O abandono afetivo e a Responsabilidade Civil

Resumo:

RESUMO



  • O artigo aborda a responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo de seus filhos, com base na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

  • A evolução da sociedade trouxe mudanças no conceito de família, incluindo a responsabilização dos pais por abandono afetivo, tema relevante e polêmico.

  • Existem correntes jurídicas divergentes sobre a possibilidade de indenização por abandono afetivo, sendo a jurisprudência ainda não pacificada sobre o assunto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

O presente artigo tem como principal objetivo estudar e analisar a responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo de seus filhos. Para que o estudo seja possível será abordado princípios fundamentais referentes às crianças e adolescentes previstos na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, além dos Direitos Humanos.

Palavras-chave: Abandono Afetivo; Responsabilidade Civil; Genitor.

INTRODUÇÃO 

Atualmente, a Constituição Federal asseverar a criança e ao adolescente, com absoluta preferência o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Devido a evolução constante da sociedade, o conceito de família passou por diversas mudanças e transformações, um dos aspectos novos da base familiar é a responsabilização dos pais por abandono afetivo.

O tema em questão possui uma grande relevância social em estudo é bastante polêmico devido a corrente de juristas que defendem a possibilidade de responsabilizar os pais por abandonarem afetivamente seus filhos e, como consequência seja aplicada uma indenização para reparar os danos.

A corrente mencionada fala que em caso de descaso moral, psicológico e humano poderia ser considerado um ilícito civil previsto no artigo 186 do Código Civil de 2002 ou um caso de perda do pátrio poder previsto no art. 1638 do referido código. Entendem ser possível a existência de danos morais nas relações familiares, pois entendem que o art. 5,º V e X da CF e artigos 186 e 927 do CC/2002 tratam do tema de maneira ampla e irrestrita, podendo regular inclusive as relações no âmbito familiar.

Já ao visualizar um outro lado, existe ainda uma corrente em que essa possibilidade não é aceita, visto que o amor não é uma mercadoria, algo que se compre.

Vale ressaltar que, nos dias atuais, através do princípio da dignidade da pessoa humana, muitos filhos estão buscando o Poder Judiciário, com o intuito de serem reparados civilmente por seus genitores pelo dano psíquico causado pela privação do afeto e do convívio na sua formação.

ANÁLISE SOBRE O CONCEITO DE FAMÍLIA PARA O ORDENAMENTO JURÍDICO 

A família, sem dúvidas, é a base da sociedade e é justamente por isso que ela possui uma proteção especial do Estado.

A mesma é considerada como o local que sua personalidade é desenvolvida, a sua base, seu alicerce.

A Constituição Federal da República Brasileira (1988, p.1) conceitua família em seu art. 226, a saber: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

De acordo com Minuchin (1985, 1988), a família é um complexo sistema de organização, com crenças, valores e práticas desenvolvidas ligadas diretamente às transformações da sociedade, em busca da melhor adaptação possível para a sobrevivência de seus membros e da instituição como um todo.

 Rolf Madaleno (2015, p.36) traz um importante comentário sobre as mudanças ocorridas no conceito tradicional de família:

A família matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, institucional vista como unidade de produção cedeu lugar para uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumental.

Já para Georges Duby (apud Ariès, 1981):

Na realidade, a família é o primeiro refúgio em que o indivíduo ameaçado se protege durante os períodos de enfraquecimento do Estado. Mas assim que as instituições políticas lhe oferecem garantias sufi cientes, ele se esquiva da opressão da família e os laços de sangue se afrouxam. A história da linhagem é uma sucessão de contrações e distensões, cujo ritmo sofre as modifi cações da ordem política.

 

Conforme Paulo Lôbo: 

Sob o ponto de vista do direito, a família é feita de duas estruturas associadas: os vínculos e os grupos. Há três sortes de vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vínculos de sangue, vínculos de direito e vínculos de afetividade. A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram: grupo conjugal, grupo parental (pais e filhos), grupos secundários (outros parentes e afins).

Conforme os arts. 226, § 3º a 5º e 227, §6º, in verbis:

Art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado (...)

§3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos igualmente pelo homem e pela mulher

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...)

§6º Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Podemos dizer que, a família é importante para cada ser, tanto pela socialização, de busca coletiva de estratégias de sobrevivência, local para o exercício da cidadania, possibilidade para o desenvolvimento individual e grupal de seus membros, independentemente dos arranjos apresentados ou das novas estruturas que vêm se formando. Sua dinâmica é própria, afetada tanto pelo desenvolvimento de seu ciclo vital, como pelas políticas econômicas e sociais (Carter & McGoldrick, 1995; Ferrari & Kaloustian, 2004).

Além disso, a Carta Magna, menciona que são explícitas como entidades familiares os seguintes modelos: casamento (art. 226 § 1º e § 2º, CF), união estável (art. 226 § 3º, CF) e família monoparental (art. 226 § 4º, CF), os quais serão tratados individualmente neste estudo.

RESPONSABILIDADE CIVIL 

A responsabilidade civil está prevista no Código Civil no Título IX, do art. 927 ao 954, podendo ainda ser vista em outros dispositivos já que é algo preciso também em outros direitos.

Conforme, Rizzardo (2015, s.p) diz que:

A bem da verdade, necessário observar que, ao longo do Código Civil, em quaisquer institutos jurídicos encontram-se dispositivos que repercutem na responsabilidade civil. Desde o momento em que se estabelecem regras sobre a totalidade dos campos da conduta, das relações, dos bens e das atividades humanas, está aplicando-se o instituto em questão. Em todos os campos do direito estão inseridos direitos e obrigações, daí decorrendo a imposição para o devido cumprimento e as consequências reparatórias ou ressarcitórias se não honradas as manifestações de vontade.

Diniz (2015) menciona que:

A responsabilidade civil é, indubitavelmente, um dos temas mais palpitantes e problemáticos da atualidade jurídica, ante sua surpreendente expansão no direito moderno e seus reflexos nas atividades humanas, contratuais e extracontratuais, e no prodigioso avanço tecnológico, que impulsiona o progresso material, gerador de utilidades e de enormes perigos à integridade da vida humana.

Gagliano; Pamplona (2018, p. 60), mencionam que a responsabilidade é:

A noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar). Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas.

Percebemos através dos conceitos que foram trazidos, a responsabilidade civil é uma obrigação que obriga a pessoa que causa algum dano a um outro a reparar o prejuízo que foi causado.

Pode-se dizer ainda, que a responsabilidade civil é subdividida em outras espécies: a contratual e a extracontratual; objetiva e subjetiva; direta e indireta.

No campo do direito contratual, temos o art. 398 do Código Civil que diz:

Não cumprida à obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização momentária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogados.

Já na ótica extracontratual, a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado decorre do art. 927 do Código Civil que diz:

Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187 CC), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

De acordo com Rizzardo:

Antiga divisão da responsabilidade é a que a distingue em contratual e extracontratual, conforme deriva de um contrato ou da mera conduta culposa. Na primeira, dá-se a infração de um dever contratual, enquanto na segunda a violação deriva da desobediência a um dever legal. [...] Em outra diferenciação, a responsabilidade extracontratual deriva da lei, ou do dever de não lesar neminem laedere [...]; a contratual tem sua causa na convenção, ou nas cláusulas contratuais.

É importante ainda diferenciar teoria subjetiva e objetiva. De acordo com Gonçalves (2018, p. 20) diz o seguinte: 

A teoria clássica, também chamada de teoria da culpa ou subjetiva, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Não havendo culpa, não há responsabilidade. Diz-se, pois, ser subjetiva a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa (em sentido lato, abrangendo o dolo ou a culpa em sentido estrito) passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido independentemente de culpa. Quando isso acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou objetiva, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Essa teoria, dita objetiva ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. A classificação corrente e tradicional, pois, denomina objetiva a responsabilidade que independe de culpa.

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Diz ainda que se posiciona da seguinte forma: 

O Código Civil brasileiro filiou-se à teoria subjetiva. É o que se pode verificar no art. 186, que erigiu o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano. A responsabilidade subjetiva subsiste como regra necessária, sem prejuízo da adoção da responsabilidade objetiva, em dispositivos vários e esparsos. 

Por último, a responsabilidade civil é ainda dividida em direta ou indireta. A direita é quando o próprio sujeito que cometeu o dano paga e responde pela sua conduta, sendo essa a regra.

Art. 927 parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Já a indireta é quando um terceiro responde pelo ato danoso do autor do autor da conduta, isto é, por uma previsão legal, o terceiro que não é o causador do dano, responde pela conduta danosa de outrem. Pode-se citar como exemplo o art. 932 do Código Civil de 2002: 

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Cera (2010) posicionou-se sobre o inciso IV e V do artigo supracitado, afirmando que: 

A responsabilidade civil direta, também chamada de simples ou por ato próprio, é aquela que o agente do dano é o responsável por sua reparação. Deriva de fato causado diretamente pelo agente que gerou o dano. A responsabilidade civil indireta ou complexa ocorre quando o responsável pela reparação do dano é pessoa distinta da causadora direta da lesão. É a que decorre de ato de terceiro, com o qual o agente tem vínculo legal de responsabilidade, além das situações de fato de animal ou fato da coisa.

Sílvio Venosa ensina que “se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na ideia de culpa”.

ABANDONO AFETIVO

Sabe-se que o dever dado aos pais é oferecer afeto, amor, carinho e educação aos filhos. Exatamente por isso o abandono é algo tão reprovável no âmbito jurídico.

De acordo Gonçalves (2015, p. 28 e 29): 

Os filhos que não precediam de justas núpcias, mas de relações extramatrimoniais, eram classificados como ilegítimos e não tinham sua filiação assegurada pela lei, podendo ser naturais e espúrios. Os primeiros eram os que nasciam de homem e mulher entre os quais não haviam impedimento matrimonial. Os espúrios eram os nascidos de pais impedidos de se casar entre si em decorrência de parentesco, afinidade ou casamento anterior e se dividiam em adulterinos e incestuosos. Somente os filhos naturais podiam ser reconhecidos, embora apenas os legitimados pelo casamento dos pais, após sua concepção ou nascimento, fossem em tudo equiparados aos legítimos (art. 352).

Já conforme Dias (2015, p. 40):   

Sempre que se pensa em família ainda vem à mente o modelo convencional: um homem e uma mulher unidos pelo casamento, com o dever de gerar filhos. Mas essa realidade mudou. Hoje, todos já estão acostumados com famílias recompostas, monoparentais, homoafetivas permite reconhecer que seu conceito se pluralizou. 

O Código Civil de 2002 em seu art. 1.634 menciona sobre os deveres dos genitores em relação aos seus filhos. Vejamos: 

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I  dirigir-lhes a criação e educação;

II  tê-los em sua companhia e guarda;

III  conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV  nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V  representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI  reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII  exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Pode-se o que foi mencionado, os pais possuem um dever importantíssimo de educar e criar seus filhos. Caso tenha ausência de um desses deveres ocorre o abandono afetivo.

A ausência de carinho na primeira infância da criança ou na sua formação básica é fator gerador de diversos tipos de danos, ocasionando, por exemplo, quadros de depressão, ansiedade, dentre outros.

De acordo com a psicóloga Thais Delboni: “É na chamada primeira infância – a qual compreende as idades entre o nascimento e os 6 anos de idade – que um bom relacionamento afetivo é fundamento, pois é nesse período das nossas vidas que estruturamos o que serão os alicerces da nossa personalidade. Assim, o afecto recebido e trocado ajudar-nos-á a consolidar sentimentos como o amor, a segurança emocional, a compaixão, a amizade, e valores como a solidariedade, a lealdade, etc., “aprendendo” deste modo a ser pessoas mais tranquilas serenas e felizes.”

De acordo com Hironaka o abandono afetivo é:

A omissão dos pais, ou de um deles, pelo menos relativamente ao dever de educação, entendido este na sua acepção mais ampla, permeado de afeto, carinho, atenção, desvelo. 

Ao se falar sobre responsabilidade exercida dos pais abandonarem os filhos, como já mencionado, gera várias opiniões, algumas delas diferentes e contraditórias. Alguns doutrinadores defendem que existe a possibilidade de indenização em casos de abandono afetivo, e outros afirmam que não existe.

Karow (2012, p. 294) faz um breve comentário sobre os danos: 

A análise da existência desse dano é possível através de ciências afins como psiquiatria e a psicologia, pois as feridas causadas na alma, pela ausência da figura do genitor (a) geram danos muitas vezes irremediáveis e insuperáveis na personalidade de cada ser. [...] Nesse caso, somente quem foi abandonado emocionalmente sabe as psicopatias e desestruturas emocionais vivenciadas pela figura daquele que tanta falta lhe fez. 

Costa cita que: 

O abandono afetivo é tão prejudicial quanto o abandono material. Ou mais. A carência material pode ser superada com muito trabalho, muita dedicação do genitor que preserve a guarda do infante, mas a carência de afeto corrói princípios, se estes não estão seguramente distintos na percepção da criança. É o afeto que delineia o caráter e, como é passível de entendimento coletivo, é a família estruturada que representa a base da sociedade. É comumente a falta de estrutura que conduz os homens aos desatinos criminosos, ao desequilíbrio social. Não que seja de extrema importância manter os pais dentro de casa, ou obrigá-los a amar ou a ter envolvimento afetivo contra sua própria natureza, mas é de fundamental valoração a manutenção dos vínculos com os filhos e a sua ausência pode desencadear prejuízos muitas vezes irreparáveis ao ser humano em constituição.

Completa ainda que: 

A maior parte dos comportamentos do ser humano é adquirida, ou seja, algumas poucas atitudes são provenientes de traços da própria personalidade, enquanto a maioria é construída ao longo da vida, quando o ser humano tem contato com pessoas, objetos e conhecimento, seja este teórico ou empírico. Traumas e maus tratos, mais precisamente o trauma de abandono afetivo parental, imprimem uma marca indelével no comportamento da criança ou do adolescente. É uma espera por alguém que nunca vem, é um aniversário sem um telefonema, são dias dos pais/mães em escolas sem a presença significativa deles, são anos sem contato algum, é a mais absoluta indiferença; podem-se relatar inúmeras formas de abandono moral e afetivo, e ainda assim, o ser humano continuará criando novas modalidades de traumas e vinganças pessoais, próprias de sua vida desprovida de perspectivas e responsabilidades. 

Já sobre a possibilidade da indenização, a jurisprudência não está pacificada quanto isso, vejamos: 

EMENTA: INDENIZAÇÃO. Danos morais. Abandono afetivo. Filho que afirma ter sofrido graves transtornos psicológicos ante a falta da figura paterna. Ordenamento jurídico que não prevê a obrigatoriedade do pai em amar seu filho. Recurso desprovido.(Brasil. Tribunal de Justiça do estado de São Paulo. Apelação Cível nº 9199720772009826 SP 9199720-77.2009.8.26.0000. , 4ª Câmara de Direito Privado. Relator: Teixeira Leite. São Paulo, SP, data de Julgamento: 16/02/2012, data de Publicação: 24/02/2012).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE VISITA PATERNA COM CONVERSÃO EM INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. A paternidade pressupõe a manifestação natural e espontânea de afetividade, convivência, proteção, amor e respeito entre pais e filhos, não havendo previsão legal para obrigar o pai visitar o filho ou manter laços de afetividade com o mesmo. Também não há ilicitude na conduta do genitor, mesmo desprovida de amparo moral, que enseje dever de indenizar. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70044341360. Sétima Câmara Cível. Relator: André Luiz Planella Villarinho. Porto Alegre, RS, data de Julgamento: 23/11/201, data de Publicação: 28/11/2011).

Avaliação da possibilidade de responsabilização por abandono afetivo pelo STJ:

SÃO PAULO - A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou um pai a indenizar em R$ 200 mil a filha por "abandono afetivo". A decisão é inédita. Em 2005, a Quarta Turma do STJ havia rejeitado indenização por dano moral por abandono afetivo.

O caso julgado é de São Paulo. A autora obteve reconhecimento judicial de paternidade e entrou com ação contra o pai por ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência. O juiz de primeira instância julgou o pedido improcedente e atribuiu o distanciamento do pai a um "comportamento agressivo" da mãe dela em relação ao pai. A mulher apelou à segunda instância e afirmou que o pai era "abastado e próspero". O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e fixou a indenização em R$ 415 mil.

No recurso ao STJ, o pai alegou que não houve abandono e, mesmo que tivesse feito isso, não haveria ilícito a ser indenizável e a única punição possível pela falta com as obrigações paternas seria a perda do poder familiar.

A ministra ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma, no entando, entendeu que é possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. "Amar é faculdade, cuidar é dever", afirmou ela na sentença. Para ela, não há motivo para tratar os danos das relações familiares de forma diferente de outros danos 32 civis.

"Muitos, calcados em axiomas que se focam na existência de singularidades na relação familiar - sentimentos e emoções -, negam a possibilidade de se indenizar ou compensar os danos decorrentes do descumprimento das obrigações parentais a que estão sujeitos os genitores", afirmou a ministra. "Contudo, não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família".

A ministra ressaltou que nas relações familiares o dano moral pode envolver questões subjetivas, como afetividade, mágoa ou amor, tornando difícil a identificação dos elementos que tradicionalmente compõem o dano moral indenizável: dano, culpa do autor e nexo causal. Porém, entendeu que a paternidade traz vínculo objetivo, com previsões legais e constitucionais de obrigações mínimas.

"Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos", argumentou a ministra.

No caso analisado, a ministra ressaltou que a filha superou as dificuldades sentimentais ocasionadas pelo tratamento como "filha de segunda classe", sem que fossem oferecidas as mesmas condições de desenvolvimento dadas aos filhos posteriores, mesmo diante da "evidente" presunção de paternidade e até depois de seu reconhecimento judicial.

Alcançou inserção profissional, constituiu família e filhos e conseguiu "crescer com razoável prumo". Porém, os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna perduraram, caracterizando o dano. O valor de indenização estabelecido pelo TJSP, porém, foi considerado alto pelo STJ, que reduziu a R$ 200 mil, valor que deve ser atualizado a partir de 26 de novembro de 2008, data do julgamento pelo tribunal paulista.

A nossa Constituição Federal em seu artigo 5°, X e V, acolhe o dano moral como uma forma de indenização, assim como o dano moral. Vejamos: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. [...] 

Verifica-se, portanto, que em alguns casos é sim possível que haja indenização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A Responsabilidade Civil deve seguir os fundamentos do direito comum, o dano praticado por qualquer sujeito de direito contra outro, deve ser reparado de alguma forma, independente de que espécie ele seja, se estiver dentro dos elementos jurídicos citados neste contexto.

No presente artigo, buscou-se demonstrar sobre o abandono afetivo, trazendo conceitos e a possibilidade de sua responsabilidade civil nas relações familiares.

Primeiramente foi abordado alguns conceitos sobre família, e que a mesma representa o espaço de socialização onde o ente cresce e cria sua personalidade através desse meio.

Além disso, analisou-se vários conceitos e elementos da responsabilidade civil, verificou-se que, com o advento da Constituição Federal de 1988, deslocou-se o foco da reparabilidade dos danos do agente para vítima.

REFERÊNCIAS 

 Ariès P, Duby G. História da vida privada: do Império Romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras; 1990.

CARTER, B.; McGOLDRICK, M. (Col.). As mudanças no ciclo de vida familiar uma estrutura para a terapia familiar. In: CARTER, B.; McGOLDRICK, 134 TÂNIA GRACY MARTINS DO VALLE (ORG.) M. (Orgs.). As mudanças no ciclo de vida familiar. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, p.7-29, 1995.

CERA, Cistina Mantovani. O que se entende por responsabilidade civil indireta? Disponível em: https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2460770/o-que-se-entende-porresponsabilidade-civil-indireta-denise-cristina-mantovani-cera. Acesso em: 01/03/22

COSTA, Walkyria Carvalho Nunes. Abandono afetivo parental: a traição do dever do apoio moral. Disponível em . Acesso em 07.03.22

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Volume 5. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de família. Vol. 6. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: Direito das Obrigações - volume 6 Responsabilidade Civil. 15ª edição. Coleção Sinopses Jurídicas. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

HIRONAKA, Giselda. Responsabilidade civil na relação paterno-filial. Disponível em http://jus.com.br/artigos/4192/responsabilidade-civil-na-relacao-paterno-filial/2. Acesso em 29/02/22.

KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MINUCHIN, P. Families and individual development: provocations from the field of family therapy. Child Development, v. 56, p.289-302, 1985.

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 13ª Edição. São Paulo. Atlas. 2013

REIS, Júnia Fraga. Responsabilidade Civil Por Abandono Afetivo: o verdadeiro valor do afeto na relação entre pais e filhos, 2010. Artigo (Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito) - Universidade Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul, 2002. Disponível em: . Acesso em: 01.05.22

DELBONI, Thais; A importância do Amor na Primeira Infância; Disponível em: <>Acesso em: 12/11/2016

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