
Mariana Ferrer é uma mulher que sofreu com a imposição do descrédito e a ofensa à sua honra sendo alvo de ataques como acontecera com Dalila, que é associada à voluptuosidade e traição, sem que seja mencionado a nenhum tempo sentimento de culpa ou destino final, e haja vista assim se fez com Eva e Maria Madalena que, foram rotuladas sem possibilidade de falar em sua defesa. Um exemplo de como isso pode ocorrer sem que percebamos é o de que nós, seres humanos vemos a beleza do corpo antes da beleza da alma. Raros e venerados são os que conseguem ver, com os olhos da moral e do espírito.
Assim é com exemplos como o de Afrodite símbolo de beleza e prazer, nos lembramos dela sempre para qualquer relação de amor e beleza mas nunca nos lembramos da beleza de Penélope, filha do príncipe espartano Icário, qual foi prometida a Ulisses em casamento. Penélope era a mais bela das heroínas míticas, mas sua beleza do corpo não supera a beleza da sua conduta e da sua moral. Hoje, no Brasil, somos vitimas de nós mesmos e nossas escolhas e a nossa escola religiosa é uma das culpadas por isso. Fomos educados por quem escondia o saber, por quem amedrontava com o saber e por quem usava o saber com fins lucrativos.
Se observarmos que desde nosso nascimento temos as Leis que limitam as nossas ações que, por vezes são objeto de estudo das ciências e filosofias que vêem no livre arbítrio um caminho de sofrimento. Sem dúvida, o livre arbítrio precisa ser domado, mas somente com a existência da coercitividade jurídica por meio das Leis indisponíveis que impõem limitação à vontade alheia.
O direito não é uma coisa feita, perfeita e acabada; O direito é a positivação da liberdade conscientizada. Para explicar melhor, antes de continuarmos, vamos imaginar que para Freud, é um erro ver o direito como pura restrição à liberdade, pois, ao contrário, ele constitui a afirmação da liberdade conscientizada e viável, na coexistência social e às restrições que impõe à liberdade de cada um legitimando penas na medida em que garantem a liberdade de todos.
E, esta é a razão por que o direito não se confunde com a moral. A Moral visa o aperfeiçoamento de cada um, dentro da honestidade e o Direito visa o desdobramento da liberdade, dentro dos limites da coexistência.
Tanto a amoralidade como a imoralidade, o absurdo, as injustiças e os acontecimentos trágicos, têm sua origem nas decisões do indivíduo. Em relação ao caso Mariana Ferrer podemos citar o caso Ângela Diniz.

Ângela Diniz, Assassinada pelo seu ex-marido Doca Street, foi difamada pela defesa do empresário.
NOTA: Doca Street foi julgado em 1979 em Cabo Frio, sendo defendido pelo advogado Evandro Lins e Silva.
A defesa foi baseada na tese de legítima defesa da honra, responsabilizando-se a vítima por ter provocado tal violência, em razão do próprio comportamento. Durante o julgamento, a honra de Ângela foi manchada, maculando sua moralidade utilizando a difamação como mecanismo de defesa. Com isso posso começar a falar em Id, Ego e Super ego, posso falar em Experiência ou Processo Cognitivo, posso, ainda, falar de atos e fatos jurídicos. Mas sem dúvida que foi uma defesa pérfida, que utilizou um meio obscuro e obsoleto de garantir a impunidade de assassinos de mulheres.
O julgamento de Doca Street

O julgamento de Doca Street foi amplamente divulgado pela mídia e teve como foco a moral sexual feminina. O assassino foi condenado a dois anos de prisão com sursis e imediatamente solto.
NOTA: Sursis é uma suspensão condicional da pena, aplicada à execução da pena privativa de liberdade, não superior a dois anos, podendo ser suspensa, por dois a quatro anos, desde que: o condenado não seja reincidente em crime doloso.
A decisão judicial gerou um amplo movimento de protesto feminista, sob o lema "QUEM AMA NÃO MATA", ocasionando um novo julgamento, quando Doca Street foi condenado a quinze anos de prisão.
O evento é considerado um marco na história do feminismo no Brasil. (fim da nota)
Sobre ambos os casos cabem perguntas. Sobre o caso Ângela Diniz a pergunta é:
como uma mulher desarmada é morta por quatro tiros e vira a vilã da história? (Subtítulo do podcast lançado em setembro de 2020 pela Rádio Novelo).
Semelhante pergunta cabe ao caso Mariana Ferrer: como a vítima se torna vilã da história?
Mariana Ferrer é mais um caso de descaso com a atitude de profissionais do ramo jurídico qual faço parte e me sinto ferido ao ver tal comportamento da década de 1970 do Século 20, se repetindo no ano de 2020 do Século 21.
O advogado de defesa contratado por André de Camargo Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho analisou as imagens, que definiu como “ginecológicas”, sem ser questionado sobre a relação delas com o caso, e afirma que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana.
Após isso Mariana chora durante a audiência e ele também repreendeu o choro de Mariana: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.
Ainda como forma de subjulgar a moça, o perfil de Mariana no Instagram, em que ela compartilhava detalhes do caso, foi removido pela rede social em Agosto deste ano.
Na ocasião, a página contava com mais de 850 mil seguidores. Aranha teria solicitado a remoção do conteúdo na justiça.
Em seu depoimento à polícia, Mariana afirmou que uma amiga a puxou pelo braço e a levou para um dos camarotes do Café em que o empresário Aranha estava e a hora em que “desce uma escada escura”. Ela acredita ter sido dopada. A única bebida alcoólica anotada na comanda do bar em seu nome foi uma dose de gim. Mariana era virgem até então, o que foi constatado pelo exame pericial.
Tanto a virgindade dela quanto a sua manifestação nas redes sociais foram usadas pelo advogado do empresário, que alega que ela manipulou os fatos. “Tu vive disso? Esse é teu criadouro, né, Mariana, a verdade é essa, né? É teu ganha pão a desgraça dos outros? Manipular essa história de virgem?”, disse Cláudio Gastão durante a audiência de instrução e julgamento.
(Lembram-se do caso acima citado de Angela Diniz e Doca Street?)
Os advogados de defesa dos dois réus nas histórias acima citadas são caros e usaram de alegações contra as vítimas de forma a conduzir o pensamento e o processo para a culpabilidade da vitima.
A Delegada Bárbara Camargo Alves, da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, considerou a tese de estupro culposo um absurdo, uma vez que esses crimes costumam ocorrer entre quatro paredes e a única prova acaba sendo a palavra da vítima. E isso pode acabar dando para os mais jovens um ensinamento diverso daquele que a gente está tentando mostrar, de que: não é não!
Se a pessoa não está completamente capacitada para consentir, se há um não, ele não deve manter a relação sexual.
E não importa se ela está bêbada porque quis se embriagar ou porque foi dopada. Em geral, não é esse o tipo de resposta que a gente espera do poder Judiciário.
A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres (adotada pela Resolução 48/104 da Assembleia Geral das Nações Unidas) insta os Estados-membros, entre outras obrigações, a prover mecanismos e procedimentos jurisdicionais acessíveis e sensíveis às necessidades das mulheres submetidas a violência e que assegurem o processamento justo dos casos.
Apesar da evolução tecnológica da nossa sociedade, a chamada velocidade da informação e a globalização que culminou na quarta revolução industrial ou indústria 4.0, não foi capaz de melhorar a moral de alguns, como a desses “advogados” que usam de meios pérfidos para ganhar dinheiro e açambarcar fama.
É necessário aumentar o acesso à justiça mas não criando mecanismos jurídicos materiais mas sim promover uma reflexão no direito processual onde a dignidade de tantas mulheres não seja ferida com a atitude que se verifica ao longo de décadas e até séculos.
É com urgência que precisamos criar uma disciplina escolar que integre ao currículo regular o conhecimento da legislação constitucional a nível nacional.
Vislumbro uma necessidade que deve ser suprida primeiramente pelos municípios, onde a Constituição Federativa Brasileira deva ser matéria e disciplina a ser estudada desde os primeiros anos da vida escolar, ensinando aos mais jovens, aos que chegaram ao mundo agora, os direitos e deveres para com todos à sua volta conforme disciplinado e perfeitamente elencado em cada um dos Incisos e Artigos da Carta Magna que versam sobre a capacidade, os atos e os deveres face à honra, dignidade e humanidade para que possamos ter melhores advogados e pessoas melhores em todas as áreas do conhecimento.
GRIFO MEU: Se Mariana estava bêbada ou dopada, cabia ao acusado colocá-la sobre segurança, condição essa que ele poderia perfeitamente assegurar a ela.
O direito à vida engloba não apenas o direito de existir, mas de existir de modo digno, além da integridade física e moral. Isto implica a vedação a práticas humilhantes e de tortura, por exemplo.
Nesse sentido, dispõe o o inciso III do artigo 5º, CF/88:
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
O direito à igualdade, ao acesso indistinto dos indivíduos a direitos e obrigações, estabelece o inciso I do artigo 5º, CF/88:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Apesar da alta carga de Leis que temos, falta ainda ao brasileiro o pleno conhecimento dos seus deveres pois antes de pensar que possui direitos, é necessário pensar que o Outro possui direitos e que esses direitos devem ser respeitados.
O julgamento do caso Mariana Ferrer, do caso Ângela Diniz e até mesmo em casos como o de Adão e Eva, ou até mesmo Dalila, a mulher é diminuída frente a homens que possuem, por ora, o poder, o conhecimento pleno ou o prestígio diante de uma sociedade, mas que sempre as feministas foram a público denunciar tais atos desumanos em relação à honra das vítimas para poder ter garantias.
NOTA:
Este texto foi publicado por mim em um blog, originalmente em 15 de Novembro de 2020. Um ano depois, em 22 de Novembro de 2021 o Governo Federal aprovou a Lei Mariana Ferrer.
O cinema e os casos em tribunais:
Há anos atrás, na década de 1980 o filme Acusados, trouxe à tona esse questionamento, Click no link da wikipedia e saiba mais sobre o filme que explora os temas de classismo, misoginia, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), Slut-shaming, culpabilização da vítima e empoderamento das mulheres.
*Este artigo é artigo destinado a estudo e pesquisa pública acerca do assunto ora abordado.