Análise da constitucionalidade da prevalência do negociado sobre o legislado proposto pela Lei nº 13.467 de 2017

18/04/2023 às 12:34
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RESUMO

A alteração legislativa realizada pela Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista) trouxe inúmeros impactos às relações trabalhistas, tendo como uma de suas principais novidades a autorização expressa da prevalência do negociado sobre o legislado quanto a algumas matérias. Entretanto, deve-se realizar interpretação jurídica com a utilização dos métodos lógico-racional, sistemático e teleológico para que sejam respeitados princípios constitucionais, direitos fundamentais e normas internacionais de direitos humanos. Diante dessa questão, faz-se necessária uma análise doutrinária e descritiva sobre a constitucionalidade da novidade legislativa, pois a interpretação a ser dada é aquela que respeita os direitos fundamentais e sociais vigentes no ordenamento jurídico.

Palavras-chave: Reforma Trabalhista; Constitucionalidade; Convencionalidade.

ABSTRACT

The legislative amendment introduced by Law 13467/17 (Labor Reform) brought numerous effects to labor relations, with one of its main novelties being the express authorization of the prevalence of the negotiated over the legislated with respect to some matters. However, legal interpretation must be carried out with the use of logical-rational, systematic and teleological methods to ensure that constitutional principles, fundamental rights and international human rights standards are respected. In face of this issue, a doctrinal and descriptive analysis on the constitutionality of legislative novelty is necessary, since the interpretation to be given is the one which respects the fundamental and social rights in force in the legal system.

Keywords: Labor Reform; Constitutionality; Conventionality.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho científico terá, por finalidade, o estudo da constitucionalidade das alterações legais realizadas pela Lei 13.467/17, chamada de Reforma Trabalhista, por ser demasiadamente importante, diante do forte impacto que esta tem causado. A lei foi aprovada num contexto político bastante tumultuado, sem a devida participação popular, a qual seria necessária tendo em vista o significativo impacto social que aquela causaria aos trabalhadores brasileiros. Ressalte-se que o labor tem um papel indubitável na integração de seres humanos e como gerador de transformações sociais.

A previsão expressa da prevalência da convenção coletiva e do acordo coletivo de trabalho em detrimento da lei (art. 611-A, caput da CLT), dependendo do que e de como for pactuado, gera uma afronta à Constituição Federal, pois pode ocasionar o desrespeito ao princípio da vedação ao retrocesso social e ao princípio da progressividade desses direitos (art. 7º, caput da CF/88). Vale ressaltar, que os direitos sociais constituem cláusulas pétreas, impassíveis de serem abolidos pelo poder constituinte derivado.

A autonomia privada coletiva deve ter como amparo as normas constitucionais, o princípio da dignidade da pessoa humana, a função social da propriedade e a valorização social do trabalho. Ademais, existem normas internacionais de direitos humanos que o Brasil ratificou que também devem ser respeitadas e cumpridas, já que possuem o status supralegal, ou seja, hierarquicamente superior a legislação ordinária vigente. Assim, percebe-se que a nova lei deve ser interpretada conforme a Constituição ou, se não respeitarem essa premissa, diversas negociações coletivas deverão ser declaradas como inconstitucionais.

Assim, o presente trabalho será dividido em três capítulos, que abordarão, respectivamente, o contexto social e político em foi aprovada a reforma trabalhista, as especificidades para a negociação coletiva e suas limitações e, por fim, uma análise dos limites possíveis à aplicação dos incisos do art. 611-A da CLT para a garantia da sua constitucionalidade e convencionalidade.

Dessa forma, para alcançar o desiderato científico proposto, será utilizada a metodologia bibliográfica, através de um estudo doutrinário e descritivo sobre a questão. Serão apontados os aspectos da alteração legislativa, explicitando quais princípios e direitos fundamentais estão sendo garantidos ou não. Ademais, analisar-se-á a interpretação que deve ser dada a essa modificação legal e às negociações coletivas para que estejam respaldadas pelas normas e princípios constitucionais, sendo, assim, garantido o patamar civilizatório mínimo aos trabalhadores.

1. CONTEXTO EM QUE FOI APROVADA A REFORMA TRABALHISTA (LEI Nº 13.467/17)

O contexto da aprovação da Lei nº 13.467/17 foi permeado pela inexistência de debates populares ou estudos prévios que buscassem realmente compreender os impactos sociais e os fins que se queria alcançar com aquela alteração legislativa. Além disso, o Brasil passava por um período de crise política e econômica, em que muitos não se sentiam representados pelos Congressistas que estavam no poder, diante de tantos escândalos de corrupção e desvio dos fins de suas funções públicas.

Conforme amplamente divulgado na imprensa, a justificativa utilizada pelos congressistas para defender a aprovação da reforma era a da necessidade de redução dos custos do empregador com a contratação da mão de obra, em prol da diminuição do desemprego e melhoria da economia.

Essa situação foi muito bem explicada por Ricardo José Macêdo de Britto Pereira (2018, p. 446) ao aduzir que:

Apesar de passada como mudança necessária e positiva para a sociedade, não houve participação efetiva dos atores sociais durante a tramitação das propostas. Além do mais, não se cogitou de resolver alguns problemas trabalhistas que são levados cotidianamente aos tribunais, mas que até o momento não merecem atenção do legislador.

Ele trouxe como exemplo de proposta de mudança, para a efetiva melhoria das normas trabalhista, a criação de previsões legais para proteção do trabalhador contra o assédio moral, o qual está presente em diversas ações trabalhistas e que gera uma nefasta consequência à saúde de inúmeros empregados.

A ideia defendida, para a aprovação dessa alteração legal, de que ocorreria um aumento de empregos é entendida por muitos como uma falácia, conforme afirma Ricardo José (2018, p. 446), “Reformas trabalhistas ocorridas em outros países com o mesmo perfil liberalizante, sobretudo na Europa, e que antecederam a reforma trabalhista brasileira não lograram os benefícios anunciados”.

Ademais, a falta de diálogo social, diante de uma mudança tão impactante para a sociedade, gerou um desrespeito a uma premissa básica defendida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), instituição da qual o Brasil é membro: o debate de forma tripartite, através de representantes dos Estados, dos trabalhadores e dos empresários. Segundo pontuou Valdete S. Severo e Jorge Luiz S. Maior (2017, p. 23), a OIT aduziu ser ilegítima a Reforma Trabalhista quanto a essa questão, inclusive através de um documento formalmente apresentado1.

Ademais, as afrontas que a Lei nº 13.467/17 causam ao ordenamento jurídico não param por aqui, diante do desrespeito a princípios constitucionais basilares e normas de direitos humanos, que serão tratados nos próximos tópicos desse artigo.

2. A NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRABALHISTA E SUAS LIMITAÇÕES

Uma das principais modificações realizada pela Reforma Trabalhista foi a redação do art. 611-A da CLT, que estendeu, de forma expressa e significativa, as possibilidades de negociação coletiva. Junto a essa ampliação, o legislador, no claro intuito de limitar a atuação do Poder Judiciário para a análise das normas coletivas editadas, acrescentou o §3º ao art. 8 da CLT, que delineou essa atuação apenas à existência ou não de conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, pautando-se pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

A negociação coletiva no Brasil sempre foi pautada pelo princípio da adequação setorial negociada, com parâmetros delineados no respeito às normas constitucionais e internacionais vigentes. Maurício Godinho Delgado (2017, p. 83) explicitou muito bem sobre o conceito e extensão desse princípio:

Pelo princípio da adequação setorial negociada, as normas autônomas juscoletivas, construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional, podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista, desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta).

Apenas se entende possível a transação de direitos de indisponibilidade relativa se, num sopesamento de perdas e ganhos para o trabalhador numa análise global daquilo que foi negociado, o conjunto total de ganhos for maior que as perdas. Já as normas de indisponibilidade absoluta somente podem ser negociadas para ampliarem seu alcance, visto que fixam um piso vital mínimo a ser respeitado, com intensa interligação ao princípio da dignidade da pessoa humana, sem possibilidade de flexibilização in pejus. Exemplos dessas últimas são aquelas que tratam sobre o meio ambiente do trabalho, saúde e segurança do trabalhador, normas sobre a anotação da carteira de trabalho, entre outras.

O art. 611-A, §2º da CLT aduz inexistirem prejuízos se não houver indicação de contrapartidas expressas nas negociações coletivas realizadas. No entanto, a melhor interpretação a ser dada a esse dispositivo, para que coadune com os preceitos e princípios constitucionais postos, é a que Ronaldo Lima dos Santos (2018, p. 480) explicitou:

Deste modo, consoante o art. 611-A da CLT, os acordos e convenções coletivas só possuem prevalência sobre a lei quando dispuserem de modo mais favorável ao trabalhador, por meio de contrapartidas recíprocas, ainda que estas não estejam previstas expressamente no instrumento normativo. Não se deve confundir inexistência de contrapartida expressa com a ausência da própria contrapartida. Em ambas as situações, deve haver uma condição mais favorável aos trabalhadores para a validade da alteração; a facultatividade diz respeito apenas à previsão expressa no próprio instrumento normativo da contrapartida ou não.

Sabe-se que os diversos ramos do direito devem ter como parâmetro a Constituição Federal, segundo bem ilustra a pirâmide de Kelsen. A constitucionalização desses ramos estendeu-se também para a seara trabalhista, com a solidificação da chamada constitucionalização do direito do trabalho.

O trabalho tem a primordial função de integrar os seres humanos e gerar transformações sociais, possuindo, consequentemente, um importante papel de dignificar o homem. Assim, entendeu-se que, para a existência de uma sociedade consolidada pelo trabalho em sua forma livre, seria necessário estabelecer um patamar mínimo de garantias, já que no outro lado da moeda está presente a busca do lucro e a comercialização da força de labor. Então, fica-se clara, num sistema capitalista, a necessidade de ponderação entre a proteção da livre iniciativa e o valor social do trabalho.

A negociação coletiva é um direito fundamental, conforme demonstram o art. 8º, VI e o art. 7º, XXVI da CF/88. Sendo um instituto que possui uma conexão direta com os princípios da liberdade sindical e da criatividade jurídica, os quais embasam as relações trabalhistas em seu âmbito coletivo. As partes que negociam são consideradas sujeitos coletivos, isso porque, de um lado, é obrigatória a presença do sindicato dos trabalhadores (art. 8º, VI, CF/88), do outro o empregador, que mesmo sem a intervenção de seu sindicato, é tido como um ser coletivo, em virtude da repercussão social que suas condutas podem gerar para a sociedade.

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O cerne da negociação coletiva é caracterizado pela existência de um pluralismo jurídico, que, visando dar mais concretude às particularidades de cada categoria de trabalhadores, cria disposições específicas para reger essas relações laborais por meio de centros autônomos de positivação.

Conforme o caput do art. 7º da CF/88, a melhoria da condição social do trabalhador deve ser o fim buscado pelas normas vigentes, isso porque é clara a existência de disparidades entre as partes de uma relação laboral. Assim, os direitos existentes devem ser progressivamente estendidos em vista de diminuir a desigualdade que permeia esse vínculo. Tal imperativo legal fundamenta os princípios da progressividade dos direitos trabalhistas e da vedação do retrocesso social.

Dessa forma, percebe-se que para que as negociações coletivas sejam consideradas válidas e dentro dos parâmetros nacionais vigentes, deve ser feito um exercício hermenêutico com a aplicação da técnica da máxima efetividade dos direitos fundamentais, com a utilização da interpretação conforme à Constituição, além da observância da teoria do limite dos limites defendida por Gilmar Mendes (2008, p. 349).

Ademais, os acordos e convenções coletivas também devem obedecer às normas de direito internacional vigentes no ordenamento jurídico, passando, assim, pelo crivo do controle de convencionalidade. No caso em tela, devem ser respeitadas as Convenções 98, 151 e 154 da OIT, que foram ratificadas pelo Brasil e, por serem normas de direitos humanos aprovadas pelo Congresso Nacional com quórum simples, possuem o status de supralegalidade.

A esse respeito o Comitê de Liberdade Sindical da OIT já se pronunciou a respeito do tema, “[...] o Comitê recorda que o objetivo geral das Convenções 98, 151 e 154 é a promoção da negociação coletiva para encontrar um acordo sobre termos e condições de trabalho que sejam ainda mais favoráveis que os previstos na legislação.” 2.

Uma Comissão de Peritos da OIT analisou recentemente alguns pontos da reforma trabalhista brasileira, solicitando que o Brasil fizesse uma revisão dos arts. 611-A e 611-B, da CLT, para que coadunassem com os preceitos das normas da OIT ratificadas pelo Estado, conforme publicado no site da AMATRA da 1ª região (2019):

O relatório divulgado na última sexta-feira (8) pede que o Brasil reveja os artigos 611-A e 611-B, que tratam dos acordos coletivos, segundo reportagem do jornal Valor. Os peritos avaliam que os dois artigos, incluídos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), ferem a Convenção 98 da OIT sobre negociações coletivas e violam princípios básicos do Direito Internacional do Trabalho.

O artigo 611-A apresenta uma lista de casos em que o negociado pode se sobrepor ao legislado. Já o artigo 611-B lista 30 direitos que não podem ser renunciados por meio de acordos ou convenção coletiva. No relatório, os peritos afirmam que o texto da lei é muito amplo e pedem que o governo consulte os “interlocutores sociais representativos” para revisar os artigos “a fim de demarcar de maneira mais precisa” as situações em que as cláusulas sobre exceções à legislação poderiam ser negociadas, assim como seu alcance.

Por fim, conclui-se que a Lei 13.467/17 e seus efeitos jurídicos não podem ir de encontro com as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, já que a hierarquia das normas impõe a prevalência do preceito com status supralegal em detrimento de uma lei ordinária.

3. ANÁLISE DOS LIMITES POSSÍVEIS À APLICAÇÃO DOS INCISOS DO ART. 611-A DA CLT PARA A GARANTIA DA CONSTITUCIONALIDADE E CONVENCIONALIDADE

Primeiramente, deve ser realizada uma interpretação jurídica do art. 611-A da CLT com a utilização dos métodos lógico-racional, sistemático e teleológico para que sejam respeitados princípios constitucionais, direitos fundamentais e normas internacionais de direitos humanos. Aplicam-se, também, as técnicas de interpretação conforme a Constituição e a máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Ademais, Ricardo José Macêdo de Britto Pereira (2018, p. 461), numa análise rápida, que coaduna com o pensamento explicitado no decorrer deste trabalho, aduz:

O art. 611-A é igualmente inconstitucional, pois não se pode estabelecer uma prevalência da negociação coletiva prejudicial em relação à lei como critério geral, sem afetar a imposição de melhoria das condições sociais dos trabalhadores. A flexibilização das normas trabalhistas é possível, mas em caráter excepcional e não ordinário.

O inciso I autoriza a negociação quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais. No entanto, sabe-se que uma jornada laboral muito extensa é passível de ocasionar um prejuízo à saúde do trabalhador e uma maior probabilidade de ocorrência de acidentes laborais, inclusive a primeira Convenção editada pela OIT buscava resguardar a jornada máxima laboral, diante do impacto que ela causa na saúde dos trabalhadores. Os parâmetros para estabelecer esses balizamentos devem levar em consideração a atividade em espécie, pois existem ocupações que geram uma exaustão em menos horas de labor do que outras. Assim, não deve ocorrer um abuso de direito (art. 187 c/c art. 927 do CC/02), utilizando-se dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Quanto ao inciso II, trata-se sobre o banco de horas anual, que também deve ser aplicado com as mesmas balizas abordadas no parágrafo anterior, além da obediência ao princípio constitucional da norma mais favorável ao trabalhador.

O inciso III, que aborda sobre o intervalo intrajornada, deve ter como limite mínimo 30 minutos para aqueles com jornada superior a seis horas. Assim, para que não haja um abuso de direito e desrespeito ao princípio da proteção, as empresas que diminuírem esses intervalos devem ter uma estrutura condizente e adequada para que as refeições sejam realizadas em suas sedes, conforme prevê a própria CLT (art. 71, §3º), pois o instituto não pode fugir do objetivo jurídico de sua existência.

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Quanto ao inciso IV, o Programa Seguro Emprego (PSE) é regulamentado pela Lei 13.189/15 c/c Lei 13.456/17, que já abordavam sobre a possibilidade de acordo coletivo nesse âmbito para estabelecer as condições de adesão ao PSE, devendo haver, também, o respeito aos imperativos constitucionais para que haja sua prevalência ao disposto na lei.

Já a devida interpretação do inciso V é muito bem pontuada por Maurício Godinho Delgado e Gabriela Delgado (2017, p. 260):

[...] se o novo PCS fixar certo cargo ou função de confiança desproporcionalmente fora dos parâmetros da CLT, com claro intuito de apenas elidir a incidência das regras constitucionais e legais de duração do trabalho sobre o contrato de trabalho, tais artificialismo e desproporcionalidade podem ser detectados, afastando o efeito supressivo indevidamente intentado.

No inciso VI, a possibilidade de negociação coletiva para tratar sobre regulamento empresarial é positivo para a consecução de avanços para redução das disparidades entre as partes da relação laboral. Assim, através de um sindicato com efetiva representatividade, essa construção coletiva deve observar os preceitos constitucionais, a razoabilidade e a boa fé objetiva, em vista de alcançar um documento válido e aplicável.

No ponto VII, o artigo aduz ser possível a prevalência do negociado quanto a questões envolvendo os representantes dos trabalhadores no local de trabalho, ressaltando-se que a mesma Lei 13.467/17 regulamentou esse instituto através dos artigos 510-A a 510-D. Assim, há a possibilidade de ajuste coletivo nesse aspecto, que poderá prevalecer em detrimento da lei, desde que estabeleça em seu conjunto cláusulas mais favoráveis, buscando-se zelar pela garantia mínima de representação dos trabalhadores na empresa (Convenção 135, OIT). Exemplo disso seria a extensão do número de representantes máximo dos trabalhadores trazido pela lei.

O inciso VIII aborda sobre o teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente. Mais uma vez, faz-se necessário perquirir que essa negociação não pode ser utilizada para precarizar as condições laborais já trazidas por normas imperativas, como a própria Constituição e leis esparsas que trouxeram avanços protetivos nesse campo.

No mesmo caminho feito para a análise dos outros incisos, o inciso IX também deve ser entendido. As questões que permeiam essas transações devem levar em conta a impossibilidade de retirar a natureza remuneratória das parcelas referentes às gorjetas e remuneração por desempenho individual. Isso porque a possibilidade dessa mudança teria que vir acompanhada de uma alteração na Lei da Organização e do Plano de Custeio da Seguridade Social. Maurício Godinho Delgado e Gabriela Delgado (2017, p. 262) chegaram a essa conclusão devido ao inevitável impacto financeiro que tal modificação ocasionaria às verbas de custeio da seguridade social.

O inciso X, que trata sobre modalidade de registro de jornada de trabalho, deve ser interpretado levando em consideração a impossibilidade de supressão da necessidade de anotação da jornada laboral, com exceção dos casos expressamente autorizados por lei, como o do trabalhador externo (art. 62 da CLT). Tal supressão ensejaria um retrocesso social, pois a falta de controle de ponto pode ocasionar a extensão da jornada de forma exorbitante, causando prejuízos à saúde física, psicológica, o que viola a proteção mínima à saúde do trabalhador (arts. 6º e 196 da CF/88).

Além disso, a jornada exaustiva é uma das caracterizações para a tipificação do crime de trabalho análogo a de escravo (art. 149 do Código Penal). Assim, essa transação coletiva deve ser efetivada de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, coadunando com os princípios da proteção, da vedação ao retrocesso social e da progressão dos direitos trabalhistas (art. 7º, caput, CF/88).

A possibilidade de negociação coletiva quanto ao enquadramento do grau de insalubridade (inciso XII) somente terá validade se for para trazer um benefício à condição já existente para os trabalhadores. Justifica-se isso pelo fato de que essa delimitação de grau só pode ser realizada através de uma apreciação técnica e científica. Esta tem uma razão de ser, pois é primordial um estudo das condições específicas de cada ofício desenvolvido e de cada ambiente laboral. Até mesmo, para chegar a esse enquadramento, faz-se necessária a previsão da atividade em quadro aprovado pelo Ministério do Trabalho, que estuda a potencialidade lesiva específica de cada agente insalubre, além da perícia a cargo de Médico ou Engenheiro do Trabalho, conforme artigos 190, 192 e 195 da CLT.

Assim, é salutar a proteção à saúde dos empregados, inclusive por ser um direito fundamental (art. 7º, XXII, da CF/88). Além disso, a própria Reforma Trabalhista, em seu art. 611-B, XVII, aduz serem impassíveis de negociação as normas relacionadas à saúde, higiene e segurança do labor.

Tratando-se do ponto XIII do artigo estudado, diante da mesma necessidade técnica que justifica a impossibilidade de transação trazida nos dois parágrafos anteriores, Maurício Godinho Delgado e Gabriela Delgado (2017, p. 264) trazem uma explicação clara e técnica para impedir a negociação quanto a esse inciso:

É que saúde humana não é passível de negociação bilateral ou coletiva, por força da matriz constitucional de 1988, com suas várias regras e princípios de caráter humanístico e social.

A propósito, conforme já enfatizado, a Constituição da República ostenta inúmeros preceitos que alcançam ao ápice da pirâmide da pirâmide normativa brasileira a proteção à higidez física e mental da pessoa humana, fora e dentro do ambiente de trabalho – diga-se de passagem. Citem-se, para simples ilustração: art. 1º, III; art. 3º, I; art. 5º, caput; art. 6º; art. 7º, XII; art. 193; art. 196; art. 196; art. 200, caput e inciso VIII, todos da Constituição da República Federativa do Brasil.

Ademais, o inciso XIV aborda sobre os “prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo” (art. 611-A, XIV da CLT). Com a modificação do art. 457, §2º e 4º da CLT e com o acréscimo do art. 28, §9º, “z” da Lei 8.212/91 pela Reforma Trabalhista, foi suprimido o caráter salarial dessa parcela. Assim, a negociação desses valores terá, também, que seguir os parâmetros constitucionais pautados, outrossim, nos princípios da vedação do retrocesso social e da progressividade dos direitos dos trabalhadores.

Por fim, o inciso XV, que autoriza a transação relacionada à participação nos lucros ou resultados da empresa pelo trabalhador, precisa ser aplicado em coadunação com o art. 7º, XI da CF/88, o qual estatui que essa parcela deve ter seus contornos definidos em lei, que já existe (Lei 10.101/2000). Assim, não pode haver um confronto da negociação coletiva com o imperativo legal já existente, só sendo permitida a flexibilização quando tratar de questões não abordadas nessa lei e que tragam uma melhoria, no conjunto geral de perdas e ganhos, para os contratos trabalhistas, conforme aduz o princípio da adequação setorial negociada explicitado pelo professor Maurício Godinho Delgado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 13.467/17, popularmente chamada de Reforma Trabalhista, acarretou uma impactante alteração na legislação trabalhista. Apesar dessa perspectiva de profunda repercussão, o contexto da aprovação legal não teve amparo em um imprescindível debate social. Outrossim, o Brasil vivia num momento de crise política e econômica, com diversos representantes políticos sendo investigados e presos.

Nessa conjuntura, entendi ser importante a realização de uma análise mais aprofundada da proposição do art. 611-A da CLT, acrescentado pela novidade legislativa (Lei 13.467/17), pois ela trouxe uma previsão genérica de prevalência da negociação coletiva sobre a lei. Assim, compreendi que essas transações só seriam válidas diante de uma perspectiva de respeito às normas e princípios constitucionais, e às normas internacionais vigentes no Brasil.

Dessa forma, utilizei, através da hermenêutica, os métodos lógico-racional, sistemático e teleológico, além da interpretação conforme a Constituição, a técnica da máxima efetividade dos direitos fundamentais, o princípio da proibição do retrocesso social e a progressividade dos direitos trabalhistas. Ademais, entendo que a flexibilização, através dessas negociações, deverá atender a uma melhoria nas normas e condições laborais já existentes, tendo o saldo positivo para os ganhos em detrimento das perdas transacionadas, como ensina o professor Maurício Godinho Delgado ao tratar do princípio da adequação setorial negociada.

Assim, os incisos do art. 611-A foram paulatinamente averiguados para que se estabelecesse uma aplicação possível e compatível com o ordenamento jurídico a cada um deles. Ressalta-se, também, que os direitos sociais são cláusulas pétreas, não podendo ser abolidos.

Os estudos realizados por meio desse trabalho científico demonstram que atuação do Ministério Público do Trabalho e de outros órgãos fiscalizatórios será primordial para a aplicação constitucional dessas inovações legislativas, com o acompanhamento de forma extrajudicial das negociações coletivas, além da possibilidade de ajuizamento de ações anulatórias de cláusulas de acordos e convenções coletivas inválidas. Ademais, é necessária uma Justiça do Trabalho forte e imbuída em seu papel constitucional de pacificação dos conflitos laborais na busca da justiça social.

Finalmente, conclui-se que é vital para a consolidação de um Estado Democrático de Direito, o aperfeiçoamento e o progresso do complexo de normas trabalhistas, com o efetivo respaldo constitucional, já que o trabalho é o principal instrumento para se alcançar uma sociedade mais justa e equânime.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 24º. ed. São Paulo: Rideel, 2017.

Comissão da OIT pede revisão de artigos da Reforma Trabalhista. Disponível em:< http://www.amatra1.com.br/noticias/comissao-da-oit-pede-revisao-de-artigos-da-reforma-trabalhista/?utm_source=Facebook&utm_medium=link-face>. Acesso: 12 de março 2019.

DE BRITTO PEREIRA, R. J. M. Prevalência do negociado sobre o legislado e a negociação coletiva na nova lei: examinando limites e alcance constitucionais. DA COSTA, A. F. F; MONTEIRO, A. C. R. B; NETO, S. B (Org). Reforma Trabalhista na visão de Procuradores do Trabalho. Salvador: Juspodivm, 2018.

DELGADO, M. G; DELGADO, G. N. A reforma trabalhista no Brasil: com comentários à Lei n. 13.467/17. São Paulo: LTr, 2017.

DELGADO, M. G. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2017.

DOS SANTOS, R. L. A autonomia privada coletiva e hierarquia normativa na Lei nº 13.467/2017: a questão do legislado e do negociado. DA COSTA, A. F. F; MONTEIRO, A. C. R. B; NETO, S. B (Org). Reforma Trabalhista na visão de Procuradores do Trabalho. Salvador: Juspodivm, 2018.

Hermenêutica infraconstitucional Lei nº 13.467/17 – Relatório Conclusivo. Disponível em: < http://www.reformadaclt.com.br/wp-content/uploads/2018/09/22-FINAL-GT-Hermene%CC%82utica_IMPRESSA%CC%83O.pdf>. Acesso: 11 de março 2019.

MENDES, G. F; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008.

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SEVERO, V. S; MAIOR, J. L. S. Manual da reforma trabalhista: pontos e contrapontos; NETO, A. P; HAKIM, S (Org). São Paulo: Sensus, 2017.


  1. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Documento-da-OIT-reforca-argumentos-contra-a-reforma-trabalhista/7/38439. Acesso em: 11 de março de 2019.

  2. Disponível em: http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias/80ac33e6-d115-43d6-937e-154142f0a856. Acesso: 12 de março 2019.

Sobre a autora
Bárbara da Silva Baracho

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduada em Direito Constitucional da rede de ensino LFG/Anhanguera. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário com foco no Acidente do Trabalho pela Faculdade Legale. Pós-graduada em Direitos da Mulher e a Advocacia Feminista pela Faculdade Legale. Advogada inscrita na OAB/CE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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