Inventário Internacional 

09/05/2023 às 17:17
Leia nesta página:

Entenda como funciona o processo de inventário após a morte de um cônjuge: Saiba se é necessário abrir inventários em diferentes países para dividir bens de forma justa.

No artigo desta semana, vamos usar o exemplo do casal multinacional Olívia e Gusmão.

Olívia e Gusmão se casaram na Europa, no ínício de 2006. Construíram família e patrimônio em 3(três) países diferentes.   Em 2013, Gusmão sofreu um infarto fuminante e faleceu na Europa.

Olívia, ainda abalada, precisa regularizar os imóveis que estão em países diferentes, solicitar seguro de vida, transferir alguns investimentos e ainda decidir em qual países irá fixar residência com seus filhos. 

Por onde começar? 

Em caso de falecimento de um dos cônjuges, (no nosso exemplo Gusmão) será  necessário que Olívia providencie uma lista com todos os bens e investimentos do casal, com os valores e localização de cada um, possibilitando reunir os bens e dividi-los entre os herdeiros, seguindo a legislação aplicavel a cada aporte, imóvel ou investimento.

Se existirem bens no Brasil, é importante considerar a abertura de um inventário no Brasil e se existirem bens em outros países, deverá ser considerado a abertura de um inventário no país da localização dos bens. 

Então não existe resposta padrão? Não! 

Ao se tratar dos inventários, é comum que a legislação aplicável seja a do país em que o falecido (Gusmão) tinha seu domicílio, independentemente da localização dos bens e do processo do inventário. 

As decisões dos Tribunais brasileiros  de casos parecidos com o de Olívia (o falecido deixa bens em mais de um país) determinam que sejam feitos mais de um inventário: Um no Brasil e outro no país que está o imóvel. 

Todavia, não é tão simples assim! Há uma importante exceção a ser destacada:

 se o falecido for um estrangeiro com bens no Brasil e tiver cônjuge ou filhos brasileiros, a lei mais favorável em relação a esse inventário poderá  ser aplicada!

Como assim? Onde e qual lei aplica-se? 

O direito de herança, para casos em que não exista mais de um país envolvido,  está previsto no Código Civil Braileiro nos artigos 1.784 ao 2027 e no Código de Processo Civil Brasileiro nos artigos 982 ao 1102.

Mas, quando tratamos com situação envolvendo questãos internacionais, deve-se considerar outras leis brasileiras, além de Convenções e acordos internacionais.  

De qualquer forma,  vamos separar os precedimentos do exemplo de Olívia em duas perguntas:

1° Pergunta: Onde os bens móveis/imóveis, investimentos estão localizados? No nosso exemplo, Brasil e Europa.

2° Pergunta: Qual será a lei aplicada para o processamento do inventário?  Será a do país do ultimo domicilio de Gusmão?

Se a lei do ultimo domicilio de Gusmão prejudicar Olívia e seus fihos, o juíz poderá optar pela lei mais benéfica aos herdeiros!

Isso significa que, em casos de falecimento de um estrangeiro que deixou bens no Brasil e tinha cônjuge ou filho brasileiro, a lei mais benéfica em relação ao inventário poderá ser aplicada, seja a lei brasileira ou a do país de domicílio.  

A previsão legal está em uma lei especial, a Lei de Introdução as Normas de Direito Brasileiros, no art. 10: 

"Art. 10:  A sucessão por morte ou por ausência obedece a lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. 

§ 1º – A sucessão de bens. De estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. 

§ 2º – A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder."

Resumindo: Dependendo da situação, poderá ser escolhida entre a lei brasileira ou a lei do país de domicílio do cônjuge aquela que oferecer maiores vantagens para o cônjuge ou filho brasileiro envolvido no inventário.

Pesar da pluralidade jurisdição no plano internacional, há situações muito específicas nas quais o Brasil reconhece os bens situados no exterior diante da sucessão hereditária, na área tributária, por exemplo.

Existe a previsão do Imposto de Transmissão Causa Mortis quanto ao falecido no Brasil com bens situados no exterior, inclusive com decisões judiciais que são considerados e calculados o valor do tributo sobre  os bens no exterior  para a realização da partilha.

 Essa contradução é atacada por diversos autores, como a professora da Ana Luiza Maia Nevares: 

“Se os Tribunais Brasileiros, em regra, se comportam com indiferença em relação ao patrimônio do falecido situado no exterior, reconhecendo a pluralidade dos juízos sucessórios e, dessa forma, afirmando que o Brasil não tem competência para decidir sobre a transmissão sucessória de bens situados fora do Brasil, interpretando a contrário sensu a norma do artigo 23 do CPC, por qual razão lhe assistiria legitimidade para cobrar imposto de transmissão causa mortis sobre ditos bens? Ora, o referido tributo já será pago no país onde se situa o bem e, evidentemente, se aqui também é cobrado imposto da mesma natureza, estar-se-á diante de evidente caso de bitributação, que não se poderia admitir.” ( Revista Pensar, Fortaleza,  2019)

Também há casos da Justiça Brasileira homologar sentença estrangeira de inventário, realizando a partilha no território brasileiro, desde que reconheça que o resultado prático seria o mesmo do inventário realizado com a aplicação da legislação brasileira. 

O que percebe-se é que, diante de uma globalização cada vez maior, com  circulação de pessoas e bens pelo mundo, as sucessões hereditárias com elementos internacionais, como de Olívia,  são frequentes. 

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Os acordos internacionais são cada vez mais necessários, como o Regulamento (UE) nº 650/2012, que entrou em vigor em agosto de 2015 e facilitou as transmissões sucessórias transnacionais na Europa e União Europeia.

O objetivo dessa legislação é assegurar consistência no momento da transferência de herança, garantindo que apenas uma lei seja aplicada em casos de sucessão transnacional e que uma única autoridade seja responsável. 

O regulamento geralmente determina que a lei do país onde o falecido tinha residência habitual no momento de sua morte seja utilizada para regular a sucessão, mas também permite que o autor da herança escolha a lei que deseja que regule sua sucessão. 

Resumindo: Dependendo da situação, poderá ser escolhida entre a lei brasileira ou a lei do país de domicílio do cônjuge aquela que oferecer maiores vantagens para o cônjuge ou filho brasileiro envolvido no inventário.

Essa abordagem reflete a necessidade de um mundo globalizado, no qual o Direito Internacional desempenha um papel importante na criação de um sistema de justiça mais rápido e menos burocrático.

É fundamental destacar que a participação do cônjuge na herança e o percentual que ele terá direito a receber também  são afetados pela existência de outros herdeiros e pelo regime de bens que regulou o casamento de Olívia e Gusmão.

Estamos diante de uma verdadeira "engenharia sucessória", com multiplos fatores a serem considerados.  

Não arrisque seus negócios e questões pessoais envolvendo diferentes países sem o apoio de um advogado especializado em direito internacional.  Com a experiência e conhecimento necessário, este especialista pode ajudar a lidar com questões complexas de forma eficaz. 

Nas nossas redes sociais temos diversos artigos e dicas sobre direito de família internacional (divórcio, casamento, pensão alimentícia em euro/dólar, partilha de bens, guarda de menores, herança, inventário com bens no exterior, imigração, cidadania, etc.).

Referencia Bibliográficas:

Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. 

Revista Pensar, v.24, n.02, Fortaleza,  2019.

*Nota: As informações fornecidas são genéricas e não poderão ser considerada uma consultoria jurídica ou vir a vincular o advogado ao leitor. Recomenda-se que eventuais litígios ou casos particulares sejam analisadas por profissional habilitado e especializado, pois circunstâncias peculiares de cada podem implicar em alterações das legislações aplicáveis.

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Sobre a autora
Sofia Jacob

Advogada atuante desde 2008 nas áreas de direito internacional, contratos, imobiliário e ambiental. Especialista em Divórcio Internacional e inventário. Atendimento a brasileiros e estrangeiros (inglês e francês). MBA Internacional em Gestão Ambiental pela UFPR. Curso de Contratos Internacionais pela Harvard Law School: Relationship of Contracts to Agency, Partnership, Corporations. Curso de Produtividade, gestão do tempo e propósito pela PUC/RS. Autora de artigos jurídicos premiados. 3 E-books publicados. Advogada indicada pelo Consulado do Brasil em Los Angeles/ EUA. Contatos: [email protected] WhatsApp +55 41992069378

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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