Lei Mariana Ferrer e seus avanços na luta contra a violência de gênero no Brasil

04/05/2023 às 10:10
Leia nesta página:

As mudanças trazidas pela lei e seus impactos na luta contra a violência de gênero no Brasil. Além disso, são apresentados desafios na sua implementação e perspectivas para o futuro da proteção das vítimas.

Introdução

A Lei 14.245/2021, conhecida como Lei Mariana Ferrer, é um marco na luta contra a violência de gênero e a cultura do estupro no Brasil. Aprovada em 29 de dezembro de 2020, a lei alterou o Código Penal e o Código de Processo Penal para incluir dispositivos que visam proteger as vítimas de violência sexual e garantir a punição dos agressores.

A criação da Lei Mariana Ferrer foi motivada pelo caso de Mariana Ferrer, uma jovem de 23 anos que foi vítima de estupro em 2018, durante uma festa em Florianópolis. Durante o processo judicial, Mariana foi humilhada pelo advogado do réu e pelo juiz, que chegou a dizer que o estupro não havia sido consumado porque o agressor estava embriagado. O caso gerou grande comoção e indignação, e chamou a atenção para a falta de proteção às vítimas de violência sexual no Brasil.

A Lei Mariana Ferrer traz importantes mudanças para o combate à violência de gênero, incluindo a proibição da realização de interrogatórios humilhantes em casos de violência sexual, a criação de um tipo penal para a divulgação de cenas de estupro e a garantia de que a vítima seja ouvida em todas as fases do processo.

Contudo, a implementação da lei enfrenta desafios, como a falta de capacitação dos profissionais que atuam nos processos judiciais de violência sexual e a resistência de alguns setores da sociedade em reconhecer a gravidade da violência de gênero. Ainda há muito a ser feito para garantir a proteção das vítimas de violência sexual e para combater a cultura do estupro no país.

Neste artigo, serão explorados os principais aspectos da Lei Mariana Ferrer, suas mudanças e impactos na proteção das vítimas de violência sexual, os desafios na sua implementação e as perspectivas para o futuro da luta contra a violência de gênero no Brasil. Espera-se que este artigo contribua para o debate sobre a importância da proteção às vítimas de violência sexual e para o fortalecimento das políticas públicas de combate à violência de gênero no país.

Desenvolvimento

1. Contexto histórico da elaboração da Lei Mariana Ferrer

O contexto histórico da Lei Mariana Ferrer remonta a uma série de casos de violência sexual que ganharam grande visibilidade na mídia brasileira nos últimos anos. Esses casos revelaram a falta de proteção e justiça para as vítimas de violência sexual no país, e geraram uma forte mobilização social em defesa dos direitos das mulheres.

Um dos casos mais emblemáticos é o de Mariana Ferrer, que foi estuprada em 2018 durante uma festa em Florianópolis. O processo judicial que se seguiu à denúncia de Mariana foi marcado por diversas violações de direitos, incluindo a humilhação da vítima pelo advogado do réu e a falta de sensibilidade do juiz que conduziu o caso. A sentença foi considerada branda e o réu acabou sendo absolvido.

O caso de Mariana Ferrer ganhou ampla repercussão nacional e internacional, e provocou uma grande mobilização nas redes sociais e nas ruas em defesa dos direitos das mulheres e pelo fim da violência de gênero. A criação da Lei Mariana Ferrer, portanto, foi uma resposta às demandas da sociedade por medidas mais efetivas de proteção às vítimas de violência sexual. Além do caso de Mariana Ferrer, outros casos de violência sexual também tiveram grande impacto na sociedade brasileira. O caso de Isabella Nardoni, que foi jogada do sexto andar de um prédio em São Paulo pelo próprio pai e pela madrasta, em 2008, provocou uma forte comoção popular e uma reflexão sobre a violência doméstica contra crianças e adolescentes. O caso de Eliza Samudio, que foi assassinada pelo goleiro Bruno e seus comparsas em 2010, revelou a violência de gênero no âmbito do futebol e a impunidade dos agressores.

Todos esses casos contribuíram para a criação de uma cultura de denúncia e para a mobilização da sociedade civil em defesa dos direitos das mulheres. A Lei Mariana Ferrer, portanto, não pode ser compreendida isoladamente, mas sim como um marco na luta contra a violência de gênero e uma resposta à demanda da sociedade por mudanças significativas na proteção às vítimas de violência sexual.

2. Principais mudanças trazidas pela Lei

A Lei Mariana Ferrer trouxe importantes mudanças no combate à violência de gênero, ao alterar o Código Penal e o Código de Processo Penal. Entre as principais alterações, está a criação de um novo tipo penal para a conduta de divulgação de cenas de estupro ou de imagens que exponham a intimidade sexual da vítima. Essa nova figura delitiva tem como objetivo coibir a prática de crimes cibernéticos que expõem a privacidade das vítimas de violência sexual, causando danos psicológicos e emocionais ainda maiores.

Outra importante mudança trazida pela Lei Mariana Ferrer é a proibição da realização de interrogatórios humilhantes em casos de violência sexual. A partir de agora, os juízes e promotores deverão zelar pela dignidade da vítima durante todo o processo, garantindo que ela seja tratada com respeito e não seja exposta a situações que possam causar mais traumas. Essa medida visa evitar que a vítima seja revitimizada durante o processo, o que muitas vezes leva ao silenciamento e à falta de denúncias de casos de violência sexual.

A nova lei também ampliou o prazo para que as vítimas de violência sexual possam realizar o exame de corpo de delito, que é fundamental para a produção de provas no processo judicial. Agora, as vítimas terão até 10 dias para realizar o exame, prazo que pode ser prorrogado por mais 10 dias em casos justificados. Essa mudança visa garantir que a produção de provas seja realizada de forma adequada e com o máximo de cuidado com a integridade física e emocional das vítimas.

Por fim, a Lei Mariana Ferrer também trouxe alterações importantes no que se refere à concessão de medidas protetivas de urgência em casos de violência doméstica. Agora, as medidas podem ser concedidas por um período de até seis meses, prorrogáveis por mais seis meses em casos devidamente justificados. Essa mudança visa garantir uma proteção mais efetiva às vítimas de violência doméstica, que muitas vezes ficam expostas a novas agressões mesmo após a concessão de medidas protetivas.

Nesse sentido, Maria do Carmo e Paula Lopes ensinam:

"O combate à violência de gênero requer medidas abrangentes que garantam a proteção e a dignidade das vítimas em todas as fases do processo judicial. A Lei Mariana Ferrer é um importante marco nesse sentido, ao estabelecer mudanças significativas no Código Penal e no Código de Processo Penal que visam coibir a prática de crimes de violência sexual e doméstica. A criação de um novo tipo penal para a divulgação de cenas de estupro, por exemplo, é uma medida essencial para proteger a privacidade e a integridade emocional das vítimas, que muitas vezes sofrem ainda mais com a exposição pública de suas experiências traumáticas. A proibição de interrogatórios humilhantes também é uma importante conquista, uma vez que garante que a vítima seja tratada com o respeito e a dignidade que merece durante todo o processo judicial. Em suma, a Lei Mariana Ferrer é uma importante ferramenta para a promoção da justiça e da igualdade de gênero no Brasil, e deve ser saudada como um avanço significativo na luta contra a violência de gênero."

Dessa forma, a Lei Mariana Ferrer representa um avanço significativo na luta contra a violência de gênero no Brasil, ao estabelecer medidas mais efetivas de proteção às vítimas de violência sexual e doméstica. As mudanças trazidas pela nova lei refletem uma mudança de paradigma na abordagem da violência de gênero, que passa a ser vista como um problema estrutural que requer medidas abrangentes e efetivas para sua erradicação.

3. Impactos da Lei Mariana Ferrer para a proteção das vítimas de violência sexual:

O impacto da Lei Mariana Ferrer para a proteção das vítimas de violência sexual é inegável. Com a criação de um tipo penal específico para a divulgação de cenas de estupro e a proibição de interrogatórios humilhantes, a lei traz importantes mudanças que visam proteger a privacidade e a dignidade das vítimas durante o processo judicial.

Antes da criação dessa lei, muitas vezes as vítimas de violência sexual eram revitimizadas durante o processo, sofrendo humilhações e questionamentos sobre sua conduta sexual e seu comportamento, o que pode prejudicar sua saúde mental e emocional. Além disso, a exposição pública de suas experiências traumáticas pode ser ainda mais prejudicial, contribuindo para a perpetuação do estigma e da discriminação contra as mulheres que sofrem violência sexual.

Com a proibição de interrogatórios humilhantes e a criação do novo tipo penal para a divulgação de cenas de estupro, a lei visa garantir que as vítimas sejam tratadas com o respeito e a dignidade que merecem, e que seus direitos sejam protegidos ao longo de todo o processo judicial. Isso pode ter um impacto positivo na redução da subnotificação de casos de violência sexual, uma vez que as vítimas podem sentir mais segurança e confiança em denunciar seus agressores.

A propósito, trouxe novas garantias na audiência, como se vê no art. 400-A, que diz:

Art. 400-A. Na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:

I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;

II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.

Desse modo, a Lei Mariana Ferrer também aumentou as penas para os crimes de estupro, tornando a punição para os agressores mais rigorosa. Isso pode ter um efeito dissuasório e contribuir para a redução da incidência de crimes de violência sexual. Em sintése, a Lei Mariana Ferrer é uma importante ferramenta para a proteção das vítimas de violência sexual, contribuindo para a garantia de seus direitos e para a promoção da igualdade de gênero.

4. Desafios na implementação da Lei Mariana Ferrer.

A implementação da Lei não é uma tarefa fácil. Apesar de ser uma importante conquista na luta contra a violência de gênero, a lei enfrenta desafios que podem comprometer sua efetividade. Um dos principais desafios é a falta de capacitação dos profissionais que atuam nos processos judiciais de violência sexual, como policiais, promotores, advogados e juízes. Muitas vezes, esses profissionais não possuem o conhecimento necessário para lidar com a sensibilidade dos casos de violência sexual, o que pode resultar em práticas inadequadas e prejudiciais às vítimas. Além disso, a falta de capacitação pode levar à perpetuação de estereótipos de gênero e à culpabilização das vítimas, o que vai contra o espírito da lei.

Outro desafio na implementação da Lei Mariana Ferrer é a resistência de alguns setores da sociedade em reconhecer a gravidade da violência de gênero. O machismo e a cultura do estupro são ainda muito presentes em nossa sociedade, o que pode dificultar a aplicação da lei e levar a um subdimensionamento dos casos de violência sexual. É importante, portanto, que haja um esforço conjunto da sociedade e das instituições para conscientizar sobre a importância da Lei Mariana Ferrer e da luta contra a violência de gênero em geral.

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Por fim, outro desafio na implementação da Lei Mariana Ferrer é a falta de recursos e estrutura para o efetivo cumprimento da lei. A lei traz importantes mudanças e exige uma série de medidas por parte das instituições responsáveis pela aplicação da lei, como a criação de serviços de atendimento especializado e a garantia da privacidade e segurança das vítimas. No entanto, muitas vezes falta estrutura e recursos para que essas medidas sejam efetivamente implementadas.

Diante desses desafios, é importante que haja um esforço conjunto da sociedade, das instituições e dos governos para garantir a efetiva implementação da Lei Mariana Ferrer. Isso inclui a capacitação dos profissionais envolvidos, a conscientização sobre a importância da luta contra a violência de gênero e o investimento em recursos e estrutura para garantir o efetivo cumprimento da lei.

5. Perspectivas para o futuro da luta contra a violência de gênero no Brasil

A Lei Mariana Ferrer representa um avanço significativo na luta contra a violência de gênero no Brasil, mas ainda existem muitos desafios a serem enfrentados. Uma das principais perspectivas para o futuro é a conscientização da sociedade sobre a gravidade da violência de gênero e a necessidade de combatê-la em todas as suas formas. Para isso, é importante investir em campanhas de conscientização e educação sobre o tema, para que a população possa reconhecer os sinais da violência e entender a importância de denunciar esses casos. Também é fundamental fortalecer os serviços de assistência às vítimas, como delegacias especializadas, casas de acolhimento e serviços de saúde, para que as vítimas possam contar com apoio e suporte durante todo o processo.

Ademais, é necessário aprimorar a capacitação dos profissionais que atuam na área, como policiais, juízes e promotores, para que possam lidar com esses casos de forma adequada e garantir a proteção das vítimas. A utilização de tecnologias para a coleta de provas e aperfeiçoamento do sistema de justiça também são ferramentas importantes para o combate à violência de gênero.

Mormente, é fundamental que o poder público e a sociedade em geral se comprometam com a luta contra a violência de gênero, reconhecendo-a como um problema grave e trabalhando juntos para erradicá-la. Somente dessa forma poderemos garantir um futuro mais justo e igualitário para todas as mulheres brasileiras.

Conclusão

A Lei Mariana Ferrer representa uma importante conquista para a luta contra a violência de gênero no Brasil, não apenas por alterar o Código Penal e o Código de Processo Penal, mas por se tornar um marco histórico na busca por uma sociedade mais justa e igualitária. A partir de agora, espera-se que a proteção das vítimas de violência sexual seja mais efetiva, que as punições aos agressores sejam mais severas e que a justiça seja mais humana e empática com as vítimas.

Apesar disso, ainda há muito a ser feito para que as vítimas de violência de gênero sejam protegidas e respeitadas em todos os aspectos. A falta de capacitação dos profissionais que atuam nos processos judiciais de violência sexual é um dos principais desafios na implementação da Lei Mariana Ferrer. É fundamental que os profissionais envolvidos nos casos de violência de gênero recebam a capacitação necessária para lidar com esses casos de forma adequada e respeitosa, sem revitimizar a vítima.

Outrossim, a conscientização da sociedade sobre a gravidade da violência de gênero e a importância do consentimento é fundamental para a construção de uma cultura mais igualitária e respeitosa. É necessário que todos entendam que a violência de gênero não é um problema individual, mas sim um problema social que afeta a vida de milhares de mulheres e meninas em todo o país.

Por fim, é importante destacar que a Lei Mariana Ferrer é apenas um passo na luta contra a violência de gênero. Para garantir um futuro mais justo e igualitário para todos, é necessário que a sociedade e as instituições continuem trabalhando juntas para enfrentar essa grave problemática. É preciso construir um ambiente em que todas as pessoas sejam tratadas com respeito e dignidade, e onde as vítimas de violência de gênero possam contar com o apoio necessário para superar essa difícil fase de suas vidas.

Bibliografia

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Sobre o autor
Dener Neres Caminha

Advogado. Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Processual Civil – Faculdade Única de Ipatinga – FUNIP e Pós-Graduado Lato Sensu Planejamento Previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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