A jornada do direito mais universal de todos na internacionalização da liberdade

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Ingrid Cristine Vieira Ferreira Nunes1


RESUMO

Objetivando avaliar de que forma os avanços globais do Direito Penal influenciam as relações internacionais e observando como características de universalidade deste ramo do Direito favorecem a sua internacionalização, discorreu-se brevemente sobre o processo abolicionista no Brasil, a partir de pesquisa bibliográfica qualitativa. Constatou-se que o Direito Penal é o ramo jurídico mais universal de todos, por tutelar os bens mais caros ao convívio social global, favorecendo o processo de internacionalização desse Direito, que influencia e é influenciado pelo contexto mundial, como se viu na abolição da escravatura no Brasil, que foi um processo complexo que envolveu fatores jurídicos, econômicos, políticos e sociais. Os avanços globais do direito penal foram um fator importante na pressão internacional para o fim da escravidão e nas mudanças na legislação brasileira que levaram à abolição. Os reflexos nas relações internacionais foram significativos e contribuíram para fortalecer os laços diplomáticos do Brasil com outros países e inspirar movimentos abolicionistas em todo o mundo, ressaltando a importância da internacionalização do Direito Penal para o combate de chagas transnacionais, como a escravidão, que afrontam à dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Direito Penal. Relações Internacionais. Universalidade. Internacionalização. Abolição da Escravatura.

ABSTRACT :

Aiming to assess how the global advances of Criminal Law influence international relations and observing how universal characteristics of this branch of Law favor its internationalization, a brief discussion was made about the abolitionist process in Brazil, based on qualitative bibliographical research. It was found that Criminal Law is the most universal legal branch of all, as it protects the most expensive goods in global social life, favoring the process of internationalization of this Law, which influences and is influenced by the global context, as seen in the abolition of criminal law. slavery in Brazil, which was a complex process that involved legal, economic, political and social factors. Global advances in criminal law were an important factor in international pressure to end slavery and in the changes in Brazilian law that led to its abolition. The reflections on international relations were significant and contributed to strengthen Brazil's diplomatic ties with other countries and inspire abolitionist movements around the world, highlighting the importance of the internationalization of Criminal Law to combat transnational scourges, such as slavery, which confront the dignity of human person.

Keywords: Criminal Law. International relations. Universality. Internationalization. Abolition of Slavery.

1 Introdução

É um desafio à compreensão da comunidade internacional atual como a mesma lei que hoje criminaliza condutas hediondas, como a escravidão, outrora já as legitimou.

Neste contexto, fica o questionamento de como os avanços globais do Direito Penal influenciam as relações internacionais, uma vez que hoje é impensável um país que tolere em seu ordenamento jurídico tamanha barbárie.

Na tentativa de dar uma resposta a este questionamento, seguiu-se a pesquisa básica pura, qualitativa e bibliográfica abaixo, partindo-se do universalismo do Direito Penal, como fator corroborante de sua internacionalização, que propicia a evolução das relações internacionais, no sentido da preservação da dignidade da pessoa humana, tendo como exemplo a abolição da escravatura no Brasil.

2. O Direito Mais Universal De Todos

Nas preciosas lições do jusfilósofo Paulo Nader (2021, p. 61), “o Direito é um processo de adaptação social, possui caráter evolutivo e, além de um conteúdo nacional, reúne elementos universais.”

A constante evolução dos processos de internacionalização das relações jurídicas globais exige cada vez mais desses elementos universais do Direito.

A Profa. Janaina Conceição Paschoal leciona que:

O direito penal tem por finalidade proteger bens jurídicos relevantes para o convívio em sociedade, e pode-se recorrer a ele apenas quando esses bens são lesados ou postos em perigo concreto de lesão. Vida, liberdade individual, liberdade sexual, integridade física e patrimônio público são exemplos de bens jurídicos relevantes e, portanto, dignos de tutela penal. (Paschoal, 2015, P.3)

Sendo assim, o Direito Penal tende a tomar a dianteira dos demais ramos do Direito, no que se refere a sua internacionalização, seja do ponto de vista da influência que exerce no Direito Internacional ou mesmo da que recebe deste no Direito Interno.

Isso porque, seus comandos gozam de um maior grau de universalidade, ao tutelar os bens jurídicos de maior relevo para todo e qualquer ser humano, sendo, segundo se depreende dos ensinamentos, por exemplo, de Miguel Reale Jr. (2020), fundamento da celebração do pacto social que estabeleceu os Estados Nações, para a tutela desses mesmos bens caros ao convívio social e progresso da humanidade, visando a superação, ou pelo menos a minimização, de um estado de guerra de todos contra todos.

Paulo Nader acrescenta que:

Tanto o Direito Comparado quanto a História do Direito confirmam os atributos citados. O Direito de variados povos registra ponderáveis coincidências axiológicas, que não decorrem do acaso, mas de uma razão superior: a universal natureza humana. A distinção de culturas implica certamente a distinção de estatutos coercitivos, que se distanciam no acidental e se homogeneizam no fundamental.

A proteção à vida, à liberdade, à integridade física e moral, ao patrimônio é denominador comum, pois as fórmulas legislativas não se apresentam unitárias em face da multiplicidade das experiências sociais. Matar alguém é delito previsto na legislação de todos os povos civilizados em razão do direito natural à vida. A espécie de punição e a sua intensidade; os motivos excludentes de criminalidade; as circunstâncias que agravam, ou diminuem a pena, embora revelem certa convergência entre as legislações, são particulares a cada sistema jurídico. A pesquisa histórica oferece, também, atestado de estabilidade e permanência ao Direito Natural. O demasiado recuo no tempo pode acusar o contrário, fato esse a ser atribuído a atrasos culturais, conforme se passou com o instituto da escravidão ou da chamada morte civil entre os romanos. (Nader, 2021, P.198)

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A existência do Tribunal Penal Internacional (TPI) só é possível devido a maior incidência de elementos universais no Direito Penal, haja vista que ainda não existe uma corte internacional, com a abrangência jurisdicional do TPI, que trate de questões cíveis, por exemplo.

2.1. Universalizando a liberdade

A abolição da escravatura no Brasil em 1888 foi um processo histórico complexo que envolveu fatores políticos, econômicos, sociais e jurídicos. Entre os fatores jurídicos que contribuíram para o fim da escravidão no país, os avanços globais do direito penal tiveram um papel importante.

No século XIX, houve uma crescente pressão internacional para o fim da escravidão em todo o mundo. Isso incluiu tratados e convenções internacionais que condenaram a escravidão e o tráfico de escravos, bem como pressões econômicas e políticas de países que aboliram a escravidão e se recusaram a fazer negócios com países que continuavam a praticá-la. Essa pressão internacional foi um fator importante na abolição da escravidão no Brasil.

Segundo Rui de Figueiredo Marcos, Carlos Fernando Mathias e Ibsen Noronha:

Logo após a Independência muitos assuntos absorveram a atenção do Governo do novel Estado. Desde a preocupação com o reconhecimento pelas Nações, passando pelo processo eivado de Constitucionalismo, até a questão da escravidão, muito foi ventilado e discutido nos primeiros tempos do Império.

Em 1823, Lord Amherst, Vice-Rei da Índia inglesa, ao passar pela Corte do Rio de Janeiro já transmitira a José Bonifácio os termos necessários para que o Reino Unido reconhecesse o Império. Destacava a iminente interrupção do tráfico de escravos africanos. [...]

O Patriarca da Independência, já durante os trabalhos da Assembleia Constituinte, propusera, por meio de uma Representação, a extinção gradual da escravidão acompanhada da emancipação dos escravos. (Marcos; Mathias, & Noronha, 2014, p. 359)

Além disso, houve mudanças importantes na legislação brasileira que refletiram os avanços globais do direito penal. Em 1831, a lei decretou o fim do tráfico transatlântico de escravos, e em 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre, que concedia liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. Em 1885, a Lei dos Sexagenários concedeu liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade.

Essas mudanças na legislação brasileira refletiram as tendências internacionais em relação à escravidão e mostraram que o Brasil estava disposto a seguir essas tendências. Além disso, a pressão internacional e as mudanças na legislação ajudaram a criar um ambiente político favorável à abolição da escravatura no país.

Os reflexos nas relações internacionais foram significativos. A abolição da escravidão no Brasil foi recebida com entusiasmo por países que haviam abolido a escravidão anteriormente e ajudou a fortalecer as relações diplomáticas com esses países. Além disso, o Brasil se tornou um exemplo para outros países que ainda mantinham a escravidão, inspirando movimentos abolicionistas em todo o mundo.

3 Considerações Finais

O Direito Penal, como aquele mais universal de todos, encontra maior capilaridade na comunidade internacional, de modo que os seus avanços globais influenciam muito positivamente nas relações internacionais, a exemplo do seu papel na abolição da escravatura no Brasil e no mundo.

A chaga da escravidão, embora infelizmente persista em alguns lugares do Brasil e do mundo, vem cicatrizando na medida em que o remédio da lei penal se intensifica em seu combate, assim como no combate de tantas outras condutas criminosas, ressaltando a importância da internacionalização dessa ramo do direito, principalmente no combate dos crimes transnacionais de maior afronta à dignidade da pessoa humana.

4 Referências Bibliográficas

Jr., M.R. (2020). Fundamentos de Direito Penal (5ª ed.). Grupo GEN.

Marcos, R. D. F.; Mathias, C. F. & Noronha, I. (2014). História do Direito Brasileiro . Grupo GEN.

Nader, P. (2021). Filosofia do Direito (28ª ed.). Grupo GEN.

Paschoal, J. C. (2015). Direito Penal: Parte Geral (2ª ed.). Editora Manole.

1Graduada em Direito. Especializada em Docência e Gestão do Ensino Superior. Mestranda em Estudos Jurídicos com Ênfase no Direito Internacional pela Must University. E-mail.: [email protected].

Sobre a autora
Ingrid Cristine Vieira Ferreira Nunes

Professora, Advogada e psicoterapeuta, mestre em Estudos Jurídicos com ênfase no Direito Internacional, pós-graduada em Direito Público, Direito Digital e Compliance e Docência e Gestão no Ensino Superior.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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