Artigo 147-A do Código Penal: O Problemático crime de Perseguição

05/05/2023 às 16:57
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RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise criminal acerca do artigo 147-A do Código Penal Brasileiro quanto aos problemas levantados pela doutrina quando da elaboração do artigo e de sua entrada ao ordenamento jurídico no tocante aos problemas para se aplicar a norma ao caso concreto, para isso, sem que se esqueça dos conceitos criminológicos que envolvem o crime de perseguição (Stalking). Para tanto se utilizará o método dedutivo como também o método hipotético-dedutivo, uma vez que a perspectiva do estudo também é apresentar a problemática suscitada pela doutrina pátria e possíveis soluções que cercam o tema através de pesquisa bibliográfica qualitativa.

PALAVRAS CHAVES: Análise, Crime, Perseguição, Problemática.

ABSTRACT: The present work has as purpose to realize a criminal analysis about article 147-A of the Brazilian Penal Code regarding the problems raised by the doctrine when the article was elaborated and its entry into the legal system with regard to the problems to apply the standard to the specific case, for that, without forgetting the criminological concepts that involve the stalking crime. For which, the deductive method will be used as well as the hypothetical-deductive method, since the perspective of the study is also to present the problematic raised by the native doctrine and possible solutions that surround the theme through qualitative bibliographical research.

KEYWORDS: Analysis, Crime, Stalking, Problematic.

SUMÁRIO

1 Introdução --

2 Problemática Norma Criminal -

2.1 O Projeto de Lei -

2.2 O Artigo, Parágrafos e seus Incisos

2.3 Da Aplicação de Benefícios Processuais -

3 Metodologia -

4 Resultados e Discussão

5 Considerações Finais

6 Referências

7 Anexo

INTRODUÇÃO.

Em 2021, mais precisamente em 31 de março, entrou em vigência a Lei 14.132 que acrescentou ao Código Penal o artigo 147-A, ipsis litteris:

“Perseguição

Art. 147-A.  Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

§ 3º Somente se procede mediante representação” (LEI 14.132, 2021)

Por se tratar de novatio legis incriminadora, há margem para novos estudos acadêmicos quanto aos efeitos práticos na sociedade a partir da vigência do novo crime. Será que a nova norma será capaz de propiciar às vítimas mais segurança, irá repreender de maneira justa o criminoso, conseguirá prevenir novos casos de stalking (perseguição). O presente trabalho tem como escopo responder essas perguntas, analisando a tipificação, buscando meios (de interpretação ou adendo normativo) para aprimoramento da norma, sem se esquecer dos ensinamentos criminológicos, tão rico e consolidado ao longo dos últimos anos pela doutrina pátria e “além-mar”, contudo, sem a pretensão de esgotar ou encerrar a discussão acadêmica.

Importante ressaltar que a tipificação é nova no nosso ordenamento jurídico, mas a conduta de perseguir já se encontra enraizada no cotidiano fazendo diversas vítimas ao longo das décadas, séculos, quiça milênios.

Na apresentação macro do estudo é relevante citar que internacionalmente o tema e a criminalização da conduta de perseguir “obsessivamente” encontram-se mais consolidadas, uma vez que há registros de normatividade do século passado, conforme preleciona Bruno Bottiglieri (2018, p. 18 e 19):

“[...] Estado da Califórnia que, em virtude da onda de crimes envolvendo stalkers na década de 80, instituiu, em 1990, a primeira reprimenda lega sobre perseguições em território americano.

Em que pese a reprimenda californiana seja conhecida como um modelo célere de resposta estatal, foi a Dinamarca uma das pioneiras na criação de legislação anti-stalking. Seu Código Penal, redigido em 1912 e promulgado em 1933, em sua seção 265 reprime expressamente o forfolgelse (stalking em dinamarquês) [...].”

Uma demanda importante ao estudo é apresentar os conceitos e definições que diversos ramos do conhecimento nos apresenta sobre stalking e stalker. Para Viviane Nery Viegas e Fernanda Mansur (2019, p. 17) “o uso da palavra stalking deu-se em meados dos anos 80, como resultado dos acontecimentos e da atuação da mídia na época”, e conceitualmente:

“[...] o stalking compreende condutas de proximidade e comunicabilidade para com a vítima, de forma inconveniente e persistente, causando-lhe medo e insegurança. Para Trindade (Jorge) o stalking se caracteriza por ações ou condutas reiteradas ou, como ele mesmo referencia, citando as doutrinas estrangeiras de maior relevância sobre o assunto, se tratam de uma constelação de comportamentos por parte do stalker para com a vítima, de forma insistente e agressiva” (VIEGAS ET AL, 2019b, p. 17).

Ainda definindo stalking (perseguição) e stalker (perseguidor):

“conforme explica Alexandre Morais da Rosa ‘[...] a palavra stalking apresenta o sujeito ativo como perseguidor capaz de, por seu comportamento obsessivo, direcionado ao sujeito passivo, agindo de forma intencional e de acordo com um curso de conduta, buscar informações e controlar a vida deste causando dano psicológico’” (VIEGAS ET AL, 2019c, p. 19).

Mas não só dano psicológico, alguns perseguidores envoltos em sua mente doentia chegam a causar “danos” a integridade física de suas vítimas e até mesmo a morte. Nesse sentido o stalking é estudado não só pela criminologia, mas também pela própria psicologia e psiquiatria.

“A autora afirma que: ‘o fenômeno do Stalking tem sido reconhecido em diversos campos da ciência, seja ela jurídica, social ou médica. Mostra-se essencial determinar quais as suas dinâmicas próprias, os comportamentos que lhe estão inerentes, os tipos de agentes que perpetram o crime bem como suas condições psicológicas, características das vítimas e o impacto das condutas ilícitas sobre as referidas vítimas’”(RITO DOS SANTOS APUD VIEGAS ET AL, 2019d, p. 20 e 21).

Quanto ao stalker, a melhor doutrina nos ensina que provavelmente existam cinco tipos cruciais: o rejeitado, o ressentido, o apaixonado mórbido, o pretendente incompetente e o predatório.

“Segundo Marlene Matos et al, ‘o stalker rejeitado é aquele que surge tipicamente no contexto da ruptura de uma relação de proximidade, geralmente íntima. [...] O stalker ressentido tem a percepção de que foi vítima de uma injustiça ou de uma humilhação, pondo-se, então, a intimidar ou assustar seu alvo. [...] De outro lado, a motivação do stalker mórbido se refere a solidão, de modo que seu objetivo é estabelecer uma relação de intimidade, a qual é idealizada em sua mente. [...] O stalker pretendente incompetente é aquele que busca iniciar uma relação de proximidade, mas que apresenta dificuldades em estabelecer um relacionamento interpessoal. [...] Por fim, o stalker predador, cujos comportamentos funcionam como uma fase preparatória da agressão sexual, com o objetivo de recolher informações sobre a potencial vítima’” (MATOS ET AL APUD VIEGAS ET AL, 2019e, p. 25 e 26).

Bruno Bottiglieri em seu livro nos ensina que “o professor Damásio de Jesus foi um dos primeiros juristas no Brasil a reconhecer o stalking como uma forma de violência” (BOTTIGLIERI, 2018b, p. 3). O ilustre professor Damásio conceitua stalking como: “a conduta na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo, incessantemente, a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos [...]” (JESUS APUD BOTTIGLIERI, 2018c, p. 3). Para o professor há seis modalidades de perseguição obsessiva: “invasão de privacidade da vítima; repetição de atos; dano a integridade psicológica e emocional do sujeito passivo; lesão à sua reputação; alteração do seu modo de vida; restrição à sua liberdade de locomoção” (JESUS APUD BOTTIGLIERI, 2018d, p. 3 e 4).

“Como se observa, não existe uma formalidade ou um padrão seguido por perseguidores em seu modus operandi, assim, exemplificamos mais algumas atitudes: ofensas sexuais, violência doméstica, vandalismo, cyberstalking, introdução a espaços vedados, uso abusivo do telefone, violações de restrições judiciais ou medidas protetivas, assédio, maus tratos a animais, voyerismo, violência em local de trabalho ou estudo, agressões, furtos e invasão à residência da vítima, envio de inúmeras mensagens, visita aos locais que frequenta, publicações ou circulação de fotos ou informações íntimas da vítima, monitoração de computadores e do histórico de internet, revelar informações pessoais da vítima, homicídio e instigação ao suicídio” (BOTTIGLIERI, 2018e, p. 5 e 6).

São muitos os meios e métodos utilizados pelos stalkers, para perseguirem de maneira acintosa e compulsiva as suas vítimas, principalmente quando pensamos que há não somente os artifícios físicos, mas também os eletrônicos e a internet. Estamos a falar do Cyberstalking, que “diante da facilidade contemporânea de acesso a mecanismos eletrônicos, como computadores e celulares ligados à rede mundial de computadores” (BOTTIGLIERI, 2018f, p. 6) dificultam e muito não só as possíveis investigações, como também a vida de suas vítimas, pois hoje o que está na internet está no mundo e não só nas ruas do bairro, onde poucos vizinhos são conhecedores da situação horrível que o sujeito passivo passa ao ser perseguido por um stalker. Por esta e outras razões alguns autores defendem que o Cyberstalking deveria ser delito autônomo (ou um tipo derivado autônomo-qualificadora) e com penas maiores e medidas de segurança mais eficazes aos meios que utiliza para ferir, proporcionando às vítimas uma resposta mais rápida das autoridades. O fato é que não há no artigo 147-A do Código Penal Brasileiro a modalidade de Cyberstalking prevista nem como qualificadora e nem como causa de aumento de pena, quanto mais medidas específicas para investigar e proteger as vítimas.

Outra crítica bastante imperiosa, embora o artigo 147-A do Código Penal estabeleça como causa de aumento de pena a pratica do crime em razão da condição de mulher, conforme §2º-A do artigo 121 do diploma criminal pátrio, se “esqueceu” da maior vítima dos stalkers, as mulheres, estas abrangidas por um contexto geral e não apenas as pessoas do sexo feminino integrantes do conceito violência doméstica e os casos de menosprezo ou discriminação contra as mulheres.

Para Spencer Toth Sydow e Ana Lara Camargo de Castro (2021, p. 73):

“No que concerne ao contexto da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) – o stalking decorrente de violência doméstica e familiar contra a mulher – não há maior complexidade. Entretanto, o stalking de “menosprezo ou discriminação à condição de mulher” vai exigir narrativa específica e detalhamento da conduta do agente com esse viés misógino ou preconceituoso, que nem sempre é claro, expresso ou de fácil comprovação”.

Estes são alguns exemplos que a crítica especializada no assunto aponta, regredindo a fase legislativa não é difícil perceber as falhas ao projeto de lei, e com a entrada em vigor do artigo, os aplicadores do direito começam a perceber e ter dificuldades de aplicação do tipo penal às condutas dos stalkers, bem como a insuficiência proteção às vítimas, seja mulheres ou homens. Segundo Spencer et al (2021b, p. 51 e 52):

“O novel tipo penal possui problemas de muitas naturezas: desde o nomem iuris até a forma como os elementos do tipo foram concatenados, sem preocupação do legislador com a ponta aplicadora do direito. O tipo mostra-se confuso e na contramão da melhor técnica legislativa-penal, além de anacrônico”.

Na esteira deste estudo, iremos discorrer mais aprofundado, sem pretensão de esgotar o assunto, acerca das críticas ao projeto de lei que deu origem ao artigo 147-A do Código Penal, sem se esquecer das dificuldades proporcionadas aos aplicadores do direito, seja na fase de investigação, seja na fase processual. Importante mencionar que a norma deixou de estabelecer medidas protetivas específicas às vítimas de stalking e principalmente de Cyberstalking.

2 – A PROBLEMÁTICA NORMA CRIMINAL.

2.1 – O PROJETO DE LEI.

Utilizamos a pesquisa bibliográfica nos sites do Senado Federal e da Câmara dos Deputados Federais, bem como do livro Stalking e Cyberstalking dos autores Ana Lara de Camargo de Castro e Spencer Toth Sydow, por onde verificamos que embora o projeto de Lei 1369/19 não tenha inconstitucionalidades formais ou materiais, aparentemente, podemos dizer que carece de apoio técnico especializado, uma vez que não encontramos referência alguma a documento ou palavra de qualquer especialista no assunto. Pelo site do Senado Federal, consulta pública ao projeto de lei 1369/2019 (Senado Federal, 2021) constatamos que a participação popular foi inexpressiva, pois na consulta pública 39 votos foram contrários ao texto do projeto e 31 votos a favor.

“Importante destacar que já desde 2017 escrevemos cientificamente sobre stalking e cyberstalking, tendo sido pioneiros na publicação de obra sobre o tema. Contudo, apesar de haver bibliografia específica sobre o tema, com largo estudo comparativo internacional, o legislador pareceu ignorá-la. Nenhuma referência bibliográfica foi sequer mencionada para basear o projeto de lei” (SYDOW ET AL, 2021c, p. 48).

Com a aprovação do projeto de lei, de autoria da senadora Leila Barros, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, o projeto foi à sanção do Presidente da República que o sancionou por inteiro, e em 31 de março de 2021 com a publicação a Lei 14.132/2021 entrou em vigor no ordenamento jurídico pátrio acrescentando o artigo 147-A ao Código Penal.

2.2 – O ARTIGO, PARÁGRAFOS E SEUS INCISOS.

Iniciamos o estudo com as palavras do professor Spencer et al (2021d, p. 49 e 50):

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“O novel tipo penal possui problemas de muitas naturezas: desde o nomen iuris até a forma como os elementos do tipo foram concatenados, sem preocupação do legislador com a ponta aplicadora do direito. O tipo mostra-se confuso e na contramão da melhor técnica legislativa-penal, além de anacrônico”.

Sobre o nomen iuris, quando da fase inicial do projeto de lei, ele recebia o titulo de “perseguição obsessiva”, contudo, ainda na fase legislativa, o projeto recebeu uma emenda na Câmara dos Deputados, sugestão da Associação dos Magistrados do Brasil, preocupados com o adjetivo que remetia a termos psiquiátricos, pudesse influenciar sobremaneira a análise judicial da inimputabilidade. Mas, conforme nos explica Spencer e Ana Lara (2021e, p. 51):

“a retirada do termo ‘obsessão’ nada muda em termos práticos, porque se a preocupação era afastar do tipo a discussão acerca da incapacidade de compreender o caráter ilícito da conduta em seu viés psiquiátrico, isso permanece inserido na análise da culpabilidade penal.”

Retirar o “obsessivamente” do nomen iuris é indiferente à questão da análise da imputabilidade penal, mas o termo “perseguição obsessiva” faz falta, pois a terminologia empregada à tipificação é de maior conhecimento da população que propriamente o artigo em si, empregar a expressão traria a correta ideia que o tipo penal não serve para punir pequenos atos e sim a importunação, perseguição graves, capazes de gerar temor ou medo na vítima.

“O objetivo do uso da palavra obsessiva era levar à sociedade a ideia de reprimenda não à conduta de perseguição simplesmente, mas sim do insistente ato de importunar alguém de modo exagerado, prejudicando determinados valores. Ademais, a expressão obsessiva poderia ter sido acrescida de outras, como insidiosa ou similar, que facilitariam o aclaramento da gravidade da conduta” (SYDOW ET AL, 2021f, p. 50).

A questão da expressão “perseguição” no tipo penal, além de ser um crime de ação única, o que já é um problema, pois melhor seria se fosse crime de ação múltipla, traz desafios à interpretação do que seria perseguição capaz de provocar danos psicológicos na vítima daquela simples perseguição, “inocente”, com intuito de “paquera” ou explicação ou dizer algo, mas incapaz de provocar temor ou medo. Nessa razão, o acréscimo de um adjetivo à perseguição tais como compulsivo, obstinado já traria melhor resultado na interpretação do que é perseguição para fins penais. Diz o professor Spencer et al (2021g, p. 52) “o novo tipo penal não foi feliz na escolha limitada da expressão “perseguição” que nos parece inadequada frente à necessidade da plena apreensão social do fenômeno de stalking, bem como insuficiente à problemática do cyberstalking”.

Além disso, pensamos que um tipo penal de ação múltipla seria a melhor técnica legislativa, capaz de abraçar diferentes condutas, mas, sobretudo, capaz de abranger o universo da “ciber-perseguição”.

“Assim, parece possível que aos olhos da sociedade o tipo pareça tratar de delitos que necessariamente guardem relação com violação de bens jurídicos já existentes e exija obrigatoriamente a presença física do agente, o que certamente representa anacronismo face à virtualidade. Nesse sentido, a tipificação para importunação insidiosa informática termina por ficar muito aquém do adequado.

É nosso entendimento o de que a legislação penal deveria se utilizar de verbos pensados de forma mais clara e eficiente para explicar à sociedade as condutas criminalmente relevantes, em tempos que se misturam realidades materiais e imateriais”. (SYDOW ET AL, 2021h, p. 53).

Da maneira como foi redigido o artigo 147-A do Código Penal tendo como único verbo a palavra perseguir, podemos imaginar que se o agente estiver a vigiar de maneira acintosa e/ou erótica e reiterada, de maneira que provoque danos psicológicos em sua vítima, tal qual um vizinho pela janela ou sacada vigia sua vizinha na sala ou no banho não cometeria crime algum.

Ademais, a utilização de núcleo duplo para a criminalização da conduta humana, deixa ainda mais limitada o alcance da norma, pois o agente só cometerá o crime contra a vítima se e somente se, reiteradamente e infringindo comandos intermediários (“integridade física e/ou psicológica”, “capacidade de locomoção” e “esfera de liberdade e/ou privacidade”) a persiga ameaçando, a persiga restringindo e a persiga invadindo.

Podemos dizer, como “premissa elementar da dogmática: para responsabilização penal de um agente a realização de todos os elementos do tipo deve estar sob seu controle volitivo” (SYDOW ET AL, 2021i, p. 59), portanto, o stalker deve ter plena consciência e vontade para com o delito, praticando todos os componentes da tipificação.

O problema da expressão “reiteradamente”. Estamos a defender para que seja crime de stalking o delito seja de ação múltipla, perseguir, importunar, assediar, vigiar, etc. de maneira ou modo a causar dano psicológico ou físico à vítima. Com a inclusão de “reiteradamente” ao tipo penal, uma única conduta humana de perseguir gerando temor ou medo a outrem não caracterizará crime, contudo, estudos mostram que mesmo uma única vez, desde que excessivo e intenso, é capaz de produzir na vitima o medo e o temor pela sua vida ou integridade física atacando e enfraquecendo o seu psicológico.

“Uma importante problemática surge na expressão ‘reiteradamente’, especialmente no que tange às situações em que alguém mantém apenas UMA perseguição, uma única vez, porém por grande quantidade de tempo sequencialmente. A violação de bem jurídico deve sempre levar em conta o binômio frequência-intensidade. Assim é possível violar um bem jurídico com uma única conduta pontual muito intensa – mas restrita no tempo – ou com muitas condutas de menor intensidade espalhadas por longo período de tempo. Entendemos que a legislação limitou sua relevância a situações de diversas condutas ao longo de tempo, deixando como irrelevante uma única conduta de elevada intensidade de fora do tipo penal” (SYDOW ET AL, 2021j, p. 62).

Pelo exposto até o momento já é possível visualizar a problemática que os membros do Ministério Público terão na hora de ofertar a denúncia e para os Magistrados na hora de condenar, pois tanto na denúncia quanto na sentença é imperioso descrever a conduta e amoldá-la ao tipo penal perfeitamente, pois a seara criminal não aceita interpretação ou analogia in malam partem.

Como se ameaça a integridade psicológica? É um exemplo da atécnia legislativa que põem dificuldades aos exegetas do direito.

“Importante destacarmos que os núcleos secundários do tipo, ou seja, os verbos que compõem a segunda parte da conduta devem ser interpretados restritivamente. Assim, a integridade física ou psicológica deve ser ‘ameaçada’, a capacidade de locomoção deve ser ‘restringida, e as esferas de liberdade ou privacidade, ‘invadidas’ ou ‘perturbadas’.

A titulo de exemplificação, podemos dizer que, pelo princípio da taxatividade, o tipo não estará configurado em situações de ‘perturbações à integridade psicológica’, ‘dificuldade de locomoção’, ou ‘desagrado na esfera de privacidade’. A interpretação extensiva estará proibida.

O aplicados do Direito Penal estará limitado textualmente ao tipo – às palavras escolhidas pelo legislador – não cabendo estender o significado das expressões, sob pena de violar o modelo garantista constitucional” (SYDOW ET AL, 2021l, p. 61).

Quanto ao Cyberstalking, embora o artigo mencione perseguir, reiteradamente, e de “qualquer forma” essa não é a melhor técnica para reprimir o cibercrime. Aliás, a modalidade eletrônica e informática do crime mereceria um parágrafo qualificando o crime com penas maiores no mínimo e no máximo, haja vista a potencialidade lesiva que possui a rede mundial de computadores. Em contraponto o professor Rogério Greco (2021) assim explica o stalking pela rede mundial de computadores:

“A internet, de uma forma geral, e as redes sociais, mais especificamente, fizeram com que essas perseguições se potencializassem, dado à facilidade de acesso às vítimas, tal como ocorre com o envio de e-mails, mensagens pelas mais diversas formas (sms, messenger, Whatsapp, directs etc). Em muitas situações, e exposição contínua das vítimas traz a sensação de que as pessoas às conhecem e que lhe são íntimas. Hoje, esse fenômeno ocorre não somente com as pessoas consideradas como públicas, tal como acontece com os artistas, como também com todas as demais que estejam expostas nas redes sociais”.

Já o professor Spencer et al (2021m, p. 64) tem como “incompatível a ideia de ‘perseguição’ na virtualidade” e nos explica:

A problemática acerca das expressões da segunda parte do tipo prossegue, questionada pela própria essência da virtualidade. Não se pode olvidar da questão atinente à virtualidade, dado que o cyberstalking é problema real e crescente, quanto mais em tempos de pandemia e popularização crescente da comunicação informática.

[...]

A virtualidade não é ambiente material, e, portanto, não respeita lógicas geográficas ou físicas. Outrora, já apontamos a existência da ubiquidade como característica desse segmento da sociedade. Assim, não há, por exemplo, que se falar de deslocamento ou, mais adequadamente dizendo, locomoção por parte dos usuários, que acessam sítios a partir de requerimentos feitos de modo estático em seus dispositivos informáticos”.

A palavra perseguição, por definição “Ação ou efeito de perseguir (correr ou ir atrás de)” (Dicionário, 2023) não é adequada, mais que isso, não é compatível com o ambiente virtual, onde o usuário fica estabilizado a frente do computador ou notebook ou qualquer outro equipamento eletrônico com acesso a internet.

Em 15 de dezembro de 2021 o governo Brasileiro aderiu à Convenção de Budapeste que tem como objetivo promover a cooperação internacional e combater o cibercrime. Carlos Eduardo Gonçalves (2023) nos explica:

“Elaborado pelo Comitê Europeu para os Problemas Criminais, com o apoio de uma comissão de especialistas, o documento lista os principais crimes cometidos por meio da rede mundial de computadores e foi o primeiro tratado internacional sobre crimes cibernéticos. A convenção já foi assinada por mais de 60 países e é utilizada por outros cerca de 160 como orientação para as legislações locais”.

Contudo, segundo Spencer et al (2021n, p. 68 e 69), “[...] no que toca à questão da particular danosidade do crime informático [...], o legislador brasileiro encontra-se totalmente perdido e contraditório.” Haja vista que é necessário uma “análise completa do ecossistema informático relacionado à conduta, levando-se em conta todos os fatores relacionados ao contexto da dita perseguição cibernética [...]” (SYDOW ET AL, 2021o, p. 66 e 67).

O parágrafo 3º do artigo 147-A do Código Penal estabelece que “Somente se procede mediante representação” que significa que a ação penal somente terá curso se a vítima oferecer ao “parquet” a sua autorização na forma de representação, que é acertado, contudo, nos casos de violência ou grave ameaça a norma poderia ter exigido a ação penal pública incondicionada. O certo é que nos casos de violência haverá concurso de crimes e a depender do caso concreto a ação será pública incondicionada, como também nos casos em que envolvam violência doméstica e situações de menosprezo ou discriminação a condição de mulher, em conformidade com os parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo.

O parágrafo 1º ainda diz que:

“a pena é aumentada de metade se o crime é cometido: I – contra criança, adolescente ou idoso; II – Contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do §2º-A do art. 121 deste Código; III – mediante concurso de duas ou mais pessoas ou com o emprego de arma” (LEI 14.132, 2021b).

Acertadamente a Lei 14.132/21 incluiu crianças, adolescentes, idosos e mulheres, estas por razões da condição de sexo feminino, incluindo vítimas de violência doméstica e mulheres descriminadas e menosprezadas por sua condição biológica. Porém, se esqueceu da mulher fora das hipóteses acima, preleciona Spencer Toth Sydow et al (2021p, p. 73):

“Ao se limitar às hipóteses do §2º-A do artigo 121, o legislador deixou de compreender criminologicamente a importância de se colocar a principal vítima do delito em condição de punição especial ao stalker.

Isso porque a ‘condição do sexo feminino’, nos termos estritos do Código Penal, engloba apenas a violência doméstica e familiar contra a mulher, e os casos de menosprezo ou discriminação. Coloca-se, portanto, dificuldade adicional ao membro do Ministério Público”.

Ainda se faz necessário comentar a dificuldade adicional de se descrever e imputar ao agente a conduta de discriminação e menosprezo à mulher. Sendo que seria bem mais fácil e lógico colocar todas as mulheres e em qualquer contexto em pé de igualdade quando se tratar de causas de aumento de pena. E em igualdade para todas as vítimas de stalking a possibilidade de requerer medidas protetivas a exemplo das existentes na Lei Maria da Penha, bem como, o próprio artigo estabelecer medidas próprias de investigação, principalmente quando se tratar de cyberstalking, uma vez que os departamentos de polícia costumam possui setor de cibercrimes para investigar organizações criminosas, mas não possuem a mesma estrutura cibernética quando se trata das Delegacias e Distritos.

Contudo, no campo das interpretações processuais, na fase policial, Delegado de Polícia requer e juíza julga deferindo medida protetiva à vitima de stalking que não está incluída no rol do §2º-A do artigo 121 do Código Penal.

Conforme matéria publicada no site ConJur (2023) – “Juíza proíbe mulher de ter contato com vizinha a quem perseguia”:

“A autoridade policial solicitou a medida cautelar. A magistrada considerou que ‘as declarações juntadas aos autos são indícios suficientes de perseguição reiterada’. Desde 2021, a perseguição, ou stalking, é crime, conforme o artigo 147-A do Código Penal.

‘Com base no princípio da proporcionalidade, as medidas postuladas não restringem sobremaneira a esfera de liberdade individual da representada, consistindo, pois, em providência suficiente e necessária para acautelar a integridade física e psíquica da vítima’”.

Outro ponto fundamental e criticável é o artigo 3º da Lei 14.132/21 que revogou o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, não que a revogação da Lei de Contravenção Penal ou de qualquer artigo dela seja maléfica ao sistema criminal, contudo, o artigo 147-A do Código Penal é incompleto ao fim a que se destina, ou seja, proteger vítimas de importunação e assédio excessivos, então revogar o artigo 65 da LCP foi um erro.

2.3 – DA APLICAÇÃO DE BENEFÍCIOS PROCESSUAIS

Para fins didáticos e de comparação dos institutos com efeitos processuais sobre o artigo 147-A do Código Penal, iremos às próximas linhas reproduzir o Artigo 76 da Lei 9.099/95 (Juizados Especiais) e o artigo 28-A do Código Penal Brasileiro.

“Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente à adoção da medida (Grifo nosso)” (LEI 9.099, 1995).

“Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:    

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;   

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;     

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);        

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou      

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.      

§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.    

§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:     

I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;      

II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;  

III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e   

IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor”(Grifo nosso) (DECRETO LEI 3689, 1941).

Embora tenhamos reproduzido quase que a integra dos artigos supracitados, iremos discorrer naquilo que é mais relevante ao estudo do tema.

Para ser possível a aplicação da transação penal o caput do artigo 76 é claro ao dispor que cabe a todos os crimes de menor potencial ofensivo, bem como as Contravenções Penais, ou seja, todos os delitos cuja pena máxima não ultrapasse 2 (dois) anos. Já o Acordo de Não Persecução Penal, conforme artigo 28-A, cabe a todas as infrações penais cuja pena mínima não ultrapasse 4 anos,, ou seja, crimes e contravenções. Dessa análise simples se constataria que ambos os institutos se aplicam ao crime de “perseguição”, contudo, o parágrafo 2º, I do artigo 28-A é claro ao dispor que cabendo Transação Penal não caberá Acordo de Não Persecução Penal. Ao caso concreto caberá à análise do quantum de pena em abstrato, levando em consideração a conduta praticada pelo agente e a vítima de seus atos para se aplicar ou a Transação Penal ou o Acordo de Não Persecução Penal.

Didaticamente, se o agente pratica o crime de perseguição contra um homem, ele estará sujeito as penas de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, cabendo o instituto da transação penal, se e somente se, o agente não incorrer nas hipóteses do §2º do artigo 76. Agora, se o agente praticar o crime contra criança, adolescente, idoso, mulher nos casos de violência doméstica ou em situações que envolvam discriminação ou menosprezo em razão do sexo feminino, como também não estar armado ou acompanhado em conluio de vontades por mais uma pessoa, no mínimo, a pena aplicada em abstrato é de 9 (meses) a 3 (três) anos, sendo cabível, portanto, o Acordo de Não Persecução Penal, desde que o agente ou os agentes não incorram nas hipóteses do §2º, II, III e IV do artigo 28-A.

Além disso, é perfeitamente possível a aplicação a aplicação do artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais (suspensão condicional do processo) combinado com os requisitos do artigo 77 do Código Penal (suspensão condicional da pena):

“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)” (LEI 9.099, 1995b).

 “Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:  

       I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;       

       II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;       

       III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código” (DECRETO LEI 2848, 1940).       

       

Ademais também é possível a aplicação do artigo 43 do Código Penal (substituição da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos) desde que obedecidos os requisitos do artigo 44 do mesmo código:

“Art. 43. As penas restritivas de direitos são: 

        I - prestação pecuniária; 

        II - perda de bens e valores; 

        III - limitação de fim de semana. 

        IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; 

        V - interdição temporária de direitos; 

    VI - limitação de fim de semana.

 Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: 

       I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

       II – o réu não for reincidente em crime doloso; 

        III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente” (DECRETO LEI 2848, 1940b).

       

Como podemos observar, a primeira impressão, é no sentido de que os autores de stalking, no Brasil, poderão ter mais direitos que as vítimas, estas consideradas num contexto geral, pois as vítimas mulheres decorrentes de violência doméstica ou familiar e as menosprezadas ou discriminadas em razão de sexo feminino terão ao seu auxílio, desde a fase policial, as medidas protetivas de urgência previstas de Lei Maria da Penha.

Para equacionar essa problemática, os aplicadores do direito terão que se socorrer das regras de interpretação processuais e até mesmo de analogia, mas e somente referente ao direito processual, uma vez que, por conta do princípio de legalidade, interpretações e analogias são proibidas no direito penal.

3 – METODOLOGIA

Quanto a este tópico é relevante dizer que a presente pesquisa é um trabalho teórico e tem como fontes de pesquisa o sistema Bibliográfico e podemos classificá-la quanto à natureza como sendo uma pesquisa Aplicada; Quanto ao objeto de estudo como sendo Descritiva; Quanto à abordagem do problema Qualitativa sendo utilizado o método Dedutivo e Hipotético Dedutivo, haja vista que para avaliação, estudo e possíveis soluções para o tema bem como para a problemática proposta foi adotada a análise inicialmente geral sobre o Artigo 147-A do Código Penal e seus parágrafos e incisos e no decorrer do trabalho fomos, caso a caso, acrescentando elementos bibliográficos para solucionar a problemática e sugerir possíveis soluções para a aplicação da norma legal ao caso concreto.

4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quanto aos resultados obtidos por esta pesquisa acadêmica podemos aferir, principalmente, que o Artigo 147-A do Código Penal introduzido no ordenamento jurídico pela Lei 14.132/21, é impreciso, de difícil compreensão e restritivo. Os resultados foram obtidos através de pesquisa bibliográfica, livros e pesquisas em artigos e textos pela rede mundial de computadores. Pela leitura do material pesquisado chega-se ao resultado de que o Artigo 147-A para ser aplicado ao caso concreto da melhor maneira possível irá demandar das regras de interpretação, seja ela extensiva ou analógica. Também apresenta como resultado o quão deficiente é a novatio legis incriminadora quando pensamos em reprimir o cyberstalking, além de fazer distinção, equivocada, entre as mulheres, as maiores vítima do crime de perseguição.

No tocante a discussão do trabalho pode se dizer que a pesquisa servirá ao Poder Legislativo, quanto à necessidade da elaboração de projeto de lei para suprimir as deficiências do Artigo 147-A uma vez que o tipo penal é impreciso, de difícil compreensão e restritivo; não coíbe eficazmente o cibercrime de perseguição; trata as mulheres de maneira desigual e não reproduz no texto medida protetiva alguma para todas as vítimas sem distinção. E quanto aos aplicadores do direito penal fica a ideia de que para afastar, eficientemente, as muitas deficiências do crime de perseguição da maneira como vige no ordenamento jurídico será indispensável o uso de interpretação no campo do direito processual penal.

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos as considerações finais recordando que o tema do presente trabalho era estudar a problemática incrustada no Artigo 147-A do Código Penal. Para este estudo utilizamos da pesquisa bibliográfica, a qual, em decorrência do tema referente à normatividade do stalking no Brasil, não podemos dizer que foi extensa, contudo, quando se trata de Stalking no plano internacional, existem muitas pesquisas tanto à tipificação criminal quanto à criminologia, incluindo critérios sociais e médicos.

Como o tema primordial foi o estudo da Lei 14.132/21 que introduziu ao ordenamento jurídico pátrio o crime de stalking e a sua problemática – integração da norma ao caso concreto – o stalking no plano internacional serviu para dar base ao estudo proposto.

Durante a elaboração do trabalho científico vimos que a novatio legis incriminadora é muito deficiente ao fim a que se destina – coibir, reprimir e punir o stalking e o cyberstalking no Brasil. A norma é imprecisa, falta rigor ao definir o crime, por ser norma de verbo de ação única, melhor seria de fosse norma de ação múltipla, exemplo: perseguir, vigiar, assediar e importunar. O tipo penal é de difícil compreensão, pois mistura diversas condutas atreladas a um único verbo: perseguir ameaçando, perseguir restringindo, perseguir invadindo, perseguir perturbando e todas essas condutas de maneira “reiterada” e de “qualquer forma”, podemos até pensar em uma ofensa ao princípio da taxatividade penal. O perseguir ameaçando a integridade psicológica é teratológico. A nova norma é restritiva, pois não trata os desiguais na medida de sua desigualdade, trata stalking e cyberstalking como se fosse uma modalidade só de conduta-crime, como se não houvesse diferenças entre elas. Ademais coloca homens e mulheres, estas não incluídas no conceito de violência doméstica e vítimas de menosprezo e discriminação, como iguais.

O projeto de lei do crime de perseguição nasceu sem ouvir setores da sociedade e especialistas no assunto, por isso a atécnia legislativa, pois sabemos que embora os senadores e deputados tenham assessores, nem sempre são as melhores “cabeças pensantes” do país.

Mas o tipo penal acerta quando exige a representação criminal para o prosseguimento da ação penal, contudo, acredito que melhor seria se a ação fosse pública incondicionada nos casos de stalker armado com armas brancas ou de fogo, com violência ou grave ameaça à vítima e mediante o conluio de mais de dois agentes.

A norma penal estudada também acerta quando coloca causas de aumento de pena quando o crime for praticado contra criança, adolescente e idoso, contra mulher na condição de violência doméstica e familiar e a menosprezada e discriminada em razão do sexo feminino, e mediante concurso de duas ou mais pessoas ou utilizando arma. Mas erra ao estabelecer diferenciação entre as mulheres e erra ao utilizar o conceito aberto de “arma”.

Por fim, foram sugeridas duas hipóteses de soluções para o problema, a) um novo projeto de lei saneando essas “falhas”, tipo penal de ação múltipla, respeitando o principio da taxatividade e não só o da legalidade, e novamente, acrescendo medidas protetivas a todas as vítima de stalker, sem distinção de gênero, dando ênfase ao cyberstalking, podendo até ser uma qualificadora, uma vez que o alcance dos cybercrimes é ilimitado. E a ultima sugestão a exemplo do que ocorre na Lei Maria da Penha, que o Delegado de Polícia tenha poder-dever de requisitar ao Judiciário as medidas protetivas de urgência, além de requisitar qualquer informação, exceto as decorrentes de sigilo bancário, de renda e interceptações telefônicas, telemáticas e ambientais, a qualquer instituição pública ou privada acerca do perseguidor, uma vez que as instituições só fornecem à Autoridade Policial informações cadastrais, tais como endereço, qualificação completa do individuo, números de telefonia; b) o uso de interpretação (extensiva ou analógica) e até mesmo de analogia, no campo do direito processual aos aplicadores do direito, a exemplo de uma decisão recente de uma juíza paulista aplicando as medidas protetivas de urgência a uma mulher não enquadrada nas hipóteses do §2º-A do artigo 121 do Código Penal.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Presidência da República Federativa do. Decreto Lei No 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm >. Acesso em: 27 de fevereiro de 2023.

BRASIL, Presidência da República Federativa do. Decreto Lei Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm >. Acesso em: 27 de fevereiro de 2023.

BRASIL, Presidência da República Federativa do. Lei Nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9099.htm >. Acesso em: 27 de fevereiro de 2023.

BRASIL, Presidência da República Federativa do. Lei Nº 14.132, de 31 de março de 2021. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14132.htm >. Acesso em: 27 de fevereiro de 2023.

CASTRO, Ana Lara Camargo de; SYDOW, Spencer Toth. Stalking e Cyberstalking. Salvador/BA: Editora Juspodivm, 2021.

COSTA, Bruno Bottiglieri Freitas. Stalking: A responsabilidade civil e penal daqueles que perseguem obsessivamente. Santos/SP: Bruno Bottiglieri Freitas Costa, 2018.

DICIO, Dicionário online. Significado de Perseguição. Disponível em < https://www.dicio.com.br/perseguicao/ >. Acesso em 27 de fevereiro de 2023.

FEDERAL, Senado. Projeto de Lei n° 1369, de 2019. Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/135596 >. Acesso em: 27 de fevereiro de 2023.

GONÇALVES, Carlos Eduardo. A era dos cibercrimes: orientações e prevenção. Revista Consultor Jurídico, 16 de janeiro de 2023. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2023-jan-16/carlos-goncalves-era-cibercrimes-orientacao-prevencao >. Acesso em: 27 de fevereiro de 2023.

GRECO, Rogério. Novo crime: Perseguição - art. 147-A do Código Penal. Rogério Greco, 1º de abril de 2021. Disponível em < https://www.rogeriogreco.com.br/post/nova-lei-de-perseguição >. Acesso em: 27 de fevereiro de 2023.

HIGÍDIO, José. Juíza proíbe mulher de ter contato com vizinha a quem perseguia. Revista Consultor Jurídico, 18 de janeiro de 2023. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2023-jan-18/justica-concede-medida-protetiva-mulher-perseguicao-vizinha >. Acesso em 27 de fevereiro de 2023.

MANSUR, Fernanda; VIEGAS, Viviane Nery. Stalking: Abordagem fenomenológica e jurídica Brasil e Portugal. Curitiba/PR: CRV, 2019.

ANEXO

ANEXO A – “JUÍZA PROÍBE MULHER DE TER CONTATO COM VIZINHA A QUEM PERSEGUIA”.

Sobre o autor
Thiago da Silva Manfio

Especialista em Ciência Criminal e Direito Público pela Faculdade CERS/Recife.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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