Breve abordagem ao Contrato Estimatório

24/04/2023 às 17:15

Resumo:


  • O contrato estimatório é regulado pelos artigos 534 a 537 do Código Civil, caracterizando-se pela entrega de bens móveis do consignante ao consignatário para venda em consignação.

  • O consignatário tem a opção de adquirir a coisa pelo preço ajustado ou restituí-la ao final do prazo acordado, sendo responsável pelos riscos da perda ou deterioração da mesma, mesmo antes da tradição.

  • Em caso de inadimplência do consignatário, a jurisprudência entende que terceiros de boa-fé que adquirirem o bem não devem ser prejudicados, mantendo-se válida a compra e venda realizada, sem responsabilidade pelo inadimplemento do consignatário.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Disciplinado nos artigos 534 até o 537, o contrato estimatório (também conhecido como venda em consignação) se caracteriza pelo fato de o proprietário (consignante) entregar bens móveis a outro (consignatário), ficando este segundo autorizado a vende-los e obrigando-se a pagar um preço ajustado ou, se preferir, restituir a coisa consignada dentro do prazo convencionado.

O instituto é tratado como obrigação alternativa, pois a autorização para venda não se mostra obrigatória, vez que o consignatário pode optar por adquirir a coisa para ou simplesmente restituí-la (GONÇALVES, 2021, P. 87).

Caso não seja fixado o prazo para ajuste de contas, prevalecerá a regra geral do direito obrigacional, o consignante deverá notificar o consignatário para que em prazo razoável e de acordo com as circunstâncias do caso, escolha entre pagar o preço ou restituir os bens móveis consignados.

O Enunciado nº 32 da I Jornada de Direito Civil do CJF aduz que:

“No contrato estimatório (art. 534), o consignante transfere ao consignatário, temporariamente, o poder de alienação da coisa consignada com opção de pagamento do preço de estima ou sua restituição ao final do prazo ajustado”.

Trata-se de contrato real, se formando com a efetiva entrega da coisa com preço estimado ao consignatário. Ainda que permaneça o consignante como proprietário, a posse imediata é transferida e essa transferência é da essência do contrato real, divergindo do contrato consensual.

O contrato estimatório apresenta exceção ao princípio consagrado no Direito Civil, qual seja, “res perit domino” (a coisa perece para o dono), no qual antes da tradição, a coisa certa se mantém na propriedade do vendedor e, na qualidade de dono, ele é quem suporta a perda. Assim, se a coisa se perde sem culpa do devedor, a obrigação se extingue e as partes voltam ao estado anterior - statu quo ante (SCHEREIBER, 2021, p. 167).

Portanto, por sua peculiaridade, o contrato estimatório não se caracteriza como “res perit domino” (até o consignatário pagar o preço), mas vale-se do “res perit emptoris” (a coisa perece para o comprador), mesmo não sendo o consignatário o comprador final. Sendo assim o consignatário é possuidor direto e o consignante possuidor indireto. Destarte que o consignatário assume o risco da perda ou deterioração da coisa, não se eximindo da obrigação de pagar o preço, ainda que a restituição se impossibilite sem culpa sua, conforme artigo 535 do Código Civil.

Destaca-se no seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul o rigor técnico do artigo em comento:

[...] como bem salientou o Desembargador Paulo Roberto Lessa Franz aqui se trata de contrato estimatório. A parte deixou o veículo para venda, em consignação na loja. Nesse caso, a regra específica do negócio jurídico afirma a responsabilidade do consignatário, mesmo pelo fato de terceiro.

Logo, em faze da regra do art. 535 do CC a responsabilidade do demandado deve ser chancelada e afastada a alegação de caso fortuito ou fato de terceiro.

Eis a determinação legal: Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

A responsabilidade está presente apesar do crime de roubo.

Essa é a solução legal, de maneira expressa, a qual tem sido acolhida na doutrina e em alguns precedentes dos tribunais. (TJ-RS - AC: 70076562420 RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Data de Julgamento: 24/05/2018, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 29/05/2018)

Mesmo destaque merece julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Assim, se o consignatário não obteve êxito na venda, era seu dever legal e contratual restituir a coisa consignada no mesmo estado em que a recebeu, mormente porque objetiva sua responsabilidade nesse aspecto, conforme se extrai do art. 535 do CC, a saber: “Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável”.

[...] Daí porque, comprovado pela vistoria inicial que a consignatária recebeu o veículo do consignante em bom estado (fls. 15/16), mas o restituiu com o seu “envelopamento” danificado (fls. 17/18), responde pelos danos materiais ocorridos com o bem recebido durante sua posse. (TJ-SP - AC: 10416353520188260576 SP 1041635-35.2018.8.26.0576, Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 10/12/2019, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/12/2019)

Elucida Nelson Rosenvald (2013, pág. 574) que:

“[...] com a transmissão da posse direta, o consignatário assume o risco pela destruição ou perda dos objetos consignados. Em outras palavras, mesmo não sendo proprietário, pelo fato de receber a guarda da coisa para o exercício de uma atividade de seu estrito interesse, assumirá a responsabilidade objetiva da coisa perante o consignante, na modalidade do risco agravado (integral), eis que não será exonerado nem mesmo pelo fortuito. Enfim, trata-se de norma cogente, eis que as partes não podem lhe dar configuração diversa”.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A dicção do artigo 536 do Código Civil estabelece que “a coisa consignada não pode ser objeto de penhora ou sequestro pelos credores do consignatário, enquanto não pago integralmente o preço”. Reforçando a ideia de que enquanto o consignatário não exercer a opção de pagar o preço convencionado, esta se encontra em propriedade do consignante.

Marco Aurélio Bezerra de Melo destaca que, caso o bem seja objeto constrição por dívida do consignatário, poderá o consignante opor embargos de terceiro, para que se retire da constrição judicial o que lhe pertence. Mesmo direito se configura se for arrolado no inventário do consignatário bem que fora objeto de contrato estimatório.

Enquanto perdurar o contrato, o consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída ou de lhe ser comunicada a restituição (art. 537, CC). Em suma, durante a fluência do lapso temporal do contrato, o consignante não poderá perturbar a posse direta do consignatário, sob pena de sujeitar-se aos interditos proibitórios.

Somente ficará autorizado legal e contratualmente a tanto após regular comunicação do consignatário, manifestando-se pela restituição da coisa ou efetivamente no momento da restituição. Caso ocorra alienação diversa reputar-se-á ineficaz perante o consignatário, respondendo o consignante perante terceiro pelos prejuízos experimentados.

Resolvido o contrato e, caso o consignatário não pague o preço, deverá restituir a coisa. Ocorrendo retardo indevido da restituição, haverá esbulho, haja vista o fim do contrato e a quebra da boa-fé.

Na prática, situação peculiar se torna recorrente. Por vezes o bem móvel fica na posse do consignatário que, celebra contrato de compra e venda com terceiro de boa-fé, mas não cumpre sua obrigação junto ao consignante, qual seja, pagar o preço.

A jurisprudência entende que, nestes casos, não pode o terceiro de boa-fé ser privado do bem nem responder de qualquer forma por este fato, pois extrínseco à sua vontade. Sendo certo que o negócio eventualmente celebrado entre o consignatário e o terceiro adquirente de boa-fé não está condicionado ao adimplemento da obrigação assumida por aquele perante o consignante, de modo que não se excogita invalidade ou ineficácia da alienação em razão do inadimplemento do consignatário.

Ante o exposto, confira- se os seguintes julgados:

APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM REINTEGRAÇAO DE POSSE. CONTRATO ESTIMATÓRIO. INADIMPLÊNCIA DA CONSIGNATÁRIA QUE NÃO MACULA A VENDA DO VEÍCULO A TERCEIRO DE BOA-FÉ. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. Extrai-se dos autos que a autora firmou contrato estimatório com a empresa especializada em comércio de veículos, regulado pelos arts. 534 e seguintes do CC, pelo qual entregou o bem que lhe pertencia para comercialização, na expectativa de venda ou de recebimento oportuno do valor ajustado com a consignatária. O réu adquiriu de boa-fé o veículo negociado pela empresa consignatária e pagou integralmente o preço, operando-se a compra e venda de forma válida e eficaz, de modo que a inadimplência da consignatária com a apelante repercute apenas no contrato estimatório, sem macular o contrato de compra e venda celebrado como apelado. Bem por isso, não há se falar na "busca e apreensão" do bem ou condenação do réu a pagar novamente o preço, pois não tem qualquer responsabilidade pela conduta da consignatária contratada pela apelante que não lhe repassou o produto da venda. Daí o acerto da r. sentença em julgar improcedentes os pedidos formulados pela autora e acolher o pleito reconvencional para determinar a transferência da titularidade do veículo ao reconvinte. (TJ-SP 10090690820168260510 SP 1009069-08.2016.8.26.0510, Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 16/07/2018, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/07/2018)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSIGNAÇÃO DE VEÍCULO. CONTRATO ESTIMATÓRIO. NULIDADE CONTRATUAL. NÃO OCORRÊNCIA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1. Se o veículo foi deixado em loja para ser vendido em consignação, havendo com ela firmado negócio jurídico, o consignante não pode, diante da concretização da alienação a terceiro, que adquiriu de boa-fé o veículo, pleitear restituição do status quo ante em razão de inadimplemento somente da loja consignatária. 2. O inadimplemento de obrigação contratual, em regra, não é suficiente para caracterizar o dano moral, tendo em vista que é caso de dissabor/aborrecimento inerente a este tipo de situação. 3. Apelações conhecidas e não providas. (TJ-DF 07019913420198070001 DF 0701991-34.2019.8.07.0001, Relator: ANA CANTARINO, Data de Julgamento: 06/05/2020, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 19/05/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)


Referências:

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 23/04/2023.

Código Civil Comentado, Coordenador: Ministro CEZAR PELUSO, Editora Manole, 2013, 7ª ed., Barueri.

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. I Jornada de Direito Civil– Brasília: CJF. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/681. Acesso em: 23/04/2023.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: contratos em espécie – direito das coisas -v2/ coord. Pedro Lenza. – 9. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

SCHEREIBER, Anderson; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando; MELO, Marco Aurélio Bezerra de; DELGADO, Mário Luiz. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência– 3.ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.

Sobre o autor
Feliph Augusto Pereira Kubo

Advogado OAB/SP 487.627 Contato: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos