Spotify, Inteligência Artificial e os Direitos do Autor

11/05/2023 às 18:10
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Qual seria o limite no uso da Inteligência Artificial em composições musicais? Com o evidente crescimento, na medida que mais criadores buscam ferramentas que inspirem diferentes tipos de estilos, as discussões éticas, legais e artísticas ganham volume. A Endel, uma empresa sediada em Berlim, dedicou-se nos últimos anos à “composição” de músicas usando algoritmos, pequenos pedaços de cerca de dois minutos e meio com backgrounds ambientais e sons relaxantes combinados e títulos sofridos como “Noite Clara”, “Noite Chuvosa”, “Tarde Nublada” ou “Manhã Nebulosa” que supostamente ajudam as pessoas a relaxar ou se concentrar, e que você pode encontrar procurando por Endel no Spotify, Apple Music ou Alexa, ou você pode gerá-lo usando seu aplicativo, e claro mais do que na hora o mundo da música começa finalmente a reagir à invasão da inteligência artificial, por prioridades das mais diversas.

Há algumas semanas, a gravadora Universal Music Group (UMG) enviou uma carta a todas as plataformas de streaming pedindo a remoção imediata de músicas geradas por IA, por violação de direitos autorais. E as plataformas estão começando a responder: o Spotify removeu milhares de músicas criadas com inteligência artificial.

Por mais que seja irónico, há alguns anos, o mundo artístico e criativo parecia o único fora do alcance da IA, porque "um programa não pode criar arte", diziam... E agora é o mais ameaçado.

Como em outros mercados, a Inteligência Artificial vem tomando o mercado feito um furacão, da mesma forma que vai tomar muitos empregos.

Segundo o conteúdo da carta: "Aprendemos que certos sistemas de IA podem ter sido treinados em conteúdo protegido por direitos autorais sem obter os consentimentos necessários dos detentores de direitos ou pagar-lhes compensação. Não hesitaremos em tomar medidas para proteger nossos direitos e os de nossos artistas".

Nos últimos meses, as plataformas de streaming foram inundadas com milhares de música geradas por IA, a maioria delas covers. Há até canais no YouTube.

O problema é que a inteligência artificial precisa estrear com música de verdade, e seus criadores fizeram isso sem pagar royalties pelo uso dessa música. É evidente que as plataformas de streaming fazem o que as gravadoras pedem, porque vivem delas. Foi o que o fez Spotify.

Curiosamente, o Spotify, não o fez por causa dos direitos autorais solicitados pela Universal, mas porque eles usaram streaming artificial, removendo todas as músicas geradas por IA criadas por uma empresa chamada Boomy. Ele oferece software alimentado por IA que permite que seus usuários criem músicas do zero, misturando diferentes estilos musicais, ou seja um potencial concorrente. Para se ter uma ideia, esses usuários já criaram cerca de 14,5 milhões de músicas e estão enviando-as para o Spotify.

O Spotify, considera isso como reprodução artificial de canções, para que o número de reproduções aumente. Um software reproduz as músicas sem parar, sem que ninguém as escute, ou seja anabolizando os números e controlando a audiência.

Como relata o Business Insider, há até empresas que cobram para aumentar artificialmente as reproduções de qualquer música e, assim, subir nas paradas.

Ainda que as razões sejam diferentes, o Spotify seguiu parcialmente os exemplos do Universal Music Group, já que as músicas geradas por IA de Boomy estavam em sua lista de pedidos de exclusão.

Estamos assistindo o universo da música em um novo divisor de águas, bastante polêmico, onde o talento, os anos de estudo, o treinamento instrumental ou de voz podem não servir mais, e onde qualquer um pode pegar uma ferramenta com IA, misturar as vozes e estilos de Drake e The Weekend, e em poucas horas “criar uma música” que logo lidera o Hit Parade sem se saber se as vozes são humanas ou não.

Há implicações muito mais profundas do que simplesmente pagar um direito autoral, e ninguém sabe para onde eles nos levarão. Que o Spotify removeu milhares de músicas geradas por IA, é apenas uma gota de água no mar profundo e amplo que se avizinha.

Logo fica a pergunta diante do resultado, isso é arte? Pode-se então falar em Direitos de autor? Quem seria o autor de uma obra coletiva?

Vejamos, direitos de autor são direitos conferidos aos criadores de obras literárias e artísticas e logo entre outras obras poderíamos evidenciar: filmes, composições musicais, coreografias, trabalhos artísticos como pinturas, desenhos, fotografias e esculturas; arquitetura entre outros.

Logo estaríamos assim diante dos denominados direitos intelectuais, enquanto criações do espírito humano, tanto as imagens quanto o software?

Sabemos que o Direito do Autor compreende prerrogativas morais e patrimoniais, aquelas referentes ao vínculo pessoal e perene que une o criador à sua obra e estas referentes aos efeitos econômicos da obra e o seu aproveitamento mediante a participação do autor em todos os processos e resultados. A Lei nº 9.610/98, a qual tem como finalidade proteger as obras literárias, artísticas e científicas, impedindo desta forma, que terceiros se utilizem indevidamente das obras protegidas, sendo assim um software que cria um padrão artístico estaria dentro dessa definição?

Nos socorremos da WIPO que define direito de autor como sendo a proteção da criação da mente humana. Assim, é importante salientar que o direito autoral protege as obras, e logo elas precisam de meio físico, o que poderia ser uma gravação e ou no caso um programa de computador com seu código registrado?

O direito entende que todos aqueles que tiverem o seu nome agregado a uma obra serão legalmente considerados co-autores, logo um algoritmo construído pelo coletivo estaria assim enquadrado?

Seria o caso das GANS, que foram introduzidas em 2014 por pesquisadores da Universidade de Montreal, e que são arquiteturas de redes neurais (deep learning) compostas por duas redes uma contra a outra, daí adversária, treinadas para criar mundos semelhantes em qualquer domínio (música, imagens, textos).

Qual seria o limite no uso da Inteligência Artificial em composições musicais? Com o evidente crescimento, na medida que mais criadores buscam ferramentas que inspirem diferentes tipos de estilos, as discussões éticas, legais e artísticas ganham volume.

O fato é que o contratos são celebrados não é com um algoritmo, mas com uma empresa que mantém direitos de suas criações, e que ele simplesmente assinou um acordo sem adiantamento com a gravadora para a distribuição de algumas de suas peças com uma participação nos lucros de 50%. O algoritmo da empresa gera essas peças ao apertar um botão, pode gerar até seiscentos em uma única interação combinando sons de todos os tipos com intervenção humana mínima, contrata uma empresa externa para tê-las, e o rótulo simplesmente seleciona algumas delas para distribuir como músicas através de plataformas musicais, nas quais convive com músicas normais compostas e interpretadas por artistas normais, gerando receita com base em seu número de reproduções.

Na verdade, o interesse das gravadoras em machine learning não é novo: eles têm usado, por exemplo, para criar e agrupar playlists contextuais ou supostamente ideais para determinadas situações em plataformas de música, a fim de aumentar o consumo de determinadas peças. Eles estão interessados na possibilidade de que essa música possa ser criada por compositores e artistas que cobram pouco ou nada, que são incansáveis, fiéis e que não exigem periodicamente a renegociação de seu contrato, isto é algo que soa perfeitamente crível.

Ao mesmo tempo, a geração algorítmica da música não precisa ter um limite, pois o fato de começar com composições desse tipo, ambientais e razoavelmente simples, não implica que um algoritmo bem treinado não seja capaz de produzir, por exemplo, uma composição pop, house ou outra, e até mesmo projetá-lo com base em sucessos anteriores. Já existem, de fato, composições mistas em que um algoritmo cria música com um artista, embora no momento eles não tenham se tornado, em nenhum caso, sucessos esmagadores. Mas os humanos são muito mais previsíveis do que pensamos ou queremos acreditar e as gravadoras são especialistas em manipular gostos de mercado simplesmente com estratégias de controle de canais e a promoção que ocorre neles, este conceito pode acabar gerando discussões mais complexas do que parece.

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Uma recente matéria publicada no Estadão, destacou o mesmo fato, quando o assunto seria a criação coletiva por meio de software. Uma experiência de uma equipe de acadêmicos holandeses que, após um experimento em compor tópicos usando algoritmos de Inteligência Artificial (IA), acabou criando um novo gênero musical: o Eurovision Technofear. A equipe, Can AI Kick It, usou técnicas de IA para gerar um preditor de hits baseados nas melodias e ritmos de mais de 200 clássicos do Eurovision Song Contest, uma celebração anual da música pop e kitsch. Estes incluíram Waterloo de Abba.

Porém para criar as letras de Abuss, o tema com o qual os membros da equipe esperavam participar do concurso de música de IA este ano, eles também usaram um sistema independente de IA, baseado na plataforma de mídia social Reddit, o que acabou por desencadear um protesto.

Segundo a reportagem, como no caso de Tay, um bot de conversação em IA criado pela Microsoft em 2016 que começou a espalhar mensagens racistas e sexistas após ser treinado no Twitter, a culpa estava nas fontes de dados humanos, não no algoritmos.

Uma invasão por bots, gerando conteúdo que a equipe holandesa decidiu manter as tais “mensagens anarquistas” para mostrar o perigo de usar a IA em um ambiente relativamente livre de riscos, como o Europop.

O Concurso de Canção de IA, sim existe já mais de um concurso no mundo, organizado pela emissora holandesa VPRO, é inspirado na Eurovision

Tente imaginar que o próximo hit do verão pode ser criado com um apertar de botão, e lá nos créditos “autor: Algoritmo xpto”. Que mundo é esse?

Um evento que serve de referência para à música usando IA ocorreu no inverno de 2019 em Delft, uma cidade holandesa, foi lá que na 20ª conferência da Sociedade Internacional para a Recuperação da Informação Musical que seria realizada na cidade quando uma proposta foi apresentada aos assistentes acadêmicos, como sendo a primeira competição eurovision para computadores.

É óbvio que o ponto mais polêmico é a substituição do talento pela máquina e por isso devemos ter ferramentas para proteger do risco de que a IA possa, em alguns aspectos, ser usada para suplantar a criatividade humana, mas tente imaginar ou explicar o fenômeno da “música” eletrônica a 40 anos atrás?

Se no primeiro momento as empresas foram atraídas pela composição musical de IA por curiosidade científica, hoje já perceberam o tamanho e o potencial desse mercado e a força das corporações em ditar a regra da música. E então onde estarão os músicos, e compositores nisso? E qual será essa indústria que vai comandar o novo show, softwares que comandam algoritmos ou gravadoras?

Não sei se isso é o futuro, mas como músico de fim de semana, não me agrada nem um pouco.

 

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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