Delito: aspectos fundamentais e formas de prevenção

Lindon Jonhson Dias da Silva
Caio Raphael Campos
Hanna Figueiredo Cavalcante
Luiz Henrique Xavier Cruz
09/05/2023 às 17:02
Leia nesta página:

RESUMO: A criminologia possui papel fundamental na compreensão do indivíduo e da sociedade, bem como do crime em si e das suas consequências. Desse modo, a partir de uma visão crítica, buscou-se entender os modelos de prevenção existentes e a sua aplicação no contexto fático do Estado Democrático de Direito, de modo a compreender os fatores que levam ao cometimento de um delito e as maneiras de evitá-lo. O método adotado no desenvolvimento da pesquisa é de caráter dedutivo, sendo utilizada a metodologia documental, amparada pelo uso de obras bibliográficas, a partir da análise de revistas e textos doutrinários relevantes ao estudo da prevenção criminal. Desse modo, observou-se que prevenção é um conjunto de medidas que, praticadas em caráter antecipado, evitam que determinado mal aconteça. Há, então, a prevenção primária, que se direciona aos fatores que induzem a prática de um crime, incidindo sobre os agentes socioeconômicos que influenciam diretamente o contexto social. A prevenção secundária é formada da incidência em grupos sociais previamente mapeados a partir de fatores criminológicos e que indicam maior propensão à prática delituosa. A prevenção terciária, por sua vez, é caracterizada pela aplicação de medidas de ressocialização do indivíduo, buscando a prevenção da reincidência criminosa. Além disso, devem ser mencionados os modelos de reação social, que se desdobram no modelo dissuasório, ressocializador e restaurador. A partir da análise objetiva das espécies preventivas, é possível inferir que as medidas indiretas geram maior efeito positivo, quando comparadas às formas diretas de prevenção. Isso porque aquelas eliminam as causas do comportamento delitivo e, consequentemente, cessam os seus efeitos, evitando, pois, a ocorrência do crime e todas as consequências punitivas advindas do sistema carcerário que não contribuam efetivamente com a ressocialização do preso. Para mais, o próprio meio preventivo se baseia no ajustamento do desequilíbrio social, de forma a garantir o acesso a políticas públicas essenciais e condições de dignidade humana ao propenso criminoso.

Palavras-Chave: Criminologia. Delito. Prevenção Criminal. Sociedade.

1. INTRODUÇÃO

A prevenção é matéria estudada no âmbito da Ciência Criminológica que trata sobre algumas maneiras de se evitar a ocorrência da prática delituosa. Posto isso, o estudo da prevenção pode ser visto à luz da criminologia moderna a partir de três espécies: primária, secundária e terciária. Cada uma dessas será trabalhada de maneira a expor as medidas caracterizadoras de seus tipos preventivos, seja a partir de uma abordagem indireta, por meio da implementação de políticas públicas; seja por meio da aplicação de medidas de punição e ressocialização diretamente voltados para o indivíduo criminoso.

Ademais, a prevenção será relatada a partir da visão do Direito Penal, podendo se dividir em geral e especial, negativa e positiva, sempre analisando o contexto fático e objetivo por trás do estudo e sua influência no contexto social e de segurança pública. Tem-se, ainda, a figura da justiça restaurativa, procedimento novo de reintegração social do ofendido e ofensor, buscando a mediação e conciliação entre as partes no âmbito penal a fim de se resolver o conflito instaurado.

Por fim, nota-se imprescindível a análise da matéria sob a ótica da polarização política, tendo como base diversos pontos, dos quais se destacam as políticas públicas adeptas ao posicionamento discutido, a visão da sociedade sobre o cidadão enquanto criminoso, as formas de tratamento a determinados delitos, dentre outros.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 As três formas de prevenção criminal: primária, secundária e terciária

A prevenção pode ser conceituada como um conjunto de medidas que, praticadas em caráter antecipado, evitam que determinado mal aconteça. Nesse cenário, o “mal” é o delito ou crime cometido, que decorre de uma série de falhas estruturais, geralmente decorrentes de fatores socioeconômicos. Antigamente, quando se falava em crime, o pensamento guiado pela criminologia clássica relacionava-o a uma espécie de ofensa à sociedade (bem) pelo criminoso (mal). No entanto, esse pensamento foi modificado, e atualmente, com a criminologia moderna, o delito é visto como um ato complexo, resultado de atos em cadeia, sendo um “ato complexo em que os custos da reação social também são demarcados” (PENTEADO FILHO, 2012).

Já quando se fala em prevenção criminal, as atividades praticadas visam evitar que um delito ocorra. Todavia, é importante ressaltar que há diferença entre a prevenção da criminologia e a prevenção do Direito Penal, uma vez que essa se divide em geral e especial, e aquela em prevenção primária, secundária e terciária.

A prevenção primária se direciona ao cerne da questão envolvendo o crime, observando os fatores ou as situações que induzem a sua prática. Analisam-se aqui, os agentes socioeconômicos que atuam diretamente no contexto social:

A prevenção primária consiste na forma mais eficaz de prevenir o cometimento de crimes, uma vez que ela age antes do seu nascedouro, operando-se uma planejada realização de políticas públicas. É sabido que países mais desenvolvidos, como Suécia, Suíça e Japão, possuem um viés de implementação de políticas públicas muito acentuado, em que o Estado é responsável em prover todas as necessidades básicas (direitos sociais) dos seus cidadãos. Não havendo a falta de direitos elementares, o cidadão não se sente motivado a cometer crimes para ter saúde (hospital), educação (escola) e segurança pública (policiamento). Ele já tem isso só pelo fato de ser cidadão, sendo tal fator suficiente para ter-se o mínimo existencial (GONZAGA, 2018, p. 205).

Desse modo, faz-se necessária uma postura ativa do Estado, devendo este realizar prestações positivas voltadas às áreas sociais defasadas, de forma a impedir que tais fatores induzam os indivíduos a praticar delitos. Trata-se de uma ação indireta de longo prazo que deve ocorrer nas áreas sociais, por meio do enfrentamento de fatores subjetivos (tais como miséria e desemprego) e de políticas públicas efetivas.

Tem-se como exemplo de prevenção primária do delito o Programa “Fica Vivo”, realizado em várias cidades brasileiras. O projeto em questão foi criado pela Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais (SEDS/MG) no ano de 2003 e a sua atuação se dá em áreas carentes com altos índices de homicídios e violência, com o precípuo objetivo de modificar o cenário de criminalidade. Nesse sentido, o Instituto elo, na sua 3ª Edição da Revista “prevenção em rede 03 no ar” (revista digital da Política de Prevenção Social à Criminalidade de Minas Gerais), noticiou que:

[...] desde então o programa já foi citado como uma das experiências brasileiras de enfrentamento à violência mais bem institucionalizadas, em relatório do Programa de Redução da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens, e, em 2006, foi escolhido como um dos 48 finalistas do Prêmio Global de Excelência de Melhores Práticas para a Melhoria do Ambiente de Vida, criado pelo Centro da Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-Habitat) (p .07).

Já no que diz respeito à prevenção secundária do delito, entende-se que ela “destina-se a setores da sociedade que podem vir a padecer do problema criminal e não ao indivíduo, manifestando-se a curto e médio prazo de maneira seletiva, ligando-se à ação policial, programas de apoio, controle das comunicações, etc.” (PENTEADO FILHO, 2012, p. 139).

Essa modalidade é tida como menos efetiva, uma vez que é aplicada após a consumação do crime. O combate é realizado no local do ocorrido, caracterizados, em sua maioria, como ambientes desfavorecidos econômica e socialmente, a exemplo das periferias. Ademais, a delinquência nessas regiões é, em grande parte, para provimento da subsistência, exemplificada por crimes contra o patrimônio, principalmente furtos.

Nesta prevenção, a autoridade policial é forte e atuante, com especial direcionamento para os focos de criminalidade. Justifica-se, assim, a criação de equipes especiais de policiamento - particularizadas para “focos” específicos. No contexto, “esse tipo de política de atuação amealha muito mais votos do que a prevenção primária, pois ela permite uma falsa sensação de segurança quando se tem policiamento nas ruas e nos focos de criminalidade” (GONZAGA, 2018, p. 206-207).

Ainda no assunto da relação entre o modelo em discussão e o contexto eleitoreiro alhures citado, pontua-se acerca do impacto que os discursos sobre segurança pública causam no panorama político:

Não é com outra razão que muitos políticos são eleitos porque levantam a bandeira da segurança pública. Até mesmo aqueles que não possuem legitimidade constitucional para fazer leis penais, como Vereadores e Deputados Estaduais, são eleitos quando bradam aos quatro cantos que o compromisso primordial é com o combate ao crime e com a elaboração de leis penais mais duras. Ora, é sabido que para fazer leis penais é necessário estar no Congresso Nacional, seja como Deputado Federal, seja como Senador. Todavia, o povo não tem esse conhecimento da Constituição Federal para a competência legislativa, sendo suficiente para a eleição de certos políticos o discurso emocional e com bravatas (GONZAGA, 2018, p. 206-207).

O cenário em que o forte policiamento é exibido como principal solução para a criminalidade demonstra que “a sociedade perdeu a luta contra o crime, que nasceu nos grotões de pobreza exatamente pela falta de implementação de políticas públicas” (GONZAGA, 2018, p. 207).

Então, após a ineficiência das políticas públicas (prevenção primária) sob o ponto de vista de combater a prática de crimes, bem como não tendo sido possível combater os focos de criminalidade (prevenção secundária), resta ao Estado atuar sobre a figura do criminoso, buscando “[...] as melhores formas de impedir que ele volte a delinquir, seja por meio de sua neutralização numa penitenciária, seja por métodos mais eficazes de ressocialização, como a já aplicada remição pelo estudo” (GONZAGA, 2018, p. 208).

Nesse sentido, “remir” significa resgatar, adquirir de novo, reabilitar-se. Observa-se que o próprio significado do verbo “remir”, derivado da palavra “remição”, traz a ideia de uma reinserção social do indivíduo, por meio de ações que possibilitem sua ressocialização, de modo que se afaste de possíveis condutas delituosas futuras, o que é benéfico para toda a sociedade. Esse é o foco da prevenção terciária do delito (FERREIRA, 2010).

Apesar de ser uma forma de prevenção que demonstra a falha no combate ao crime, ela é de extrema relevância para a sociedade, considerando que não há previsão no ordenamento jurídico brasileiro de pena de prisão perpétua ou pena de morte e que, conforme o art. 75 do Código Penal (CP), alterado pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), “o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.” É dizer: o indivíduo que comete um delito e é punido com uma pena privativa de liberdade em algum momento retornará ao convívio social, devendo ser garantida uma mínima segurança para a sociedade de que ele não voltará a praticar crimes.

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Voltada, então, à recuperação ou reeducação do delinquente, evitando a sua reincidência, a prevenção terciária realiza-se por meio de medidas socioeducativas, como a remição da pena por meio do trabalho e do estudo, pela prestação de serviços comunitários, dentre outras medidas. Destaca-se que tais medidas não devem ser tomadas somente depois que o indivíduo cumpra sua pena; pelo contrário, o foco deve ser incluir tais medidas durante o cumprimento da pena, operando no âmbito previdenciário, através de programas de reabilitação e ressocialização, na busca pela reinserção social do preso e amparo à sua família.

Segundo o art. 126 da Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, também conhecida como Lei de Execuções Penais - LEP, “o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.” Além disso, estabelece a lei que, para que diminua um dia em sua pena, o condenado terá que cumprir 12 (doze) horas de frequência escolar, divididas em, no mínimo, 3 (três) dias; ou deverá trabalhar por 3 dias. As atividades de estudo podem ser realizadas de forma profissional ou à distância, em diversos níveis de formação, segundo a necessidade do apenado, seja ensino fundamental, médio, atividades profissionalizantes, de ensino superior ou, ainda, de requalificação profissional. Por outro lado, nos casos de cumprimento de pena em regime aberto ou semiaberto e dos condenados que estejam em liberdade condicional, poderão ser frequentados cursos de ensino regular ou de educação profissional (TJDFT, 2018)

Sobre esse aspecto, leciona a Súmula 341 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto." Ademais, a Súmula 562 do STJ prevê a possibilidade de remição da pena por atividade laborativa ainda que extramuros, ou seja, fora do estabelecimento prisional, vejamos: “é possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa, ainda que extramuros”.

Exemplo concreto da prevenção terciária do delito por meio da remição da pena prevista na Lei de Execuções Penais é o Projeto "Remição pela Leitura”, instituído pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), que consiste em proporcionar ao recuperando abater parte de sua pena privativa de liberdade através da leitura mensal de obras literárias, científicas, clássicas, filosóficas, dentre outras. A participação se dá mediante inscrição do recuperando no Núcleo de Ensino e Profissionalização - NEP nas respectivas Unidades Prisionais. Para participar das ações do projeto, o recuperando deverá:

I - realizar a leitura de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, dentre outras; e

II - elaborar uma resenha que será corrigida e avaliada pela Comissão Organizadora.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu que o prazo de leitura de cada obra deve ser de 21 a 30 dias. Cada resenha aprovada pode remir até quatro dias de pena.

Após a aprovação, a resenha será encaminhada ao Juiz responsável pela execução da pena, para análise sobre a concessão da remição ao recuperando (TJMG, 2017).

Diante do que foi apresentado quanto às três formas de prevenção do delito, deve-se atentar que devem ocorrer de forma concomitante, visto que, ao mesmo tempo em que se busca prevenir o delito antes que ele ocorra, o Estado tem também que lidar com aqueles que já ocorreram e com os responsáveis por cometê-los. Sendo assim, as três formas de prevenção devem ganhar foco. Ainda que a prevenção primária possa passar a ideia de que os resultados virão em longo prazo, por exemplo, ela é indispensável para que, gradativamente, se possa reduzir a necessidade de investimentos públicos e até mesmo privados nas duas outras formas de prevenção.

2.2 Prevenção geral e especial

Por prevenção geral, entende-se a pena que é dirigida à sociedade, de maneira a intimidar os propensos a delinquir (PENTEADO FILHO, 2012). A pena “dirige-se à sociedade, tem por escopo intimidar os propensos a delinquir, os que tangenciam o Código Penal, os destituídos de freios inibitórios seguros, advertindo-os de não transgredirem o mínimo ético” (NORONHA apud PENTEADO FILHO, 2012, p. 143). No caso da prevenção especial, destaca-se o fato de o delito ser instigado por fatores exógenos e endógenos, de forma que visa atingir a reeducação e recuperação do indivíduo. A observância da pena por essa ótica, como leciona o autor (2012, p. 143), é preceito constitucional, art. 5º, XLVI: “a lei regulará a individualização da pena [...]” (BRASIL, 1988).

No tocante à prevenção geral, esta pode ser analisada sob os ângulos positivo e negativo de atuação. A negativa, ou por intimidação, diz respeito àquela em que a pena aplicada ao que delinque reflete na comunidade de maneira a intimidá-la, ou seja, a condenação causa uma reanálise sobre a prática de atos atípicos aos pares do que foi punido (PENTEADO FILHO, 2012). Já a positiva, ou integradora, “direciona-se a atingir a consciência geral, incutindo a necessidade de respeito aos valores mais importantes da comunidade e, por conseguinte, à ordem jurídica” (PENTEADO FILHO, 2012, p. 144).

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Do mesmo modo, classifica-se a prevenção especial em negativa e positiva:

Na prevenção especial negativa existe uma espécie de neutralização do autor do delito, que se materializa com a segregação no cárcere. Essa retirada provisória do autor do fato do convívio social impede que ele cometa novos delitos, pelo menos no ambiente social do qual foi privado (PENTEADO FILHO, 2012, p. 144).

O autor complementa ainda: “Por meio da prevenção especial positiva, a finalidade da pena consiste em fazer com que o autor desista de cometer novas infrações, assumindo caráter ressocializador e pedagógico” (PENTEADO FILHO, 2012, p. 144).

2.3 Teoria da reação social

A máxima “toda ação gera uma reação” se aplica, também, à criminologia, na medida em que toda ação criminosa ocasiona uma reação da sociedade. Nesse sentido, a evolução de tais reações ocasionou o surgimento de três modelos de reação social: o dissuasório, o ressocializador e o restaurador.

O primeiro deles está atrelado ao Direito Penal Clássico, possuindo um caráter retributivista. Nesse cenário, entende-se que o mal causado pelo crime deve ser retribuído com uma pena proporcional, ou seja, um castigo proporcional à gravidade do delito cometido. Não é observada nesse modelo uma preocupação com a ressocialização do agente, tão somente com sua punição. De certa forma, é o modelo mais almejado por uma sociedade inflamada pela raiva ou mesmo intolerância, cuja sede de vingança se sobrepõe a questões fundamentais como a dignidade da pessoa humana:

O que se almeja é que o criminoso pague de forma cruel nas masmorras estatais pelo mal cometido pelo crime, ressaltando um caráter puramente retributivista da pena. Isso bem demonstra que a sociedade aceita a expiação pura da pena como algo tranquilo e que pode ser buscado de forma isolada (GONZAGA, 2018, p. 217).

Nesse modelo vislumbra-se que os personagens principais são o Estado e o delinquente, não aparecendo as figuras da sociedade e da vítima propriamente dita.

O modelo ressocializador, por sua vez, se debruça sobre o tema da reinserção social. A punição deixa, então, de ser o ponto principal, pois a atenção recai sobre o retorno de quem foi condenado ao convívio social. É nesse modelo que são criados os mecanismos de ressocialização, a exemplo da remição da pena pelo trabalho e pelo estudo de forma a desincentivar uma futura prática criminosa por parte do indivíduo.

Observa-se que a sociedade e a comunidade em si têm papel vital nessa ressocialização (figurando nesse modelo como os personagens principais), pois somente com as respectivas colaborações torna-se possível promover a reinserção do indivíduo, de forma que não haja um “etiquetamento” desses indivíduos, com a consequente criação de estigmas. Diferentemente do que ocorre no modelo dissuasório, a dignidade da pessoa humana se torna um pilar desse modelo, o que não significa que o criminoso ficará impune, e sim que tenha direito a uma segunda chance.

Por último, tem-se o modelo restaurador (ou integrador), no qual se pretende:

[...] o retorno da vítima ao status quo ante ao cometimento do delito, de forma a tentar resgatar o momento anterior à violação dos bens jurídicos. Passam a compor, de forma principal, esse modelo de reação, a vítima e o condenado, ficando de fora o Estado. O principal enfoque é a busca pela conciliação entre autor e vítima, daí muitos chamarem esse modelo também de conciliatório. Nada mais salutar para o retorno ao momento de normalidade anterior ao crime do que o entendimento mútuo entre as partes (GONZAGA, 2018, p. 219) (destacou-se).

Apesar de para alguns parecer o modelo ideal, a “justiça restaurativa” não é hábil (ao menos por enquanto) a resolver todo e qualquer crime cometido, através de conciliação entre autor e vítima, sendo mais comum nos casos considerados “brandos” e de violação patrimonial, como o caso de furtos, o que não significa dizer que inexistem ocasiões de utilização da justiça restaurativa para a resolução de outros crimes.

Esse modelo de reação advém da emergência de questionamentos como: “justiça e vingança são a mesma coisa?”, “o que queremos quando prendemos?” e “nossa ideia de justiça está nos atendendo?". Quanto a esse último questionamento, o enfoque evidencia a maneira que o modelo punitivista (que vigora no Brasil) satisfaz a vítima em primeiro lugar, e, depois, a sociedade. Suscita-se: o encarceramento seria suficiente para resolver todas as questões que um crime violento desencadeia para a vítima e para a sociedade?

Nesse sentido, o foco da justiça restaurativa é a reparação para a vítima, e não a mera punição do agressor, sem que este tenha plena consciência dos danos que causou. Ademais, o modelo restaurador pode ser realizado judicial ou extrajudicialmente e busca uma opção ao encarceramento, sem a revitimização do ofendido.

Observa-se, para mais, o aspecto de voluntariedade da justiça restaurativa, tendo em vista que ambas as partes precisam estar dispostas a conversarem para que haja uma composição. Por isso, não é uma hipótese banal (tampouco simples), já que nem sempre a aplicação do modelo restaurativo será possível, como nos casos de crimes violentos, pela evidente repulsa que tal tipo de crime causa.

Suscita-se, então, se a melhor alternativa seria mesmo devolver um conflito que envolva violência contra a mulher ou contra crianças a uma sociedade que já vitimiza os mais vulneráveis, revitimizando quem sofreu violência doméstica, por exemplo. Quem defende o modelo argumenta que a justiça restaurativa não deve ser “romantizada”, pois, em que pese ser mais uma forma de resolução de um conflito de forma voluntária, mostra-se como uma alternativa recente e, portanto, ainda em construção no Brasil. Deve-se, portanto, questionar se é possível a sua utilização em determinado conflito, se é algo desejável e se seria eficaz.

2.4 Prevenção sob o viés político: a perspectiva da “direita” e da “esquerda”

A análise da prevenção criminal perpassa por uma construção de ideias políticas que cada grupo possui, isto é, a ideia do tipo de criminalização necessária, bem como a forma de prevenção criminal depende de uma análise social do que cada grupo pugna. Diante dessa primeira constatação, é preciso analisar, separadamente, as características específicas de cada um desses grupos, quais sejam “de direita” e “de esquerda”, a fim de diferenciar, comparar e entender essa realidade.

Inicialmente, pontua-se que os ideais dos grupos e dos governos “de direita” buscam a criminalização voltada para interesses de caráter pessoal, dentre os quais se destacam a proteção à propriedade privada de possíveis ataques, como invasões, danos e demais condutas que possam atingir o patrimônio pessoal das pessoas. Além disso, há uma requisição por parte desse grupo que defende a liberação do porte de arma de fogo, a fim de que esse tipo de conduta seja descriminalizada para pessoas comuns, de maneira que possam defender os seus bens jurídicos sem necessitar de ajuda estatal para todos os momentos e para todas as questões.

Para mais, os governos “de direita” tendem a conferir ao sistema penal certa responsabilidade de garantir que o meio social esteja em paz, utilizando-se da força de coerção necessária para que isso seja efetivado. Sinteticamente, prega-se que a ideia de prevenção geral deva garantir que o meio social seja controlado, uma vez que haverá um temor real e preventivo, que, provavelmente, cessará a vontade e a ação criminosa. Isso porque a grande possibilidade de coerção estatal, por meio de uma prisão mais reativa e rápida, bem como por uma pena mais severa, solucionaria o problema.

Contudo, não se pontua de forma adequada e suficiente o fato de que parcela considerável da população não atua unicamente com base no medo, e sim movida pelo utilitarismo evidenciado na infração, ou seja, na utilidade e no prazer que a infração pode trazer ao criminoso (GONZAGA, 2018).

Por outro lado, ao se tratar dos ideais valorizados pelos grupos e pelos governos “de esquerda”, tem-se uma realidade totalmente diversa, uma vez que buscam um modelo de sociedade voltada aos mais vulneráveis socialmente, como, por exemplo: os negros, as mulheres, o meio ambiente e os usuários de drogas. Nesse contexto, os grupos “de esquerda” buscam um tipo de criminalização primária, de forma a repelir condutas como atos racistas (inclusive de forma online, via redes sociais), como feminicídio (qualificadora do crime de homicídio), além dos diversos ataques ao meio ambiente (as condutas são consideradas brandas no âmbito penal, possuindo apenas sanções de cunho administrativo). Ademais, no que diz respeito às drogas e aos seus usuários, esse grupo “de esquerda” busca a descriminalização desse tipo de conduta, já que entende que são ações que deveriam ser aceitas socialmente.

Nessa linha de pensamento, os governos “de esquerda”, influenciados pelos ideais dos grupos que os envolvem, pontuam questões relacionadas à culpabilidade do agente. Por isso, ressalta-se que a exposição de parcela da população a situações de risco, que podem gerar ocorrência de crimes, deve ser encargo da sociedade, considerando-se, para isso, os indivíduos tidos como vulneráveis e até mesmo com possibilidade de se desviarem do meio social “comum” e “reto”. De forma sintética, defende-se que, por o Estado não ter conseguido prover, adequadamente, os direitos sociais, bem como oferecer condições ideais de (sobre)vivência, haveria de ser suportado o ônus da possibilidade de esses indivíduos, carentes de um tratamento adequado perante o meio social, se desviarem e cometerem algum tipo de infração (GONZAGA, 2018).

Mais que isso, surgem ideias relacionadas ao determinismo social, segundo o qual os indivíduos seriam diretamente influenciados pelo meio social em que estão inseridos (leia-se: meio social no qual nascem, crescem e vivem).

Dessa forma, percebe-se que os governos “de esquerda” buscam tratar o crime e, por consequência, o criminoso como objeto de estudo de uma realidade envolta pelo meio social, buscando entender o que há por trás dessa realidade e quais são as causas que ensejaram tais comportamentos (GONZAGA, 2018).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, pode-se inferir que a prevenção pode ser entendida como um conjunto de medidas que visam evitar um mal. A prevenção criminal, por sua vez, busca evitar que um delito ocorra. Porém, existe diferença entre a prevenção percebida pela criminologia e a prevenção elencada pelo Direito Penal, de modo que se pode subdividir esta em geral e especial, e aquela em prevenção primária, secundária e terciária. No mesmo sentido, como forma de desenvolvimento prático da prevenção primária, por exemplo, ressalta-se o Programa “Fica Vivo”, que tem por objetivo principal a modificação do cenário de criminalidade nas cidades entabuladas. Citem-se, ainda, as questões da prevenção geral e prevenção especial, ambas subdivididas em negativa e positiva.

Para mais, é imperioso destacar a teoria da reação social, que pode ser sintetizada por meio da máxima “toda ação gera uma reação”, numa aplicação analógica à criminologia, na qual toda ação criminosa ocasiona uma reação da sociedade. Assim, tais reações ocasionaram três modelos de reação social, quais sejam: o dissuasório, o ressocializador e o restaurador.

Por fim, foram pontuadas as diferenças de perspectivas entre os grupos dos governos “de esquerda” e “de direita”, no que se refere aos aspectos percebidos perante a análise do meio social, isto é, a forma pela qual analisam, julgam e, por conseguinte, interpretam as ações e reações que se desencadeiam habitualmente. Assim, pode-se inferir que algumas questões influenciam diretamente na visão de cada grupo, seja ele político ou não. De fato, algumas tendências de comportamento dos grupos “de direita” relacionam-se com os interesses pessoais, como a propriedade, enquanto os grupos “de esquerda” se aproximam de questões relacionadas às minorias, definições essas analisadas e elencadas de forma generalizada, a fim de estabelecer comparação e proporcionar uma análise simplificada.

Logo, é evidente que o estudo da criminologia, especificamente da prevenção no aspecto criminal, depende e envolve diversos aspectos, sejam eles sociais, sociológicos, filosóficos e até mesmo estruturais, os quais exigem uma visão apurada sobre essa interdisciplinaridade para que sejam percebidas as nuances essenciais de cada objeto.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 19 de novembro de 2022.

BRASIL. Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 19 de novembro de 2022.

BRASIL. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 20 de novembro de 2022.

Crime e castigo. [Locução de: Branca Viana]. Rádio Novelo. 02 de abril de 2022. Podcast. Disponível em: https://open.spotify.com/show/7BgdFMr0pE3CMSV5t8MZSQ?si=pHBwDBh5QPK1fgkt-u709A. Acesso em: 19 de novembro de 2022.

CUNHA, Rogério Sanches. Súmula 562 do STJ: remição por atividade laborativa extramuros. 2017. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2017/04/08/sumula-562-stj-remicao-por-atividade-laborativa-extramuros/. Acesso em: 20 de novembro de 2022.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8. ed. Curitiba (PR): Positivo, 2010. 910 p.

GONZAGA, Christiano. Manual de criminologia. São Paulo (SP): Saraiva Educação, 2018.

INSTITUTO ELO. Prevenção em rede: Informativo trimestral da política de prevenção social à criminalidade de Minas Gerais Janeiro Março - 2012. Edição 03. Disponível em: http://www.institutoelo.org.br/site/app/webroot/files/file/prevencao_rede_edicao3_1.pdf

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. 2.ed. São Paulo (SP): Saraiva, 2012.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula n. 341. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2012_29_capSumula341.pdf. Acesso em: 20 de novembro de 2022.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Remição de pena. 2018. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/remicao-de-pena. Acesso em: 20 de novembro de 2022.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Projeto Remição pela Leitura. Disponível em: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/acoes-e-programas/projeto-remicao-pela-leitura.htm#. Acesso em: 20 de novembro de 2022.


  1. Acadêmicos do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes);

  2. Professor e Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes);

Sobre os autores
Lindon Jonhson Dias da Silva

Professor de Direito Agrário e Ambiental da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Hanna Figueiredo Cavalcante

Acadêmica do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)

Luiz Henrique Xavier Cruz

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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