Palavras-chave: Direito à previdência social. Direitos Sociais. Inconstitucionalidade. Aposentadoria por incapacidade permanente.
1 CONCEITOS DOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA E PERMANENTE
Os benefícios por incapacidade são àqueles concedidos aos segurados da Previdência Social que apresentam um quadro de saúde incapacitante, ou seja, limitações ou restrições em exercer suas atividades laborativas ou habituais que lhe garantam manter sua própria subsistência.
De acordo com o tipo de incapacidade é que se caracteriza qual o tipo de benefício que será concedido, um benefício por incapacidade temporária ou uma aposentadoria por incapacidade permanente.
A lei 8213/91[2] assim define o auxilio doença e aposentadoria por invalidez:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Verifica-se claramento dos conceitos legais que a aposentadoria tem um grau de incapacidade maior que o auxilio doença, porém o risco social de cobertura de ambos os benefícios é a incapacidade.
2 DO CÁLCULO DO VALOR DO BENEFÍCIO
Até a vigência da Emenda Constitucional nº 103/2019[3], o cálculo dos benefícios por incapacidade era semelhante e diferia apenas em relação ao coeficiente aplicado sobre o salário de benefício.
Enquanto o auxílio-doença possuía coeficiente de cálculo de noventa e um por centos sobre o salário-de-benefício para uma prestação que pressupunha condição menos grave, com menor duração, a aposentadoria por invalidez possuía coeficiente de cem por cento do salário-de-benefício, pois se pressupõe condição mais grave, com potencial de geração de maior dependência e maior duração da prestação. O cálculo, o auxílio-doença ficava limitado à média aritmética simples dos últimos doze salários-de-contribuição, nos termos dos arts. 61 e 29, § 10, da Lei 8.213/91[4].
A Emenda Constitucional nº 103/2019[5] alterou significativamente a forma de cálculo da antes chamada aposentadoria por invalidez, a partir da reforma constitucional, o cálculo da aposentadoria foi alterado, passou a ser de sessenta por cento, mais dois por cento a cada ano que exceder quinze e vinte anos de tempo de contribuição para mulher e homem, respectivamente, esse coeficiente resultante, será multiplicado pela média de cem por cento dos salários de contribuição desde julho de 1994, tal regra não é valida para o benefício decorrente de acidente de trabalho o qual ficou mantido em cem por cento.
Percebe-se claramente da nova regra constitucional que possivelmente a maioria dos benefícios por incapacidade permanente terá um valor de benefício menor que um benefício por incapacidade temporária, pois, após a constatação da incapacidade permanente o segurado terá uma redução de mais de trinta por cento no valor do seu benefício.
3 DA INCONSTITUCIONALIDADE NO CÁLCULO DA APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE
Com a Reforma da Previdência, além da alteração do salário-de-benefício, passou a ser feita distinção odiável em relação ao tratamento do coeficiente de cálculo dos benefícios por incapacidade.
Para os casos em que os segurados são atingidos por um infortúnio que os torne incapazes definitivamente antes de terem tempo de contribuição superior a 20 (vinte) anos de contribuição, já haverá uma significativa redução no cálculo do salário-de-benefício, daí se percebe que houve redução imediata de aproximadamente trinta por cento no coeficiente de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente, denotando uma flagrante desconexão entre o risco protegido e a prestação previdenciária paga ao segurado.
Um evento mais grave, com potencial de gerar maior dependência, maiores despesas de tratamento de saúde, com maior duração, e com potencial de afastamento definitivo do trabalhador do mercado de trabalho, recebeu no novo regime uma prestação de 60% do salário-de-benefício, enquanto um evento apenas temporário, presumidamente menos grave e oneroso, recebeu uma prestação de 91% do salário-de-benefício.
Trata-se de evidente retrocesso social e insuficiência na proteção previdenciária, que trazem repercussões negativas na capacidade de sobrevivência da população trabalhadora mais vulnerável, que, diante de um infortúnio que impossibilita permanentemente o exercício de atividade laboral e, portanto, afeta a obtenção de rendimentos para sustento próprio e da família, não encontra no Regime de Previdência Social para o qual contribuiu uma prestação proporcional ao agravo sofrido.
A Turma Regional de Uniformização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região[6], já enfrentou o tema e assim julgou pela inconstitucionalidade do dispositivo reformador constitucional:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. DISCRIMINAÇÃO ENTRE OS COEFICIENTES DA ACIDENTÁRIA E DA NÃO ACIDENTÁRIA. CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 26, § 2º, III, DA EC N.º 103/2019. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA, DA RAZOABILIDADE E DA IRREDUTIBILIDADE DO VALOR DOS BENEFÍCIOS E DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE. […] 2. O art. 194, parágrafo único, IV, da CF/88, garante a irredutibilidade do valor dos benefícios. Como a EC 103/19 não tratou do auxílio-doença (agora auxílio por incapacidade temporária) criou uma situação paradoxal. De fato, continua sendo aplicável o art. 61 da LBPS, cuja renda mensal inicial corresponde a 91% do salário de benefício. Desta forma, se um segurado estiver recebendo auxílio doença que for convertido em aposentadoria por incapacidade permanente, terá uma redução substancial, não fazendo sentido, do ponto de vista da proteção social, que um benefício por incapacidade temporária tenha um valor superior a um benefício por incapacidade permanente. 3. Ademais, não há motivo objetivo plausível para haver discriminação entre os coeficientes aplicáveis à aposentadoria por incapacidade permanente acidentária e não acidentária. […] ( 5003241-81.2021.4.04.7122, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator DANIEL MACHADO DA ROCHA, juntado aos autos em 12/03/2022)
Também, a doutrina de INGO WOLFGANG SARLET[7] corrobora a impossibilidade de o poder de reforma constitucional, tal como o visto na edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, restringir direitos de modo a invadir o seu núcleo essencial e atentar contra as exigências da proporcionalidade:
“(...) verifica-se que a proibição de retrocesso, mesmo na acepção mais estrita aqui enfocada, também resulta diretamente do princípio da maximização da eficácia de (todas) as normas de direitos fundamentais. Por via de consequência, o artigo 5º, § 1º, da nossa Constituição, impõe a proteção efetiva dos direitos fundamentais não apenas contra a atuação do poder de reforma constitucional (em combinação com o artigo 60, que dispõe a respeito dos limites formais e materiais às emendas constitucionais), mas também contra o legislador ordinário e os demais órgãos estatais (já jurídica e a proteção da confiança), que, portanto, além de estarem incumbidos de um dever permanente de desenvolvimento e concretização eficiente dos direitos fundamentais (inclusive e, no âmbito da temática versada, de modo particular os direitos sociais) não pode – em qualquer hipótese – suprimir pura e simplesmente ou restringir de modo a invadir o núcleo essencial do direito fundamental ou atentar, de outro modo, contra as exigências da proporcionalidade.
Desta forma, com base nos princípios constitucionais, especialmente o da irredutibilidade do valor dos benefícios (art. 194, parágrafo único, IV, da Constituição Federal), da igualdade, proporcionalidade e da razoabilidade, não é admissível que um benefício por incapacidade temporária tenha valor superior a um por incapacidade permanente, há uma clara e flagrante inconstitucionalidade na alteração do cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente feito pela EC 103/2019.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Brasília, DF, 12 de nov. de 2019.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, DF, 24 de jul. de 1991
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Turma Regional de Uniformização. 5003241-81.2021.4.04.7122, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator DANIEL MACHADO DA ROCHA, juntado aos autos em 12/03/2022)
Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11 ed. Porto Alegre; Livraria do Advogado, 2012, p. 405
[1]Este material foi desenvolvido a partir das discussões durante o Seminário I Seminário de Direito Previdenciário - Conexão Minas Gerais/São Paulo, com carga horária de 8 horas/aula, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP, nos dias 27/05/2022.
[2] BRASIL. Lei 8213 de 24 de julho de 1991, art. 42º e art. 59º.
[3] BRASIL. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Brasília, DF, 12 de nov. de 2019.
[4] BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, DF, 24 de jul. de 1991
[5] BRASIL. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Brasília, DF, 12 de nov. de 2019.
[6] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Turma Regional de Uniformização. 5003241-81.2021.4.04.7122, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator DANIEL MACHADO DA ROCHA, juntado aos autos em 12/03/2022)
[7] Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11 ed. Porto Alegre; Livraria do Advogado, 2012, p. 405