Pedido de autofalência e confissão. Algumas reflexões

04/05/2023 às 13:22
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Carlos Roberto Claro1

Esto brevis et placebis - Horácio

Em sistemas capitalistas globalizados, o mercado se sobrepõe, determinando se a entidade jurídica mantém sua atividade econômica ou dele se deve retirar. Não carece gastar tinta para descrever a realidade hodierna empresarial, sendo que inúmeros entidades privadas - por variadas causas, inclusive em decorrência da pandemia -, encerraram suas atividades econômicas.

O mercado, consoante ensinamento de Eros Roberto Grau, se traduz em instituição jurídica e opera sob dois requisitos: a calculabilidade econômica e a previsibilidade de comportamentos2. A fim de que não haja desestabilização do mercado e insegurança quanto aos atos nele praticados, a Lei 11.101/05 prevê a possiblidade de a pessoa jurídica requerer judicialmente a abertura de sua falência (autofalência). O afastamento do devedor insolvente, via falência, visa também o saneamento do meio empresarial3, preservando o próprio crédito.

A lei de 2005 simplificou alguns requisitos constantes do ab-rogado texto de 1945, v.g., quando o devedor não paga no vencimento obrigação líquida, deveria, em tese, dentro dos 30 (trinta) dias, requerer a abertura de sua autofalência, retirando-se do mercado competitivo45. O texto legal de 2005 não fixa prazo para que o devedor requeira sua autofalência.

Também não impõe qualquer restrição ou obrigação ao devedor que descumprir a norma legal. No novo sistema falimentar não há, tecnicamente, um dever jurídico porque o ato de requerer a autofalência submete-se unicamente à vontade do empresário ou da sociedade empresária6.

O devedor pode ser insolvente e impontual, de modo que, mesmo na hipótese de não ter deixado de pagar determinada dívida no vencimento, há a possibilidade de requerer a abertura de sua falência. Não se nos parece crível que o magistrado determinaria que se aguardasse o vencimento da obrigação e o não cumprimento para só depois abrir a falência. Basta a confissão do devedor de que se deve retirar do mercado, cumpridos os requisitos legais.

Ocorrendo crise patrimonial é prudente e aconselhável – considerando a ética e a boa-fé que deve ser o norte dos gestores empresariais - que a pessoa jurídica formalize imediato pedido de autofalência, até e principalmente para não desestabilizar o mercado em que atua.

Quanto aos pressupostos da falência7, a exigência de pluralidade de credores não se encontra elencada. A insolvência do devedor não resulta do número de credores. O concurso de credores nem sempre se estabelece em casos concretos, sendo que a respeito, pondera Pontes de Miranda:

O pressuposto da pluralidade de credores verificada no momento da decretação de abertura da falência não existe, como pressuposto necessário, no sistema do direito concursal. E é bem que assim seja. Há interesse do credor único do insolvente em que se tragam á estrada executiva os ‘outros’ credores; e é de interesse do Estado que não se atenda, exclusivamente, ao credor que primeiro pede a execução forçada. A pluralidade pode vir a existir, tanto mais quanto se permite a habilitação de credores retardatários. A pluralidade pode desaparecer, se todos menos um dos credores fizerem as suas declarações de crédito foram expelidos da concorrência (não foram admitidos pelo juiz, em julgamento de ‘plena cognitio’, ou contra eles houve provimento de recurso)8

Quanto a confissão da insolvência do devedor (CPC, art. 389), ato pessoal deste, será espontânea e não provocada. Em primeiro lugar, o advogado que subscrever a petição inicial deverá ter poderes especiais para tanto (CPC, arts. 105 e 390, §1º). Em segundo, como dito, a confissão é espontânea e não provocada (caput do mesmo enunciado legal).

A interpretação da regra contida no art. 390 do CPC é no sentido de que, confissão espontânea é de iniciativa do interessado [em pedido de autofalência, confessa, por escrito, seu estado de insolvência e requer seja retirado do mercado]; a provocada ocorre quando do depoimento pessoal em juízo [audiência de instrução e julgamento]. No caso de pedido de autofalência, portanto, a confissão é espontânea

O devedor, ao primeiro sinal de crise, se deve antecipar e requer sua autofalência. Isso demonstra sua ética e boa-fé objetiva.


  1. Advogado desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; professor em Pós-Graduação; parecerista; pesquisador e autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

    http://lattes.cnpq.br/5264249545377944

    http://orcid.org/0000-0002-6589-9761

  2. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. Pondera o mesmo autor: o mercado é instituição jurídica constituída pelo ‘direito positivo’. É expressão de um projeto político – como ‘princípio de organização social’ – e atividade. O Estado deve ‘garantir a liberdade econômica’ e, concomitantemente, ‘operar a sua regulamentação’. Por que tenho medo dos juízes: (a intepretação/aplicação do direito e os princípios). 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 17. Destaques no original. Por fim, esclarece o autor que no mercado há regularidade, previsibilidade de comportamento, constância e segurança.

    Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:
  3. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 1º Volume. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 26-27.

  4. Não há de se confundir cessação de pagamento com insolvência. Aquela é fato (mais passivo que ativo); esta é inadimplência, impontualidade no pagamento a tempo e modo avençados pelas partes contratantes.

  5. Na vigência do Dec.-Lei 7.661/45 era importante saber se o devedor pediu a autofalência dentro do prazo legal porque, se não o fez, haveria impeditivo para a formulação de concordata (preventiva ou suspensiva, art. 140, inc. II).

  6. NEGRÃO, Ricardo. Curso de Direito Comercial e de Empresa, V. 3.16ª edição. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 366.

  7. Acerca do tema, escreve Rubens Requião: Sério debate se estabelece na doutrina e na jurisprudência sobre a pluralidade de credores, como pressuposto necessário da declaração judicial do estado de falência. Em decorrência da posição tomada, admitir-se-á ou não a falência com um só credor. Curso de direito falimentar. 1º Volume. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998 p. 41. Carvalho de Mendonça tem igual entendimento. Tratado de direito comercial brasileiro. Volume VII, Livro V. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1946, p. 163. Waldemar Ferreira entende que há execução processual coletiva. Instituições de Direito Comercial. 5º Volume. 4ª edição. São Paulo: Max Limonad, 1955, p. 57.

  8. Tratado de direito privado. Parte Especial. Tomo XXIX. 3ª ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 123. Destaques no original.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

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