Capa da publicação Dark Waters: o caso Dupont e o preço da verdade

“Dark Waters: o preço da verdade”.

Uma análise do caso Dupont à luz do direito brasileiro

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Resumo:


  • O filme "Dark Waters" aborda o caso DuPont, em que a empresa utilizava um composto químico tóxico, causando danos à saúde pública e ao meio ambiente.

  • No Direito brasileiro, a responsabilidade por danos ambientais é objetiva, conforme previsão na Constituição e na Política Nacional do Meio Ambiente.

  • Além da responsabilidade ambiental, a legislação brasileira prevê a responsabilidade civil do fabricante por danos ao consumidor, com base no Código de Defesa do Consumidor.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O filme "Dark Waters" retrata o caso de contaminação da água pela DuPont com o composto químico PFOA, que causou danos à saúde pública. O trabalho analisa as implicações do caso no Direito Ambiental brasileiro.

Resumo: O presente trabalho busca analisar o famoso caso de dano ambiental denominado “caso DuPont”, ocorrido nos Estados Unidos a partir do ano 1999, que até hoje estende seus efeitos por todo o mundo. Assim, um resumo do filme é apresentado para elencar as dificuldades e as medidas adotadas perante a justiça americana, bem como seus desdobramentos e soluções empregadas. Posteriormente, discorre-se sobre como tal situação teria seu desdobramento perante o Direito brasileiro. Para cumprir o objetivo de analisar o caso sob a ótica do direito pátrio, utilizou-se o método de abordagem dedutivo. A técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica e documental. Ao fim, constatou-se a importante evolução impulsionada pelo caso em estudo no fortalecimento dos institutos jurídicos de direito ambiental, bem como pelo caráter essencial que a responsabilização objetiva guarda nesses episódios.

Palavras-chave: Direito ambiental; Dano ambiental; Indenização.


1. Introdução

O filme estadunidense "Dark Waters" ou "O preço da verdade" é uma obra baseada em fatos reais, envolvendo situação ocorrida no final dos anos noventa que ainda repercute na atualidade, 2023, o que acarretou uma série de litígios em desfavor da E. I. du Pont de Nemours and Company (DuPont), multinacional do ramo químico. O caso foi narrado em um artigo do “The New York Times”, escrito por Nathaniel Rich e denominado “The lawyer who became DuPont's worst nightmare” ou “o advogado que se tornou o pior pesadelo da DuPont”. A adaptação para o cinema foi dirigida por Todd Haynes e protagonizada por Mark Ruffalo, chegando aos cinemas nacionais em fevereiro de 2020.

A história trata inicialmente de possível contaminação da água pela empresa DuPont, que utilizava um composto químico de nome PFOA, ou C8, altamente tóxico que causa iminente risco à saúde pública, em especial, àqueles que dependiam desse recurso hídrico e que trabalhavam diretamente com a substância. A extensão desse desastre químico só foi notada posteriormente, tendo em vista que se verificou que substância utilizada pela DuPont, além de estar presente na água, também se encontrava em panelas, tecidos e tintas, fazendo com que a contaminação ultrapassasse a determinada região, se alastrando por muitos outros estados e até mesmo pelo mundo.

Diante do exposto, o presente trabalho objetiva realizar um paralelo entre o filme “O preço da verdade” e o próprio Direito brasileiro. Para tanto, é possível explorar de forma mais ampla as semelhanças e diferenças existentes entre a obra cinematográfica e o ordenamento jurídico brasileiro, identificando pontos em comum e aspectos que demandam adaptações ou interpretações distintas, tendo em vista as peculiaridades da legislação internacional frente à brasileira.


2. O filme “Dark Waters” e o caso DuPont: análise sob a luz do Direito brasileiro

A empresa DuPont, ao realizar a confecção de seus itens, utilizava um elemento químico que em altas quantidades é extremamente tóxico, chamado de PFOA, ácido perfluorooctanoico ou C8. À época dos fatos, aqueles que entravam em contato direto com o elemento desenvolveram vários tipos de câncer, como o de rim, bem como doença da tireoide, colesterol alto, colite ulcerativa, entre outras doenças.

A empresa tentava esconder os vestígios da utilização dessa substância por saber da nocividade do produto com que trabalhava, isso pois a empresa “3M”, que anteriormente utilizava o elemento em sua linha de produção, havia feito testes em macacos que não sobrevieram pós contato com o elemento químico. A própria DuPont também realizou testes em ratos, notando inchaço nos órgãos e deformidades nos filhotes de rata expostas à substância. Esse foi um dos motivos que fez com que a DuPont afastasse todas as mulheres jovens da linha de produção, sem nenhuma explicação. Para mais, a empresa sabia também que seus próprios trabalhadores estavam desenvolvendo câncer, mas nada faziam para evitar, pois isso inviabilizaria a utilização do elemento, o que afetaria diretamente os lucros auferidos.

Importa destacar inicialmente que quando se discute sobre o dano e o dever de indenizar, devem ser elencados os elementos básicos para que este se configure, sendo eles: i) a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; 2) um dano, efetiva lesão do direito de outrem; 3) o nexo causal que, nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira:

Para que se concretize a responsabilidade é indispensável que se estabeleça uma interligação entre a ofensa à norma e o prejuízo sofrido, de tal modo que se possa afirmar ter havido o dano “porque” o agente procedeu contra direito. Na relação causal pode estar presente o fator volitivo ou pode não estar. Isto é irrelevante. O que importa é determinar que o dano foi causado pela culpa do sujeito (PEREIRA, 2017, p. 108).

Além disso, o mesmo autor destaca que a ação danosa pode tanto advir de um ato lícito, ou seja, dentro dos limites legais, quanto de um ato ilícito, tendo em vista que a ilicitude não é um pressuposto dessa responsabilização (PEREIRA, 2018).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) dita em seu artigo 225, §3, que “[...] as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”(BRASIL, 1988).

Para mais, tem-se o artigo 14, §1º da Lei 6.938/81, que discorre acerca da Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, que corrobora a responsabilidade objetiva que decorre desses danos, in verbis:

Artigo 14,§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (BRASIL, 1981).

Dessa forma, o simples fato de existir um dano ao meio ambiente já enseja a responsabilização, pois observa-se também a teoria do risco integral. Soma-se a isso o fato de que os danos ambientais são atingidos pelos princípios do poluidor-pagador, onde, na ocorrência de prejuízo causado à natureza, aquele que lucra com a atividade de exploração da mesma deve responder pelo risco ou outras desvantagens a que der causa, evitando que o prejuízo seja socializado com a coletividade e prevenindo possíveis desastres ambientais (VENOSA, 2013).

Nesse sentido, nota-se que os tribunais superiores reconhecem que os danos ambientais devem ser reparados in natura, de forma a devolver ao ambiente degradado as mesmas características que detinha antes da interferência humana, nesse entendimento:

De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Ao final, o julgado reconhece a possibilidade de se cumular a obrigação de fazer a recuperação ambiental com o pagamento de indenização pelos danos suportados: a cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível. (AgRg no REsp 1.545.276/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 13.04.2016; REsp 1.264.250/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 11.11.2011; REsp 1.382.999/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 18.09.2014” (STJ, REsp1.454.281/MG, 2.a Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 16.08.2016, DJe09.09.2016) (STJ, 2016) (GRIFOS NOSSOS).

Ainda, conforme se analisa no filme “Dark Waters”, além do claro dano ambiental por produto químico desconhecido, há também uma relação consumerista direta, pois a empresa utilizou o composto químico C8 em milhares de produtos destinados ao consumo de massa, como frigideiras e tintas.

Na legislação nacional, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei n. 8.078/90, em seu art. 6º, elenca várias proteções do consumidor, dentre elas a vida e a saúde, assegurando a prevenção e a reparação de danos individuais, coletivos e difusos (BRASIL, 1990). O art. 12 do CDC define responsabilidade similar à ambiental objetiva, dispondo que:

O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos (BRASIL, 1990).

Logo, considerando a legislação brasileira, a responsabilidade quanto aos danos seria de natureza objetiva, ou seja, independe da comprovação dolosa. Ainda que não o fosse, a culpa mostra-se presente pela omissão da empresa em alertar aos consumidores e ao poder público os possíveis riscos envolvendo à saúde e ao meio ambiente.

Uma questão pertinente no presente caso, que entrelaça a responsabilidade civil, o direito ambiental e do consumidor, é a aplicação do instituto norte-americano do monitoramento médico (medical monitoring). Seu objetivo é disponibilizar exames e acompanhamento médico preventivo para indivíduos que tenham sido expostos a substâncias tóxicas ou outras condições que possam representar risco à saúde, com o propósito de detecção e tratamento precoce de possíveis doenças decorrentes da exposição, visando a minimização dos danos à saúde e melhoria da qualidade de vida desses indivíduos (MASKIN; CAILTEUX; MCLAREN, 2000).

A utilização do monitoramento médico tem sido cada vez mais comum nos Estados Unidos, notadamente em casos que envolvem danos ambientais e produtos tóxicos. Aqueles que por meio de suas atividades geram risco à saúde de terceiros, tais como empresas que produzem ou manuseiam substâncias tóxicas, podem ser responsabilizados pelo pagamento dos custos decorrentes do procedimento (MASKIN; CAILTEUX; MCLAREN, 2000).

Para figurar no monitoramento basta que o requerente prove que esteve exposto à conduta lesiva do réu e assim é suscetível de desenvolver problemas futuros, não necessitando provar que atualmente se encontra ferido, bem como não tendo que reparar o agente se porventura não desenvolver problema algum. Em contraponto, no caso do indivíduo exposto vir a desenvolver o problema relacionado, caberá uma ação de cobrança retroativa de danos em desfavor do réu (MASKIN; CAILTEUX; MCLAREN, 2000).

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Um problema que ronda esse monitoramento é o nexo causal que liga o agente à necessidade de financiar um dano futuro que talvez possa ou não vir a acontecer. Nesse sentido, mutatis mutandis, é possível se valer dos apontamentos de Caio Mário da Silva Pereira sobre os danos futuros decorrentes de desastres nucleares que:

[...] somente é detectada com o correr do tempo. Vem, aí, correlata, a preocupação com o dano futuro [...]. Sabe-se que a irradiação, qualquer que seja a causa, pode provocar danos diretos, como gerar moléstias graves, cuja ação não será imediata. Ocorre indagar da sua responsabilidade, assunto que tem sido objeto de cogitação dos juristas. René Rodière assenta que na etiologia da responsabilidade civil é indispensável a “certeza” do dano, embora não se requeira que seja “presente” . O que se não compadece com o dever de reparação é a simples “eventualidade” . Quer dizer, o dano meramente “hipotético” não é indenizável [...]. Todavia, é suscetível de ressarcimento o “dano futuro” desde que se possa demonstrar, no momento da decisão, que ele tem existência real (PEREIRA, 2018, p. 73).

Pereira (2018) continuou discorrendo sobre o assunto ao analisar o direito norte-americano, onde esse tipo de reparação é relativamente comum, mas se atendo aos infernos decorrentes dos acidentes nucleares. Apesar de ser uma contaminação similar, não se correlaciona diretamente com o caso em questão, mas como bem fez Caio Mário em sua obra, também cabe analisar aqui o que entende o tribunal da Virgínia Ociedental sobre essa possibilidade de responsabilização por dano futuro e o dispositivo legal de monitoramento médico.

Ao analisar os julgados da região, verbi gratia, o caso Bower v. Westinghouse Electric Corporation, os réus argumentaram pela inexistência da concessão de despesas futuras de monitoramento médico com base na ausência de lesão física presente no momento posterior a exposição, bem como a imposição de requisitos claros aos pedidos de acompanhamento médico para limitar o campo de abrangência dos potenciais queixosos.

A corte ao julgar o mérito do pedido inferiu como parcialmente improcedente e ainda cristalizou o entendimento de que o monitoramento médico é um pedido por danos futuros, cabível desde que o autor pudesse provar com boa certeza que os custos do tratamento seriam consequência próxima da conduta ilícita do réu. O monitoramento médico não depende de dano físico presente, mas sim da mera invasão do interesse legalmente protegido que porventura poderia acarretar enfermidades com correlação séria à conduta ilícita.

A despeito dos requisitos de abrangência para que se torne aceito o monitoramento médico, estabelece a lei da Virgínia Ocidental que o reclamante deve provar que:

(1) he or she has been significantly exposed; (2) to a proven hazardous substance; (3) through the tortious conduct of the defendant; (4) as a proximate result of the exposure, plaintiff has suffered an increased risk of contracting a serious latent disease relative to the general population; (5) the increased risk of disease makes it reasonably necessary for the plaintiff to undergo periodic diagnostic medical examinations different from what would be prescribed in the absence of the exposure; and (6) monitoring procedures exist that make the early detection of a disease possible (Bower v. Westinghouse Electric Corp. 206 W. Va. 133, 522 SEd2d 424 (1999)1 (WEST VIRGINIA, 1999).

O primeiro requisito diz respeito à exposição significativa da vítima à substância perigosa que atribui relação aos custos do monitoramento médico. Já o segundo requisito é a exigência da comprovação científica do grau de periculosidade da substância quando exposta contra seres humanos. O terceiro elemento é a conduta, o nexo causal, a exposição que o réu impôs à parte lesada, não cabendo quando o último tenha dado causa à exposição. O quarto elemento é a probabilidade demonstrada que uma determinada doença ou mal pode resultar da exposição. O quinto elemento, a necessidade de teste diagnóstico, onde um médico qualificado deve receitar o monitoramento médico em decorrência da exposição ao agente tóxico; este requisito é controvertido na corte, pois um médico poderia ser compelido a prescrever sempre o monitoramento já que poderia tornar-se parte beneficiada com os reiterados procedimentos que compõem o monitoramento.

Por fim, como o monitoramento é um procedimento de caráter preventivo de nada adianta concedê-lo diante da inexistência de procedimento médico investigatório que possa detectar o enfermo advindo da conduta lesiva, podendo o lesado, no futuro, requerer novamente o monitoramento em decorrência da evolução do procedimento investigatório desde que ainda estejam presentes os outros requisitos.

Interessante destacar, ainda, o importante tópico do prazo prescricional que é pontuado durante o filme. A DuPont, de forma a se proteger de demandas futuras, através da Lubeck Public Service District, empresa de água da região, notificou todos os habitantes abastecidos por seus serviços por meio de uma carta de conteúdo informativo que minimizava os problemas ambientais que ali foram verificados. Fato é que se tratava de notificação formal da contaminação do local, o que acabava iniciando o prazo decadencial para que os afetados buscassem reparação em juízo, período máximo de dois anos segundo a lei da Virgínia Ocidental.

No Brasil, contudo, há certa divergência acerca de qual seria esse prazo para instituir uma ação civil pública de danos ao meio ambiente. A princípio, o entendimento era de que a prescrição, no que se relaciona aos danos ambientais impróprios, se dava seguindo o disposto no artigo 206, §3, V do Código Civil Brasileiro, ou seja, ocorrendo a prescrição em um prazo de 3 anos (BRASIL, 2002). Já os danos próprios, que no caso são os danos ecológicos, estariam sujeitos ao disposto no artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932, que regula a prescrição quinquenal, em outras palavras, a prescrição se daria em 5 anos (BRASIL, 1932). Se por acaso a ação se desse em detrimento de um bem privado, a prescrição aplicada seria a mesma dos danos ambientais impróprios.

Contudo, de acordo com a tese recente fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que encerrou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 654833/AC, no dia 17 de abril de 2020, passou-se a entender, vez o seu caráter de repercussão geral, que “[...] é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental” (STF, 2020). Essa decisão embasou-se no entendimento de que o dano ambiental encontra-se no rol de direitos indisponíveis, bem como na ideia de se tratar de um “direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos” (STF, 2020).

No ano de 2004, para tentar evitar maior degradação da empresa se submetendo a uma ação coletiva de apreciação do júri, a DuPont propôs uma resolução por meio da arbitragem. A empresa se dispôs a instalar sistemas de filtragem de água contaminada na cidade, a pagar o valor de US $ 374 milhões em decorrência dos danos causados, além de criar um monitoramento médico para custear as eventuais necessidades médicas advindas de problemas ocasionados da contaminação química; mas todas essas sanções estariam condicionadas à comprovação do nexo de causalidade do PFOA com os problemas de saúde que os demandantes apresentaram, devendo ser comprovado por análise de junta médica especializada e independente de epidemiologistas.

Era imprescindível que os querelantes participassem da coleta de amostragens para que a junta médica fizesse a ligação das doenças daquela população com o PFOA. Utilizaram U$ 70 milhões de um fundo de saúde que a DuPont se comprometeu a custear no processo arbitral e ofereceram quatrocentos dólares para cada participante do estudo epidemiológico, contabilizando mais de 70 mil amostras.

O C8 Science Panel, nome da junta médica dedicada a analisar os dados coletados, divulgou os resultados de sua pesquisa no ano de 2012, praticamente dez anos após as coletas. O parecer do médico é que existe uma “ligação provável” entre o C8 e seis doenças distintas, sendo elas: câncer testicular, câncer renal, doença de tireóide, colite ulcerativa, colesterol alto e hipertensão; além de reações relacionais como insuficiência renal, abortos e defeitos congênitos (GCG, 2023).

Mesmo com o resultado da junta médica, a DuPont se negou a cumprir o acordo arbitral e não pagou o valor a título de indenização que havia combinado no processo. Sua opção pela quebra do arbitramento gerou o direito daqueles afetados pelas doenças de ajuizar ações individuais de responsabilidade contra a DuPont; tendo Robert Bilott como responsável pela representação da maior parte dessas ações, angariando, já na primeira, US $ 1.6 milhão, seguido de US $ 5.6 milhões na segunda e US $ 12.5 na terceira; não necessitando de uma quarta para a DuPont entender que era mais vantajoso um acordo com todos os 3.535 querelantes na monta total de US $ 670.7 milhões de dólares.

Além dos valores pagos nas ações individuais, a empresa foi condenada pela EPA a pagar US $16, 5 milhões de dólares, comportando o valor para liquidar as acusações ambientais e também um quinhão a título de danos punitivos (punitive damages). Esse tipo de indenização tem origem no direito inglês e era utilizado como forma de punir criminosos mal-intencionados e imorais. Essa penalidade consiste em uma indenização monetária elevada, com o objetivo de desestimular a prática do crime, bem como enviar uma mensagem à sociedade de que esse tipo de comportamento é inaceitável e não ficará impune (SILVA; WALKER, 2016).

Na condenação por danos punitivos, é determinado o valor a ser pago, considerando não apenas os danos reais causados, mas também a multa por danos punitivos. Essa multa não é concedida à parte vencedora da ação, a fim de evitar enriquecimento sem causa, mas sim destinada a fundos de assistência ou programas de revitalização ambiental. Nos Estados Unidos, a doutrina estabelece que alguns elementos subjetivos devem estar presentes para que seja concedida a indenização punitiva, tais como culpa grave, dolo e malícia. Portanto, essa penalidade não se baseia em critérios de responsabilidade objetiva (SILVA; WALKER, 2016).

Há discussões acerca do limite financeiro da indenização punitiva, em que alguns estados estabelecem percentuais máximos para essa penalidade, como uma limitação baseada em um valor pré-determinado ou levando em consideração a capacidade econômica do réu. A Suprema Corte dos Estados Unidos firmou entendimento de que a indenização punitiva não pode ultrapassar uma proporção de 10 para 1 em relação ao valor da indenização original (SILVA; WALKER, 2016).

O valor pago pela DuPont foi o maior da história da EPA, mas não se comparava ao um bilhão de dólares ano que a empresa arrecadava com o composto C8, não sendo obrigada a retirar o produto do mercado, pois a Toxic Sub­stances Control Act, lei de Controle de Substâncias Tóxicas torna extremamente moroso qualquer iniciativa proibitiva de químicos, o que propicia que empresas sub-notifiquem produtos químicos experimentais.

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