Proteção ao trabalhador x modernas relações de trabalho: Teletrabalho, Trabalho Remoto e Plataformas Digitais

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Este artigo tem o objetivo de tratar de aspectos sobre a proteção ao trabalhador frente às modernas relações de trabalho: Teletrabalho, Trabalho Remoto e Plataformas Digitais.

RESUMO

Este artigo tem o objetivo de verificar se a proteção ao trabalhador pode estar em risco no que se refere aos aspectos abordados. São analisados os possíveis riscos à proteção ao trabalhador nas relações de trabalho tradicionais e modernas. Sobre as últimas, fala-se do mercado de trabalho na era Economia da Informação e da subordinação tênue ou quase inexistente nessas novas relações, afastando-as da intervenção estatal. Pondera-se a observância de direitos fundamentais do trabalhador e as iniciativas legislativas que normatizem as modernas relações de trabalho e permitam sua fiscalização pelos órgãos de proteção ao trabalho. Aborda-se a Lei 12.551/2011, quanto aos meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão do trabalho humano, e, também, as Leis 13.467/17 e 14.442/2022, quanto às regras do teletrabalho ou trabalho remoto, além do labor em plataformas digitais. Menciona-se, como dedução, que a proteção ao trabalhador pode estar em risco, frente aos aspectos suscitados.

Palavras-chave: Proteção ao trabalhador. Economia da Informação. Trabalho à distância. Trabalho remoto. Teletrabalho. Trabalho em Plataformas Digitais.

INTRODUÇÃO

O mundo do trabalho, desde a Revolução Industrial, sempre carregou em si a célebre oposição de forças entre os detentores do capital e dos meios de produção, de um lado, e a energia humana produtiva - os trabalhadores, de outro.

As normas trabalhistas surgiram para tentar equilibrar essa relação, e têm se pautado, ao longo do tempo, num enfoque eminentemente protetivo ao trabalhador. Neste sentido, cabe citar, com relação ao princípio da proteção, as palavras de Maurício Godinho Delgado:

[...] informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro –, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho” 1.

Mas essa proteção realmente ocorreu, na prática, de maneira efetiva e integral? Ou se tratava apenas era uma proteção jurídico-formal, que pode ter tido sucesso apenas em determinados aspectos, e deixado muitos outros em desamparo? É possível ponderar que a proteção ao trabalhador, de fato, jamais foi absoluta, e talvez nunca venha a ser, seja por lacunas ou falhas do direito material, seja pela demora na concretização dos direitos quando utilizado o plano judicial, seja pela própria situação em concreto variável conforme a conjuntura econômica, como, por exemplo, em caso de ausência de condições financeiras ou falência de uma entidade empregadora.

De qualquer forma, a proteção ao trabalhador integra a mais alta aspiração dentro dos parâmetros de justiça e igualdade, e o intuito, neste momento, é avaliar, atualmente, como está a proteção ao trabalhador e seus eventuais riscos.

FORMAS TRADICIONAIS E INOVADORAS DE RELAÇÕES DE TRABALHO

No quadro do mercado de trabalho brasileiro coexistem formas tradicionais e inovadoras de relações de trabalho.

As relações de trabalho tradicionais são protegidas pelos direitos celetistas e encontram-se, normalmente, nas atividades econômicas desenvolvidas de maneira tradicional, em organizações verticalizadas, que realizam e gerem todo o processo produtivo.

Aqui, os riscos à proteção do trabalhador podem decorrer do inadimplemento dos direitos trabalhistas ou da não observância das normas de segurança e saúde do trabalho por parte das organizações, havendo a possibilidade de aplicação das penalidades administrativas previstas na legislação do trabalho e de acesso ao Judiciário também com base em normas já existentes e previstas na legislação do trabalho, seja de forma individual, seja de forma coletiva, que, na seara trabalhista, concretiza-se mormente pela atuação do Ministério Público do Trabalho e dos sindicatos.

Já as relações de trabalho inovadoras merecem destaque porque podem ensejar maiores riscos à proteção ao trabalhador. São frutos da Economia da Informação ou da Economia Digital, ou da denominada Revolução 4.0, através da qual se alumia um quadro tal que as empresas encontram-se cada vez mais pulverizadas, com diversas partes das etapas do processo produtivo particionadas, a fim de reduzir os custos e elevar os níveis de produtividade e excelência através da especialização dos produtos e serviços, exigências de participação e sobrevivência na concorrência global.

Consequentemente, as organizações tornam-se cada vez mais enxutas, com redução dos postos de trabalho trazida pelas evoluções tecnológicas. Além disso, as relações entre as pessoas que laboram na cadeia produtiva desenvolvem-se, muitas vezes, através de contatos eletrônicos.

A subordinação tradicionalmente prevista no vínculo empregatício, que consiste “[...] na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado comprometer-se-ia a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviço” 2, torna-se tênue ou quase inexistente, levando ao seguinte questionamento: será que todas as formas de trabalho modernamente desenvolvidas ainda se enquadram na rígida dicotomia capital x trabalho, que demanda intervenção estatal para que a relação jurídica atinja o equilíbrio, compensando-se a subordinação e a dependência econômica do obreiro frente aos poderes do empregador?

Pode-se dizer que são, realmente, relações de trabalho diferenciadas, mas que colocam em risco a proteção ao trabalhador por estarem, na prática, muitas vezes à margem da proteção legal.

Contudo, mesmo nas relações de trabalho em sentido amplo, há direitos mínimos a serem observados:

“[...] os direitos fundamentais se aplicam não somente aos trabalhadores subordinados (empregados, vale dizer, sujeitos de um contrato de emprego), mas também aos trabalhadores autônomos, aos parassubordinados, enfim, a todos aqueles que exercem uma atividade remunerada por conta de outrem ou de quem dependem do ponto de vista econômico” 3.

A proteção ao trabalho, aqui, corre sérios riscos, sendo necessária a intervenção estatal para equilibrar a relação jurídica através de iniciativas legislativas que suportem e normatizem essas novas relações de trabalho. Também têm que ser normatizados os postos de trabalho intermitentes que aparecem e desaparecem com a velocidade dos ditames do mercado globalizado e digital.

O Estado, em suma, tem que repensar as formas de tutela para adaptá-las às transformações no mercado de trabalho, permitindo a garantia de direitos mínimos e a fiscalização de tais atividades pelos órgãos de proteção ao trabalho.

LEI 12.551/2011

Um exemplo de iniciativa legislativa nesse sentido foi a Lei 12.551/2011, que versa sobre o trabalho à distância ou teletrabalho. Essa lei alterou o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, que passou a ter a seguinte redação:

“Art. 6º - Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.

A regra segundo a qual o trabalho pode ser prestado no estabelecimento do empregador ou no domicílio do empregado, não é novidade, pois já estava prevista na redação original do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, tendo o legislador dado destaque ao trabalho realizado à distância para evitar quaisquer questionamentos ou interpretações excludentes de tal hipótese.

Já a nova redação do parágrafo único do artigo 6º visa a minorar os riscos à proteção do trabalhador, estabelecendo claramente que os recursos digitais também servem para exprimir subordinação.

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Portanto, deve-se observar os preceitos aludidos, sob pena de risco à proteção ao trabalhador.

TELETRABALHO OU TRABALHO REMOTO

Outro exemplo de tratamento das hodiernas relações laborais surgiu com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que introduziu, no texto da Consolidação das Leis do Trabalho, o Capítulo II-A – “Do Teletrabalho” ao Título I, com alterações posteriores pela Lei 14.442/2022 (conversão da Medida Provisória 1.108/2022).

Enquadra-se como teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo, não sendo descaracterizado pelo comparecimento, ainda que habitual, às dependências do empregador, e podendo ser prestado por jornada ou por produção ou tarefa – nesta última hipótese não serão aplicadas as regras da CLT sobre duração do trabalho (art. 75-B, caput, e §§§ 1º a 3º, CLT).

Neste passo, em que pese o surgimento de regulamentação, alumia-se que a exclusão das regras sobre duração do trabalho pode implicar em efeitos nefastos à saúde do trabalhador, submetendo-o a extensas jornadas sem controle, sem intervalo e sem direito à desconexão para usufruir de descanso, lazer e convívio familiar e social. Tal preocupação é reforçada por outros dois dispositivos: um que ignora o tempo de uso de equipamentos/infraestrutura como labor efetivo, ao arrepio da tradicional previsão celetista (art. 4º, CLT), e outro que submete a acordo individual, com consentimento viciado pela assimetria da relação de emprego, dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador:

Art. 75-B (...)

§ 5º O tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, bem como de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição ou regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho.    (Incluído pela Lei nº 14.442, de 2022)

(...)

§ 9º Acordo individual poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais.      (Incluído pela Lei nº 14.442, de 2022)

Pondera-se, ainda, que o trabalho tradicional por produção ou tarefa não é isento das regras de duração do trabalho. Sendo assim, os meios telemáticos e informatizados podem, efetivamente, controlar o tempo de prestação de serviços no teletrabalho ou trabalho remoto, na esteira da previsão do art. 6º da CLT, acima abordado, propiciando que o labor humano não represente causa de adoecimentos e de riscos psicossociais4.

Outro risco à proteção ao trabalhador pode ser vislumbrado no acordo individual, numa relação de hipossuficiência, que vai dispor sobre itens imprescindíveis à saúde e segurança no trabalho, tais como mesas, cadeiras, monitores, apoios de pés, que têm que ser ergonômicos e reguláveis, adaptando-se às condições psicofisiológicas do trabalhador, o que é curial numa atividade estática e com movimentos repetitivos de membros superiores:

Art. 75-D.  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)        

(...)

O legislador buscou, ainda, tentar evadir-se dos ditames da NR-17, ao aduzir que “o regime de teletrabalho ou trabalho remoto não se confunde nem se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento” (art. 75-B, §4º, CLT). Contudo, a parte geral da NR-17 aplica-se a todas as relações laborais, e seu Anexo II tem aplicação analógica amplamente possível ao teletrabalho ou trabalho remoto. Saliente-se que as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego são de observância obrigatória, nos termos do art. 19, parágrafos 1º e 2º da Lei 8.213/91, e dos artigos 157, I e 200, da CLT. Assim, a previsão legal do art. 75-B, §4º, da CLT, torna-se despicienda.

Portanto, não é suficiente a instrução dos empregados, sobre as precauções quanto a doenças e acidentes de trabalho, e a assinatura de termo de responsabilidade por parte daqueles (art. 75-E, CLT).

O empregador tem que propiciar efetivas condições de higidez do meio ambiente laboral, em qualquer lugar em que este se instale, para uma efetiva proteção dos trabalhadores, providenciando de forma gratuita a infraestrutura para o trabalho e os equipamentos de proteção individual, orientando os empregados e fiscalizando o desenvolvimento laboral.

Nesse sentido, quanto aos equipamentos de proteção individual, é imperioso reforçar que cabe ao empregador, dentre outras responsabilidades, treinar o empregado quanto ao seu uso adequado; fornecê-los gratuitamente, em perfeito estado de conservação e funcionamento, e em consonância com o risco; exigir seu uso; efetuar sua higienização e manutenção periódica, bem como sua substituição imediata, quando danificados ou extraviados (NR-06, item 6.5.1).

A organização do trabalho deve, ainda, levar em consideração, nos termos da NR-17 (item 17.4.1):

a) as normas de produção;

b) o modo operatório, quando aplicável;

c) a exigência de tempo;

d) o ritmo de trabalho;

e) o conteúdo das tarefas e os instrumentos e meios técnicos disponíveis; e

f) os aspectos cognitivos que possam comprometer a segurança e a saúde do trabalhador.

Tais conclusões atendem aos postulados da OIT, que em 2022 alçou as normas de saúde e segurança ao patamar de “core obligations” (Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho/1998 – Convenções 155 e 187), bem como de sua Recomendação 184, que versa sobre o trabalho em domicílio.

TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS

Nesta seara, para uma efetiva tutela do trabalhador, diante da inexistência de uma regulamentação específica, devem ser aplicados, até porque totalmente cabíveis, os preceitos celetistas, através de sua interpretação sistemática e teleológica, em atenção aos princípios da proteção, da relação de emprego protegida e da primazia da realidade sobre a forma (art. 7º, “caput” e I, CF; arts. 2º e 3º c/c 9º, CLT), combatendo-se as relações de trabalho disfarçadas (Recomendação 198, OIT, art. 4º, b).

O trabalho é realizado por pessoas físicas, com pessoalidade, posto que efetuam cadastro na plataforma digital e não se fazem substituir por terceiros, e com onerosidade, pois a remuneração é paga pela plataforma, em valores e percentuais por ela definidos.

Há, também, não eventualidade, já que o labor ocorre com certa intensidade, para manter o credenciamento do obreiro à plataforma digital. Alumia-se, neste passo, que a flexibilidade de horário não impede o reconhecimento do vínculo, consoante o art. 62 da CLT, e que esta não exige trabalho diário para caracterizar o pressuposto do vínculo empregatício em exame.

Vislumbra-se, outrossim, subordinação jurídica clássica - ordens diretas por meios remotos e digitais - art. 6º, parágrafo único, CLT - com exercício do poder diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar pelo empregador, que determina o modo de prestação de serviços, submete os trabalhadores à avaliação dos clientes e descredencia-os conforme sua performance. Ressalte-se que a possível recusa ao trabalho é prevista pela CLT quanto ao trabalho intermitente (art. 452-A, da CLT), não tendo, assim, o condão de afastar a subordinação.

Há, ainda, subordinação objetiva, posto que o trabalho está alinhado aos objetivos empresariais, bem como subordinação estrutural/reticular/integrativa, com inserção do trabalhador na dinâmica da atividade econômica, e subordinação algorítmica, já que o algoritmo é o meio telemático e informatizado de comando, controle e supervisão, que se equipara aos meios diretos - art. 6º, p. u., CLT.

Atende-se, assim, aos postulados da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, da existência digna, do pleno emprego e da função social da empresa/propriedade (arts. 1º, III e IV; 5º, XXIII; 170, “caput” III e VIII, CF), dado não ser o trabalho humano uma “mercadoria” (Declaração de Filadélfia, I, “a”).

CONCLUSÃO

A partir do quadro exposto, emerge a constatação riscos à proteção do trabalhador com base nas relações tradicionais e modernas de trabalho. Quanto às últimas, é necessária especial atenção por parte do Estado, através de regulamentação específica e fiscalização, e dos operadores do Direito, por intermédio de interpretação teleológica dos dispositivos celetistas, em conformidade com os direitos fundamentais sociais.


  1. Delgado, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4ª edição. São Paulo: LTr, 2005. p. 197-198.

  2. Delgado, Maurício Godinho. Op. cit. p. 302.

  3. Romita, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. São Paulo: Ltr, 2005. p. 189

  4. A NR-20, em seu Glossário, aponta que são riscos psicossociais: “influência na saúde mental dos trabalhadores, provocada pelas tensões da vida diária, pressão do trabalho e outros fatores adversos”.

Sobre a autora
Cristiane Leonel Moreira da Silva

Auditora-Fiscal do Trabalho. Mestre em Direito Processual Civil e Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela PUC/Campinas. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Católica de Santos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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