Capa da publicação Hermenêutica jurídica: entre positivismo e pós-positivismo
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Resenha Crítica: a Hermenêutica Jurídica entre o Positivismo e o Pós-positivismo

15/05/2023 às 11:22

Resumo:


  • O capítulo aborda a hermenêutica jurídica entre o positivismo e pós-positivismo, destacando a transição do positivismo para o período pós-positivista.

  • Destaca-se a influência do Iluminismo e das correntes filosófico-jurídicas na construção do positivismo jurídico e a distinção entre positivismo legalista e científico.

  • O pós-positivismo busca a comunicação entre elementos da formação do Direito e da realidade, promovendo a democracia nas normas jurídicas e suspendendo a separação entre o "ser" e o "dever ser".

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Como a hermenêutica jurídica evoluiu do positivismo ao pós-positivismo? O capítulo mostra continuidades e rupturas entre legalidade estrita e abertura a valores sociais.

Resenha do capítulo “A Hermenêutica Jurídica entre o Positivismo e o Pós-Positivismo”, da obra Hermenêutica e Interpretação do Direito Civil, de Aloisio Bolwerk.


Hermenêutica Jurídica: entre o Positivismo e o Pós-Positivismo

Aloisio Bolwerk dedica-se a examinar o desenvolvimento da hermenêutica jurídica sob diferentes perspectivas. O texto percorre sua gênese e influências histórico-sociais, analisa a passagem do positivismo para o pós-positivismo e destaca a aplicação concreta dessas correntes no Direito. Além disso, o capítulo assume um viés multidisciplinar ao diferenciar o positivismo enquanto ciência social — cuja referência maior é Augusto Comte, na França — do positivismo de cunho jurídico-filosófico, associado a Thomas Hobbes, na Alemanha[1].

Em relação à corrente positivista, disserta-se, em primeiro plano, o surgimento de sua esfera científico-filosófica, em busca de promover o entendimento adequado de sua genealogia, vindo o campo jurídico desenvolver-se posteriormente. Para o positivismo enquanto ideologia filosófica, o cientificismo era considerado a única forma de conhecimento verdadeiro, sendo provado a partir de métodos científicos válidos à época. Desconsiderava-se, assim, os conhecimentos obtidos por meios subjetivos, como os por intermédio da metafísica. Sob o comando de Augusto Comte, visou-se estabelecer uma linha de pesquisa para a sociedade, na qual seria possível estudar e analisar os fenômenos sociais (constantemente mutáveis) tal qual as ciências naturais.

Seguindo a genealogia, surge, como descendente do positivismo filosófico (ressaltando-se a incomunicabilidade direta entre ambas as teorias) o positivismo jurídico, no início do século XIX. Diferentemente de sua vertente ascendente, a corrente positivista do campo jurídico não pretendeu separar a razão da subjetividade, mas sim o direito (que deveria ser positivado) do direito natural (inatos à pessoa). Fazendo jus à sua forma reducionista de análise, passou-se a desconsiderar o direito natural da categoria do direito, “assim o acréscimo do adjetivo ‘positivo’ ao termo ‘direito’ torna-se um pleonasmo, porque (...) o positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo”.2

Dando prosseguimento, Bolwerk salienta a importância de mencionar-se a realidade social da época, como os aspectos jurídico-políticos que influenciaram a construção desta vertente do direito. Assim, explica-se que anterior à concretização do Positivismo Exegético, havia uma multiplicidade de ordenamentos além de uma forte atividade interpretativa e construtivista do seu produto. Após sua concretização, apenas o que era previsto na legislação seria passível de aprovação, não mais interpretações ou recorrência a fontes metajurídicas seriam consideradas. Como consequência, o Direito ganhou conotações mais unitárias e delimitadas e acabou por promover um engessamento do afloramento do Direito Natural e dos costumes, frutos das concepções tradicionais e da falsa plástica da “razão artificial” dos juristas.3

Sob a mesma lógica, é ressaltada a fundamental contribuição do Iluminismo – além dos fatores sociais, políticos e filosófico-jurídicos – sobre o movimento positivista, pois atuou na substituição dos costumes pela razão durante o exercício do poder pelos juristas. Quanto às influências filosófico-jurídicas, nota-se uma aproximação entre Direito e Ciência, ao passo que a formulação dos códigos e a ideia de tornar a legislação parte intrínseca ao Direito foram fortemente alicerçadas nas doutrinas da Escola da Exegese da França e da Escola Histórica da Alemanha.4

Ainda sobre a construção do positivismo no campo jurídico, é distinguido o positivismo legalista do científico (juspositivismo): aquele considera que todo o Direito nasce da legislação estatal, mas admitia a recorrência a valores éticos, morais e naturais para sua fundamentação; enquanto este rompe com esse limiar, ao frear essa comunicação axiológica e construtora da lei sob o argumento de que tal liame poderia gerar insegurança, de casuísmo e imprevisibilidade. Em vista da hermenêutica jurídica, para o autor, esta recebeu inspirações do contexto social e político do positivismo no âmbito jurídico e passou a desenvolver-se seguindo os ditames e dogmas das ciências exatas, lastreadas pela neutralidade e previsibilidade.5 No tocante a sua aplicação concreta, busca-se atingir uma neutralidade interpretativa da letra da lei, o que, para Bolwerk6, se torna algo impossível e acaba por estacionar no plano ideológico.

Por outro lado, a teoria pós-positivista difere-se de sua antepassada sobre as fontes e o modus operandi a ser seguido. Esta “nova” teoria tem sua gênese explicada, no capítulo, como uma forma de superar o engessamento promovido pelo positivismo jurídico clássico, tangente à desconsideração de valores extrajurídicos e ao agir estritamente mecânico. Porém, não pode ser reduzida apenas a isto e deve ser compreendida como uma vertente que “apoia a tese em que os elementos da formação do Direito devem estabelecer comunicação com os elementos da realidade”7. Ou seja, esta linha de raciocínio busca a suspensão do apartheid entre o “ser” e o “dever ser”, unindo o Direto com a sociedade e suas relações, ao mesmo tempo que não exclui o ideal da legalidade normativa imposto pelo Estado.

Confere-se ao pós-positivismo o papel de fomentar a democracia nas normas jurídicas, devido à consideração e diálogo com fontes externas ao Direito em si pela hermenêutica. Para Friedrich Müller8, o exercício da hermenêutica no universo jurídico pós-positivista deve se ater aos dados de real incidência social, para que assim o processo de elaboração da norma seja consonante com a fenomenologia social e a realidade, evitando uma subjetividade demasiada que possa, consequentemente, favorecer um estado de insegurança jurídica. Nesta senda, o ato comunicativo entre as normas e a realidade promoveria uma aproximação entre o ser e o dever-ser, negada pela teoria anterior.


Conclusões do resenhista

O capítulo revisita os pontos convergentes e divergentes do exercício da hermenêutica jurídica entre as épocas de direito positivista e pós-positivista, com enfoque no âmbito jurídico (e não político) e sob construção ramificada de seu legado, lastreado no tempo e no espaço. Para isso, é analisado de forma geral ambas as teorias, a partir da proposição de características satisfatórias e negativas, de modo a promover uma suspensão de juízos meramente valorativos e/ou infundados que contemple, assim, uma análise essencialmente crítica.

Em seu fechamento, o autor lança mão de suas considerações finais após a argumentação feita em torno do tema e estabelece que o capítulo não é adepto ao raciocínio antipositivista, muito menos à ideia de superação do positivismo pelo seu descendente (pós-positivismo), visto que aquele é base de sustentação deste. Ademais, é posto à voga a inquestionabilidade acerca dos contributos do juspositivismo para a confecção de ordenamentos jurídicos e a importância conferida às normas e ao sistema jurídico em si.

Destarte, o capítulo sob forma dissertativa-argumentativa, tem sua construção persuasiva dotada de elementos sociais, econômicos, históricos e principalmente jurídicos, que não visam perpassar ou sobrepor uma teoria à outra, renegando seus contributos fundamentais à progressão do pensamento na acepção jurídico-social; mas sim contemplar e facilitar o entendimento desse desenvolvimento, por intermédio de um destrinchamento (para o autor, genealogia) da teoria positivista e suas influências para a comunidade jurídica como um todo.

O trecho da obra analisado permite uma compreensão aprofundada sobre a hermenêutica jurídica, sua estruturação e o período de afloração e progresso do positivismo e suas vertentes, utilizando-se de recortes espaço-temporais para a elucidação do tema pelo leitor, o que é feito com excelência pelo autor, já que a apresentação do conteúdo é devidamente lúdica, coerente e coesa, além de propiciar um ambiente de assimilação da matéria em estudo de forma ampla.

Sobre o período antecedente ao positivismo, neste havia grande pluralidade de ordenamentos jurídicos e o cumprimento da lei fazia-se de modo subjetivo e interpretativo, sob juízos valorativos de condutas transgressoras às normas. Trazendo este liame para os estudos de Hans Kelsen, haveria uma indiferença entre o “ser” e o “dever-ser”, ou seja, a natureza humana e a legislação estariam sobre o mesmo plano. Este cenário é passível de certos impasses, como insegurança jurídica e incerteza do cumprimento da lei, o que acaba acarretando em impunidades e uma consequente descaracterização do perfil criminoso de atos na sociedade.

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Ascende, então, a teoria positivista, que busca garantir unidade e coesão ao ordenamento jurídico, afastando o “ser” do “dever-ser” e a si mesma de subjetividades e pluralismos nos produtos das leis. Para isso, a norma deveria constituir um fim em si mesma, evitando interferências de valores metajurídicos, como da filosofia, sociologia, ética, moral etc., devendo servir apenas de base axiológica para o positivismo legalista, mas nem mesmo sob tal fim para o positivismo científico (juspositivismo). É perceptível que o positivismo jurídico, ainda com suas distinções em suas vertentes segmentadas, age com vista a garantir segurança ao processo legal e ao Direito em sua totalidade, mas tal tentativa recai sobre uma impossibilidade em sua essência, visto que o Direito deve reger as condutas humanas e estas são constante e inerentemente mutáveis e incertas, dado que estão inseridas em determinado contexto e cultura social, sendo frequentemente ressignificadas pelo amplo contingente de indivíduos (no sentido de individualidade) pensantes.

Sob a perspectiva do pós-positivismo, este demonstra maior razoabilidade em seus conceitos, ao passo que é confluente das teorias jusnaturalistas e positivistas, pois reconsidera os valores extrajurídicos no exercício da hermenêutica, reconduzindo o Direito à ética e aproximando os campos da natureza humana e da norma em si de modo mais equilibrado, para que não se reincida nos mesmos erros do período “pré-positivista”. Desta forma, o Direito versaria sobre as condutas sociais a partir de princípios que emergem da própria sociedade, promovendo uma maior coerência à atividade jurídica.

Por último, faz-se fundamental destacar o acertado posicionamento do autor diante do conjunto de teorias abordadas, o qual nega-se a sobrepor ou subjugar uma à outra, conferindo a devida importância unitária a cada uma, sendo essas de grande valia para a formação do “todo”, que consiste no desenvolvimento doutrinário responsável pela formação do Direito contemporâneo e que pôde, com sucesso, salvaguardar a coesão da sociedade.

O capítulo retrata o cenário de passagem do positivismo para o pós-positivismo jurídico com enfoque nas atribuições da hermenêutica em cada época, detalhando as diferentes vertentes de cada teoria. Não tem por objetivo adotar um ideal de superação, mas sim de explicação dos contributos de cada vertente teórica ao papel da hermenêutica jurídica.

Sua leitura é indicada a acadêmicos de direito, atuantes na área e à comunidade jurídica no geral. Possui forma de escrita não muito dificultosa, o que permite um entendimento crítico próprio do leitor de forma espontânea.

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Notas

  1. BOBBIO, 1995, p. 34.

  2. Ibidem, p. 26.

  3. BOLWERK, 2018, p. 22.

  4. Ibidem, p. 24

  5. Ibidem, p. 25

  6. Ibidem, p. 30

  7. MÜLLER, 2013, p. 119.

  8. MÜLLER, 2000, p. 64.

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Sobre o autor
Rian Stanley Macedo Araújo

Estudante de Direito pela Universidade Federal do Tocantins (UFT); Tecnólogo em Investigação e Perícia Criminal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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