Um olhar sobre a vitimização feminina no município de Jardim do Seridó-RN

Rilawilson José de Azevedo
Rilawilson José de Azevedo
Mônica Sabino de Oliveira
24/05/2023 às 12:56
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Este estudo objetiva entender a vitimização como desfecho da violência institucional nos delitos em desfavor das mulheres, sob a concepção do gênero.

Autora:

MÔNICA SABINO DE OLIVEIRA

RESUMO

Este estudo objetiva entender a vitimização como desfecho da violência institucional nos delitos em desfavor das mulheres, sob a concepção do gênero. Inicialmente, é importante ressaltar como essas vertentes se construíram, se reinventaram e se articularam a partir da ênfase da construção feminina desde o período Colonial Brasileiro. O texto divide-se em três partes: Violência de gênero e abordagem do contexto social e colonial, Políticas de ações afirmativas de combate à vitimização contra as mulheres, dando ênfase a Lei 11.340/06 referente a efetiva salvaguarda feminina e por último: Um olhar sobre a vitimização no município de Jardim do Seridó- RN. Optou-se por uma pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo e análise de dados para construção do estudo da violência doméstica.

Palavras-chave: Violência doméstica; Gênero; Patriarcalismo; Jardim do Seridó-RN

 

ABSTRACT

This study aims to understand victimization as an outcome of institutional violence in crimes against women, from a gender perspective. Initially, it is important to emphasize how these strands were built, reinvented and articulated based on the emphasis on female construction since the Brazilian Colonial period. The text is divided into three parts: Gender violence and approach to the social and colonial context, Policies of affirmative actions to combat victimization against women, emphasizing Law 11.340/06 regarding the effective protection of women and finally: A look on victimization in the municipality of Jardim do Seridó-RN. We opted for a quantitative bibliographic research and data analysis for the construction of the study of domestic violence.

 

Keywords: Domestic violence; Gender; Patriarchy; Jardim do Seridó-RN

1 INTRODUÇÃO

Analisar a violência contra as mulheres é um desafio global, pelo seu caráter multivariado. Diversos são os estopins para o acontecimento de uma agressão. A incidência e a intensidade destas situações estão diretamente ligadas ao status da mulher em cada sociedade. A ineficácia do Estado e às dificuldades de se encontrar fontes de informações eficazes sobre as ocorrências, devido ao silêncio que envolve as ocorrências, a retirada da denúncia ainda são graves problemas a serem superados. Sendo assim, o contexto trazido neste artigo busca enfocar a complexidade envolvida na vitimização conjugal feminina, bem como para a necessidade de articulação das várias áreas de atuação que tangenciam esse fenômeno.

O objetivo é entender os contornos da violência institucional (vitimização secundária) e as peculiaridades que transcorrem a investigação e o julgamento da violência doméstica, no município de Jardim do Seridó- RN. O estudo foi desenvolvido com metodologia qualitativa, empregando como técnica a consulta de dados de ocorrências, cedidos pela 6º BPM/RN, de forma a delimitar o problema a ser investigado.

No primeiro capítulo, traça-se da questão de gênero numa articulação com as relações sociais no período colonial brasileiro, perfazendo a construção da submissão e vitimização feminina neste contexto. O segundo tópico traz o um estudo a partir de Políticas de ações afirmativas de combate à vitimização contra as mulheres, dando ênfase a Lei 11.340/06 referente, a Lei Maria da Penha. O terceiro Capítulo analisa os resultados dos dados de ocorrências, da violência doméstica, de Janeiro a outubro de 2022, no município supracitado, e as políticas  que  sendo adotadas quanto a normativa de situações práticas vivenciadas

Portanto pautado especialmente na afirmação de ambos os cônjuges participam da construção de um convívio violento, nesta sociedade, debruça-se sobre o tema em foco, descortinar a dimensão de vitimização, procurando compreender o papel da mulher no ditame da violência doméstica com vistas a dar visibilidade à proteção legal feminina.

2 - VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ABORDAGEM DO CONTEXTO SOCIAL NO CONTEXTO COLONIAL

 

Historicamente, é possível formular a ideia de que os estereótipos e papéis de gênero são produtos de uma situação histórico-cultural onde a família sempre se apresentou como instituição sacralizada e indissolúvel. De acordo com BARROS, (2002, pag.7),“A ideologia patriarcal somente reconhecia a família matrimonializada, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual, atendendo à moral conservadora de outra época, há muito superada pelo tempo.” Com o patriarcalismo principiou a a trecho a seguir.

  A dominação masculina encontra assim reunidas todas as condições de seu pleno exercício. A primazia universalmente concedida aos homens se afirma na objetividade de estruturas sociais e de atividades produtivas e reprodutivas, baseadas em uma divisão sexual do trabalho e produção e reprodução biológica e social, que confere ao homem a melhor parte, bem como nos esquemas imanentes a todos os habitus. (BOURDIEU, 2014, p. 54).

 

Em consonância com Del Priore (2013, p. 6), “não importa a forma como as culturas se organizaram”, essa diferença entre homens e mulheres sempre foi hierarquizada. Há registro na história do Brasil, no período colonial, do patriarcalismo que apresentava uma pretensa superioridade masculina em relação às mulheres, que se respaldou em castigos físicos, agressões verbais e assassinatos, autorizados inclusive pela legislação. Essa “desigualdade longe de ser natural, é posta pela tradição cultural, por estruturas de poder e agentes envolvidos na trama de relações sociais”. (SAFFIOTI, 1999, p. 83). “Trata-se de uma questão histórica, onde a distribuição social dos papeis do homem e da mulher são atribuídos de maneira diferenciada, supervalorizando um em detrimento do outro (BIANCHINI, 2014).”

Dias (2015, p. 56)

O Estado elege um modelo de família e o consagra como única forma aceitável de convívio. A lei, através de comandos intimidatórios e punitivos, busca estabelecer paradigmas comportamentais por meio de normas cogentes e imperativas, na esperança de gerar comportamentos alinhados com o padrão moral majoritário.

 

Neste contesto fica evidente que o conceito de violência doméstica nem sempre foi compreendida da mesma forma, como um problema social. Os abusos cometidos eram naturalmente aceitos já que a mulher era considerada como ser inferior, que tinha obrigações, devia obediência ao homem. Em consonância aos estudos da teórica Miriam Grossi (1994, p. 474), “a violência como se compreende hoje foi resultado de uma construção história de lutas do movimento feminista que não aceitava mais a justificativa da legítima defesa da honra em favor dos homens que matavam as mulheres.”

A violência era compreendida como uma espécie de “educação”, para disciplinar as mulheres que desrespeitassem os seus homens, sejam eles maridos ou pais. A mulher sempre foi vigiada e reprimida, tanto pela família, como a igreja que representava uma forte influência nos padrões de comportamento da época. O feminino era considerado o subalterno, o vulnerável, invisibilizado dentro do Direito que deixava brechas para legitimar os crimes praticados por homens.

Campos (2008, p. 09), corrobora com a temática,

a violência contra a mulher constitui uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, que levam à dominação e à discriminação por parte do homem, impedindo o avanço pleno da mulher e lhe atribuindo um papel secundário. A essa violência, que nasce da superioridade imposta por um sexo ao outro – dos homens sobre as mulheres – e afeta toda a organização social, convencionou-se chamar violência de gênero, que é a violência sofrida pelo simples fato de ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino.

 

Mediante os índices de crimes contra a vida das mulheres sendo largamente divulgados na mídia, os movimentos sociais a partir da militância do feminismo pressionaram o Estado a buscar políticas públicas de atendimento as mulheres, resultando em ações afirmativas em diversos espaços sociais. Todas as justificativas para o tratamento desigual e do uso de violência contra as mulheres estão hoje em constante desconstrução, a luta dos movimentos rendeu transformações sociais principalmente nos direitos das mulheres.

Entretanto, apesar das conquistas feministas, ainda perduram assimetrias de gênero os conflitos originados nas questões relativas às construções de gênero e de identidade. Reforça-se assim, a necessidade de continuar buscando políticas de ações afirmativas voltadas para a segurança das mulheres.

Desta maneira, é relevante para o direito penal a prevenção da violência de gênero, isto é, o dever de acautelar e evitar os danos individuais e coletivos derivados da violência de gênero e o correlativo direito a prevenção dos danos derivados da falta de defesa (NUCCI, 2006).

3. POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS- VITIMIZAÇÃO FEMININA

Falar sobre políticas de ações afirmativas é sempre falar de reivindicações feitas por movimentos sociais que pressionaram o estado a posicionar-se diante das mazelas sociais. Esses mecanismos pretendem por meio da inclusão social, o atendimento prioritário a determinadas pessoas e conferir igualdade de direitos a grupos que tiveram historicamente seus direitos violados. Desde a década de 1960, os movimentos feministas de diversos países, articulados internacionalmente, deram visibilidade social às distintas formas de discriminações e de violências contra as mulheres, construindo uma agenda política que foi decisiva para a construção legislativa e doutrinária internacional.

As mulheres, como grupo social, foram historicamente destituídas de direitos e excluídas por aspectos vinculados ao gênero. Proibidas de gerenciar suas vidas e seus corpos, numa construção distorcida de inferioridade e fragilidade, que validou em preconceito e em da violência doméstica, as mulheres uniram-se por meio de movimentos sociais, a fim de fazer uma interlocução com o Estado, para garantir os seus direitos, até então negligenciado pelo Sistema Judiciário Brasileiro no que tange a violência doméstica.

No Brasil, a grande mudança no direito foi a partir do ano de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, que equiparou formalmente homens e mulheres. Todavia, a consolidação no campo cível só aconteceu com o Código Civil de 2002. No que tange o campo penal, nunca existiu diferença no tratamento dado ao homem e à mulher quando praticavam crimes, porém existia uma diferenciação entre as próprias mulheres quando essas fossem vítimas de crimes sexuais, a qual só foi superada, no plano legal, em 2005, com o advento da Lei nº 11.106/2005, que alterou certos dispositivos do Código Penal, principalmente no que diz respeito aos chamados “crimes contra os costumes”, a fim de resguardar a posição e a proteção da mulher. Não há dúvidas que gradativamente, leis discriminatórias estão sendo alteradas e outras excluídas do ordenamento jurídico. Todavia para que houvesse significativa equidade entre o masculino e feminino, foram necessários movimentos sociais  que legitimaram-se no decorrer da história e fazem parte de um árduo processo de modificações no campo legal e jurídico.

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No que diz respeito à Lei do Divórcio, (n°. 6.515, de 1977), obteve-se mais um degrau para a igualdade entre homens e mulheres. “Essa Lei previu o dever de manutenção dos filhos/as por ambos os cônjuges, na proporção de seus recursos, e abriu nova possibilidade de separação, o que refletiu positivamente para as mulheres em situação de violência. (PIOVESAN, 2009).”

Dias (2015, p.86- 87)

“Felizmente - e em boa hora - a Emenda Constitucional 66/10 derrogou quase todo o capítulo elo Código Civil que trata da dissolução do casamento e do vínculo conjugal (arts. 1 . 571 a 1.582). [...] Não há mais prazos nem perquirição de culpas para qualquer dos cônjuges, a qualquer tempo, buscar o divórcio. Ao menos agora há uniformidade de tratamento, uma vez que, na união estável, nunca foi exigida identificação de causas ou averiguação de culpas.

A Lei Maria da Penha estabeleceu o marco da história da luta de violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. Nesse sentido, o artigo 1º da Lei n° 11.340/2006 expressa:

Art. 1º Esta Lei Criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

 

Neste contexto o objeto real da Lei 11.340/2016 é a violência de gênero no âmbito doméstico e familiar ou de uma relação íntima de afeto, é a violência contra a mulher baseada no gênero, assim tratado em seu artigo 5º onde define seu objeto configurando a violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero (BIANCHINI, 2014).

   Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

 

Mediante o exposto e embora à primeira vista pareça que a Lei Maria da Penha tenha surgido com intuito absoluto de punição, na verdade, podemos constatar ao longo de seus 46 artigos, que um dos seus principais objetivos, não é só a punição do agressor, e sim a prevenção da violência através de meios adequados para coibir a violência doméstica e familiar contra mulher.

Ademais devem ser analisados os prós e os contras da aplicação da referida lei, a fim de possibilitar maior compreensão, amplitude na complexidade do tema. Uma observação importante, é que a lei 11,340 não possui tipos penais próprios, apenas se refere aos tipos comuns já existentes no ordenamento jurídico. Outra consideração que deve ser observada está presente no art. 1º da lei, para ser considerado crime, este é, a existência de uma relação doméstica, familiar, afetiva entre vítima e agente, além do enquadramento da conduta do agente em uma das modalidades presentes nesta lei de violência contra a mulher.

4. A VITIMIZAÇÃO NA COMARCA DE JARDIM DO SERIDÓ- RN

Cravada no interior do Estado do Rio Grande do Norte, a comarca de Jardim do Seridó, traz fortes traços de influência europeia, com características do patriarcalismo que governou as relações, nas primeiras décadas do século XX. As diferenças de gênero persistem no Seridó, tal fator é determinante quando se aborda a questão da violência contra a mulher, uma vez que esse mito, construído social e culturalmente, ainda se encontra arraigado nessa sociedade nos dias atuais. Neste sentido Campos (2010, p. 37) explica que:

 Compreender a difícil tarefa pretendida pela Lei n. 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, significa observar que o mundo manteve, secularmente, a legitimidade da violência de gênero, tornando estáa portanto, institucionalizada, com enfoques estigmatizados da cultura e da religião, impondo à mulher, consequentemente, uma vida de subjugação.

Dessa maneira, o silêncio que decorre das vítimas entre as quatro paredes  de sua relação "doméstica" pode ser um dos responsáveis pela aumento de muitas agressões  contra a mulher, uma vez que ela sabe que a sociedade seridoense se acostumou a reproduzir fielmente frases como: "Em briga de marido e mulher, não se mete a colher", ou, ainda “se quiser passar por cima da ordem, meta a mão.”  “Essas construções, que povoaram a “sabedoria popular”, em uma cultura forte, machista e tradicionalista, maquiaram por muito tempo um sofrimento que fora, até o advento da Lei 11.340/2006, silenciado, sufocado, por esta manifestação cultural. (AZEVEDO 2015).”

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Violência doméstica é a que ocorre dentro de casa, nas relações entre as pessoas da família, entre homens e mulheres, pais/mães e filhos, entre jovens e pessoas idosas. Podemos afirmar que, independentemente da faixa etária das pessoas que sofrem espancamentos, humilhações e ofensas nas relações descritas, as mulheres são o alvo principal. (Telles e Melo, 2003, p. 19).

Por conseguinte, os fatores causadores da violência doméstica são compreendidos a partir da definição do fenômeno baseada nas condições de gênero, os quais surgem uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher, reforçados e construídos no decorrer da história, na formação ideológica patriarcal da sociedade brasileira. Percebe-se, portanto, que os valores da sociedade moderna ainda se encontram no discurso colonizador e presente nestas relações de gênero.

A   nº. 11.340/2006, chamada de Lei Maria da Penha, foi apregoada em 7 de agosto de 2006 e batizada com este nome pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em homenagem a uma vítima e ícone da luta contra a violência doméstica no Brasil, a biofarmacêutica Maria da Penha Maia, à mulher por trás da Lei, um símbolo vivo de tudo aquilo que a normativa trabalhada pretende proteger. Ela surgiu com objetivo de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, não obstante, a Lei Maria da Penha, como as demais, é passível de críticas e entendimentos diversos sobre sua aplicabilidade alguns chegam a questionar sua constitucionalidade. 

 Sendo assim, mesmo após a entrada em vigor da A n. 11.340/2006, as denúncias de violência doméstica vêm aumentando significativamente. Comprovando-se ainda, a situação de impunidade dos agressores frente aos crimes praticados, uma vez que nos dois anos pesquisados, apesar do número expressivo de denúncias envolvendo mulher vítima de violência doméstica, a mesma acaba por renunciar ao direito de processar seu agressor. Essa atitude de medo, culpa culmina em novas situações de violência vivenciadas pela mulher no âmbito familiar.

Para se ter uma ideia, na comarca de Jardim do Seridó- RN, das ocorrências registradas em 2014, das 185 ocorrências registradas pela polícia militar até o mês de junho, 10 tratavam de violência doméstica contra a mulher, o que corresponde a 5,40% das ocorrências atendidas. A esse respeito cita AZEVEDO, 2015:

Todavia, das 10 apenas duas foram instaurados inquéritos policiais. Isto significa que as ocorrências que não foram instauradas não resultaram em investigações. Portanto, os crimes nelas denunciados não foram apurados e, consequentemente, não houve seguimento na persecução penal.

 

Nesta perspectiva fica evidente, o quanto a violência doméstica contra a mulher é complexa, pois a vítima ainda precisa ser impulsionada a sair do anonimato e a conhecer seus direitos, a fim de que possa exigir que os mesmos sejam respeitados. Portanto a falta de inquéritos, pode auxiliar em importantes pistas no desvendamento dos motivos pelos quais os agressores voltam a praticar a violência doméstica contra a mulher, uma vez que muitos casos não são esclarecidos, não chegam nem mesmo a serem registrados.

Considerando ainda a compilação dos dados das ocorrências fornecidas, pela Policia Militar de Jardim do Seridó-RN, de janeiro a outubro de 2022, verifica-se que quando o Estado é acionado, a própria vitima se recusa a seguir com a ação, possivelmente para perder o companheiro, e ou por ser ele o provedor financeiro da casa, já que a Lei Maria da Penha, não assisti a vítima quanto a uma assistência financeira.

É necessário analisar as informações contidas nas tabelas, como indicadores que apontam a situação das mulheres na nossa sociedade, buscando assim, ampliar as políticas públicas para o atendimento das mulheres em situação de violência, já que “a supremacia masculina nas esferas públicas e privadas se traduz em consenso e muitas vezes se estabelece por meio da violência”. (POGGIO, 2012, p. 90)

Esse recorte nos leva a pensar na concepção de um não sujeito, heterônomo e dependente do outro para existir como pessoa. Ao se analisar mais atentamente o conteúdo dos dados, compreende-se uma submissão e dependência que aceita a situação em que se encontra. Assim sendo a questão de violência na comarca de Jardim do Seridó- RN, se configura em um contexto mais social e educacional do que puramente penal.

[...] as relações de poder suscitam necessariamente, apelam a cada instante, abrem a possibilidade a uma resistência, e é porque há possibilidade de existência e resistência real que o poder daquele que domina tenta se manter com tanto mais força, tanto mais astúcia quanto maior for a resistência. [...]. (FOUCAULT, 2003, p. 232)

 

Fruto de um contexto histórico de submissão e repressão contra a mulher, o cenário social onde a violência conjugal eclode é também caracterizado pela vigência da ideologia machista entremeando as relações de gênero, a cultura machista e agressora ainda prevalece na sociedade brasileira e apesar de estar mais visível nas classes mais abastadas, esse tipo de violência não está restrita apenas às camadas mais pobres.

Na compilação dos dados fornecidos pela pesquisa, de 10 mulheres vítimas de violência doméstica, revelou-se que muitos dos chamados se configuram em virtude da severidade da violência experienciada pelas mulheres pode ser aferida de várias formas. Em primeiro lugar, a precocidade no início do processo de vitimização. Em segundo lugar, as vítimas de violência são objeto de atos de natureza física, e/ou psicológica e que relativamente é cometida por parceiros íntimos: marido, companheiro/a, namorado/a, atuais ou passados e ou ainda pais e padrastos, a violência declarada revela que essas agressões ocorrem no contexto do casal, da família, lugares públicos, entre outros. 

Contudo, a violência doméstica e a crescente visibilidade da questão enquanto problema social e educacional, chamam a atenção para uma maior consciência do poder público e de políticas assistencialistas, no município de Jardim do Seridó, no socorro  a essas mulheres sobre a sua vitimização.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito mais que apenas debater uma questão de gênero, a intenção primordial de socializar dados dessa pesquisa foi de provocar e inquietar a sociedade jardinense  para essa  realidade, marcada pela discriminação do gênero feminino e das dificuldades encontradas pelas vítimas de violência doméstica, no que tange a procurar o amparo legal. Dentro de vários aspectos problematizados, buscou-se diagnósticos acerca da vulnerabilidade da mulher, diante da violência doméstica dentro dos contextos em que estão inseridas. Outro ponto relevante é o de que as vítimas acionam a polícia, porém declaram reações que indicam uma aceitação e legitimação do ato de violência.

Contudo é inegável que a Lei Maria da Penha trouxe um novo paradigma para o tratamento dos casos de violência doméstica contra a mulher. Contudo, ainda existem implicações que devem ser reorganizadas, uma vez que os órgãos e as instituições públicas ainda não estão preparados para atender essa demanda, conforme se pôde comprovar neste estudo.

Portanto, coibir a violência contra a mulher, utilizando-se das "garantias" previstas na Lei Maria da Penha, ainda é uma realidade bastante distante do contexto social atual, tanto em Jardim do Seridó- RN, quanto em outras tantas cidades do país.

Por fim, se a violência doméstica é uma realidade ainda presente, com fortes componentes culturais e sociais, então o papel dos profissionais das diferentes áreas pode ser no sentido de promover ações educativas e de mobilização dos diferentes setores da sociedade. Quem sabe esse venha a ser um percurso que indique possibilidades de construção de um outro contexto, contornado coletivamente no vislumbre e na possibilidade de a mulher se libertar das espessas cortinas do medo, da insegurança, da vergonha e do sentimento de impotência, para descerrar sua liberdade de modo a recuperar sua dignidade e reagir frente à violência doméstica.

6 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AZEVEDO, Rilawilson José de. Violência doméstica contra a mulher: um estudo  de caso e seus reflexos jurídicos. revista jus Navigandi, 02de fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36225. Acesso em: 20 mai. 2023.

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SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu. Abramo, 2004.p. 17.

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Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Mônica Sabino de Oliveira

Acadêmica de Direito da Faculdade Católica Santa Teresinha - Caicó/RN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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