INTRODUÇÃO
Como expressão da atividade interpretativa, ao Poder Judiciário incumbe a criação da norma jurídica aplicável ao caso concreto, a partir do texto legal, sob a ideia de utilização da lógica do razoável, em detrimento da mera lógica formal aplicada no período anterior ao Neoconstitucionalismo.
Com o advento do Neopositivismo, em decorrência das barbáries ocorridas na Segunda Guerra Mundial, houve a necessidade de reaproximação da Moral e do Direito, com a maximização do papel do Poder Judiciário da concretização do direito objetivo para a garantia dos direitos subjetivos por ele postos.
A partir disso, com o advento de institutos novos, de difícil compreensão, como a recente regulamentação da Terceirização a partir do advento das Leis 13.429/17 e 13.467/17, a importância da atividade interpretativa do Estado-juiz é valorizada, como forma de garantir que a aplicação do Direito posto passe pelo crivo da compatibilidade material vertical com a Constituição e com as Convenções sobre Direitos Humanos de que o Brasil faz parte.
Nesse sentido, o intuito do presente artigo é analisar, por meio de um estudo de caso, o incipiente posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho acerca das recentes alterações legislativas promovidas quanto ao instituto da Terceirização de Serviços.
ESTUDO DE CASO.
Em recente julgamento de Embargos de Declaração nos autos do processo RR
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1144-53.2013.5.06.0004, lide inicialmente proposta por Natalia Gomes Da Silva em face de Itau Unibanco S.A. e Contax-Mobitel S/A, a SDI-I, Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais, do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, que, para os contratos de trabalho vigentes antes da entrada em vigor da Lei 13.429/2017, continuam a ser aplicados todos os preceitos da Súmula nº 331 da Corte Trabalhista.
Os Embargos foram interpostos pela segunda demandada em decorrência de julgamento de Recurso de Revista pela Terceira Turma do TST, o qual reconheceu a ilicitude da terceirização, por contrariedade à Súmula 331, I, do TST, reestabelecendo a Sentença do juízo de origem. Com isso, reconheceu-se o vínculo de emprego direto com o tomador de serviços, e se atribuiu às empresas reclamadas responsabilidade solidária pelos débitos trabalhistas, em decorrência da ilicitude da contratação terceira.
Na petição inicial, a reclamante Natália afirmou ter trabalhado em proveito do banco demandado, mesmo constando como empregador em sua CTPS a segunda reclamada. Para tanto, alegou a realização de diversas tarefas consideradas essenciais para a atividade bancária, tais como renegociação de dívidas, cobrança, controles, processamento, alteração, cálculo de encargos, parcelamento de faturas, vendas de cartão de crédito, alterações de limites, solicitação de segunda via de cartões, análise de reativação de clientes, desbloqueio de cartões, inclusão de dependentes, abertura de processo de fraude, venda de títulos de capitalização, alteração de beneficiários do título, vendas de seguros.
Nos embargos em análise, a segunda ré requereu manifestação da SDI-I em relação ao acréscimo trazido pelo art.4º- A, §2º, que afasta o vínculo de emprego de terceirizados, “qualquer que seja o seu ramo”, com a contratante dos serviços. Para a empresa, a nova lei “afasta qualquer ilação de ilicitude na terceirização dos serviços prestados” e “deve ser aplicada de imediato”, tendo em vista que a Súmula 331 “vigia no vazio da lei, vazio esse que não mais existe”.124
No julgamento dos Embargos, prestaram-se esclarecimentos acerca da matéria, ressaltando-se o entendimento já anteriormente firmado da Subseção, conforme trecho da decisão que segue125:
(...) No entanto, a despeito de o v. acórdão embargado não padecer de omissão, contradição, obscuridade ou de erro material, reputo necessário prestar alguns esclarecimentos, a fim de complementar a outorga da prestação jurisdicional.
Com efeito. De um lado, a meu juízo, a modificação legislativa introduzida com a entrada em vigor da Lei nº 13.429/2017, denominada Lei da Terceirização, geradora de profundo impacto perante a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho, no que alterou substancialmente a Lei nº 6.019/74, não se aplica às relações de emprego regidas e extintas sob a égide da lei velha, sob pena de afronta ao direito adquirido do empregado a condições de trabalho muito mais vantajosas.
De sorte que, no caso, por se tratar de contrato de trabalho celebrado e findo muito antes da entrada em vigor da Lei nº 13.429/2017, prevalece o entendimento jurisprudencial firmado à luz da Súmula nº 331, I, do TST, amparado, como sabemos, no antigo teor da Lei nº 6.019/74.
De outro lado, não subsiste a pretensão de sobrestamento do feito.
É bem verdade que, nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo nº 713211/MG, o Eg. Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 15/5/2014, reconheceu a Repercussão Geral do tema constitucional concernente à fixação de parâmetros para a identificação do que representa “atividade-fim”, para efeito de definir-se a licitude da terceirização.
Não obstante, daí não adveio qualquer determinação de sobrestamento da tramitação de processos que versem acerca da referida questão jurídica.
Em semelhantes circunstâncias, nem a entrada em vigor da Lei nº 13.429/2017, nem o reconhecimento de Repercussão Geral do tema versado no ARE nº 713211, no âmbito do Eg. STF, têm o condão de alterar o entendimento sufragado no v. acórdão ora embargado.
À vista do exposto, dou provimento aos embargos de declaração apenas para prestar os esclarecimentos constantes da fundamentação. (grifo nosso)
Com isso, a Máxima Corte trabalhista firmou entendimento de que as alterações trazidas pela Lei 13.429/17 - podendo-se entender o mesmo quanto à Lei da Reforma Trabalhista – somente se aplicam às relações de emprego regidas e extintas após a entrada em vigor da legislação em comento. Isto, pois as alterações em matéria de terceirização são normas de direito material, e, portanto, não são aplicadas de imediato, a contrário do que determina o Princípio da Aplicação de Imediata das Normas Processuais.126
Com efeito, quando a relação jurídica material já se findou e produziu todos os seus resultados sob a vigência da norma anterior, a norma a ser aplicada é a anterior.
Sobre o assunto, Roberto Dala Barba Filho 127 afirma que existem três circunstâncias: facta praeterita, facta pendentia e facta futura. A primeira diz respeito aos fatos pretéritos, que ocorreram ante do advento da nova lei, cujos efeitos foram inteiramente regulados pela lei antiga. A segunda, por sua vez, refere-se aos fatos cujos efeitos se projetam no tempo, regulando-se os efeitos anteriores de determinado fato pelo momento de sua constituição, ou seja, os fatos consumados antes do advento da lei nova pela lei antiga se regulam, e os posteriores pela lei posterior são regulados. Por último, os facta futura dizem respeito a fatos consumados inteiramente após a vigência da nova lei.
Nestes termos, o entendimento que surge é o de que a aplicação das Leis 13.429/17 e 13.467/17 – esta última no que tange às alterações à Terceirização de serviços -, por se tratar de aspectos de Direito Material, deve respeitar os institutos da coisa julgada, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido. Devem-se observar, por consequência, os fatos ocorridos antes da entrada em vigor da legislação.
Assim, o entendimento que se tem aplicado nos tribunais do trabalho é o dado pelo TST, isto é, continua-se aplicando o disposto na Súmula 331 para as reclamatórias trabalhistas ajuizadas antes da Lei nº 13.429/17.
O que se pode esperar quanto à efetiva aplicação do novo conceito de terceirização é de que não mais se utilizará a distinção entre atividade-meio e atividade-fim como forma de enquadrar como lícita ou ilícita a contratação dos serviços. Agora, verificar-se-ão com mais afinco as questões relacionadas ao vínculo de emprego e o preenchimento de seus requisitos, tratados no primeiro capítulo do presente trabalho. Isto é, continuarão ocorrendo terceirizações lícitas e ilícitas, porém agora não mais a ilicitude estará relacionada com a prestação de serviços se dar quanto às atividades finais da empresa. De forma contrária, a ilicitude pairará na caracterização do vínculo empregatício de forma direta com a tomadora de serviços, pelo preenchimento dos requisitos da relação de emprego, em especial do requisito da Subordinação Jurídica, posto que, todos os outros – onerosidade, não- eventualidade, pessoalidade e alteridade – já estão presentes na relação entre o empregado terceirizado e a empresa contratante em uma terceirização ordinária.
Em consequência da caracterização da ilicitude pela presença da Subordinação Jurídica do operário terceirizado à tomadora, a Justiça do Trabalho declarará fraude no contrato de terceirização e responsabilidade objetiva das empresas pelos débitos trabalhistas.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa tratou de um assunto complexo, há muito discutido e teorizado na prática jurídico-trabalhista brasileira: o alcance do instituto da terceirização nas relações jus laborais firmadas entre a empresa tomadora, a instituição prestadora de serviços especializados e o trabalhador terceirizado. A análise acerca da figura da triangulação de serviços tornou-se muito importante com as recentes alterações no direito trabalhista brasileiro, trazidas pela publicação das Leis nos 13.429/17 e 13.467/17.
Analisou-se o posicionamento do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho acerca da aplicação prática das alterações trazidas pelos referidos institutos normativos. Através do estudo de caso feito, verificou-se que as alterações trazidas pela Lei 13.429/17 - podendo-se entender o mesmo quanto à Lei da Reforma Trabalhista – somente se aplicam às relações de emprego regidas e extintas após a entrada em vigor da legislação em comento.
Concluiu-se, a partir disto, com relação à atuação do Poder Judiciário no combate à ilicitude da terceirização, que não mais se utilizará a distinção entre atividade-meio e atividade-fim como forma de enquadrar como lícita ou ilícita a contratação dos serviços. Por outro lado, verificar- se-ão com mais afinco as questões relacionadas ao vínculo de emprego e o preenchimento de seus requisitos, e que, portanto, se verificada a subordinação jurídica do empregado terceirizado à empresa tomadora dos serviços, a Justiça do Trabalho declarará fraude no contrato de terceirização e responsabilidade objetiva das empresas pelos débitos trabalhistas.
REFERÊNCIAS
TST: Lei da Terceirização não se aplica a contratos encerrados antes de sua vigência. Disponível em http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/id/24391817.
Disponível em: http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consulta=1&numeroInt=178609&anoIn t=2015.
Segundo o Princípio da Aplicação Imediata das Normas Processuais, a norma processual tem efeito prospectivo e imediato, alcançando processos em curso.
FILHO, Roberto Dala Barba apud MAGANO. Reforma Trabalhista e o direito material intertemporal do trabalho. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61219/reforma-trabalhista-e-direito- material-intertemporal-do-trabalho> .