Resumo: Expressa-se a desconsideração da personalidade jurídica exposta no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor e nos tribunais STJ e STF, incluindo as teorias Maior, Menor e Expansiva.
Abstract: It approaches the Disregard Doctrine in the brazilian Civil Code, in the Consumer Protection Code as well as the superior courts (STJ and STF ), including the Major, Minor and Expansive theories.
Siglas:
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TCU - Tribunal de Contas da União
Introdução
As Pessoa Jurídica, ficção de direito baseada na atividade empresarial de uma organização, geralmente são constituídas de forma a responsabilizar os empresários proprietários de forma limitada ao capital aportado para determinada atividade empresarial. Assim sendo, para que o capital do empresário ou seus sócios responda por dívidas contraídas pela sociedade deve haver desconsideração da citada regra, chamada desconsideração da personalidade jurídica.
Apesar do nome, a desconsideração, de fato, é da regra citada, ou seja, releva-se a regra de que somente o capital integralizado responde pela atividade empresarial, passando a buscar bens dos proprietários da personalidade jurídica. Abordam-se neste artigo as regras brasileiras que permitem tal desconsideração.
Legislação
As principais leis brasileiras que tratam sobre a desconsideração da personalidade jurídica são o Código Civil (Lei nº 10.406/2002), o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e a Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005). Já o rito processual está previsto no Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).
Além disso, outros dispositivos legais tratam de situações específicas, como:
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a Lei nº 9.605/1998 - de condutas lesivas ao meio ambiente, art. 4º;
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a Lei nº 9.615/98 - de desporto “Lei Pelé”, art. 27;
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a Lei nº 12.529/2011, Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência art. 34;
Código Civil
As exigências do Código Civil são relevadas quando da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e na relação trabalhista, onde basta haver insolvência para ser possível adquirir na justiça o direito à desconsideração da personalidade jurídica. Exige-se, para uma, a relação consumerista, e para a outra a trabalhista.
O artigo 50 do Código Civil estabelece a lista de casos que permitem a desconsideração:
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Desvio de finalidade da Pessoa Jurídica;
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Confusão patrimonial entre o sócio ou proprietário e a Pessoa Jurídica.
Desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Posteriormente citamos a causa de abuso de direito, o que, em si, é sinônimo desse desvio de finalidade.
Já confusão patrimonial é a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
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I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
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II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
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III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
O artigo 50 do Código Civil também prevê os legitimados a pedir tal desconsideração:
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A parte, ou seja, quem ingressou com incidente de desconsideração;
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O Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
O mesmo artigo estabelece os efeitos da desconsideração: “certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.”
Conquanto o TCU entende que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica se expandem até mesmo para afastar licitante que possua sócios integrando, direta ou indiretamente, outra pessoa jurídica que tenha sido suspensa ou impedida de licitar e contratar com a Administração Pública.
Também há a previsão da Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica no artigo 50 do Código Civil, em seu § 3º, e parte-se de uma obrigação ou dívida do sócio ou administrador, enquanto pessoa física, para buscar bens e direitos da pessoa jurídica.
Contudo, não se considera justificativa hábil para desconsiderar a personalidade jurídica a mera existência de grupo econômico, e não se enquadra como desvio de finalidade a alteração da atividade da empresa. Um grupo econômico é caracterizado pela união de empresas que possuem relação de coordenação, subordinação e interdependência econômica, frequentemente com compartilhamento de recursos e instalações.
Código de Defesa do Consumidor
Este código também traz um artigo para o tema, artigo 28, trazendo a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica em favor de consumidor nos seguintes casos:
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abuso de direito;
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excesso de poder;
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infração da lei;
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fato ou ato ilícito;
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violação dos estatutos ou contrato social; e
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se sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores (teoria menor);
Destaque-se que, diferente do código civil, quando há relação de consumo o grupo econômico se inclui na obrigação, como devedor subsidiário. Já sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis, e, por fim, as sociedades coligadas só respondem por culpa.
Sociedades consorciadas são aquelas que se unem por meio de um contrato de consórcio para realização de um projeto ou empreendimento em conjunto. Sociedades coligadas são empresas independentes que mantêm relações comerciais entre si e possuem uma participação minoritária no capital social uma da outra. Ou seja, trata-se de empresas que têm participação acionária em comum, mas não há controle direto ou indireto de uma sobre a outra.
Jurisprudência do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendimentos consolidados sobre o assunto.
Em 2023 decidiu no MS 35920 que o TCU, em tomada de contas especial, pode fazer uso da desconsideração, de modo a alcançar o patrimônio de pessoas físicas ou jurídicas envolvidas na prática de atos lesivos ao erário público, observados o contraditório e a ampla defesa. Reafirma, pois, o informativo 983 de 26/06/2020. A jurisprudência sobre essa teoria referida em inglês como “disregard doctrine” é farta e não é nova, porquanto cite-se:
“a Administração Pública pode desconsiderar a personalidade jurídica de sociedades constituídas com abuso de forma e fraude à lei, para a elas estender os efeitos da sanção administrativa, em vista de suas peculiares circunstâncias e relações com a empresa suspensa de licitar e contratar com a Administração.” Acórdão nº 2593/2013.
Há o desdobramento dessa teoria chamado Consideração Expansiva da Personalidade Jurídica, informada em 2013 no informativo 732, nas palavras do STF:
A doutrina e a jurisprudência dos tribunais já consideram que é um desdobramento da teoria a possibilidade de estender os seus efeitos a outras empresas, diante das circunstâncias e provas do caso concreto específico. Trata-se da teoria da desconsideração expansiva da personalidade jurídica da sociedade, terminologia utilizada pelo Prof. Rafael Mônaco (…).
Para o TCU “a teoria da desconsideração expansiva atinge ‘sócios ocultos’ para responsabilizar quem coloca sua empresa em nome de um terceiro ou para alcançar empresas de um mesmo grupo econômico”.
O STF se vale da divisão clássica da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica em oposição à Teoria Menor da mesma.
A Teoria Maior depende de que sejam demonstrados os pressupostos do Código Civil, tratados ao início.
Para a Teoria Menor basta a insuficiência patrimonial da empresa para saldar a dívida para buscar os bens do empresário. A Teoria Menor foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, artigo 28 §5º, e também é aplicada para créditos trabalhistas, conforme Rcl 55.597/SP:
Predomina amplamente no Processo do Trabalho, mesmo após a vigência da Lei 13.467/17 (conhecida como reforma trabalhista), a adoção da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, consagrada no art. 28, § 5º do CDC, de modo que a mera insuficiência patrimonial da empresa é bastante para que os bens particulares dos sócios possam ser atingidos.
Jurisprudência do STJ
Foi o STJ quem se estendeu sobre as teorias maior e menor. A decisão paradigma sob a perspectiva da teoria menor é o REsp 279.273/SP, Rel. p/ o acórdão. Min. NANCY ANDRIGHI. Ele define que tais teorias analisam os pressupostos da incidência da desconsideração da personalidade jurídica.
A teoria maior também é dividida em teoria subjetiva da desconsideração - quando há desvio de finalidade -, e teoria objetiva da desconsideração - quando há confusão patrimonial. Já a teoria menor demanda apenas insolvência.
Para o STJ a teoria menor é aplicável no Direito Ambiental e no Direito do Consumidor, e não está atrelada ao ilícito ou violação de estatuto social, nem à má administração que traz a falência.
Enquanto a teoria maior foi adotada pelo caput do art. 28 do CDC, o seu §5° adota a teoria menor ao dizer que “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”