O termo de ajuste de conduta como instrumento do acesso à justiça substancial coletivo

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  1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O termo de ajuste de conduta (TAC) conceitua-se como o título executivo extrajudicial, à luz dos arts. 876, caput, 877-A da CLT2 c/c art. 784, IV do CPC. O TAC é apto a tutelar direitos transindividuais em investigações instauradas mediante inquéritos civis (arts. 8º, §1º da Lei 7.347/85 - LACP3 c/c art. 26, I da Lei 8.625/934), norteados pelas Resoluções 179 do Conselho Nacional do Ministério Público5 e 69 do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho.6

O termo de ajuste de conduta possui natureza jurídica de meio alternativo de solução de controvérsias, em sentido material. Isso porque diversas questões que são investigadas no Ministério Público do Trabalho são solucionadas por ele7. O interesse público primário, dividido em ordem pública e democrática, bem como os direitos sociais, transindividuais indisponíveis (à luz dos arts. 127, 129, III e IX da CR8 c/c arts. 1º e 3º da LACP e 6º da LC 75/939), é aprimorado por uma das Alternative Dispute Resolution – ADR10 de forma democrática11 e com uma solução construída pelo compromissário e pelo legitimado para firmá-lo.

Em sentido formal, há diversas correntes sobre a natureza jurídica do TAC. A primeira defende que o TAC é negócio jurídico sui generis, com base na previsão expressa no art. 1º da Resolução 179 do CNMP. Uma segunda corrente entende que se trata de ato jurídico em sentido estrito12 e voluntário por parte do compromissário, haja vista que não pode discutir cláusulas que tratam de obrigações legais indisponíveis.

E uma terceira corrente ainda defende que o TAC representa um ato administrativo13 sob o ponto de vista do Ministério Público quando essa função essencial à justiça o celebra com o compromitente. Entretanto, a primeira corrente prevalece, visto que os contraentes podem negociar o tempo, o modo e outros aspectos marginais das obrigações legais indisponíveis constantes do TAC.

  1. 2 – ORIGEM DO TAC

A origem do TAC remonta ao art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente14 e ao art. 113 do CDC que acrescentou o §6º do art. 5º da LACP. Essa regra também foi objeto do art. 82, §3º do CDC, mas o Presidente da República o vetou na época com os seguintes fundamentos:15

É juridicamente imprópria a equiparação de compromisso administrativo a título executivo extrajudicial (C.P.C, art. 585, II). É que, no caso, o objetivo do compromisso é a cessação ou prática de determinada conduta, e não a entrega de coisa certa ou pagamento de quantia fixada”. Enfim, a razão do veto seria uma esdrúxula inviabilidade jurídica de um título executivo prever obrigações de fazer e não fazer.

Houve ainda o veto ao art. 92, parágrafo único, do CDC, sob os seguintes fundamentos16:

Esse dispositivo considera a nova redação que o art. 113 do projeto dá ao art. 5º da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, acrescentando-lhe novos §§5º e 6º, que seriam decorrência dos dispositivos constantes dos §§2º e 3º do art. 82. Esses dispositivos foram vetados, pelas razões expendidas. Assim também, vetam-se, no aludido art. 113, as redações dos §§5º e 6º (destaquei).

Entretanto, não existe veto implícito, de forma que essa disposição não foi incluída nas razões do veto das regras dos §§5º e 6º do art. 113 do CDC e, por conseguinte, não houve veto jurídico e os parágrafos supra estão em pleno vigor. E a utilização do TAC, também.

  1. – LEGITIMADOS PARA FIRMAR TAC

Os legitimados para firmar o termo de ajuste de conduta são os órgãos públicos legitimados para ajuizar Ação Civil Pública, conforme se verifica dos arts. 5º, caput e incisos, bem como do §6º da LACP. O ajuste espontâneo e prospectivo da conduta irregular do compromitente pode ser firmado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, Autarquias, Fundações Públicas de Direito Público para evitar o ajuizamento de tutela inibitória por meio do microssistema de tutela coletiva, segundo os arts. 139, IV, 497, caput e parágrafo único, 536, 537, caput e §1º do CPC17 c/c art. 11 da LACP e 84 do CDC18.

4 – OBJETO DO TAC

O TAC possui os mesmos objetos de uma ação civil pública (segundo os arts. 1º, 3º da LACP c/c arts. 1º e 14 da Res. 23 do CNMP), embora seja um título executivo extrajudicial geralmente celebrado anteriormente ao ajuizamento da demanda.19 Assim, as obrigações constantes do TAC são de fazer, não fazer, pagar e multas cominatórias para cumprimento forçado da obrigação como medida executiva indireta, normalmente corolárias de preceitos legais, mas também podem abranger cláusulas de instrumentos normativos específicos da categoria ou mesmo cláusulas de regulamentos empresariais da compromitente, integrantes do conceito de ordem jurídica, mais amplo que lei em sentido estrito.20

Ademais, a mera ameaça de descumprimento de obrigações dessa natureza já possibilita a celebração do TAC, de forma que o mero fato de haver firmado o referido compromisso não implica, por si só, o reconhecimento da presença da irregularidade. Pode ocorrer que uma empresa opte por celebrar TAC durante uma investigação referente a Assédio Moral para evitar que responda a uma Ação Civil Pública quanto à eventuais tutelas inibitórias dessa irregularidade, ainda que os acontecimentos não estejam consolidados durante o tramite do Inquérito Civil, a fim de preservar a sua imagem objetiva perante a sociedade.21

5 – FORMALIZAÇÃO

O TAC possui forma escrita obrigatória, com clareza na redação semântica das cláusulas ajustadas para não ensejar ambiguidade quanto ao que foi decidido pelo compromitente com o Ministério Público do Trabalho ou outros legitimados. A sua abrangência interpreta-se da forma mais ampla possível, à luz do acesso à justiça substancial (segundo o art. 5º, XXXV da CR), de forma a abranger todas as filiais e matriz da compromitente, se não houver qualquer ressalva em sentido contrário.22

6 – REQUISITOS DE VALIDADE

O TAC possui natureza de Negócio Jurídico sui generis e, por conseguinte, possui os mesmos requisitos de validade dos contratos e negócios jurídicos em geral: partes capazes, objeto lícito, possível e determinável e forma prescrita ou não defesa em lei, segundo o art. 104 do CC, bem como a legitimidade do órgão proponente , aceitação pelo compromissário, não transação de direitos metaindividuais.23

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse sentido, o Termo de Ajuste de Conduta representa instrumento democrático e adequado para a solução extrajudicial de irregularidades transindividuais em Inquéritos Civis instaurados pelo Ministério Público do Trabalho, bem como com outros legitimados constantes da LACP. Constitui instrumento essencial para a manutenção de patamares adequados do acesso a justiça substancial, em um ordenamento jurídico norteado à máxima efetividade da Dignidade da Pessoa Humana.

REFERÊNCIAS

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 9.4.2023.

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Código de Processo Civil – Lei 13.105 de 2015. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 9.4.2023.

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – Decreto-Lei 5.452 de 1943. Brasília, 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 7.4.2023

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasilia, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 9.4.2023.

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 10.4.2023.

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Lei Complementar nº 75 de 1993. Brasília, 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp75.htm. Acesso em 9.4.2023.

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BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Lei nº 7.347/85 – Lei de Ação Civil Pública. Brasília, 1985. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347Compilada.htm. Acesso em 9.4.2023

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Lei nº 8.625/93. Brasília, 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8625.htm. Acesso em 9.4.2023.

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público. Brasília, 2017. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o-179.pdf. Acesso em 9.4.2023

BRASIL. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Resolução nº 69 do Conselho Superior do Ministério Publico do Trabalho. Disponível em: https://pgt.mpt.mp.br/externo/csmpt/resolucoes/resolu69.pdf. Acesso em: 9.4.2023.

DE MORAIS SALES, Lília Maia; DE SOUSA, Mariana Almeida. A mediação e os ADR’s (Alternative Dispute Resolutions)–a experiência norte-americana. Novos Estudos Jurídicos, v. 19, n. 2, p. 377-399, 2014.

FABRE, Luiz Carlos Michele. Curso de Ministério Público do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: VamosPassar.Net, 2019.

FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Compromisso de Ajustamento de Conduta. São Paulo, LTr, 2003.

MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012.

PEREIRA, Ricardo Jose Macedo de Britto. Ação Civil Pública no processo do trabalho. Salvador: Editora Juspodivm, 2016. p. 185-186.


  1. .....

  2. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – Decreto-Lei 5.452 de 1943. Brasília, 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 7.4.2023

  3. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Lei nº 7.347/85 – Lei de Ação Civil Pública. Brasília, 1985. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347Compilada.htm. Acesso em 9.4.2023

  4. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Lei nº 8.625/93. Brasília, 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8625.htm. Acesso em 9.4.2023.

  5. BRASIL. CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público. Brasília, 2017. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o-179.pdf. Acesso em 9.4.2023

  6. BRASIL. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Resolução nº 69 do Conselho Superior do Ministério Publico do Trabalho. Disponível em: https://pgt.mpt.mp.br/externo/csmpt/resolucoes/resolu69.pdf. Acesso em: 9.4.2023.

  7. FABRE, Luiz Carlos Michele. Curso de Ministério Público do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: VamosPassar.Net, 2019. p. 104.

  8. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasilia, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 9.4.2023.

  9. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Lei Complementar nº 75 de 1993. Brasília, 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp75.htm. Acesso em 9.4.2023.

  10. DE MORAIS SALES, Lília Maia; DE SOUSA, Mariana Almeida. A mediação e os ADR’s (Alternative Dispute Resolutions)–a experiência norte-americana. Novos Estudos Jurídicos, v. 19, n. 2, p. 377-399, 2014. p. 3.

  11. FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Compromisso de Ajustamento de Conduta. São Paulo, LTr, 2003. p. 82.

  12. PEREIRA, Ricardo Jose Macedo de Britto. Ação Civil Pública no processo do trabalho. Salvador: Editora Juspodivm, 2016. p. 185-186.

  13. FABRE, Luiz Carlos Michele. Curso de Ministério Público do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: VamosPassar.Net, 2019. p. 137.

  14. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 10.4.2023.

  15. FABRE, Luiz Carlos Michele. Curso de Ministério Público do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: VamosPassar.Net, 2019. p. 135.

  16. FABRE, Luiz Carlos Michele. Curso de Ministério Público do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: VamosPassar.Net, 2019. p. 135.

  17. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Código de Processo Civil – Lei 13.105 de 2015. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 9.4.2023.

  18. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 9.4.2023.

  19. MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 110.

  20. MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 110.

  21. MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 114.

  22. MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 114.

  23. MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 116.

Sobre o autor
Márcio Fernandes Lima da Costa

Pós-graduado em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas – ESA/OAB-AM. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas. Servidor Público Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região. Autor da Obra: “Conciliar na Justiça do Trabalho: É sempre a melhor opção?” da Editora RTM.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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