INTRODUÇÃO
Com o surgimento de toda e qualquer lei que regulamente de forma nova determinado assunto no campo do direito, surgem diversas correntes interpretativas na doutrina e na jurisprudência, em busca da melhor aplicação legal. Com a Lei 13.429/17, junto da Lei 13.467/17, não é diferente.
Na doutrina trabalhista, surgem diferentes posições acerca da implantação das normas trazidas pela Lei da Terceirização e pela Lei da Reforma Trabalhista. Para alguns - que defendem a posição de que as relações terceirizadas de trabalho fomentam o Mercado de Trabalho, ante a flexibilização das regras trabalhistas -, as alterações legislativas feitas representam grande avanço.
Por outro lado, a posição contrária combate a precarização das relações de trabalho e direitos do trabalhador, ocasionada pela referida flexibilização. Nesse sentido, o presidente da Anamatra-RS, Rodrigo Trindade de Souza (2016), sobre as reformas do direito do trabalho, afirma em entrevista ao portal eletrônico ConJur:
A terceirização é bastante ruim para o mundo do trabalho. A Amatra fez um estudo, entregue recentemente à direção do TRT-4, sobre os maiores devedores da Justiça do Trabalho no estado. Descobrimos que, dos seis maiores devedores, quatro são empresas terceirizadas – inclusive a primeira.
(...)
A perspectiva que se apresenta com a possível aprovação deste projeto de lei é de ampliação do rol de dívidas trabalhistas, prejudicando justamente os trabalhadores. Há mais. A terceirização implica salários 24% inferiores, na média, em relação aos contratos firmados diretamente com o tomador dos serviços. Apresenta o dobro de tempo de rotatividade, ou seja, quem presta serviços fica mais tempo desempregado. O terceirizado trabalha, em média, três horas a mais do que o empregado formalizado. E o pior: 80% dos acidentes de trabalho no Brasil envolvem terceirizados. O incrível é que os terceirizados representam só 17% da força de trabalho do Brasil. E o mais trágico: de cada cinco operários que morrem no trabalho, quatro são terceirizados. Então, esse projeto não pode avançar no Senado para não precarizar ainda mais as relações entre capital e trabalho.
Um dos pontos apontados como positivos pelos defensores do método da terceirização é a desburocratização do instituto, a qual representa a possibilidade de dinamização de despesas, através da diminuição dos custos fixos e do aumento da possiblidade de custos móveis. A lógica é: repartindo-se os custos, permite-se a dinamização do mercado, e a despesa da empresa tomadora diminui.
Quanto a este ponto, Paula Marcelino possui a mesma visão acerca dos efeitos da terceirização de serviços:
Na nossa compreensão, essa diferença se dá por um motivo fundamental: a terceirização nos parece ter no Brasil outro lugar na estrutura do mercado de trabalho, pois, nos últimos vinte anos da história do país, ela se tornou o mais importante recurso estratégico das empresas para gestão (e redução) dos custos com a força de trabalho.
Nesse sentido, o empresariado industrial defende a aplicação imediata das alterações trazidas pelas reformas no âmbito trabalhista, justamente por se utilizar de serviços terceirizados para fins de redução de custos.
Segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2016, 88,9% das empresas entrevistadas afirmaram contratar serviços terceirizados com a finalidade de reduzir custos. Prosseguindo, o levantamento revela
que 63,1% das empresas industriais utilizam a terceirização. Ainda, sustenta o estudo que a redução de custos não está diretamente relacionada com redução de salários e de custos trabalhistas. Pelo contrário, o custo menor seria resultado da “... otimização do processo produtivo, que implica em ganhos de eficiência, melhor aproveitamento de insumos e ganhos de escala no processo fabril.”
De entendimento diverso, há autores que entendem que a diminuição de custos decorrentes da dinamização do mercado ocorre às expensas do empregado, o que acarreta severas reduções em seus direitos. Para elucidar tal posição, imaginemos a seguinte comparação: um empregado direto de uma empresa produtora de automóveis, por exemplo, recebe R$ 1.000,00 mensais, acrescidos de todos os direitos reservados ao trabalhador, inclusive os advindos de eventual negociação coletiva. Um empregado terceirizado, contratado para exercer as mesmas funções, provavelmente receberia R$ 750,00 mensais, cerca de 25% a menos do que o empregado direto, sem ter direito a algumas vantagens, como plano de saúde, assistência odontológica, etc.
Nesta trilha, observa-se que, de fato, ocorrerá diminuição de custos para a empresa tomadora em sua relação contratual para com a terceirizada, porém se pode sustentar a posição de que esta redução não será compensada pela empresa prestadora quando do pagamento do salário de seus empregados, para não fugir da ótica do capitalismo e sua busca pelo lucro.
Seguindo essa perspectiva, há muito já afirmavam Paulo Vicente e Marcelo Alexandrino (2010), o que demonstra a constante discussão acerca da redução salarial:
São muitos os argumentos contrários à terceirização, quase sempre no sentido de que ela viola o núcleo central do contrato de trabalho regido pela CLT, implicando redução dos direitos do empregado quanto a promoções, salários, fixação na empresa e outras vantagens decorrentes de acordo ou convenção coletiva. Além disso, é muito mais seguro para o trabalhador ser empregado de uma grande empresa do que de pequenas empresas de duvidosa idoneidade econômica. (Vicente & Alexandrino, 2010).
Outro ponto polêmico acerca da eficácia da Lei 13.429/17 se dá quanto à geração de emprego. Alguns entendem- como o Presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Logistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS), Vitor Augusto Koch
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que, a partir de agora, haverá maior competitividade na economia e geração de empregos formais com o estímulo à contratação de empresas especializadas. Em contraponto, outros afirmam que os empregos já existem e que, por estarem as empresas livres para terceirizar quaisquer de suas funções, com a premissa de economizar recursos, o número de demissões aumentará. Tal posição é encampada pela Juíza do Trabalho da 1ª Vara do Trabalho de São Leopoldo, Valdete Souto Severo.
Entre outras afirmativas, Valdete entende que a Lei 13.429/2017, especificamente:
De modo ainda mais direto, nega o direito fundamental à relação de emprego (artigo 7º, I), à irredutibilidade de salário (art. 7º, VI), às férias (art. 7º, XVII), à redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII), apenas para citar os exemplos mais óbvios. A intermediação de força de trabalho permite que as prestadoras se sucedam em contratos de um ou dois anos, fazendo com que concretamente os trabalhadores jamais fruam férias e possam ter o salário reduzido, a cada “nova” contratação. Estimula a potencialização dos riscos, bastando citar o exemplo da supressão da exigibilidade de um técnico em segurança do trabalho, em face da redução do número de empregados (contratados na forma prevista na ordem constitucional vigente), promovida pela terceirização em diferentes setores da mesma empresa. (Severo, 2017)
Quanto às relações de trabalho propriamente ditas, Paulo Garcia, Coordenador do Conselho de Relações do Trabalho e Previdência Social da FIERGS, entende que a permissão da terceirização irrestrita mudará a imagem que se tem acerca dos terceirizados, fundamentando sua posição com base na possibilidade de utilização pelos empregados terceirizados das mesmas dependências e serviços ambulatoriais do que os empregados diretos da empresa tomadora.
Por outro lado, a juíza Valdete alega que haverá maior distanciamento entre o empregado terceirizado e quem de fato se beneficia da sua força de trabalho, ao passo que o poder de controle dos terceirizados continua sendo da empresa prestadora de serviços. Além disso, declara que a relação pessoal de trabalho pode restar prejudicada, quando da sucessão de contratos das empresas prestadoras para com diferentes tomadoras. Havendo a mudança de empresas para quem são prestados os serviços, muitas vezes o empregado terceirizado acaba tendo dificuldade para tirar férias, já que a cada novo contrato começa a contar novamente o tempo.
Quanto ao alcance da legislação, e no que tange à autorização da terceirização de atividades-fim da empresa tomadora, há quem afirme que também se estendem à Administração Pública, tendo em vista que tanto a Lei 13.429/17, como a Lei 13.467/17, não excluem o poder público quanto ao cumprimento de seu regramento. Nesse sentido, Ângelo Costa, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, afirmou, à época da aprovação do PL 4.302/98:
O projeto em relação à terceirização é muito abrangente e dá margem para que este tipo de contratação seja feita nas mais variadas áreas do serviço público, o que é bastante preocupante. Este novo processo nas relações de trabalho do país pode abrir precedente perigoso no setor público, que pode sofrer ainda mais com a ineficiência. O Estado pode deixar de fazer concursos públicos e passar a contratar empresas prestadoras de serviço. Assim, funcionários que não terão direito algum à carreira, vão exercer funções dentro da máquina pública. (Costa, 2017)
Defendendo posição contrária, o juiz federal William Douglas afirma que a permissão da terceirização da atividade-fim, se ampliada à Administração Pública,torna o texto legal inconstitucional, “pois a constituição brasileira, no inciso segundo do artigo 37, prevê que o acesso ao funcionalismo deve ser feito através de seleção pública, com regras preestabelecidas.”. Com isso, alega que a permissão ferirá o princípio do procedimento licitatório por concurso público, demonstrando a inconstitucionalidade pontual da Lei 13.467/17.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, afirma, acerca da necessidade de procedimento licitatório para contratação da Administração Pública:
No âmbito da Administração Pública, os limites são muito maiores do que na empresa privada, porque, pela Constituição, o pessoal que compõe os quadros administrativos integra a categoria dos servidores públicos, os quais necessariamente ocupam cargo, empregos ou funções. Todos ingressam mediante concurso público de provas ou de provas e títulos (art. 37, II) com apenas duas ressalvas: uma que diz respeito aos cargos em comissão, de livre nomeação e execução; outra que concerne às contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
Demonstrando a divergência existente acerca do ponto, Istvan Kasznar, professor da Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, explana:
No setor público, temos uma série de funções que são desnecessárias. Temos uma enorme quantidade de empregos que já não condizem que a necessidade da população e que podem ser terceirizados. Porém, acredito, a questão em debate está muito mais focada no setor privado, mas as regras têm de ser claras para os dois lados. (Kasznar, 2017)
Fato é que não se sabe ao certo como se dará a aplicação das alterações legislativas das relações terceirizadas de trabalho no tocante à Administração Pública. Certeza, esta, que se dará apenas com o tempo, a partir da decisão dos tribunais superiores acerca do ponto.
Por fim, quanto aos setores atingidos, as pessoas contrárias à terceirização irrestrita afirmam que todos os trabalhadores serão atingidos e o número de terceirizações aumentará, por não haver limitação setorial na Lei 13.429/17. Isto, pois, na prática, o ordenamento jurídico agora permite às empresas terceirizar 100% do seu quadro funcional.
Por outro lado, Paulo Garcia e Vitor Koch entendem que, a partir da entrada em vigor da legislação de que se trata, não aumentará o número de terceirizações no Mercado de Trabalho, apenas se regulamentará a triangulação já existente em nosso país. Para justificar a posição, Paulo Garcia afirma que “... não é vantagem para uma empresa terceirizar 100% dos seus funcionários, já que paga seus impostos ao governo e ao contratar os serviços também acaba bancando os impostos da terceirizada.”
Nesse ponto, esclarece-se que, quando da publicação da Lei 13.429/17, não se tinha certeza acerca do alcance da triangulação de serviços, se poderia ou não se estender à totalidade das atividades da empresa contratante, o que era considerado o principal motivo de divergência.
Isto, pois a nova lei de terceirizações é omissa quanto à possibilidade de delegação das atividades-fim da empresa contratante, se limitando a afirmar que a contratação de prestação de serviços terceiros se daria para fins determinados e específicos. Como visto, a Lei da Reforma Trabalhista122 sanou tal omissão, ao afirmar especificamente que podem ser terceirizadas todas as atividades da empresa contratante.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, verifica-se que há divergência, tanto doutrinária quanto jurisprudencial, sobre a aplicação dos institutos trazidos pelas Leis 13.429/17 e 13.467/17 quanto à Terceirização de Serviços, de modo que caberá ao Poder Judiciário, responsável pela interpretação das normas jurídicas, o estabelecimento do seu alcance.
REFERÊNCIAS
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MARCELINO, Paula Regina. Afinal, o que é terceirização? Pegada, volume 8º, 2012, pag.57. 109 CNI – Confederação Nacional da Indústria. Sondagem Especial: Terceirização. Disponível em: https://static-cms-si.s3.amazonaws.com/media/filer_public/0d/f8/0df86911-4c29-4daa-877c- 37409063d3d1/sondespecial_terceirizacao_marco2017.pdf. Acesso em: 13/12/18.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho - 14. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2010. P. 78.
Especialistas dão motivos contra e a favor à nova Lei das Terceirizações. Diário Gaúcho, 2015. Disponível em <http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/dia-a-dia/noticia/2015/04/especialistas-dao- motivos-contra-e-a-favor-a-nova-lei-das-terceirizacoes-4746491.html>.
SEVERO, Valdete Souto. Após o golpe da terceirização, nada mais resta aos trabalhadores que não seja a luta. In: Revista Carta Capital, 2017. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/03/23/apos-o-golpe-da-terceirizacao-nada-mais-resta-aos- trabalhadores-que-nao-seja-luta/.
Especialistas dão motivos contra e a favor à nova Lei das Terceirizações. Diário Gaúcho, 2015. Disponível em <http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/dia-a-dia/noticia/2015/04/especialistas-dao- motivos-contra-e-a-favor-a-nova-lei-das-terceirizacoes-4746491.html>.
Lei abre brechas para terceirização no setor público e pode diminuir concursos. Disponível em: < https://extra.globo.com/noticias/economia/lei-abre-brechas-para-terceirizacao-no-setor-publico-pode- diminuir-concursos-21106669.html>.
DOUGLAS, William. In: Lei abre brechas para terceirização no setor público e pode diminuir concursos. Disponível em: < https://extra.globo.com/noticias/economia/lei-abre-brechas-para- terceirizacao-no-setor-publico-pode-diminuir-concursos-21106669.html>.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 1999, pg, 295.
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Impactos da Lei 13.429/2017 (antigo PL 4.302/1998) para os trabalhadores. DIEESE. Nota Técnica, nº 175, 2017: a Lei 13.429/17 exclui as empresas de vigilância e transporte de valores, masnnão deixa claro se as regras se estendem ou não ao setor público e ao trabalho doméstico. Esse vácuo normativo traz insegurança jurídica para empresas e trabalhadores e pode levar ao aumento da judicialização, caso não seja solucionado.
PLANALTO. Lei nº 13.429 de 31 de março de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm
PLANALTO. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>.