Quero transferir um imóvel para meu filho mas não quero que minha nora tenha direito à metade. Como fazer isso?

14/04/2023 às 18:04
Leia nesta página:

Através do contrato de doação poderá ser operada a transferência de bens gratuitamente entre titular e adquirente. Essa operação é tributada pelo ITD (ou ITCMD) que deve observar a legislação estadual vigente e aplicável ao caso concreto. Realiza-se a doação de imóveis através de ESCRITURA PÚBLICA via de regra, podendo ser utilizado instrumento particular nos casos onde a Lei excepcionar a regra, todavia, é importante sempre recordar que no Sistema Registral brasileiro a transferência de imóveis, inclusive por doação, deverá se dar observando o binômio TÍTULO e MODO, ou seja, necessidade inafastável da lavratura da Escritura (em qualquer Cartório de Notas) e do registro dessa Escritura (no Cartório do RI competente e responsável pelo acervo onde deverá estar matriculado o imóvel). A regra consta estampada no art. 1.245 do CCB:

"Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel".

Como sempre destacamos, o Casamento (e a União Estável) são fatos que poderão importar na comunicação automática dos bens que qualquer dos cônjuges (ou companheiros) receba na vigência da relação. Atenção especial deverão ter os consortes no momento da realização do PACTO ANTENUPCIAL (para o Casamento) ou da realização do CONTRATO ESCRITO (para a União Estável) para escolher quaisquer dos regimes de bens disponíveis já que eles projetarão efeitos patrimoniais que poderão conferir a MEAÇÃO ao outro, ainda que não haja sua participação no ato da aquisição.

Muito importante é pontuar inclusive, no que diz respeito à União Estável que se não houver contrato escrito a Lei define o REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS como o aplicável na relação (ou seja, você pode estar vivendo em união estável e sob o regime da comunhão parcial de bens sem mesmo ter "escolhido" isso e sem saber a extensão dos seus efeitos - que são todos aqueles já disciplinados no Código Civil - vide artigo 1.658 e seguintes).

Efetivamente pode ser o caso de se buscar a PRESERVAÇÃO DOS BENS DA FAMÍLIA e por isso, é altamente aconselhável não descuidar do fato de que eventuais relacionamentos (sejam eles casamentos ou uniões estáveis) poderão importar em PERDA DE BENS caso os proprietários sejam casados (ou tenham união estável) e lhes sobrevenha em algum momento um DIVÓRCIO ou uma DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL e o patrimônio tenha que ser decotado por conta de eventual meação.

Se nada foi pactuado (tanto na União Estável quanto no Casamento) muito provavelmente o regime aplicável será o da COMUNHÃO PARCIAL DE BENS (vide art. 1.640 e 1.725) onde são excluídos os bens havidos na constância do casamento (ou da união estável) a título gracioso (por doação ou sucessão ou os sub-rogados em seu lugar).

A proteção mais completa, assim entendemos, pode vir com a adoção da CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE que a teor do inciso I do art. 1.668 super inclusive a abrangente (e perigosa) comunicabilidade oriunda da COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS que pode ser pactuada tanto em Uniões Estáveis como em Casamentos. Essa cláusula deve ser injetada na Escritura de Doação no momento da liberalidade (ou no Testamento, se esse for o caso) e assim deverá constar no assento registral imobiliário no momento do registro do título, afastando qualquer pretensão de partilha do bem em eventuais divórcios ou dissoluções de união estável.

Importante ainda relembrar que a blindagem pela incomunicabilidade pode ser ajustada mesmo quando o aquirente nem mesmo seja casado ou viva em união estável (ou seja, uma blindagem muito eficiente), já que mesmo que venha a se casar ou formalizar união estável no futuro através da Comunhão Universal de Bens, ainda assim o bem não entrará na meação e - consequentemente - na partilha em eventual divórcio ou dissolução de união estável.

Como já falamos em outras oportunidades aqui, junto da Escritura de Doação outras cláusulas igualmente importantes poderão ser inseridas, como a CLAÚSULA DE REVERSÃO, CLÁUSULA DE IMPENHORABILIDADE e CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE.

A jurisprudência mineira exemplifica bem a questão da comunicabilidade e da importância da cláusula - especialmente considerando que ninguém casa pensando em separar (e partilhar/perder bens) mas essa é e será sempre uma possibilidade bastando para isso que exista um Casamento (ou União Estável):

"TJMG. 10701071900560001. J. em: 28/07/2009. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO LITIGIOSO - PARTILHA DE BENS - COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS - IMÓVEL DOADO AO CÔNJUGE VIRAGO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO - CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE INCLUÍDA EM ESCRITURA POSTERIOR, NÃO ASSINADA PELO VARÃO - INVALIDADE EM RELAÇÃO A ESTE. DOAÇÃO - AUSÊNCIA DE REGISTRO NO CÁRTÓRIO DE IMÓVEIS - IRRELEVÂNCIA - SENTENÇA MANTIDA. 1- Se os litigantes foram casados pelo regime de comunhão universal de bens, e os imóveis foram doados a um deles, na constância da vida conjugal, sem cláusula de incomunicabilidade, tais bens pertencem de forma igualitária a ambos os cônjuges, sendo inválida, em relação a eles, cláusula de inalienabilidade incluída em escritura de re-ratificação lavrada sem a participação de um deles. 2- O imóvel recebido em doação por um dos cônjuges, na constância da união conjugal, uma vez aceita a liberalidade passa a integrar o patrimônio do casal e está sujeito à partilha em caso de separação judicial ou divórcio, sendo irrelevante que a escritura tenha sido registrada somente depois da separação de fato".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos