"De longe te hei de amar - da tranquila distância em que o amor é saudade e o desejo, constância."
Para abordar o tema: regime de bens no casamento, faz-se necessário um brevíssimo escorço histórico.
Os regimes de bens tem por perspectiva definir as relações econômicas e patrimoniais de um casal, dessa forma: a destinação, utilização e individualização do acervo patrimonial que virá a ser constituído durante a vigência do casamento, pois se houver dissolução da sociedade conjugal, se tenha mais clareza de como se fará a meação dos bens.
Esse instituto do regime de bens durante o casamento existe desde os tempos antigos, quando se tinha a regra que estabelecia que ao contrair núpcias o patrimônio da esposa passava ao domínio do marido, aliás cabe lembrar que em períodos muito remotos greco-romanos, a esposa passava ao domínio do marido.
Esta previsão jurídica foi , muito vagarosamente, se alterando com o passar do tempo e a pressão dos movimentos de mulheres, juntamente com o reconhecimento da dignidade e direitos da mulher.
Pode-se ver que, um dos primeiros regimes registrados historicamente, foi o chamado regime da absorção, em que o patrimônio da mulher passava para o domínio do marido e em caso de dissolução do matrimônio, e ele permaneceria os bens.
Depois de um tempo, tem-se o regime da unidade de bens em que o patrimônio também passava para o domínio do marido, porém, em caso de dissolução do casamento, os bens eram partilhados com a mulher.
Na legislação brasileira, com a aprovação do primeiro Código Civil, em1916 foram instituídos quatro regimes de bens: o regime dotal, a comunhão parcial de bens, a separação total de bens e a comunhão universal de bens, este último como regime supletivo legal, quando ausente a escolha do regime de bens a ser feito mediante pacto antenupcial, previamente à celebração válida do casamento.
É importante que se diga que a decisão legal pela escolha do regime da comunhão universal de bens como regime oficial, deu-se por questões históricas e morais, uma vez que, tendo seu berço na cultura germânica a adoção do regime espalhou-se por diversos países.
Com a edição no Brasil da Lei do Divórcio, ou seja, a Lei nº 6.515 de 1977 se teve a substituição do regime da comunhão universal de bens como regime oficial; a partir dessa data, se não houvessei pacto antenupcial entre os nubentes o regime que conduziria o casamento seria o da comunhão parcial de bens.
Ao entrar no Ordenamento jurídico nacional o novo Código Civil, em 2002, se teve a manutenção do regime da comunhão parcial de bens como regime oficial, na ausência de pacto antenupcial. Para além dessa regra, a norma manteve a existência de quatro regimes de bens,e desaparece normativamente o regime dotal, e cria-se a moderna figura do regime de participação final nos aquestos, tendo-se, em especial, no regime da comunhão parcial, algumas alterações necessárias para sua atualização constitucional, quanto à isonomia dos cônjuges.
Aliás, foi necessário que se tivesse modificações tanto nos regimes, quanto na sua gestão para que o princípio da igualdade de gênero fosse cumprido, não podendo existir qualquer espécie de vantagem ou desvantagem de um em detrimento do outro.E outro princípio constitucional também que imanta o regime de bens no casamento e coopera para que se tivesse adequações normativas na regra civilista, foi o da livre escolha (salvo casos específicos) entre as partes do regime de bens que melhor se adaptar à sua realidade.
Importante se observar também que a Código Civil passa a prever a possibilidade de modificação do regime inicialmente adotado durante o matrimônio, o que permitira aos cônjuges fazer adaptações de acordo com seus interesses e necessidades.
Entretanto, a característica indivisível dos regimes de bens, o que se traduz na possibilidade de adoção de apenas um único regime para conduzir seu matrimônio, os cônjuges poderão inserir cláusulas ao pacto antenupcial que darão margem à criação de regimes híbridos, que em regra não desconstituem a essência una do regime de bens primário, devendo este prevalecer para ambos os cônjuges. Exemplificando o tema, as partes que adotarem o regime de separação de bens poderão estabelecer que determinados bens móveis ou imóveis, se adquiridos, farão parte do acervo comum do casal.
Dessa forma se pode notar e afirmar que a nova configuração dos regimes de bens se dá no sentido do Estado intervém de forma mínima nas questões patrimoniais familiares, não sendo de seu interesse determinar a forma como o casal deve conduzir sua vida conjugal, cabendo-lhe tão somente ditar as regras legais quanto ao tema e analisar as consequências jurídicas das escolhas feitas pelas partes quando chamado a intervir.
E pode-se concluir também que, ser um regime mais apropriado para cada época histórica, e nesse caminho, o novo regime da participação final de aquestos, surge como mais apto para os casais modernos.
As formas familiares da era contemporânea, com base no texto constitucional em vigor, são livre, tendo-se como exemplos para a conjugalidade: casamento e união estável.
O atual Código Civil referenciando-se na Constituição optou por regrar essas duas formas básicas de uniões conjugais. O casamento, a forma conjugal familiar mais antiga, e exatamente por esse motivo, a mais solene, guardando reminiscências formulares como por exemplo a necessidade do celebrante perguntar se é da livre e espontânea vontade dos nubentes se casarem e ambos terem que expressar a palavra "sim", mas há também no texto da norma aspectos inovadores, de acordo com a atual conformação social como por exemplo: a igualdade dos cônjuges em todos os aspectos do casamento, desde fixação do domicílio à administração do patrimônio.
E, exatamente neste ponto: isonomia entre os cônjuges que se observa a necessidade de avaliação dos regimes de bens para que sejam efetivamente adequados às partes envolvidas.
Nota-se que, que como já dito acima, antes da lei do divórcio, lei 6015/77, o regime supletivo legal, com base no Código Civil de 1916, era o da comunhão universal de bens, no qual existe praticamente apenas um tipo de patrimônio: o comum, comunicando-se bens havidos anteriormente ao casamento e bens havidos posteriormente ao casamento, a qualquer título: oneroso ou gratuito, como heranças e doações; e era razoável que assim fosse, pois o vínculo matrimonial era indissolúvel, ou seja, uma vez casadas as pessoas, assim permaneceriam por toda a sua vida, podendo apenas tornarem-se viúvas, logo coerente que possuíssem apenas um patrimônio e comum, já que não poderiam ter outra união legítima.
Com a possibilidade do divórcio, e portanto, das pessoas poderem vir a ter mais de um casamento sucessivo válido, optou a lei supra-mencionada por alterar o regime supletivo legal para o da comunhão parcial, coerente também, pois nesse regime é possível se ter dois tipos de patrimônio: o particular de ambos os cônjuges, sendo estes os adquiridos antes do casamento e os posteriores a titulo gratuito, como heranças e doações, e o patrimônio comum constituído dos bens adquiridos por um ou ambos os cônjuges a titulo oneroso após o casamento. Adequada a opção normativa, uma vez que, podendo as partes envolvidas se divorciarem e passarem a ter outro casamento também válido, e assim, a partilha dos bens no casamento se daria considerando apenas o que foi adquirido em cada união a titulo oneroso, excluindo-se bens anteriores, que poderiam, inclusive terem advindo do casamento anterior, e bens de herança e doação, o que claramente evitaria inúmeros problemas.
Entretanto, deve-se observar que, ainda com a previsão do divórcio em 1977, a chefia da sociedade conjugal, portanto a administração do patrimônio comum, enquanto perdurasse o casamento, pertencia ao marido, ele era o chefe da sociedade conjugal. Realidade normativa que se altera, conforme dito acima, apenas com o advento da Constituição Federal de 1988, e que se regulamente apenas com a vigência do atual Código Civil.
E essa nova realidade normativa impacta novamente para se avaliar o regime mais adequado aos casais atuais.
Pondere-se, primeiramente, a aplicação e seus graves problemas do atual regime supletivo legal: a comunhão parcial de bens, que surgem nas disposições legais relativas à administração patrimonial.
Dispõe quanto ao tema, o artigo 1.642do citado diploma legal:
" Art. 1 642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente:
I - praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão, com as limitações estabelecida no i nciso I do art. 1.647 ;
II - administrar os bens próprios;
Perceba-se que, exatamente para cumprir o princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges, os dispositivos legais, estabelecem que marido e mulher podem, livremente, ou seja, sem anuência um do outro, praticar os atos que se relacionam à sua atividade profissional, que pode ser relacionada a compra e venda de bens móveis ou imóveis, por exemplo; bem como é claro o dispositivo que estabelece a gestão dos bens próprios( ou particular, palavras sinônimas no texto normativo).
Fundamental tal regra para se cumprir a isonomia, veja-se que já se denota nesta regra citada que, hodiernamente, em função das novas configurações sociais da conjugalidade, nas quais homens e mulheres trabalham e constroem sua vida financeira que, o mais coerente é que a se permita a eles arranjos patrimoniais adequados a essa realidade.
Evidentemente, dizer que cada um administra seu patrimônio pessoal, chamado legalmente ora de próprio, ora de particular, é fundamental, e o comum administram conjuntamente. Entretanto, essa regra é insuficiente para atender os casais da contemporaneidade, considerando-se o regime da comunhão parcial, vejam-se os artigos abaixo:
Art. 1658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
Art. 1659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
Está excluído da comunhão, os bens próprios ou particulares, e neste regime, a norma supra citada define quais são os bens assim entendidos: os que possuir ao casar, os que adquirir após o casamento, por doação ou sucessão, entretanto, caso um dos cônjuges resolva aliená-lo terá que ter a claúsula de sub-rogação na matrícula do novo imóvel, além da ciência do outro cônjuge.
Aqui é importante que se destaque, os regimes que possuem bens particulares ou próprios como comunhão parcial, participação final de aquestos e separação de bens, definem como se entende e quais são os bens que se entendem com esse atributo, ressaltando-se que para cada regime o sentido é diverso, razão pela qual o código os explicita, regime por regime, acima se leu a definição de bens particulares ou próprios no regime da comunhão parcial, assim como já se citou que na comunhão universal inexistem e na separação somente se tem bens particulares, agora na participação final de aquestos, o Código Civil diz serem bens particulares, assim considerados:
CAPÍTULO V
Do Regime de Participação Final nos AqüestosArt. 1672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
Art. 1673. Integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento.
Portanto, nesse regime são bens particulares ou próprios todos os que cada cônjuge possuir ao casar, bem como os que adquirir a qualquer título após o casamento.
Apesar de se assemelhar neste ponto ao regime da separação de bens, diverge fundamentalmente dele, e mais à frente se demonstrará isso.
Cabe retornar ao debate que se travava sobre as dificuldades atuais para os casais no regime da comunhão parcial de bens.
Ao se afirmar que os bens adquiridos onerosamente após o casamento, móveis ou imóveis, são bens comuns e portanto com administração comum do casal, se diz que para alienar ou gravar qualquer um desse bens é preciso a autorização do outro, que sendo móvel pode se presumir, pois são atos sem forma prevista em lei, mas sendo imóveis há que se ter a participação expressa de ambos os cônjuges em toda a negociação, inclusive na transcrição matricular, aliás mesmo sendo bem próprio, como advindo de herança, se pode gerar frutos ou se houve benfeitorias, como valorização, é necessária a autorização do outro cônjuge:
Art. 1660. Entram na comunhão:
(...)
IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão
Note-se que esses pontos, tornam confuso e arriscado esse regime, pois como demonstrar que houve anuência tácita, caso um deles questione por ocasião da partilha, assim, seria recomendável, que sempre que houvesse a alienação de bem móvel comum, ou bem particular apto a gerar frutos, com benfeitorias, que se tenha a prova escrita de que o outro cônjuge anuiu com a venda e com o destino do valor, o que, certamente inviabiliza uma comunhão coerente de vida patrimonial para o casal.
Por outro lado, percebe-se na modernidade, que inúmeros casais, por questões profissionais passam a residir, ainda que provisoriamente distantes um do outro, sem que isso interfira no afeto ou na comunhão de vida entre ambos.
E nessa hipótese, bastante comum aliás, se um deles puder e quiser adquirir um bem móvel, por ser um bom negócio, terá o impedimento de necessitar da participação expressa do outro para que o negócio jurídico seja válido, o que também é um fator que complica, patrimonialmente o uso desse regime.
Portanto, pode-se afirmar que a comunhão parcial, como regime supletivo que é, não atende a realidade da vida moderna conjugal, e pode tornar, caso o casamento termine por divórcio ou morte de um dos cônjuges, a partilha em uma disputa desnecessária.
E, sendo assim, qual seria o melhor regime de bens a se adotar por esses casais e por quais fundamentos?
Afirma-se: a participação final de aquestos com ajuste feitos no próprio pacto antenupcial de sua constituição, e abaixo se demonstra as bases jurídicas dessa afirmação.
Veja-se algumas disposições do codex civilista sobre o regime para que se permita a devida análise:
Art. 1672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
"Art. 1656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.
Art. 1673. Integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento.
Parágrafo único. A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis.
Art. 1674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:
I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram;
II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;
III - as dívidas relativas a esses bens."
Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.
Na leitura dos dispositivos acima, pode se compreende que: I-Bens particulares, ou patrimônio próprio de cada cônjuge no regime da participação final de aquestos, como já dito, são todos os bens que cada um adquirir antes ou após o casamento, a qualquer título, sejam móveis, ou imóveis, II - Que sendo feito pacto apenas com a adoção simples do regime, cada cônjuge poderá alienar livremente os bens móveis, III- Que se entenderem diverso podem acrescer no pacto,que não será mais simples, mas sim qualificado, conforme o disposto no art. 1656, in verbis acima, que também os bens imóveis particulares ( conforme art.1673 pré mencionado) podem ser alienados livremente, sem a anuência do outro cônjuge.
Estabelece também, o regramento sobre o regime que, na hipótese de dissolução do casamento, seja por morte ou divórcio, se terá neste momento, a formação de aquestos para fins de apuração e partilha, que serão composto dos bens móveis e imóveis, em nome de qualquer dos cônjuges.
Dessa forma, esse regime traduz a necessidade dos casais atualmente, a saber: podem por exemplo adquirir um veículo e vendê-lo livremente, sem anuência prévia do outro, e se, conforme sua atuação profissional, que seja por exemplo, compra e venda de imóveis, ou que exija que, por ventura, vivam, provisoriamente distantes um do outro, podem, no pacto antenupcial qualificado, que dispensam um do outro a anuência para a disponibilidade de bens móveis particulares, que como se acentuou às escâncaras, são todos os adquiridos, a qualquer título, antes ou depois do casamento.
Entrementes, faz também, um ajuste de pré partilha para, caso se tenha a dissolução do casamento por divórcio ou morte, fixando que serão todos os bens móveis ou imóveis, ou de qualquer espécie, adquiridos onerosamente após o casamento e que se encontre na data da dissolução em nome de cada um, deixando dessa forma extreme de qualquer dúvida quais bens compõe o aquesto a ser partilhado, evitando dúvidas e dissensos.
Portanto, pode-se notar que o regime de participação final de aquestos feito por pacto antenupcial, em especial o qualificado, ser o mais adequado para cumprir a isonoma constitucional entre os cônjuges e servir aos interesses patrimoniais dos casais da atualidade.
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