Consequências da superlotação dos presídios brasileiros.

17/05/2023 às 11:19
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Autores:

Flávia Lopes de Moura

Gabriel Saraiva Garcia

João Paulo dos Santos

Maria Teresa da Costa Rangel

RESUMO: Os Direitos Humanos devem ser considerados como aqueles valores fundamentais que se encontram expressamente ou implicitamente descritos na Constituição do Estado ou são oriundos de Tratados internacionais. Nesse sentido, o presente trabalho encontra-se fundamentado na discussão da superlotação dos presídios brasileiros e suas consequências, traçando, inclusive, os aspectos relacionados as características gerais da pena privativa de liberdade e as violações aos direitos humanos. Para além, como objetivos específicos foram elencados: discutir os motivos que levaram os presídios a chegarem à situação de superlotação; analisar os objetivos das leis que regem o sistema penal (LEP, CP), a função social das sanções privativas de liberdade, e a interferência do Estado na efetiva reintegração do preso na sociedade. Vale ressaltar que esta pesquisa encontra-se fundamentada em uma análise bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVES: Superlotação; Presídio Brasileiros; Direitos humanos.

ABSTRACT: Human Rights must be considered as those fundamental values ​​that are expressly or implicitly described in the Constitution of the State or that come from international Treaties. In this sense, the present work is based on the discussion of the overcrowding of Brazilian prisons and its consequences, even outlining aspects related to the general characteristics of the deprivation of liberty and violations of human rights. In addition, as specific objectives were listed: to discuss the reasons that led the prisons to reach the situation of overcrowding; analyze the objectives of the laws that govern the penal system (LEP, CP), the social function of custodial sanctions, and the interference of the State in the effective reintegration of the prisoner in society. It is noteworthy that this research is based on a bibliographical analysis.

KEYWORDS: Over crowded; Brazilian Prison; Human rights.

INTRODUÇÃO

O contexto social desenvolvido no decorrer da passagem do século XX para o século XXI construiu, com o auxílio do avanço de um vasto cenário de violência, um sentimento de insegurança em diversas áreas das sociedades globais contemporâneas.

São muitas as formas de violência, antigas e recentes, conhecidas e desconhecidas, que se manifestam nessas sociedades. Podemos citar, por exemplo, algumas dessas formas, sendo elas, o sequestro, o narcotráfico, à violência urbana, o terrorismo de Estado e os conflitos relacionados a religiosidade dos indivíduos. Assim sendo, levando em consideração o atual cenário histórico, político e social brasileiro, torna-se necessário abordamos a construção e a implementação do sistema carcerário privado no Brasil.

Vale ressaltar que embora haja políticas públicas voltadas para os espaços prisionais; mesmo que em condições insatisfatórias, pois as instalações são, por muitas vezes, precárias e o atendimento limitado, devido à grande população carcerária; o cumprimento do que se encontra garantido em lei pode não ser percebido dessa maneira por esse grupo social, demarcando a desigualdade e, consequentemente, exclusão social, por uma segunda vez.

Dado que discutir a cidadania, no sistema penitenciário, remete necessariamente a um novo mundo, analisado dentro das novas relações entre exercício de um dos direitos sociais e das possibilidades de pensar o prisioneiro no resgate de sua dignidade como pessoa humana, portadora de direitos internacionais, globais e locais. Exposto isso, constituindo-se como problema de pesquisa a ser investigado: Quais as consequências da superlotação dos presídios brasileiros?

Como objetivo geral se elencou-se a discussão da superlotação do sistema prisional brasileiro, tomando como base de parâmetro os aspectos relacionados as características gerais da pena privativa de liberdade. Como objetivos específicos foram elencados: discutir os motivos que levaram os presídios a chegarem à situação que estão hoje; analisar os objetivos das leis que regem o sistema penal (LEP, CP), a função social das sanções privativas de liberdade, e a interferência do Estado na efetuação da reintegração do preso na sociedade.

A pesquisa do ponto de vista dos objetivos é explicativa descritiva, pois objetiva apresentar de forma clara os fatos analisados, assumindo a forma de levantamentos através de procedimentos de coleta e análise, é fundamental nesse processo afastar-se do objeto as impressões pessoais. Sampiari; Collado; Lúcio (1996), apresenta que a pesquisa descritiva visa observar os fatos, registrá-los e interpretá-los sem que o pesquisador interfira ou manipule os dados.

Para Gil (1991) a pesquisa descritiva expõe as peculiaridades e fenômenos de determinada comunidade ou as inconstâncias existentes entre os fatos pesquisados, ou seja, descreve aspectos e comportamentos de determinada população, considerando as variáveis.

A contribuição deste estudo é a de ampliar o conhecimento científico existente em torno do sistema penitenciário, bem como fomentar o desenvolvimento de novas pesquisas que visem a melhoria do sistema penitenciário, além de contribuir para análise crítica da pena privativa de liberdade no sistema brasileiro.

2 REALIDADE GERAL DO SISTEMA PENINTENCIÁRIO BRASILEIRO E UMA ANÁLISE FRENTE AOS DIREITOS HUMANOS

Considerando que o assunto central da pesquisa é indispensável trazer à baila o debate sobre os direitos do preso expressamente previstos no Pacto São José da Costa Rica, na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984).No caso da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica (Decreto nº 678/1992) os principais dispositivos que apresenta direitos e determinações que impacta os presos são os artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º, com isso interessante falar um pouco sobre cada um deles.

O artigo 4º versa sobre o Direito à vida, entretanto não aboliu a possibilidade de fixação de pena de morte nos Estados-Membros, contudo impôs algumas restrições na aplicação desse tipo de pena, de maneira que caso um país tenha optado por acabar com essa possibilidade não podem retornar com ela; as nações que ainda utilizem essa sanção somente podem imputá-la para os crimes mais graves; essa sanção não pode ser aplicada em caso de delitos com natureza política ou correlato, pois poderia configurar perseguição política; menores de 18 (dezoito) anos, maiores de 70 (setenta) anos e mulheres grávidas não podem ser imputados com esse tipo de pena, bem como o condenado a pena de morte tem direito a solicitação de anistia, indulto ou comutação de pena ficando a pena pendente até decisão desses pedidos.

Nas palavras de Rafael Barreto (2019, p.225-226):

A pena de morte não foi abolida pela Convenção por influência dos Estados Unidos, País que ainda adota a pena capital, e que exerce grande força na OEA.

Por seu turno, posteriormente, por meio de um Protocolo Facultativo, aprovado em 8 de junho de 1990, e ainda não assinado pelos Estados Unidos, foi instituída a abolição da pena de morte para 0 sistema interamericano, ressalvando apenas a hipótese de guerra declarada.

0 "Protocolo à Convenção Americana sobre direitos humanos referente à abolição da pena de morte", foi aprovado pela OEA em 8 de junho de 1990, e 0 Brasil aderiu ao instrumento normativo em 13/8/1996 e promulgou na ordem interna pelo Decreto presidencial n° 2.754, de 27 de agosto de 1998.

Conforme o Protocolo os Estados Partes não aplicarão em seu território a pena de morte a nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição, ressalvada apenas a possibilidade de aplicação da dessa pena em tempo de guerra, por delitos sumamente graves de caráter militar, situação que deve ser registrada pelo Estado parte no momento de adesão ao instrumento normativo.

Ao aderir ao Protocolo, o Brasil fez uma reserva nesse sentido, reservando 0 direito de aplicar a pena de morte em caso de guerra declarada, eis que a constituição brasileira admite a pena de morte nessa hipótese (CF, art. 5°, XLVII, "a").

No que se refere ao direito à integridade pessoal (arrigo 5º da Convenção) é resguardado aos indivíduos a garantia de que eles não poderão ser submetidos a nenhum tipo de tortura, maus tratos, crueldades, penas desproporcionais, desumanas ou degradantes, pois a restrição do direito à liberdade de se pautar em parâmetros de respeito e dignidade. Além disso, a pena tem caráter pessoal; aqueles que ainda não tiveram sentença condenatória transitada em julgado devem ficar separados dos condenados; os menores devem ser separados nos maiores (dependendo da maioridade penal imposta no Direito Interno) e conduzidos a um tribunal especializado, assim como a finalidade de pena é a reabilitação social e reforma dos delinquentes.

Salienta-se que o artigo 6º expressamente impede que a pessoa seja submetida a escravidão, servidão ou trabalho forçado, com isso aquele que se encontra em regime de cumprimento de pena não pode ser constrangido a esse tipo de prática, sendo que nas Nações-Parte que essa prática já era permitida antes da vigência da Convenção deve-se atentar a dignidade da pessoa humana, a capacidade física e intelectual do preso de maneira a não lhe causar qualquer tipo de constrangimento ou humilhação. Ademais, não se considera trabalho forçado serviços normalmente executados por aqueles que estão em cumprimento de pena, serviço militar, serviços decorrentes de estado de perigo ou calamidade e trabalho ou serviço que façam parte de obrigações cívicas naturais.

Diante do exposto, é importante destacar que o Sistema Penitenciário Brasileiro tem o encargo de efetuar a pena privativa de liberdade exigida pela justiça aos criminosos condenados. Possui objetivos principais de prover a reintegração do interno, garantir a segurança da sociedade mantendo-o isolado, assegurar a execução das garantias e necessidades básicas do privado de liberdade ao mesmo tempo garantindo a aplicação efetiva da LEP.

No entanto, na prática a realidade é outra. Além das condições precárias de higiene, saúde e falta de estrutura, a superlotação dos presídios acentua ainda mais esses problemas, acarretando ainda doenças advindas da insalubridade nas celas e vindo a ter sérias complicações nos quadros de saúde dos detentos.

Nesse viés, vale ressaltar que todos esses impasses na aplicação da lei resultam na falha do Estado quanto a reintegração do preso na sociedade, fazendo com que ele, ao cumprir sua pena, saia com desejo de vingança e motivado a realizar novos crimes contra a sociedade, tornando assim, inútil a função do Sistema Penitenciário, a LEP e consequentemente, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

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Nesse sentido, Mirabette (2008, p. 89) afirma que:

A falência do nosso sistema carcerário tem sido apontada, acertadamente, como uma das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, que, hipocritamente, envia condenados para penitenciárias, com a apregoada finalidade de reabilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e provavelmente, com maior desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação ao que conduziu ao cárcere.

Os presídios deixaram de ser um lugar ressocializador para ser apenas um depósito de pessoas que defendem uma hierarquia de facções em busca de poder em todo os locais que se encontram; ao se acumularem, vão em algum momento, entrar em competição por território, acarretando conflitos e resultando até em mortes, a exemplo disso, temos o Massacre de Alcaçuz.

Diante do exposto, torna-se de extrema importância e necessidade o Estado cumprir a lei, ressaltando que a Lei de Execução Penal nº 7.210/1984 em seu art. 10 dispõe:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado. Objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo Único. A assistência entende-se ao egresso.

Assim, como dispõe a norma citada acima, é designado ao Estado a tarefa de reeducar o preso e reintegrá-lo à sociedade. Diante do Artigo citado, podemos ver um cenário contrariado. Hoje, o Sistema Carcerário é constrangedor, o ambiente em si, é totalmente desumano e o Estado que tem por sua função dar assistência àquele que, por sua vez, está privado de liberdade, simplesmente trata de forma equivocada.

3 A SUPERLOTAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Considerando que a temática central do trabalho é compreender como o cárcere (Sistema Penitenciário) no Brasil, é indispensável apontar quais as principais violações observadas no Sistema Carcerário do país e apresentar alguns exemplos de casos julgados.

Destaca-se que o problema da superlotação das cadeias brasileiras é conhecido por toda a sociedade e pelo Poder Público, visto que atualmente a população carcerária (que se encontram em presídios/celas) estaduais e federais é de 661.915 pessoas, sendo que outras 175.528 pessoas se encontram em prisão domiciliar com (87.448) e sem (88.080) tornozeleira, totalizando 837.443 pessoas sob responsabilidade do Sistema Penal Brasileiro, conforme informações dos Dados Estatísticos do Sistema Penitenciário (SISDISPEN) de Junho de 2022.

Ademais, o sistema mencionado acima é uma medida decorrente da Lei nº 12.714/2012 e tem como finalidade apresentar um sistema online para acompanhamento das execuções penais, prisões cautelares e medidas de segurança do Sistema Penal Pátrio, sendo que as informações são levantadas pelos gestores de cada um dos Estados que compõe a Federação mais o Distrito Federal e são atualizados a cada seis meses. Dessa maneira, um dos principais desafios das gestões prisionais, dos Estados, do Poder Judiciário, do Conselho Nacional de Justiça e da União é lidar com o aumento da população carcerária, posto que as cadeias e demais estabelecimentos prisionais existentes no país para cumprimento de penas privativas de liberdade não têm suporte para a quantidade de pessoas delinquindo, assim uma série de medidas precisam ser tomadas para evitar que o problema da superlotação se desdobre em outros.

Salienta-se que, o Pacto São José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos) em seu artigo 7º, item 5 havia previsto o direito das pessoas apreendidas a serem atendidas por um magistrado competente em tempo hábil, contudo essa medida não havia sido implementada no ordenamento jurídico brasileiro, portanto apesar da Corte não ter sido provocada sobre o assunto o Supremo Tribunal Federal através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347 ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em que restou decidida pela implementação dessa medida que já era indispensável, com isso o Conselho Nacional de Justiça, para dar efetividade às determinações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em 2015, instituiu a audiência de custódia em que o preso é apresentado à autoridade judicial no prazo de 24 horas para decisão sobre prisão domiciliar, relaxamento de prisão, liberdade provisória, prisão preventiva, além da possibilidade de realização de serviço social.

Outrossim, acreditava-se que essa medida poderia ser uma boa alternativa para a solução do problema da população carcerária, porém apesar da necessidade de diminuição da população carcerária no país a “cultura do encarceramento” continua enraizada no Poder Judiciário, uma vez que o número de deferimentos de prisões preventivas continua maior que as liberdades provisórias concedidas e que os encaminhamentos sociais ou assistenciais. Os dados atualizados do Conselho Nacional de Justiça sobre as estatísticas das Audiências de Custódia apontam que das 1.075.914 audiências realizadas 2.465 delas resultaram em prisão domiciliar, 430.984 em liberdades provisórias, 642.424 em prisões preventivas, 44.833 em condenação a prestação de serviços sociais e 77.052 dos presos ouvidos relataram ser alvo de tortura e maus tratados (CNJ, 2022).

Destarte, é importante ressaltar que o Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, de 24 de Dezembro de 2019) ocupou-se em regulamentar expressamente essa matéria, todavia tal medida não foi suficiente para solução da problemática, visto que desde sua implementação houve somente a redução de 10% (dez por cento) dos presos provisórios o que demonstra a necessidade de romper com o encarceramento injustificado. Além disso, o aumento do prazo máximo de cumprimento da pena privativa de liberdade de 30 (trinta) para 40 (quarenta) anos, assim como restrição e afunilamento dos requisitos para progressão de regime, decorrentes da vigência do Pacote Anticrime, podem aumentar ainda mais a população carcerária no país.

Outro aspecto que implica na violação aos Direitos Humanos dos presos são as condições de higiene dos estabelecimentos penitenciários, uma vez que a alta quantidade de pessoas ocupando um espaço que seria para muitas vezes duas ou três pessoas tornam o ambiente insalubre o que acaba tornando o local vetor de doenças como, por exemplo, infecções e vírus e pode levar inclusive a propagação de pragas como ratos e baratas, deixando o ambiente insustentável para a vida. Além do mais, o contingente de pessoas trabalhando na área da saúde (médicos, enfermeiros e dentistas) é defasado e não comporta a quantidade de presos necessitando de atendimento, assim como a estrutura das enfermarias costuma ser precária com equipamentos ruins, velhos e péssimo estado de conservação, sendo que os recursos financeiros também acabam sendo limitados impossibilitando a melhoria da qualidade do espaço, dos materiais e a quantidade de profissionais atuando.

Diante disso, o excesso de pessoas aglomeradas em uma cela atribui muitas consequências negativas ao preso e ao Estado, tendo elas o desconforto, higiene e doenças contagiosas, tornando totalmente desumano o ambiente carcerário.

O artigo 85 da LEP diz que o estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade, ou seja, a superlotação além de violar essa lei, também viola as leis que garantem ao privado de liberdade o suprimento de suas necessidades básicas. São elas:

Art.12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

[...]

Art.14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. § 2º Quando o estabelecimento penal não tiver aparelhamento para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.

Diante disso, podemos perceber o quanto o Estado se abstém das suas obrigações, tornando cada vez mais o Brasil portador de uma desestruturação e desigualdade no sistema carcerário, a superlotação e a péssimas condições dos presídios brasileiros a maioria com selas sujas, com ratos, e falta de higiene básica, traz suas regalias e dificuldades aos presos, tornando assim, os mesmos em situações desumanas.

Assis (2007), em suas expressões sobre o descaso nos presídios, relata que:

A superlotação das celas, sua precariedade sua insalubridade tornam as prisões num ambiente propício à proliferação de epidemias e contágio de doenças. Todos esses fatores estruturais aliados ainda à má alimentação dos presos, seu sedentarismo, o uso de drogas, a falta de higiene e toda a lugubridade da prisão, fazem com que um preso que adentrou lá numa condição sadia, de lá não saia sem ser acometido de uma doença ou com sua resistência física e saúde fragilizadas.

Observa-se que a incompetência estatal, de fato, não se esforça para que haja uma melhoria nesses âmbitos; não cumprindo com a legalidade, ocorre o agravamento desse cenário. Infelizmente, esses seres humanos que estão cumprindo a pena privativa de liberdade, se torna mais além de ter sua liberdade privada, tendo que lidar com a falta de eficiência do Estado, e não tendo nenhum avanço para conter essa superlotação.

Destarte, prevalece no sistema prisional, além de um tratamento desumano, o preconceito e a discriminação. Assim, ofendendo o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em via seus direitos violados.

4 CONCEITUAÇÃO E APLICAÇÃO DA PENA: O SISTEMA BRASILEIRO

Conforme Cirino dos Santos preleciona:

A pena criminal é definida como consequência jurídica do crime, e representa, pela natureza e intensidade, a medida da reprovação de sujeitos, imputáveis, pela realização não justificada de um tipo de crime, em situação de consciência da antijuricidade (real ou possível) e de exigibilidade de conduta diversa, que definem o conceito de fato punível. (2007, p.232)

Dessa forma, o conceito de pena é uma sanção ao criminoso como consequência do crime e/ou infração praticada por ele, a fim de que ele não volte a praticá-la.

Mediante isso, existe dois tipos de sanções: a pena – que consiste em privar o acusado de um bem jurídico para que haja uma reparação à sociedade, a fim de corrigir a conduta do mesmo para prevenir outros crimes – e a medida de segurança que visa, de acordo com o grau de periculosidade, uma prevenção social para que o delinquente não volte a delinquir.

Contudo, a pena não tem apenas como objetivo punir o culpado, mas principalmente, prevenir a ação de novos delitos mostrando à sociedade que para toda ação há uma consequência.

Carnelutti consolida:

Dizem, facilmente, que a pena não serve somente para a redenção do culpado, mas também para a advertência dos outros, que poderiam ser tentados a delinquir e por isso deve os assustar; e não é este um discurso que deva se tomar por chacota; pois ao menos deriva dele a conhecida contradição entre função repressiva e a função preventiva da pena: o que a pena deve ser para ajudar o culpado não é o que deve ser para ajudar os outros. (2006, p.103)

Assim, podemos concluir que a pena possui finalidade retributiva e preventiva. Nesse mesmo contexto, vale a pena ressaltar que essas punições também consistem em uma forma de ressocialização do indivíduo; a Teoria da Prevenção Especial, como denominada, é voltada, não para a sociedade, e sim para o infrator.

A Teoria da Prevenção Geral, também aliada a esse mesmo aspecto anterior, baseia-se na intimidação e é designada à sociedade, como relata Bitencourt:

A prevenção geral fundamenta-se em duas ideias básicas: a ideia da intimação ou da utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do homem. Essa teoria valeu-se dessas ideias fundamentais para não cair no terror e no totalitarismo absoluto. Teve, necessariamente, de reconhecer, por um lado, a capacidade racional absoluta livre do homem – que é uma ficção como livre arbítrio, e por outro lado, um Estado absolutamente racional em seus objetivos, que também é uma ficção. (2003, p.77)

A pena também, de forma teórica, é aliada aos aspectos de reabilitação e ressocialização, assim como traz o artigo 93 do Código Penal e o artigo 1º da Lei de Execução Penal:

CP – Art. 93. A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação. (Refação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (BRASIL, 1984)

LEP – Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Destarte, é evidente que teoricamente, o Estado oferece inúmeros direitos aos presos, mas na prática, se torna totalmente anulados, havendo o prejuízo ao preso, por viver de forma precária.

5 RELAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COM A SUPERLOTAÇÃO NOS PRESÍDIOS

No Brasil, a Pena Privativa de Liberdade é a mais aplicada. Entretanto, a mesma, proporciona uma consequência grave que atinge todo o sistema penitenciário brasileiro: A superlotação dos presídios.

A superlotação só ressalta cada vez mais a falibilidade do Estado na execução das leis, pois traz consigo a precariedade das condições de saúde, higiene, infraestrutura, privacidade, educação, ressocialização, entre outros.

Dessa forma, o Estado sobrepõe a falta de dignidade humana nesses ambientes, o que gera revolta, ao invés de da reabilitação do privado de liberdade.

A fragilidade do sistema penal faz com que haja cada vez mais obstáculos nesses âmbitos, tornando mais fácil e motivada a ação dos criminosos. Por isso, é de suma importância a busca de diferentes meios para reduzir essas dificuldades, mas antes, deve ser compreendido que o encarceramento massivo advém de um fator relevante: a lentidão nos julgamentos dos processos. Fazendo assim, com que tenha muitos presos provisórios.

6 DETURPAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

O objetivo da Lei de Execução Penal é, além de fazer-se efetiva o cumprimento da pena, proporcionar ao carcerário condições para retornar a sociedade.

Atualmente, o cenário carcerário brasileiro encontra-se em total abandono devido à falta de investimento do Estado e do uso legal e efetivo dessas leis, que na teoria, deve preservar a dignidade da pessoa humana encarcerada, mas, na realidade, não há execução.

Com isso, ocorre o agravamento desse cenário, tornando apta a formação de rebeliões e inúmeros problemas, tais como propagação de doenças, insalubridade e revoltas.

7 CONCLUSÃO

Dado o exposto e tomando como base os objetivos gerais e específicos desta obra, conclui-se que o excesso de encarcerados nos presídios é, de fato, uma violação de todos os direitos humanos e deveres estatais. Tal realidade reforça a escassez de ação do governo, que permite que os seres humanos privados de liberdade vivam em condições degradantes, não cumprindo com as regras impostas pelo sistema e, impedindo um retorno digno ao corpo social.

A vista disso, percebemos que o que era para atuar como restauração, está atuando como mais um problema pois, com a lotação excessiva, não há como cumprir-se os objetivos das leis, pois a mesma, viola os direitos humanos e todas as leis dispostas ao longo da CP, CF e LEP.

Nesse sentido, é necessário ressaltar como essa falibilidade estatal interfere na sociedade. Quando um preso não passa por um processo de ressocialização, ele sai disposto a atuar contra o Estado e a população, trazendo o sentimento de insegurança à sociedade, o que resulta em mais opressão por parte do crime.

Em síntese, torna-se possível concluir que o Brasil é um país que exerce com descaso a lei e torna a efetivação apenas teórica, quando poderia, na verdade, atuar com firmeza na restauração da ordem. Por isso, diante desse cenário, é essencial que Estado não se omita em relação à execução das leis, dos direitos e dos princípios da dignidade humana, para que haja uma melhoria significativa nesses aspectos. Diante disso, é possível mensurar que o problema investigado por esta obra foi discutido a partir dos apontamentos apresentados nesse resultado.

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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