Difamação da vítima em casos de violência contra a mulher

Considerações sobre os casos Ângela Diniz e Mariana Ferrer.

17/05/2023 às 10:51
Leia nesta página:

Mariana Ferrer é uma mulher que sofreu com a imposição do descrédito e a ofensa à sua honra sendo alvo de ataques como acontecera com Dalila, que é associada à voluptuosidade e traição, sem que seja mencionado a nenhum tempo sentimento de culpa ou destino final, e haja vista assim se fez com Eva e Maria Madalena que, foram rotuladas sem possibilidade de falar em sua defesa. Um exemplo de como isso pode ocorrer sem que percebamos é o de que nós, seres humanos vemos a beleza do corpo antes da beleza da alma. Raros e venerados são os que conseguem ver, com os olhos da moral e do espírito.

Assim é com exemplos como o de Afrodite símbolo de beleza e prazer, nos lembramos dela sempre para qualquer relação de amor e beleza mas nunca nos lembramos da beleza de Penélope, filha do príncipe espartano Icário, qual foi prometida a Ulisses em casamento. Penélope era a mais bela das heroínas míticas, mas sua beleza do corpo não supera a beleza da sua conduta e da sua moral. Hoje, no Brasil, somos vitimas de nós mesmos e nossas escolhas e a nossa escola religiosa é uma das culpadas por isso. Fomos educados por quem escondia o saber, por quem amedrontava com o saber e por quem usava o saber com fins lucrativos.

Se observarmos que desde nosso nascimento temos as Leis que limitam as nossas ações que, por vezes são objeto de estudo das ciências e filosofias que vêem no livre arbítrio um caminho de sofrimento. Sem dúvida, o livre arbítrio precisa ser domado, mas somente com a existência da coercitividade jurídica por meio das Leis indisponíveis que impõem limitação à vontade alheia.

O direito não é uma coisa feita, perfeita e acabada; O direito é a positivação da liberdade conscientizada. Para explicar melhor, antes de continuarmos, vamos imaginar que para Freud, é um erro ver o direito como pura restrição à liberdade, pois, ao contrário, ele constitui a afirmação da liberdade conscientizada e viável, na coexistência social e às restrições que impõe à liberdade de cada um legitimando penas na medida em que garantem a liberdade de todos.

E, esta é a razão por que o direito não se confunde com a moral. A Moral visa o aperfeiçoamento de cada um, dentro da honestidade e o Direito visa o desdobramento da liberdade, dentro dos limites da coexistência.

Tanto a amoralidade como a imoralidade, o absurdo, as injustiças e os acontecimentos trágicos, têm sua origem nas decisões do indivíduo. Em relação ao caso Mariana Ferrer podemos citar o caso Ângela Diniz.

Ângela Diniz, Assassinada pelo seu ex-marido Doca Street, foi difamada pela defesa do empresário.

NOTA: Doca Street foi julgado em 1979 em Cabo Frio, sendo defendido pelo advogado Evandro Lins e Silva.

A defesa foi baseada na tese de legítima defesa da honra, responsabilizando-se a vítima por ter provocado tal violência, em razão do próprio comportamento. Durante o julgamento, a honra de Ângela foi manchada, maculando sua moralidade utilizando a difamação como mecanismo de defesa. Com isso posso começar a falar em Id, Ego e Super ego, posso falar em Experiência ou Processo Cognitivo, posso, ainda, falar de atos e fatos jurídicos. Mas sem dúvida que foi uma defesa pérfida, que utilizou um meio obscuro e obsoleto de garantir a impunidade de assassinos de mulheres.

O julgamento de Doca Street

O julgamento de Doca Street foi amplamente divulgado pela mídia e teve como foco a moral sexual feminina. O assassino foi condenado a dois anos de prisão com sursis e imediatamente solto.

NOTA: Sursis é uma suspensão condicional da pena, aplicada à execução da pena privativa de liberdade, não superior a dois anos, podendo ser suspensa, por dois a quatro anos, desde que: o condenado não seja reincidente em crime doloso.

A decisão judicial gerou um amplo movimento de protesto feminista, sob o lema "QUEM AMA NÃO MATA", ocasionando um novo julgamento, quando Doca Street foi condenado a quinze anos de prisão.

O evento é considerado um marco na história do feminismo no Brasil. (fim da nota)

Sobre ambos os casos cabem perguntas. Sobre o caso Ângela Diniz a pergunta é:

como uma mulher desarmada é morta por quatro tiros e vira a vilã da história? (Subtítulo do podcast lançado em setembro de 2020 pela Rádio Novelo).

Semelhante pergunta cabe ao caso Mariana Ferrer: como a vítima se torna vilã da história?

Mariana Ferrer é mais um caso de descaso com a atitude de profissionais do ramo jurídico qual faço parte e me sinto ferido ao ver tal comportamento da década de 1970 do Século 20, se repetindo no ano de 2020 do Século 21.

O advogado de defesa contratado por André de Camargo Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho analisou as imagens, que definiu como “ginecológicas”, sem ser questionado sobre a relação delas com o caso, e afirma que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana.

Após isso Mariana chora durante a audiência e ele também repreendeu o choro de Mariana: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

Ainda como forma de subjulgar a moça, o perfil de Mariana no Instagram, em que ela compartilhava detalhes do caso, foi removido pela rede social em Agosto deste ano.

Na ocasião, a página contava com mais de 850 mil seguidores. Aranha teria solicitado a remoção do conteúdo na justiça.

Em seu depoimento à polícia, Mariana afirmou que uma amiga a puxou pelo braço e a levou para um dos camarotes do Café em que o empresário Aranha estava e a hora em que “desce uma escada escura”. Ela acredita ter sido dopada. A única bebida alcoólica anotada na comanda do bar em seu nome foi uma dose de gim. Mariana era virgem até então, o que foi constatado pelo exame pericial.

Tanto a virgindade dela quanto a sua manifestação nas redes sociais foram usadas pelo advogado do empresário, que alega que ela manipulou os fatos. “Tu vive disso? Esse é teu criadouro, né, Mariana, a verdade é essa, né? É teu ganha pão a desgraça dos outros? Manipular essa história de virgem?”, disse Cláudio Gastão durante a audiência de instrução e julgamento.

(Lembram-se do caso acima citado de Angela Diniz e Doca Street?)

Os advogados de defesa dos dois réus nas histórias acima citadas são caros e usaram de alegações contra as vítimas de forma a conduzir o pensamento e o processo para a culpabilidade da vitima.

A Delegada Bárbara Camargo Alves, da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, considerou a tese de estupro culposo um absurdo, uma vez que esses crimes costumam ocorrer entre quatro paredes e a única prova acaba sendo a palavra da vítima. E isso pode acabar dando para os mais jovens um ensinamento diverso daquele que a gente está tentando mostrar, de que: não é não!

Se a pessoa não está completamente capacitada para consentir, se há um não, ele não deve manter a relação sexual.

E não importa se ela está bêbada porque quis se embriagar ou porque foi dopada. Em geral, não é esse o tipo de resposta que a gente espera do poder Judiciário.

A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres (adotada pela Resolução 48/104 da Assembleia Geral das Nações Unidas) insta os Estados-membros, entre outras obrigações, a prover mecanismos e procedimentos jurisdicionais acessíveis e sensíveis às necessidades das mulheres submetidas a violência e que assegurem o processamento justo dos casos.

Apesar da evolução tecnológica da nossa sociedade, a chamada velocidade da informação e a globalização que culminou na quarta revolução industrial ou indústria 4.0, não foi capaz de melhorar a moral de alguns, como a desses “advogados” que usam de meios pérfidos para ganhar dinheiro e açambarcar fama.

É necessário aumentar o acesso à justiça mas não criando mecanismos jurídicos materiais mas sim promover uma reflexão no direito processual onde a dignidade de tantas mulheres não seja ferida com a atitude que se verifica ao longo de décadas e até séculos.

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É com urgência que precisamos criar uma disciplina escolar que integre ao currículo regular o conhecimento da legislação constitucional a nível nacional.

Vislumbro uma necessidade que deve ser suprida primeiramente pelos municípios, onde a Constituição Federativa Brasileira deva ser matéria e disciplina a ser estudada desde os primeiros anos da vida escolar, ensinando aos mais jovens, aos que chegaram ao mundo agora, os direitos e deveres para com todos à sua volta conforme disciplinado e perfeitamente elencado em cada um dos Incisos e Artigos da Carta Magna que versam sobre a capacidade, os atos e os deveres face à honra, dignidade e humanidade para que possamos ter melhores advogados e pessoas melhores em todas as áreas do conhecimento.

GRIFO MEU: Se Mariana estava bêbada ou dopada, cabia ao acusado colocá-la sobre segurança, condição essa que ele poderia perfeitamente assegurar a ela.

O direito à vida engloba não apenas o direito de existir, mas de existir de modo digno, além da integridade física e moral. Isto implica a vedação a práticas humilhantes e de tortura, por exemplo.

Nesse sentido, dispõe o o inciso III do artigo 5º, CF/88:

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

O direito à igualdade, ao acesso indistinto dos indivíduos a direitos e obrigações, estabelece o inciso I do artigo 5º, CF/88:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Apesar da alta carga de Leis que temos, falta ainda ao brasileiro o pleno conhecimento dos seus deveres pois antes de pensar que possui direitos, é necessário pensar que o Outro possui direitos e que esses direitos devem ser respeitados.

O julgamento do caso Mariana Ferrer, do caso Ângela Diniz e até mesmo em casos como o de Adão e Eva, ou até mesmo Dalila, a mulher é diminuída frente a homens que possuem, por ora, o poder, o conhecimento pleno ou o prestígio diante de uma sociedade, mas que sempre as feministas foram a público denunciar tais atos desumanos em relação à honra das vítimas para poder ter garantias.

NOTA:

Este texto foi publicado por mim em um blog, originalmente em 15 de Novembro de 2020. Um ano depois, em 22 de Novembro de 2021 o Governo Federal aprovou a Lei Mariana Ferrer.

O cinema e os casos em tribunais:

Há anos atrás, na década de 1980 o filme Acusados, trouxe à tona esse questionamento, Click no link da wikipedia e saiba mais sobre o filme que explora os temas de classismo, misoginia, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), Slut-shaming, culpabilização da vítima e empoderamento das mulheres.

*Este artigo é artigo destinado a estudo e pesquisa pública acerca do assunto ora abordado.

Sobre o autor
Frederico Barbosa

Eterno Estudante. Professor pelo Colégio Normal Santa Lúcia, Presidente Executivo do Conselho Comunitário de Segurança Pública e Cidadania de Dias d’Ávila, Secretário Executivo da Federação Estadual dos Conselhos de Segurança. Baiano, soteropolitano de natureza, acadêmico de Direito pela Faculdade UNIME, Acadêmico de Gestão da Segurança Pública pela UNIFACS - Laureatte University, revisor de contratos de compra venda e aluguel de imóveis, perito em orçamento público, Tecnólogo da informação pelo SENAI, especialista em LGPD, LRF, LAI, Marco regulatório das OSC, Propriedade intelectual, Resolução de Conflitos Aplicada ao contexto das ouvidorias do Ministério Público, Direito do Consumidor, Controle do Social, Lei do Inquilinato, Mediador e Conciliador pela ENAP, participei de diversos congressos e seminários nacionais e internacionais na área jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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