federal, os seguintes cargos efetivos, de autarquias e fundações federais:

I - Procurador Autárquico;

II - Procurador;

III – Advogado;

IV - Assistente Jurídico; e

V - Procurador e Advogado da Superintendência de Seguros Privados e da Comissão de Valores Mobiliários.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica ao Procurador do Banco Central do Brasil.

Art. 40. São enquadrados na Carreira de Procurador Federal os titulares dos cargos de que trata o art. 39, cuja investidura nos respectivos cargos haja observado as pertinentes normas constitucionais e ordinárias anteriores a 5 de outubro de 1988, e, se posterior a essa data, tenha decorrido de aprovação em concurso público.

§1º O enquadramento deve observar a correlação estabelecida no Anexo VI.

 

Vejamos, então, que se trata de mais um exemplo de aglutinação de cargos públicos, para que passem a ser regidos e integrar uma única carreira.

 

Sobre a possibilidade de aglutinação de cargos públicos, torna-se relevante demarcar o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria:

“Como se vê, é patente a afinidade de atribuições existentes entre uma e outras carreiras (ambas de nível superior), todas cometidas antes da Constituição, não se vislumbrando de minha parte impedimento a que, mesmo depois desta, venha a lei a consolidá-las em categoria funcional unificada sob a nova denominação (Agente Fiscal do Tesouro do Estado).

Julgo que não se deva levar ao, paroxismo, o princípio do concurso para acesso aos cargos públicos, a ponto de que uma reestruturação convergente de carreiras similares venha a cobrar (em custos e descontinuidade), o preço da extinção de todos os antigos cargos, com a disponibilidade de cada um dos ocupantes, seguida da abertura de processo seletivo, ou, então, do aproveitamento dos disponíveis, hipótese esta ultima que redundaria, na prática, justamente na situação que a propositura da ação visa conjurar.” (ADIn nº 1.591-5/RS)

 

“No caso em exame, do memorial trazido pelo professor Almiro Couto e Silva, colho que, em verdade, as carreiras que foram extintas pela lei impugnada e substituídas pela Carreira de Auditor Fiscal da Receita Estadual, vêm sofrendo um processo de aproximação e de interpenetração. E, está demonstrado, é que há correspondência e pertinência temática entre aquelas carreiras. Eventualmente surgem distinções de grau; algum grupo está incumbido de fiscalizar microempresas, mas não há qualquer diferença que se possa substancializar.

De modo que, peço vênia a V. Excia. Para, invocando o precedente da ADI nº 1.591, e, também, o da ADI nº 2.713, julgar improcedente a presente ação.”(ADIn nº 2.335-7/SC).

 

Desta maneira, importa reconhecer os diversos exemplos contidos em legislações federais que procederam a aglutinação de carreiras, bem como, o entendimento agasalhado pelo Supremo Tribunal Federal que vem reconhecendo a constitucionalidade destas transformações de cargos públicos e aglutinações na carreira, estabelecendo apenas como limite, como já demarcado anteriormente, situações que representariam passar para uma carreira cujo requisito de escolaridade seja mais elevado, do que aquele que era exigido no concurso público que serviu como fundamento para o ingresso na Administração Pública.

Sobre o autor
Erick Menezes de Oliveira Junior

Advogado. Procurador Jurídico do Município de Vitória da Conquista. Professor de Direito Internacional Público e Privado da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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