A influência do estoicismo no Direito

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25/04/2023 às 13:33
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[1] Assinalamos que o estoicismo, como corpo teórico, se desdobrou por meio de cinco  séculos, desde Zenão, no final do século IV a.C., passando por Panécio e Possidônio, séculos  II e I a.C. até o imperador Marco Aurélio, século II d.C. Esse desdobramento não implicou  em uma descontinuidade, muito pelo contrário, com a influência romana o estoicismo  ganhou contorno mais decisivamente ético-político, pois seus grandes nomes como Sêneca e  Marco Aurélio, dentre outros, ratificaram e ampliaram a dimensão ética da escola. Se com  Zenão o antigo estoicismo é marcadamente lógico, tendo na teoria do conhecimento o cerne  estruturante, tendo por seus grandes seguidores Cleanto seu discípulo direto e este mestre de Crisipo, um dos maiores lógicos da Antiguidade, fica patente que a escola participou do

debate ciente das dificuldades teóricas.

[2] Na história da filosofia, é possível classificar os autores ou os períodos em que algumas reflexões prevaleceram. Tradicionalmente, o estoicismo é dividido em três fases ao longo do tempo. Confira quais são: Estoicismo antigo (séc. III a II a.C.): fundação dessa filosofia por Zenão de Cício em Atenas, após passar por uma série de dificuldades. É representada também por Cleanto de Assos, Crisipo de Soles, Dionísio de Heracleonta e Perseu de Cício; Estoicismo médio (séc. II a.C.): é a fase menos comentada, mas foi dominada principalmente por dois filósofos: Panécio de Rodes e Possidônio de Apaméia; Estoicismo romano (séc. I a.C.): é o período talvez mais conhecido que cresceu em Roma e conta com figuras importantes como Lucio Naneu Sêneca, Epicteto de Hierápolis e Marco Aurélio.

[3] Segundo o estoicismo, a vida virtuosa deveria ser pautada pelo mais profundo assentimento de conformidade à retidão racional, visto que as ações são, em si, um  movimento das inclinações naturais, nesse caso “a virtude é uma linha reta, que não pode  deformar-se sem deixar inteiramente de ser aquilo que é”  por ser um bem, identificada  com tudo que é louvável e naturalmente bom. Nesse sentido, a virtude na óptica estoica é o  mais profundo sentimento de dever pelo dever em que a razão só se satisfaz com o  indispensavelmente necessário ao logos. Podemos dizer que a eticidade pretendida pela  stoa está bem próxima de um conteúdo estético. A moralidade propugnada por essa escola  é um conjunto de versos entoados ao som de uma sinfonia pintada pelas cores do mais belo  sentido de um homem preocupado não só consigo, como também com o outro, visto que o  outro deve ser tomado como expressão de simpatia que é a universalização do homem na  humanidade.

[4] Lucio Naneu Sêneca: viveu entre os anos 4 a 65 d.C., sendo um dos intelectuais mais conhecidos em sua época em Roma. Como fez parte da vida pública, seu pensamento é também importante para entender a época em que viveu;

[5] Epicteto de Hierápolis: parte da terceira fase dessa filosofia, nasceu no ano 55 d.C. Ele era escravo em Roma e, assim, escrevia sobre a liberdade da alma – sem a qual nada adiantaria ter a liberdade do corpo;

[6] Marco Aurélio: foi imperador romano, atuando desde cedo em guerras. Aos 11 anos de idade, já teve contato com o estoicismo, seguindo fortemente essa filosofia em sua vida, especialmente na temática da morte.

[7] Diocleciano (nascido Diocles; Salona, 22 de dezembro de 243/245 – Espalato, 3 de dezembro de 311/312) foi o imperador romano de 284 até sua abdicação em 305. Ele nasceu em uma família de baixa posição social, porém conseguiu ascender pelas patentes do exército romano até se tornar um comandante de cavalaria do exército do imperador Caro. Diocleciano foi aclamado imperador pelas tropas da Nicomédia depois das mortes de Caro e seu filho Numeriano durante campanhas contra a Pérsia. O título também foi reivindicado por Carino, o filho sobrevivente de Caro, porém Diocleciano o derrotou em julho de 285 na Batalha do Margo. O reinado de Diocleciano estabilizou o Império Romano e encerrou a Crise do Terceiro Século. Ele nomeou o colega oficial militar Maximiano como seu coimperador em 286 e dividiu o império em dois, governando por si mesmo o Império do Oriente enquanto Maximiano governava o Império do Ocidente. Diocleciano delegou mais funções em 293 ao nomear Galério e Constâncio Cloro como coimperadores júniores, ficando abaixo de si e Maximiano, respectivamente. Isto estabeleceu a Tetrarquia, em que cada monarca governaria um quarto do império. Ele garantiu as fronteiras e expurgou quaisquer ameaças a seu poder. Conseguiu derrotar os sármatas e os carpos no decorrer de várias campanhas entre 285 e 299, os alamanos em 288 e usurpadores no Egito de 297 a 298. Galério, com o apoio de Diocleciano, foi bem-sucedido em uma campanha contra a Pérsia, conseguindo saquear sua capital Ctesifonte em 299. Diocleciano liderou negociações posteriores e conseguiu alcançar uma paz favorável e duradoura.

[8] A equidade segundo a filosofia do direito clássico, se encontraria nas antípodas do direito moderno, pois a busca da equidade poderia introduzir ao raciocínio jurídico elementos de incerteza, dificilmente aceitáveis para espíritos mais afeitos ao raciocínio científico, especialmente pelos lógicos. De acordo com Hobbes é uma das virtudes morais oriunda do direito natural, não consiste propriamente em uma lei, mas em uma qualidade que predispõe o homem à obediência e à paz. A equidade ou justiça distributiva é gerada pela observância da Lei que determina que se distribua equitativamente a cada homem, o que lhe cabe, segundo a Razão. Conceito de equidade em Aristóteles + Filosofias do Helenismo (Epicurismo e Estoicismo) + Agostinho + Tomás de Aquino + Neotomismo.

[9] Corpus Juris Canonici (lit. "Corpo de Leis Canónicas") é uma compilação de fontes relevantes de direito canónico da Igreja Católica que se aplicava às Igrejas do rito latino ou rito oriental e que entrou em vigor em 1582. Foi usado em tribunais eclesiásticos da Igreja e em tribunais de apelo na Cúria Romana. Incluía seis diferentes fontes, a saber: o Decreto de Graciano, as Decretais de Gregório IC, o Liber Sextus de Bonifácio VIII, as Compilações em honra do Papa Clemente V (Clementinae) e as Extravagantes de João XXII e Extravagantes Comuns.

 

[10] A obra está dividida em quatro partes: Digesto (também chamado de Pandectas, seu nome grego), Institutas, Novelas e Código. É uma revolução no âmbito jurídico, pois organizou de forma sistemática a legislação e a jurisprudência romana da época, sendo uma das estruturas para o Direito Civil moderno.

[11] O termo Quinquaginta decisiones indica o complexo de medidas emitidas pelo imperador Justiniano I após a emissão do Novus Codex Iustinianus, que ocorreu em 529, e antes da publicação do Digest, que ocorreu em 533. Essas decisões, mencionadas na constituição pela qual Justiniano promulgou o segundo códice (const. Cordi, §§ 1-2), não deve ser confundido com os constitutiones ad commodum propositi operis pertinentes, que são, ao contrário, as constituições emitidas durante a compilação do Digest, a fim de resolver disputas sobre pontos específicos relativos ao vetus ius, isto é, às antigas obras dos juristas romanos clássicos. Embora oficialmente emitido pelo imperador, o autor dessas decisões foi Triboniano, questor sacri palatii de Justiniano, a quem também será confiada a tarefa de presidir a comissão para a compilação do Digest e das instituições imperiais. Esta informação pode ser obtida a partir da leitura de uma passagem das Instituições de Justiniano (I. 1.5.3): ... et dediticios quidem per constitutionem expulimus, quam promulgavimus inter nostras decisiones, per quas susuggestente nobis Triboniano viro excelso quaestore antiqui iuris altercationes placavimus... Não se pode considerar certo que as decisões de Quinquaginta, emitidas entre 1 de Agosto de 530 e 30 de Abril de 531, foram publicadas como uma colecção independente antes de serem incluídas no Codex Iustinianus repetitae praelectionis, promulgado em 17 de Novembro de 534.

[12] O estoicismo não vacila na relação vício e virtude: aquele deve ser combatido pelo modo racionalmente correto, vale dizer, cumprir as determinações da natureza, viver indiferente ao que não estiver de acordo com o logos. Logos não é propriamente razão  como é conhecido pela tradução do conceito grego para o latim ratio, calcular; seu  significado implica numa estrutura muito mais complexa além de uma simples  racionalidade. Constitui uma relação de verdade e ação verdadeira: se for o certo, então, devo viver como certo, e o logos é viver moralmente dentro do dever assumido como bom,  justo, de acordo com o prescrito pela natureza na alma, que é centelha da divindade.

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[13] Zenão de Cício: fundador dessa escola filosófica no séc. III a.C. Após passar por algumas dificuldades, chegou a Atenas e ali começou a ensinar filosofia, dando início a essa tradição de pensamento;

[14] Para um estóico, existe uma conduta adequada que o leva a felicidade, isto é, quando suas ações estejam em conformidade com a natureza e seus princípios em harmonia com o cosmo. Os estoicos defendiam quatro virtudes cardeais: Coragem; Justiça; Autocontrole;. Sabedoria.

[15] Iurisprudentia. Entre os que praticam a justiça, entre os justos, há os que dela se ocupam de modo eminente e a cultivam por ofício, a promovem entre os demais e até mesmo a encaram como um valor, por assim dizer de religião. Junto à virtude de justiça, coexiste neles a virtude da prudência; os conhecimentos gerais, tanto de caráter prático e teórico como de ordem espiritual; os conhecimentos especializados de jurista, isto é, a tecnologia do direito, e o saber rigoroso do justo e do injusto. A jurisprudência é, portanto, uma virtude desenvolvida em conjunto de conhecimentos teóricos e práticos com o fim de descobrir cientificamente o justo e realizá-lo num meio social dado.

 

[16] Essa Física estoica é o espaço em que os indivíduos transitam a partir de uma ordenação dada, esse sentido de espaço é pensado como parte integrante da vida de todos os  seres que se sentem uns aos outros, que se percebem como necessariamente vinculados, mesmo que se reconheçam como unidades próprias. Nesse particular, os estoicos alimentam o carácter do indivíduo sem, com isso, torná-lo indiferente, pois a Física estoica  não distancia estaticamente os seres envolvidos; pelo contrário, os aproxima na medida em  que toma a natureza como movimento racional. É nesse movimento racional que a unidade  entre os indivíduos é posta, sustentando, por assim dizer, o corolário de simpatia universal  como pressuposto do cosmopolitismo defendido por Zenão. Segundo Henri Bérgson, o  princípio fundamental da Física estoica repousa sobre o corpóreo: “tudo que é, é corporal [sendo] a forma inseparável da matéria.”

[17] Segundo Jean Brun, “a lógica não é, pois, para os estoicos, o que é para Aristóteles, um ‘organon’, um

instrumento, uma técnica, uma arte de pensar, ela é, pelo contrário, a expressão de uma  adesão”, um bastar-se a si mesmo, isso porque o conhecimento não tem outro fim senão se  conhecer para ser conforme ao logos como princípio do assentimento.  Dessa forma  também se compreende que o conhecimento, segundo os estoicos é, desde o começo,  penetrado de razão e pronto a abrandar-se ante o trabalho sistemático da razão, por isso as  noções têm sua origem na espontaneidade dos raciocínios vindos da percepção, nesse  sentido a noção de bem “promana de uma comparação, pela razão, de coisas percebidas  imediatamente como boas”.  Assim, o conhecimento pode ser entendido como percepção  pelo fato de representação total, isso em razão de ser sistemático e racional, constituindo ato  de captar o objeto sensível. Dessa forma, influenciou o empirismo cujo objeto exterior provoca sensações no sujeito que o percebe. Conforme Brun: Para os estoicos, natureza, Deus e fogo são termos sinônimos; divinizar a natureza, ou antes, naturalizar Deus, é dar ao homem a possibilidade de  entrar em contato com ele e de encontrar, na realidade que o envolve, a  consistência susceptível de dar a sua vida uma significação ordenada.

[18] O projeto estoico é uma clara contestação ao ideal do mundo antigo que separava os homens em virtude de sua etnia, e sua fundamentação teórica não poderia ser outra senão a  divina, ao que antecede à própria organização política, em que o homem está preso e  mentalmente subordinado.

[19] O Direito Natural que no mundo antigo-medieval, mutatis mutandis, era entendido  como uma ordem necessária ao mundo dos homens, passa a ser compreendido, a partir do  século XVII, como um conjunto de direitos intersubjetivos em virtude da própria condição  racional humana, se tornando princípios-pressupostos inspirador de dada ordem legal cujo  fim seria proteger os direitos concernentes à pessoa, nesse sentido, o jusnaturalismo busca  na razão esse elemento universal e necessariamente válido. O pensamento jusnaturalista é variado e múltiplo. Nele existem diversas matizes desde o catolicismo de Francisco Suárez  passando pelo protestantismo de Hugo Grotius e o atomismo de Samuel Pufendorf até o  materialismo de Thomas Hobbes.

[20] Anote-se, enfim, o conteúdo ético da definição do jurista Celso: o bom e o equitativo, bem como a denominação "arte" dada ao Direito. Celso não distingue, portanto, o Direito da Moral, o que é a característica do Direito Romano, além de realçar o aspecto do Direito como técnica, como ofício, como prática enfim dirigida à vida. Com efeito a definição de Celso indica que o Direito se vincula à busca pela justiça, aos princípios que permitem ordenar a sociedade de forma correta. Indica também que o Direito não oferece respostas claras e definitivas. O Direito é uma arte que permite dar diferentes soluções, dependendo do momento, das pessoas envolvidas, da situação social e política e das opiniões dos juízes. Considerar o Direito como arte significa introduzir em sua definição a ideia da política, da ponderação de interesses e da contínua mudança. Podemos dizer que em sua visão a finalidade do Direito é a realização da justiça, mas para  tanto existem muitos caminhos. O Direito é uma arte em constante movimento. (In: DIMOULIS, 2003).

[21] Segunda essa lei, o adultério era definido como uma relação sexual entre uma mulher casada e um homem que não era seu marido. A sentença, para ambos, era o exílio em ilhas diferentes e o confisco de parte dos bens, em geral, a metade do dote da mulher, mais um terço de seu patrimônio, e metade do patrimônio do homem que cometeu a ofensa. Porém, em alguns casos, a sentença era de morte.

[22] O Direito Natural pode ter suas raízes platônico-aristotélicas se pensado sob a ótica  da influência católica desde Santo Agostinho até São Thomaz de Aquino passando por  Suárez, mas como bem assinala Ernest Cassirer, “o racionalismo político do século XVII foi  um renascimento das ideias estoicas” pelo fato de se buscar a razão como elemento  essencial, uma vez que o pensamento estoico estava descolado tanto da Reforma  protestante como da Contra-Reforma católica, buscando ligação direta com as  investigações de Galileu Galilei e René Descartes, que privilegiavam em suas pesquisas a  linguagem matemática como decifração dos princípios gerais que regem o universo. Na  visão de Quentin Skinner, a influência do estoicismo nos primórdios do pensamento ainda  não foi devidamente estudada, sobretudo o papel do estoicos romanos.

[23] Exemplos de máximas estoicas:

Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida. – Sêneca.

“A riqueza não consiste em ter grandes posses, mas em ter poucas necessidades.” – Epicteto.

“Você tem poder sobre sua mente – não sobre eventos externos. Perceba isso e você encontrará a sua força.” – Marco Aurélio.

“Sorte é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade “. – Sêneca.

“Todos nós podemos errar, mas a perseverança no erro é a verdadeira loucura “. – Zenão.

“A felicidade de sua vida depende da qualidade de seus pensamentos.” – Marco Aurélio.

“Quem não se contenta com pouco, não se contenta com nada.” – Epicuro.

“O amigo é um segundo eu “. – Zenão.

“As dificuldades fortalecem a mente, assim como o trabalho o faz com o corpo “. – Sêneca;

“Pense na beleza da vida. Observe as estrelas e veja-se correndo com elas.” – Marco Aurélio.

[24] Sêneca foi preceptor de Nero Cláudio César. Conhecido por sua peculiar crueldade como degolar todos os exilados e todos os gauleses que se encontrassem em Roma, como cúmplices dos seus compatriotas. Envenenou o senado inteiro no decorrer de um festim. E, incendiou a cidade de Roma e soltou as feras contra o povo. Tinha como projeto também substituir Roma por Nerópolis. E, estava com 32 anos de idade quando faleceu, exatamente no mesmo dia em que havia mandado assassinar Otávia.

Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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