A proposta de Emenda Constitucional por iniciativa popular: Uma análise sistemática da CF/88.

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RESUMO

O tema do presente trabalho trata sobre a proposta de emenda constitucional por iniciativa popular, sob uma análise sistemática da Constituição Federal de 1988. Neste intento a questão problema que orienta a pesquisa é a seguinte: sob uma análise da sistemática da CF/88, em que medida é possível propor emendas constitucionais por iniciativa popular? O objetivo central do trabalho é discorrer sobre a possibilidade de emendas constitucionais por iniciativa popular em desenvolvimento da sistemática constitucional e a prática democrática atual. Especificamente, analisar os conceitos de soberania popular e democracia, descrever os procedimentos constitucionalmente previstos para as Emendas à Constituição, examinar o conceito de iniciativa popular e os contornos constitucionais para sua aplicação no direito brasileiro. O trabalho tem como finalidade examinar o Constitucionalismo Democrático atual, onde se aperfeiçoa a democracia participativa, no exercício da soberania popular, com atenção especial à iniciativa popular de emenda constitucional. Utilizou-se de fonte indireta, valendo-se da pesquisa bibliográfica e documental, e artigos da Internet, com a finalidade de proporcionar melhores e mais precisas informações sobre o tema. A possibilidade de proposta de emenda constitucional por iniciativa popular dependerá de uma interpretação sistemática da Constituição Federal, podendo vir a ser reconhecida baseando-se em normas gerais e princípios fundamentais da Constituição, uma vez que não está expressamente prevista no rol dos legitimados.

PALAVRAS-CHAVE: emenda constitucional; lei infraconstitucional; iniciativa popular; democracia participativa; soberania popular.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho contempla o tema, A proposta de Emenda Constitucional por Iniciativa Popular. De forma delimitada, abordam-se os aspectos gerais e jurídicos que envolvem o assunto.

A pertinência do tema visa examinar o Constitucionalismo Democrático, onde é aperfeiçoada a democracia participativa, com o exercício da soberania popular, com atenção especial ao instituto da iniciativa popular. Em tempos atuais, a possibilidade do uso desse meio vai depender diretamente do desenvolvimento e da prática da democracia semidireta que a Constituição Federal traz como um de seus princípios fundamentais.

Neste contexto, e considerando a sistemática constitucional para as chamadas Emendas Constitucionais, surge o seguinte questionamento: Em que medida é possível propor emendas constitucionais por iniciativa popular?

Desta situação jurídica depreende-se uma participação ativa do povo em deliberações e decisões do poder público. Como consequência do princípio da soberania popular, conjugada com a escola da democracia semidireta, o povo tornou-se legitimado semidireto para atuar de modo direto na ordem pública. Em razão dessas escolhas, a soberania não pode ser tirada das mãos do povo, sob pena da perda da legitimidade geradora.

Neste sentido, as reformas constitucionais por iniciativa popular, assim como a de leis infraconstitucionais, evidenciam as vontades da população, são democráticas e legitimadoras. Conquanto desejável, o sistema brasileiro não abraçou, pelo menos não expressamente, a emenda constitucional por iniciativa popular, cabendo assim, uma interpretação sistemática da CF/88 acerca deste assunto.

Sendo assim, o objetivo geral do trabalho é compreender sobre a possibilidade de emenda constitucional por iniciativa em desenvolvimento da sistemática constitucional e a prática democrática atual. Especificamente, compreende-se a analisar os conceitos de soberania popular e democracia, descrever os procedimentos constitucionalmente previstos para as Emendas à Constituição, examinar o conceito de iniciativa popular e os contornos constitucionais para sua aplicação no direito brasileiro. A relevância da presente pesquisa consiste em examinar o Constitucionalismo Democrático, em que se aperfeiçoa a democracia participativa, no exercício da soberania, com atenção especial à iniciativa popular de emenda constitucional, em que até os dias atuais, a possibilidade do uso desse instituto vai depender do desenvolvimento e da prática da democracia semidireta, que a Constituição traz como um de seus princípios fundamentais. Como procedimento metodológico, utilizou-se pesquisa bibliográfica, artigos de internet, e lei federal, com a finalidade de proporcionar melhores e mais precisas informações sobre o tema. O texto está dividido em cinco partes, além desta introdução. O capítulo dois compreende-se a analisar os conceitos de soberania popular e democracia; o terceiro capítulo examinaremos o conceito de iniciativa popular e os contornos constitucionais para sua aplicação no direito brasileiro, no quarto capítulo falaremos sobre Emendas à Constituição e seus contornos e no quinto capítulo sobre iniciativa popular de projetos de Emendas Constitucionais no Brasil. Finalmente, a conclusão é feita no capítulo seis.

2 SOBERANIA POPULAR E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

A soberania popular repousa nos princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988 dado sua elevada importância para o ordenamento jurídico. Logo, em seu artigo 1º, parágrafo único, a Constituição diz “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Trata-se de um pilar do Estado Social e Democrático de Direito.

Conforme os longos anos desde a promulgação da Constituição, discussões e debates acerca deste tema não faltaram. Até que ponto a soberania popular é exercida diretamente pelo povo?

Portanto, a soberania popular é o regime no qual o povo é o fundamento central e legitimadora de toda a autoridade política, sendo o cidadão sujeito ativo e passivo de todo o processo pelo qual se conduz a sociedade. Assim, pode-se destacar três conceitos de ‘povo’, conforme ensina Muller (2013 apud CARVALHO, 2018, p. 39):

  1. povo como instância de atribuição de legitimidade é aquele titular da nacionalidade, sob o qual o sistema político constituído busca sua legitimação; (ii) povo ativo é aquele definido pelo direito passivo como legitimado a votar e ser votado, ou seja, o detentor dos direitos políticos; (iii) povo participante é um conceito mais amplo do que o de povo ativo porque, além de ser detentor dos direitos políticos, também exerce uma cidadania consciente e ativa; e (iv) povo-destinatário que engloba todos aqueles, detentores dos direitos políticos ou não, sob os quais recaem as prestações civilizatórias do Estado.

Consequentemente, o ponto central que pode ser enfrentado é a utilização do povo como “boneco” pelos governantes e grupos de políticos que governam. Reside nesse ponto, a crítica de Muller (apud CARVALHO, 2018), que pretende inovar o conceito de “povo” dando-lhe seu real sentido, pensando em canais aptos e efetivos de participação popular e apontar os que já se encontram minados por grupos políticos.

Outro ponto importante é a democracia participativa, que decorre da conjunção dos artigos 1º e 14 da Constituição. Democracia é essência de participação. É como ensina Bonavides (apud CARVALHO, 2018)

o substantivo da democracia é, portanto, participação. Quem diz democracia diz no mesmo passo, máxima presença de povo no governo, porque, sem participação popular, democracia é quimera, é utopia, é ilusão, é retórica, é promessa sem arrimo na realidade, sem raiz histórica, sem sentido na doutrina, sem conteúdo nas leis.

Assim, a democracia está diretamente ligada a vontade do “povo” com quem se presume participação voltada para o interesse comum. É o que ensina Silva (2019, p. 127)

não sendo por si um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem, compreende-se que a historicidade destes a envolva na mesma medida, enriquecendo lhe o conteúdo a cada etapa do evolver social, mantido sempre o princípio básico de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do povo.

Portanto, não é um conceito em abstrato, mas um processo de desenvolvimento social, de afirmação do povo e de sua vontade. É sobretudo, um processo de convivência entre povo e governo. Conforme disse Abraham Lincoln, a democracia é governo do povo, pelo povo e para o povo. Desse modo, por meio do povo e acima de tudo para o povo e em proveito deste.

3 INICIATIVA POPULAR E SUA APLICAÇÃO DO DIREITO BRASILEIRO

Apesar de não ser relacionada diretamente com a Emenda Constitucional, a propositura de lei infraconstitucional por iniciativa popular está necessariamente prevista em nossa Constituição Federal atual, em seus artigos 14 e 61, §2º, in verbis:

Art. 14: A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular e;

Art. 61, §2º: A iniciativa popular deve ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Percebe-se que a Constituição de 1988 foi preponderante em afirmar que a soberania de seu povo se faz, além de plebiscito e referendo, também por iniciativa popular. Contudo, a mesma Constituição restringiu tal instituto a ponto de somente ser cabível iniciativa popular em proposta de lei infraconstitucional, tendo ainda, requisitos a serem preenchidos antes da apresentação à Câmara dos Deputados.

O instituto da inciativa popular para Bastos (1989, p. 574 apud DUARTE NETO, 2005, p. 106), “consiste na transmissão da faculdade de iniciar o procedimento de elaboração legislativa, tanto ordinária quanto constitucional, a uma determinada fração do corpo eleitoral”. Ainda, para Padilha (2018) a iniciativa popular se resume a deflagração do processo legislativo pelo cidadão.

Não obstante a própria Constituição Federal ter previsto a iniciativa popular para propositura de leis infraconstitucionais, entrou em vigor a Lei 9.709 de 18 de novembro de 1998 com o proposito de regulamentar a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da Constituição Federal, a qual nos termos desta Lei, institui que projeto de lei de iniciativa popular deve abranger somente a um assunto e não poderá ser rejeitado por vicio de forma, devendo a Câmara providenciar eventuais correções.

Conquanto desejável, o sistema constitucional brasileiro não autorizou expressamente a iniciativa popular para propostas de emendas à Constituição.

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De outro modo, expressamente estão os legitimados do exercício do poder constituinte derivado reformador, previsto no artigo 60, I, II e III da CF/88. Contudo, de acordo com Lenza (2017, p. 628):

Valemo-nos, para tanto, da interpretação sistemática, destacando o art. 1.º, parágrafo único, que permite o exercício do poder de forma direta pelo próprio povo, e o art. 14, III, ao estabelecer que a soberania popular será exercida mediante a iniciativa popular.

Nesse sentido, a possibilidade de proposta de emenda constitucional por iniciativa popular, dependerá de uma interpretação sistemática e progressista da Constituição Federal, podendo vir a ser reconhecida baseando-se em normas gerais e princípios fundamentais da Constituição.

4 EMENDA À CONSTITUIÇÃO E SEUS CONTORNOS

A Constituição de 1988 adotou um procedimento de mutação formal mais rígido, cuja forma está prevista no seu art. 60, quando comparado aos projetos de leis infraconstitucionais. A natureza rígida da Constituição, a supremacia no ordenamento jurídico importou em estruturar um procedimento mais dificultoso para reformá-la.

Pelo aludido art. 60, I, II e III, vê-se que a Constituição poderá ser emendada por proposta de iniciativa de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; do Presidente da República; e de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Ainda, de acordo com José Afonso da Silva, a Constituição de 1988 poderá ser emendada por proposta de iniciativa popular, observando-se as normas gerais e princípios fundamentais da própria Constituição:

a Constituição poderá ser emendada por proposta de iniciativa: [...] popular, aceita a interpretação sistemática referida acima, caso em que as percentagens previstas no § 2º do art. 61 serão invocáveis, ou seja, a proposta de emenda terá que ser subscrita por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos em cinco Estados, com não menos de zero vírgula três por cento dos eleitores de cada um deles. Repita-se que esse tipo de iniciativa popular pode vir a ser aplicado com base em normas gerais e princípios fundamentais da Constituição, mas ele não está especificadamente estabelecido para emendas constitucionais como o está para as leis (art. 61, §2º). (SILVA, 2019, p. 66)

A proposta de emenda à Constituição inicia-se com sua apresentação pela iniciativa do rol previsto no art. 60, que será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, e considerando-se aprovada quando obtiver, em ambos os turnos, três quintos dos votos dos membros de cada uma das Casas.

Por último, uma vez aprovada, a emenda será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o seu respectivo número de ordem, de acordo com procedimento previsto no art. 60, § 2º.

É importante salientar que a Constituição vigente vedou emendas na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio, expresso no parágrafo 1º do art. 60.

Ainda, a Constituição consolidou um núcleo imodificável por via de emenda, nos termos do art.60, § 4º, são: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

Por fim, é vedada uma nova proposta de emenda da mesma matéria rejeitada ou havida por prejudicada na mesma sessão legislativa.

5 INICIATIVA POPULAR DE PROJETOS DE EMENDAS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL.

A questão da possibilidade da proposta de Emenda Constitucional é muito relevante, visto o crescente descontentamento da população brasileira para com a classe política.

Promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federal – “Constituição Cidadã”, termo em que ficou conhecida, inaugurava um novo tempo no país. A nova Carta Constitucional trouxe uma imensa ampliação das liberdades civis, os direitos e garantias individuais, alterações de liberdade econômica, políticas sociais, inclusive direito de voto aos analfabetos e aos jovens maiores de 16 anos.

Constituição que é definida por Temer (2008, p.17) como:

Em sentido mais restrito, Constituição significa o “corpo”, a “estrutura” de um ser que se convencionou denominar Estado. Por ser nela que podemos localizar as partes componentes do Estado, estamos autorizados a afirmar que somente pelo seu exame é que conheceremos o estado.

Desse modo, é conteúdo necessário de uma Constituição aquilo que diz respeito à sua Forma, seu Governo, suas estruturas e funções organizacionais, garantias e deveres fundamentais, é a Lei Maior do Estado. Lado outro, para o teórico Lassalle (2001), “a Constituição é a lei primordial proclamada pelo povo, na qual é baseada a organização do Direito público de um país”.

Passados mais de trinta anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, ainda não há pacificação acerca da possibilidade de proposta de Emenda Constitucional por meio de iniciativa popular, assunto que anteprojetos e projetos, até a votação no Plenário da Assembleia Nacional Constituinte, admitiam expressamente e especificamente, a iniciativa popular em matéria de Emenda Constitucional. Porém, como elucida Silva (2019), “em Plenário, os conservadores derrubaram essa possibilidade clara que constava no § 2º do artigo 74 do Projeto aprovado na Comissão de Sistematização da Constituinte”.

Ainda que a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 14 compreendeu o instituto da iniciativa popular atingido pelo princípio da soberania popular, o artigo 61, §2º do mesmo diploma restringiu tal iniciativa à lei, deixando claro para qual espécie normativa é cabível.

Nesse sentido, Lenza (2017, p. 623) preleciona que:

Portanto, a iniciativa popular caracteriza-se como uma forma direta de exercício do poder (que emana do povo – art. 1º, parágrafo único), sem o intermédio de representantes, através de apresentação de projeto de lei, dando-se início ao processo legislativo de formação de lei. O que deve ficar claro é que o aludido instituto serve apenas para dar o “start”, ou seja, tão só para deflagrar o processo legislativo, sendo que o Parlamento poderá rejeitar o projeto de lei ou, ainda, o que é pior emenda-lo, desnaturando a essência do instituto.

Atualmente, contudo, é maioria a ideia de que a titularidade do poder constituinte pertence ao povo, pois o Estado é em razão da soberania popular. Assim, a vontade constituinte é a vontade do próprio povo, desenvolvida por meio de seus representantes. Entretanto, necessária a observação de Ferreira Filho (1985, p.15, apud MORAES, 2012, p.25) de que “o povo pode ser reconhecido como o titular do Poder Constituinte, mas não é jamais quem exerce. É ele um titular passivo, ao qual se imputa uma vontade constituinte sempre manifesta por uma elite”. Para Silva (2019), porém, não está excluída a aplicação da participação direta em matéria de emenda constitucional. Está expressamente estabelecido que o poder que emana do povo será exercido por meio de representação ou diretamente, que a soberania será exercida por referendos e também por meio das iniciativas populares.

Assim, a discussão acerca do real titular e o exercício do Poder Constituinte se fazem necessárias, a qual dependerá do estado de desenvolvimento da democracia que se encontra o país no momento.

5.1 EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA POR MEIO ELETRÔNICO (PORTAL E-CIDADANIA – DEMOCRACIA DIGITAL)

Ao longo dos mais de 30 anos da promulgação da Constituição da República, buscaram-se as bases de uma interação mais próxima entre políticos e eleitores, por vários fatores, entre os quais: a evolução tecnológica; a maior transparência das atividades políticas; a interferência de novos mecanismos de avaliação de políticas públicas; bem como a consolidação de regras para o exercício da democracia,

com realce para os dispositivos constitucionais.

Com ênfase em estimular e possibilitar maior participação dos cidadãos nas atividades legislativas, orçamentárias, de fiscalização e de representação do Senado, foi criado em 2012 o Portal e-Cidadania regulamentado pela Resolução nº 19, de 27 de novembro de 2015.

O portal possui um acesso simples e de fácil manuseio, permitindo a manifestação do cidadão sobre um determinado projeto de lei ou qualquer outra ideia legislativa proposta por meio deste portal, conforme o art. 6º, in verbis:

Art. 6º As manifestações de cidadãos, atendidas as regras do Programa, serão encaminhadas, quando for o caso, às Comissões pertinentes, que lhes darão o tratamento previsto no Regimento Interno do Senado Federal.

Parágrafo único. A ideia legislativa recebida por meio do portal que obtiver apoio de 20.000 (vinte mil) cidadãos em 4 (quatro) meses terá tratamento análogo ao dado às sugestões legislativas previstas no art.102-E do Regimento Interno do Senado Federal e será encaminhada pela Secretaria de Comissões à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), dando-se conhecimento aos Senadores membros. (BRASIL, 2020)

Apesar de ser simples o acesso a referido Portal, a quantidade de Projetos de leis por iniciativa popular ainda é bem pequena. Menor ainda é a quantidade de leis populares que foram aprovadas e estraram em vigor. Atualmente, temos no Brasil apenas quatro projetos de leis por iniciativa popular que chegaram à sanção do Presidente e fazem parte do ordenamento jurídico. São elas: Lei nº 8.930 de 1994 com repercussão na esfera penal; 9.840 de 1999 com repercussão na esfera eleitoral; 11.124 de 2005 sobre a moradia popular e a ultima e talvez a mais conhecida, a Lei Complementar 135 de 2010, a Lei da Ficha Limpa que torna inelegível políticos condenados em processos criminais e/ou cassados em eleitorais.

É possível afirmar que a iniciativa popular é um instrumento necessário para o fortalecimento da democracia participativa. Porém, o cenário atual é contrário aos preceitos constitucionais quanto a esse tema.

Ora, nos mais de trinta anos de Constituição, o que temos hoje de leis por iniciativa por popular, sem, contudo, desmerecer as quatros já referidas acima, que foram e ainda são muito importantes para a aplicação do direito, ainda é um numero inexpressivo e indica pouca participação popular.

De certo é que esta situação pode estar em processo de mudança. Uma das principais causas é o descontentamento para com a classe política do Brasil. Outra causa relevante é avanço da tecnologia. Conforme explicitado acima, já existe uma plataforma para esse tipo de assunto, a qual pode acompanhar o avanço tecnológico para melhorar cada vez mais. O portal e-Cidadania pode ser muito bem usado e cada vez mais seguro e confiável, pois permite atualizações tecnológicas:

Art. 4º O portal manterá cadastro de usuários, exigida a devida autenticação para acessar as ferramentas disponibilizadas. § 1º Do cadastro de usuários constarão, no mínimo, os seguintes dados: I - nome completo; II - endereço eletrônico único; III - unidade da federação; e IV - senha de acesso. § 2º Para fins de criação do cadastro a que se refere o § 1º e de autenticação de usuários, é permitida a integração com soluções tecnológicas externas quando estas permitirem acesso não oneroso a qualquer interessado. (BRASIL, 2020, grifo nosso)

Sendo uma eventual PEC por iniciativa popular em discussão no portal e dada a sua relevância, seria muito bem visto e mais seguro a vinculação do CPF do cidadão ao usuário ou ainda, a utilização de certificados e assinaturas digitais, tal atualização poderia trazer mais confiabilidade e proteção a dados, com estrita observação a Lei Geral de Proteção à Dados Pessoais em vigor.

5.2 PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 286/3013

Denominada “PEC da participação popular”, a Proposta de Emenda nº 286/2013, apresentado pelo senador Rodrigo Rollemberg (PSD/DF) em 16 de julho de 2013, visou alterar os artigos 60 e 61 da Constituição afim de ampliar o rol dos legitimados a propor emendas constitucionais.

A proposta, para tanto, propunha a inclusão do inciso IV no caput do art. 60 e dos parágrafos 6º e 7º para o mesmo artigo, a fim de permitir que, no caso de apresentação de Proposta de Emenda à Constituição, junto à Câmara dos Deputados, a proposição deve ser subscrita, inclusive por meio eletrônico, por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Já no caso de emendas de inciativa popular a proposta de emenda à Constituição poderá ser apresentada perante a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal, atendidas as mesmas exigências de subscrição de PEC de iniciativa popular.

Ainda, a referida PEC também alteraria a redação do § 2º do art. 61 e acrescenta os parágrafos 3º, 4º e 5º para o referido artigo. A alteração da redação do § 2º do art. 61 prevê que, na apresentação de projeto de lei complementar e ordinária, a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito, inclusive por meio eletrônico, por, no mínimo, 0,5% (meio por cento) do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por 5 (cinco) Estados, com não menos um décimo por cento dos eleitores de cada um deles. Já a apresentação de emendas de iniciativa popular a estes projetos de lei poderia ser apresentada perante a Câmara dos Deputados ou Senado, respeitadas as exigências de subscrição do parágrafo 2º. O novo § 4º, acrescido ao art. 61 da Constituição Federal, visa prever a iniciativa popular por meio eletrônico, a ser regulamentada por lei, conforme previsto nos §§ 2º e 3º do art. 61 e no § 6º do art. 60. Por fim, a inclusão do § 5º do art. 61 prevê que as proposições de iniciativa popular, apoiadas por partidos políticos com representação em ambas as casas do Congresso Nacional, não se submeterão às hipóteses de sobrestamento de pauta previstas na Constituição Federal.

Em voto proferido pelo Relator da PEC, deputado federal Beto Albuquerque, à época integrante da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, foi pela admissibilidade da Proposta e em seu voto foi pela ampliação de participação popular, e concluindo:

Em razão disso, é preciso que se conceda ao povo a faculdade de participar efetivamente do aprimoramento de nosso Estatuto Maior, o que equivale a contribuir para a evolução de nossas instituições, da qual vai depender a consecução cada vez maior do bem comum. Portanto, as propostas em análise ampliam as possibilidades de participação popular, infundindo credibilidade ao sistema representativo, ao proporcionar o estabelecimento de vínculos mais orgânicos entre o Legislativo e a sociedade civil. Reduzir barreiras à participação, facilitando os termos que autorizam a apresentação de propostas de leis e alterações constitucionais, por parte da sociedade, contribui para tornar o processo legislativo mais sensível aos movimentos da opinião pública e às expressões da vontade da cidadania. (BRASIL, 2020)

Observa-se que em primeiro momento, em data de 03 de abril de 2014, sob relatoria do Deputado Beto Albuquerque, a CCJC foi pela admissibilidade da proposta apresentada. Porém, em momento posterior, foi designado como relator o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL/SP), votando pela inadmissibilidade da Proposta. Para o relator, seriam as barreiras implícitas ou tácitas ao poder de emenda: a impossibilidade de modificação quanto à titularidade do poder constituinte originário; a impossibilidade de alteração relativa à titularidade do poder constituinte derivado; a impossibilidade de alteração das regras que disciplinam o próprio processo de reforma da constituição.

Assim, em momento mais recente, aos 04 de setembro de 2019, a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, em reunião ordinária, opinou pela inadmissibilidade da proposta nos mesmos termos do voto do relator Deputado Luiz Phelippe de Orleans e Bragança.

Não houve interposição de recursos, sendo assim, aos 4 de outubro de 2019, foi oficiado pela Primeira-Secretária da Câmara, Deputada Soraya Santos, ao Primeiro-Secretário do Senado, senador Sergio Petecão acerca do arquivamento da PEC 286, sendo este seu encerramento.

6 CONCLUSÃO

Tendo em vista os aspectos observados, o fato de o povo ser capaz de apresentar projeto de lei perante o Poder Legislativo, é sem dúvida, uma bela demonstração de que o princípio fundamental da soberania popular e o instituto da iniciativa popular estão em uso e permitem aos cidadãos buscarem de forma livre e direta os seus direitos.

Apesar de a própria Constituição limitar a iniciativa popular à matéria constante de leis infraconstitucionais, a doutrina construiu duas posições principais ao longo dos anos: a maioria, de que uma análise sistemática da Constituição, combinando a soberania popular e o instituto da iniciativa popular leva a crer que é possível tal feito. Diferentemente, uma minoria de doutrinadores entende não ser possível, uma vez que, a própria Constituição suas limitações.

Assim, uma limitação formal, uma vez que a própria Constituição restringe os legitimados para propor emendas à Constituição e uma segunda limitação, a limitação sociológica, pois está diretamente ligado na relação povo e poder político no Brasil.

Independentemente disso, para encontrar respaldo na utilização da iniciativa popular para modificar a Constituição não é necessário ir muito longe, posto que algumas Constituições Estaduais já promovem a propositura de emenda à Constituição pela iniciativa popular, sendo adaptada a cada caso e especificidade de cada estado.

Diante do exposto, há de ser considerado que a possibilidade de uma eventual proposta de Emenda à Constituição por iniciativa popular encontra guarida na interpretação sistemática que considera a soberania popular inserida no artigo 1º, inciso I e parágrafo único, os direitos fundamentais do artigo 5º, os direitos sociais e os políticos, principalmente aqueles dispostos no artigo 14, caput e incisos, posto que a Constituição se revela um sistema de normas que se entrelaçam para atingir um único objetivo: a consolidação dos direitos fundamentais de todas as gerações e, em consequência, a defesa do Estado Social e Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ficha de proposição PEC 286/2013. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=585094 > Acesso em 14 set. 2020.

BRASIL. SENADO FEDERAL. Resolução nº 19 (2015). Resolução nº 19, de 27 de novembro de 2015. Brasília, DF: Senado, 2020. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/norma/561835/publicacao/15622229>. Acesso em 12 set. 2020.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 08 nov. 2019.

CARVALHO, Eryck Beyruth de. Democracia direta no Brasil: condições e possibilidades. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

DUARTE NETO, José. A iniciativa popular na Constituição Federal. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre governo civil. Tradução de Marsely de Marco Dantas. 1. ed. São Paulo: Edipro, 2014.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de Ana Resende. 9. ed. São Paulo: Martin Claret, 2019.

TEMER, Michel. Elementos do direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

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