Inconstitucionalidade da TR e efeitos Ex Tunc (retrospectivos) da decisão sobre os saldos das contas do fundo de garantia por tempo de serviço

28/04/2023 às 11:47
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Com a devida vênia, acompanhando a narrativa do Eminente Ministro Relator, Min. Barroso, os pontos controvertidos, apesar de bem dimensionados, não atendem, na nossa modesta compreensão jurídica, o sistema jurídico brasileiro.

E porquê?

Separemos os itens do voto do relator, Min. Barroso em duas partes.

Na primeira parte tratou com maestria o prejuízo que o fenômeno inflacionário causa ao trabalhador brasileiro, indicando assim que, a TR, não realiza adequadamente o expurgo inflacionário, e, apesar de ser possível a utilização de um mecanismo de mercado para remunerar o FGTS, tal mecanismo não pode remunerar em valores inferiores a caderneta de poupança.

Externou também que não existiria, constitucionalmente, direito subjetivo à correção monetária, o que acabou gerando uma contradição porque a TR, quando colocada para remunerar o Fundo de Garantia, tinha um viés de minimizar o efeito inflacionário, mas não o fez de maneira adequada.

A segunda parte adentrou pelos efeitos da decisão, que seriam prospectivos (ex nunc) não alcançando as perdas de milhões de brasileiros desde 1.990, limitando-se a ajustar o expurgo inflacionário apenas da data da publicação da decisão, o que também discordamos.

Com o devido respeito, coubessem embargos declaratórios em voto ainda não consolidado para a questão, trabalharíamos nestas duas partes.

Na primeira no sentido da existência sim de direito subjetivo constitucional à correção monetária, ainda que os nomes sejam outros, e na segunda parte, também como efeito da primeira, que a decisão não se ativesse apenas à situação prospectiva (ex nunc) e sim, da mesma maneira, desde 1990 (retrospectiva – ex tunc).

E, explicamos:

Do direito subjetivo à correção monetária por parte do trabalhador

Nunca esqueçamos que o FGTS não se constitui em dinheiro público, senão propriedade privada do trabalhador, ainda que seu uso seja restrito, e foi concebido, originalmente, como um substituto à estabilidade de emprego.

Assim o obreiro constituiria uma reserva financeira para utilizá-la em momento de desemprego, servindo também com o fim de financiamento de obras públicas. O fim primário foi, então, servir literalmente de poupança, tendo sido utilizado, de maneira secundária, para financiamentos outros, dado ao elevado montante de depósitos a partir de sua criação.

Como propriedade privada do trabalhador e servindo à dignidade da pessoa humana, pois a inflação afeta diretamente o valor do dinheiro, obviamente por ter uso restrito devido a uma compulsoriedade criada pelo Estado, deve, e devia, no mínimo, ter seu valor corrigido adequadamente.

O direito subjetivo à correção monetária vem, assim, diretamente fincado na constituição, a partir de um dos princípios basilares, o da dignidade da pessoa humana porque a propriedade do recurso foi oxidada pelo fenômeno inflacionário, valendo hoje muitas vezes menos do que valia à época de cada depósito, afrontando também o direito de propriedade e sua função social.

E tudo por culpa do Estado que não o corrigiu adequadamente, manobrando para seu enriquecimento ilícito à custa do trabalhador!

Nesse aspecto fica bastante claro entender que o trabalhador tem sim (e note que não falamos de investidor ou qualquer aplicação, falamos da massa trabalhadora brasileira que sobre e sua diariamente para construir seu patrimônio e segurança) direito à correção adequada do seu saldo de FGTS, garantia essa plenamente assegurada na constituição da república. Tanto por isso que o voto vai no sentido da TR ser inconstitucional.

Do direito aos efeitos ex tunc (retrospectivos) à correção monetária dos saldos do FGTS.

Como corolário da primeira parte da contradita, acima, resta evidente que a correção deve dirigir-se a todos os saldos desde a época da constituição do fundo a partir do momento que a TR foi instituída como um suposto “expurgador inflacionário”.

Isso porque todos os trabalhadores foram altamente prejudicados com as condutas, não somente os que hoje mantém seus saldos ou aqueles que ingressaram com as respectivas ações.

Como falamos do fenômeno inflacionário que é um fenômeno monetário e que sua ação decorre no tempo, é ilógico que os efeitos passem a valer apenas a partir da decisão, relegando a um certo “ostracismo” quem mantinha recursos compulsoriamente depositados nas contas vinculadas.

Por certo estivéssemos tratando de juros compensatórios não atingidos pela prescrição, a decisão seria também como retrospectiva e não apenas prospectiva.

Ora, se protegemos capital investido de maneira retrospectiva como negar ao trabalhador-investidor a mesma regra de proteção ao seu capital disponibilizado num fundo compulsório?

Os efeitos ex nunc, propostos pelo relator, com a devida vênia, atacam frontalmente a dignidade da pessoa humana do trabalhador e o direito de propriedade e sua função social.

Trata-se de dizer que, um mesmo valor, depositado em um colchão, fosse o depósito realizado em 1990, teria hoje o mesmo valor, o que sabemos que não ocorre, e, pior, quem obrigou o trabalhador a colocar o seu dinheiro no colchão foi o próprio Estado...

Nesse sentido é que se apela para que os votos dos demais ministros não sejam votos rasos no sentido de proteger o caixa do Estado em detrimento, mais uma vez, da corrosão dos valores de propriedade de cidadãos trabalhadores, assegurando não somente a inconstitucionalidade da TR como índice de correção monetária dos depósitos efetuados na conta vinculada do FGTS como os efeitos retrospectivos dessa correção porque se trata de fazer justiça com “J” maiúsculo!

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Os magistrados não precisam temer um horror econômico da União por conta dos valores a serem legitimamente devolvidos aos bolsos dos trabalhadores porque (i) o dinheiro volta em consumo e investimento privado, (ii) a liberação desses recursos pode ser feita na conta vinculada sujeita aos mesmos trâmites dos depósitos regulares, excetuando-se àqueles que já tiveram saques efetuados segundo as regras do próprio fundo, (iii) créditos para compensação de dívidas federais, (iv) créditos do trabalhador na Caixa Econômica Federal. entre tantas outras variações que só encontram limite na criatividade humana.

Sobre o autor
Julis Orácio Felipe

Julis Orácio Felipe é advogado em Joinville, Santa Catarina, especializado na área ambiental e pós graduado em administração com ênfase em Contralodoria e Custos, ex conselheiro do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Santa Catarina - CONSEMA/SC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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