Quem não deve pagar indenização por dano ambiental?

19/04/2023 às 09:16
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Se o atual proprietário do imóvel não foi o causador do dano ambiental, então não pode ser condenado ao pagamento de indenização.

Não se olvida que o artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/1981 estabelece que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Assim sendo, existindo o dano ambiental, a obrigação de sua reparação pode ser estabelecida propter rem, de tal maneira que o proprietário ou possuidor atual do imóvel pode ser responsabilizado pela reparação.

Todavia, essa obrigação propter rem, por estar intimamente vinculada à coisa, implica que a responsabilidade imposta ao proprietário ou possuidor esteja limitada à reparação que deva ser feita no próprio imóvel.

Ou seja, tal responsabilidade não se estende ao dever de outras rubricas que não relacionadas à coisa, como a indenização pecuniária por danos patrimoniais ou morais a ser revertida a fundo específico.

Significa dizer que, não sendo o atual proprietário o causador direto do dano ambiental ao qual se busca a recuperação, não pode ser responsabilizado pela indenização devida à coletividade, mas tão somente a restauração.

RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DE ÁREAS URBANAS CONSOLIDADAS

Independentemente da legitimidade ou não das legislações municipais, nos casos em que o imóvel se encontra em área urbana consolidada desde longa data, inclusive, com incentivo do Poder Público local, sem que houvesse qualquer ação repressiva por parte dos órgãos ambientais, não há que se falar em obrigação de indenizar.

Ora. Não pode o Poder Público, após anos de ocupação de uma determinada área, simplesmente ignorar a situação fática, passando a exigir de seus moradores o abandono de suas residências e o encerramento das atividades comerciais até então exercidas no local, e pior, muitas com vezes com incentivo da própria Administração Pública.

Em verdade, cumpre à Administração Pública local, com o auxílio dos órgãos ambientais, dar início ao processo de regularização fundiária dessa área urbana consolidada.

Isso, inclusive, com a exigência de eventuais condicionantes ambientais, como o recuo das edificações à distância compatível com a legislação ambiental, respeitadas, claro, as características da localidade, a fim de garantir a preservação do meio ambiente para as futuras gerações.

Desconsiderar a situação ocupacional de uma determinada área, ainda que as residências estejam inseridas em local de preservação permanente ou proteção ambiental, representa postura que não se coaduna com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, muito menos com a dignidade da pessoa humana.

NECESSIDADE DE REGULARIZAÇÃO SEM O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO

Os assentamentos em área urbana consolidada que ocupem área de preservação permanente (APP) devem ser regularizados com a aprovação de um projeto de regularização fundiária, contanto que não estejam em áreas de risco, conforme dispõem os artigos 64 e 65 da Lei 12.651/2012.

Além de um diagnóstico da região, o processo para legalizar a ocupação perante o órgão ambiental deverá identificar as unidades de conservação, as áreas de proteção de mananciais e as faixas de APP que devam ser recuperadas.

Não se desconhece as limitações impostas pela legislação ambiental sobre a edificação em área de preservação permanente, nem se está aqui, questionando a constitucionalidade ou legitimidade dos atos normativos emitido pelo CONAMA.

Contudo, a situação específica de determinadas áreas, justifica a mitigação das normas ambientais, com manutenção daquela ocupação urbana consolidada, para, quem sabe, estimular o Poder Público a iniciar processo de regularização fundiária.

Tal deve ser exercida para que possa contemplar a população local, evitando, assim, um conflito social, e que, ao mesmo tempo, garanta o respeito ao disposto no artigo 225 da CF/88, que consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O QUE DIZ A JURISPRUDÊNCIA

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. ZONA URBANA CONSOLIDADA.

Embora o imóvel esteja localizado em área de preservação permanente (unidade de conservação), mais precisamente em Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, a circunstância de ter sido edificado há mais de trinta anos e inserir-se em zona urbana de ocupação histórica, que remonta, pelo menos, à década de 1960, torna desarrazoada a sua demolição, especialmente em face da ausência de vegetação no local, desde longa data, e da existência de toda uma infraestrutura, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica e água potável.

As restrições à construção em áreas de preservação permanente, localizadas em zonas urbanas consolidadas e antropizadas, nas quais a recuperação integral do meio ambiente ao seu estado natural mostra-se inviável, são passíveis de mitigação, por depender de ação conjunta, com a remoção de todas as construções instaladas nas proximidades.

A retirada de uma edificação isoladamente não surtiria efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as adjacências do local remanesceriam edificadas. (TRF4, AC 5005359-11.2012.4.04.7004, QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 29/02/2016)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSO JULGADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC. MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. ÁREA URBANA DE OCUPAÇÃO HISTÓRICA. ZONA URBANA CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

Hipótese na qual a edificação sub judice está localizada em área de preservação permanente (Unidade de Conservação), mais precisamente em Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, área de proteção ambiental criada por Decreto do Vice-Presidente da República de 20/09/1997, tratando-se, entrementes, de área urbana de ocupação histórica que remonta, pelo menos, à década de 1960, não havendo vegetação no local desde longa data e estando presente toda uma infraestrutura no Distrito, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica e água potável.

A revisão do Zoneamento Ecológico Econômico (Decreto nº 070/2007) da Área de Preservação Ambiental do Município de Alto Paraíso (cujo nome anterior, logo depois da emancipação política de Umuarama, era Vila Alta), permitiu, expressamente, a construção de residências fixas/de veraneio em terrenos/loteamentos já parcelados e legalizados, obedecendo aos padrões e a taxa de ocupação do lote, estabelecido pelo Plano Diretor ou Zoneamento Urbano específico.

Conforme o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), Art. 65,  Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009.

Cumpre à Administração Pública local, com o auxílio dos órgãos ambientais, dar início ao processo de regularização fundiária dessa área urbana consolidada, inclusive, com a exigência de eventuais condicionantes ambientais, como o recuo das edificações à distância compatível com a legislação ambiental, respeitadas as características da localidade, a fim de garantir a preservação do meio ambiente para as futuras gerações.

Não se exime a parte ré, em ulterior processo de regularização fundiária daquela área urbana consolidada, de se submeter às eventuais condicionantes impostas pelos órgãos ambientais ao exercício de seu direito de moradia e lazer no imóvel, inexistindo direito adquirido à degradação ambiental. (TRF4, AC 5005402-45.2012.4.04.7004, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 18/10/2016)

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A JURISPRUDÊNCIA CONTINUA

AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DE EDIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. ÁREA URBANA DE OCUPAÇÃO HISTÓRICA. ZONA URBANA CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO PELO ICMBIO. –

Hipótese na qual a edificação sub judice está localizada em área de preservação permanente (Unidade de Conservação), mais precisamente em Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, área de proteção ambiental criada por Decreto do Vice-Presidente da República de 20/09/1997, tratando-se, entrementes, de área urbana de ocupação histórica que remonta, pelo menos, à década de 1960, não havendo vegetação no local desde longa data e estando presente toda uma infraestrutura no Distrito, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica e água potável.

A revisão do Zoneamento Ecológico Econômico (Decreto nº 070/2007) da Área de Preservação Ambiental do Município de Alto Paraíso (cujo nome anterior, logo depois da emancipação política de Umuarama, era Vila Alta), permitiu, expressamente, a construção de residências fixas/de veraneio em terrenos/loteamentos já parcelados e legalizados, obedecendo aos padrões e a taxa de ocupação do lote, estabelecido pelo Plano Diretor ou Zoneamento Urbano específico.

À vista da situação consolidada, portanto, a determinação de remoção das estruturas físicas da residência da parte ré para o fim de recuperação da área não se reveste de qualquer possibilidade de sucesso prático e se mostra em descompasso com o princípio da isonomia, podendo, inclusive, ser mais prejudicial ao meio ambiente, com geração de entulho e maior degradação da paisagem cênica da região.

Em suma, é reconhecida a nulidade do Auto de Infração expedido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, em razão da sua desproporcionalidade/irrazoabilidade no caso concreto. (TRF4, AC 5000742-66.2016.4.04.7004, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 22/02/2017)

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LOCALIDADE DE PORTO FIGUEIRA. DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. ZONA URBANA CONSOLIDADA.

Embora o imóvel esteja localizado em área de preservação permanente (unidade de conservação), mais precisamente em Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, a circunstância de ter sido edificado há mais de trinta anos e inserir-se em zona urbana de ocupação histórica, que remonta, pelo menos, à década de 1960, torna desarrazoada a sua demolição, especialmente em face da ausência de vegetação no local, desde longa data, e da existência de toda uma infraestrutura, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica e água potável.

As restrições à construção em áreas de preservação permanente, localizadas em zonas urbanas consolidadas e antropizadas, nas quais a recuperação integral do meio ambiente ao seu estado natural mostra-se inviável, são passíveis de mitigação, por depender de ação conjunta, com a remoção de todas as construções instaladas nas proximidades.

A retirada de uma edificação isoladamente não surtiria efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as adjacências do local remanesceriam edificadas. (TRF4, AC 5005364-33.2012.4.04.7004, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 29/09/2017)

CONCLUSÃO

Embora um imóvel esteja localizado em área de preservação permanente ou unidade de conservação, a circunstância de ter sido edificado há anos e inserir-se em zona urbana de ocupação histórica torna desarrazoada a sua demolição.

Isso, especialmente, em face da ausência de vegetação, que certamente não existe desde longa data. Além disso, é certa a existência de toda uma infraestrutura, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica e água potável.

Desse modo, as restrições à construção em áreas de preservação permanente, localizadas em zonas urbanas consolidadas e antropizadas, nas quais a recuperação integral do meio ambiente ao seu estado natural mostra-se inviável, são passíveis de mitigação, por depender de ação conjunta, com a remoção de todas as construções instaladas nas proximidades.

Conclui-se, que a retirada de uma edificação isoladamente não surtiria efeitos significantes ao meio ambiente, mormente nos casos em que as adjacências do local que se pretende recuperar é cercado por edificações.

Fonte: https://advambiental.com.br/artigo/quem-nao-deve-pagar-indenizacao-por-dano-ambiental/

Sobre o autor
Cláudio Farenzena

Escritório de Advocacia especializado e com atuação exclusiva em Direito Ambiental, nas esferas administrativa, cível e penal. Telefone e Whatsapp Business +55 (48) 3211-8488. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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