Crise empresarial, crédito e Lei 11.101/05

24/05/2023 às 13:09

Resumo:


  • Em abril de 2023, foram decretadas 55 falências no Brasil, sendo 44 de micro e pequenas empresas e 3 de grandes corporações.

  • 64 micro e pequenas empresas e 11 grandes corporações entraram com ação de reestruturação judicial no mesmo período.

  • 59 micro e pequenas empresas obtiveram decisão judicial favorável para reestruturação, assim como 15 grandes corporações.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os dados a seguir foram apresentados pela Serasa Experian2. Até o mês de abril/2023 houve a decretação de 55 falências no país, sendo 44 de micro e pequenas empresas e 3 de grandes corporações.

Quanto as reestruturações judiciais (Lei 11.101/05), 64 micro e pequenas empresas ingressaram com a ação e os grandes agentes econômicos, 11.

Em relação às micro e pequenas empresas, 59 receberam decisão judicial favorável e o mesmo se deu em relação a 15 grandes corporações [Lei 11,101/05, art. 52]. Em resumo, foi determinado o processamento da recuperação judicial de 15 grandes agentes econômicos situados no Brasil.

Os indicadores apresentados pela Serasa hão de ser analisados com profundidade e cautela, porquanto 15 grandes empresas estão sob regime recuperatório no Brasil. É exatamente o mesmo número verificado em agosto/2021 (a partir deste mês, em plena crise sanitária mundial, houve redução dos deferimentos judiciais [art. 52 da lei de regência]).

Entrementes, em abril/2023 as grandes empresas votaram a ajuizar a ação recuperatória e obtiveram decisão favorável de processamento (ou seja, 15 entidades estão sob regime de reestruturação judicial no país, consoante dados apresentados)3.

Em tese, as causas para o aumento de reestruturações judiciais de grandes entidades e micro empresas podem ser variadas: desaceleração da atividade econômica, alta taxa de juros bancários [faz com que se restrinja o crédito - empréstimo bancário - e, por outro lado, aumenta a inadimplência]. Ainda, a não obtenção de crédito para capital de giro (restrição de acesso ao crédito [e, consequentemente, menor disponibilidade de capital para as operações empresariais, dificultando inclusive a geração de empregos e a circulação de bens]), restringindo a obtenção de financiamentos bancários [e.g., garantias4 insuficientes ou até mesmo inexistentes], elevação de passivo [inclusive tributário e trabalhista]. Por fim, baixos estoques, escassez de crédito disponível e restrição de acesso a este crédito, podem ser fatores deletérios ao prosseguimento regular da atividade econômica.

A crise dos grandes agentes empresariais (em tese) afeta a atividade econômica desenvolvida pelas menores pessoas jurídicas, pelas entidades de menor porte que operam no mercado competitivo.

Note-se que a crise de grandes agentes econômicos pode espraiar efeitos econômicos, financeiros, patrimoniais e sociais a entidades de menor porte. Dito de outro modo, a crise das grandes pode gerar a crise das menores pessoas jurídicas, com efeito multiplicador.

As dificuldades vivenciadas pela entidade empresária mergulhada em crise, considerada momentânea, podem causar significativo efeito multiplicador – como dito - e, por consequência, a elevação dos pedidos de reestruturação judicial e a própria retirada do mercado, em decorrência da abertura de falência do devedor insolvente [crise patrimonial inafastável], especialmente das micro e pequenas empresas.

O aumento da inadimplência dos agentes econômicos [pequenos, médios e grandes] se traduz em fator decisivo para a crise empresarial [econômico-financeira e eventualmente patrimonial], o que gera, em muitas situações, a busca de renegociação de dívidas e eventualmente, inexistindo acordo, o caminho, não raro, é ingressar com a ação de reestruturação judicial. Outros meios de solução da crise podem ser colocados em prática (Lei 11.101/05, art. 167, v.g., dentre outros).

Alguns países, como a França, observam o sistema de cessão de pagamentos, indicando que o devedor se encontra em insolvência. No Brasil, ao tempo do regime do Dec.-Lei 7.661/45, convocar credores para tentar recomposição do débito era considerado ato de falência (art. 2º, inc. III).

Pelo regime instaurado a partir de 2005, a negociação entre devedor e credores é salutar, a fim de evitar o processo de reestruturação e a própria abertura da falência. Portanto, antes mesmo de ocorrer a cessão de pagamentos, o devedor, imbuído de boa-fé objetiva, deve(ria) encontrar meios para compor sua dívida.

Em casos mais graves – onde se constata a crise patrimonial irremediável -, a imediata abertura judicial da falência é de rigor, a fim de preservar o crédito público5, manter a estabilidade e regularidade do mercado6, salvaguardar a própria sociedade e a segurança jurídica das relações empresariais.

Acerca do crédito, assim dispõe Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.:

Crédito é a possibilidade de dispor imediatamente de bens presentes para poder realizar, nos produtos naturais, as transformações que os tornarão, no futuro, aptos a satisfazer as mais variadas necessidades. Desse modo, o crédito é fundamental para criar os instrumentos de produção (os bens instrumentais, segundo os economistas), cuja importância cresce à medida que mais complexa se torna a obra de conquista e transformação dos produtos naturais. O crédito à produção tornou-se no mundo moderno tal relevante, que relegou a segundo plano, na consciência comum, o crédito de consumo, a que se dava particular importância nos séculos passados7

Arnaldo Rizzardo discorre sobre o tema:

A palavra ‘crédito’ é originária do latim ‘credere’, com o significado de confiança.

Carlos Gilberto Villegas aprsenta o seguinte conceito: ‘El crédito es el cambio de un bien presente por un bien futuro’. Ou ‘el crédito es la transferência temporal de poder aquisitivo a cambio de la promesa de reembolsar este más sus intereses em um plazo determinado y em la unidad monetaria covenida8

Pondera Max Weber a respeito do crédito:

Chamamos ‘crédito’, no sentido mais geral, toda troca de poderes de disposição sobre bens materiais atualmente possuídos pela promessa de uma transferência futura do poder de disposição sobre outros bens materiais, de qualquer espécie. A concessão de crédito significa, antes de mais nada, a orientação pela possibilidade de efetivamente realizar-se essa transferência. Crédito, neste sentido, significa primariamente a troca do poder de disposição de uma economia sobre bens materiais ou dinheiro – poder do qual esta carece do momento atual, mas que espera obter em excesso no futuro – pelo poder de disposição de outra economia, existente atualmente, mas não utilizado para fins próprios. No caso de racionalidade, ambas as economias esperam dessa troca oportunidades mais favoráveis (qualquer que seja sua natureza) do que as que a distribuição atual ofereceria sem troca9

Rubens Requião pontua com precisão: o crédito importa um ato de fé, de confiança, do credor. Daí a origem etimológica da palavra – ‘creditum, credere’10.

Quanto ao elemento confiança, esclarece J. Renato Corrêa Freire:

Como lembra Nehemias Gueiros, ocorre negócio fiduciário quando a ‘confiança’ é o elemento que induz uma das partes, ou quando o negócio é feito por ‘confiança’ em determinada pessoa. Através da confiança alcançaram-se resultados econômicos legítimos pela prática de negócios jurídicos aparentes, sendo certo que a prática do negócio jurídico aparente é necessária para o alcance do fim visado11

J. C. Sampaio de Lacerda, discorrendo sobre a falência, ensina:

Economicamente considerada, afirma Rocco, ela é um fato patológico no desenvolvimento da economia credora: é o efeito do anormal funcionamento do crédito. A base de todos os atos creditórios é sempre a ‘expectativa’ de um bem futuro prometido pro aquele que recebe o crédito e aí a confiança surge como elemento essencial. Ora, a compra a crédito funciona normalmente quando a expectativa dos bens futuros ocorrentes, pela contraprestação demonstra-se real e justificada. Quando, ao contrário, tal expectativa falha, ou não tenha nenhum fundamento na realidade, a compra a crédito pode aperfeiçoar-se, produzindo-se então, uma perturbação que se chama ‘falência’. Falência é, pois, a condição daquele que, havendo recebido uma prestação de crédito, não tenha à disposição para executar a contraprestação, um valor suficiente realizável no momento da contraprestação. A falência é, por isso, um estado de desequilíbrio entre os valores realizáveis e as prestações exigidas12

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  1. Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; professor em Pós-Graduação; parecerista; pesquisador e autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

    http://lattes.cnpq.br/5264249545377944

    http://orcid.org/0000-0002-6589-9761

  2. https://www.serasaexperian.com.br/conteudos/indicadores-economicos/. Acesso: 23/05/2023.

  3. Quanto as médias empresas, houve 17 deferimentos nomes de abril; março, 26, e fevereiro, 24.

  4. Garantia é o meio jurídico que, na relação obrigacional, protege o direito subjetivo de uma das partes, assegurando ou acautelando esse direito contra qualquer lesão resultando da inexecução da obrigação pelo devedor. ROSA JR., LUIZ Emygdio F. da. Títulos de Crédito. 6ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 3.

  5. Fenômeno econômico, nas palavras de Rubens Requião. Curso de Direito Comercial. 2º Volume. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 297.

  6. Falamos de mercado quando pelo menos por um lado há uma pluralidade de interessados que competem por oportunidades de troca. Quando estes se reúnem em determinado lugar, no mercado local, no comercio a grande distância (anual, feira) ou no de comerciantes (bolsa), temos apenas a forma mais consequente da constituição de um mercado, sendo esta, no entanto, a única que possibilita o pleno desdobramento do fenômeno específico do mercado: o regateio. WEBER, Max. Economia e Sociedade. 1º Volume. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009, p. 419. O mercado, consoante ensinamento de Eros Roberto Grau, se traduz em instituição jurídica e opera sob dois requisitos: a calculabilidade econômica e a previsibilidade de comportamentos. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. Pondera o mesmo autor: o mercado é instituição jurídica constituída pelo ‘direito positivo’. É expressão de um projeto político – como ‘princípio de organização social’ – e atividade. O Estado deve ‘garantir a liberdade econômica’ e, concomitantemente, ‘operar a sua regulamentação’. Por que tenho medo dos juízes: (a intepretação/aplicação do direito e os princípios). 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 17. Destaques no original. Por fim, esclarece o autor que no mercado há regularidade, previsibilidade de comportamento, constância e segurança.

  7. Op. cit., p. 2. Segue o autor: o termo ‘crédito’ deriva do latim ‘creditum’, decorrente de ‘credere’, no sentido de confiar, ter fé, podendo, no entanto, ter outros significados, como, por exemplo, o direito que o credor tem de receber do devedor a prestação objeto da obrigação (significado ‘jurídico’), a confiança que uma pessoa inspira em outra baseada em seus atributos morais (significado ‘moral’), ou pode ainda consistir na importância que constitui objeto da relação crédito/débito. Op. cit., p. 3. Grifos no original. Destaca ainda que são elementos do crédito: a confiança [em seus aspectos subjetivo e objetivo] e o tempo.

    Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:
  8. Contratos de crédito bancário. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 19. Destaques no original.

  9. Op., cit., pp. 49-50.

  10. Op, cit., p. 298. Destaques na obra original.

  11. Apud RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo S. Garantia fiduciária. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 33.

  12. Manual de Direito Falimentar. 14ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, pp. 27-28. Destaques no original.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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