O poder judiciário em xeque: a triste realidade da condenação de inocentes no Brasil

29/05/2023 às 08:59
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Autores:

JOSÉ CARLOS MORAES DA SILVA

MONNALISA CHRISTINA PEREIRA DE MEDEIROS

RESUMO: Este artigo teve como objetivo discorrer acerca da responsabilidade do Estado quanto a questão da prisão de pessoas inocentes e as consequências que este fato traz a sociedade. Sendo mencionados os princípios fundamentais e humanos, bem como o princípio da Presunção de Inocência, que pela Constituição Federal de 1988, passou a ter um dispositivo que garante em seu artigo 5°, inciso LVII, que ninguém será considerado culpado até que seja julgado e obtenha uma sentença penal condenatória. O artigo debate também acerca da influência da mídia nas decisões do tribunal do júri, onde observa-se em muitos casos o crescente poder da imprensa em moldar a opinião pública, levando a julgamentos precoces por parte dos jurados. E por fim, o presente artigo apresenta alguns casos concretos de inocentes que foram julgados injustamente, pelo sistema penal brasileiro e tiveram que lutar na justiça para provar sua inocência, com a ajuda do Innocence Project Brasil, uma associação sem fins lucrativos criado em 2016, voltada exclusivamente para o enfrentamento das condenações injustas no Brasil.

PALAVRAS CHAVES: Condenações de inocentes, Innocence Project Brasil, Presunção de Inocência, Sistema Prisional brasileiro, Violação do direitos fundamentais.

ABSTRACT: This article aimed to discuss the responsibility of the State regarding the issue of imprisonment of innocent people and the consequences that this fact brings to society. Mentioning the fundamental and human principles, as well as the principle of the Presumption of Innocence, which by the Federal Constitution of 1988, now has a device that guarantees in its article 5, item LVII, that no one will be considered guilty until he is judged and obtain a convicting criminal sentence. The article also discusses the influence of the media on jury court decisions, where in many cases the growing power of the press to shape public opinion is observed, leading to early judgments by jurors. Finally, this article presents some concrete cases of innocent people who were unfairly judged by the Brazilian penal system and had to fight in court to prove their innocence, with the help of Innocence Project Brasil, a non-profit association created in 2016, dedicated to exclusively to confront unjust convictions in Brazil.

KEYWORDS: Innocent convictions, Innocence Project Brazil, Presumption of Innocence, Brazilian Prison System, Violation of fundamental rights.

  1. INTRODUÇÃO

A justiça criminal brasileira tem enfrentado vários debates sobre o tratamento dado aos indivíduos que são presos suspeitos de cometerem crimes. Entre eles, podemos destacar a questão da prisão de pessoas inocentes e as consequências que esse fato trás para a sociedade, bem como para o próprio Sistema Judiciário.

A criminalização de inocentes acontece quando uma pessoa é acusada e presa por um crime que não cometeu. Muitas vezes isso ocorre devido a diversas falhas no processo de investigação, ou julgamento dos casos. Entre essas falhas podemos citar: a produção de provas ilícitas, a coerção das testemunhas; a falta de acesso a um advogado, por parte do réu; e até mesmo a situação de prisão preventiva, que deveria ser usada apenas em casos excepcionais, mas muitas das vezes é decretada de forma injusta e discriminatória.

A prisão de indivíduos inocentes representa uma grave violação dos Direitos Fundamentais e Humanos, além de criar uma descrença em relação a credibilidade do Sistema de Justiça brasileiro. Infelizmente, no Brasil, assim como em outros países, os casos de pessoas que foram condenadas injustamente e passaram anos na prisão tentando provar sua inocência, são comuns.

Nesse sentido nota-se a necessidade de analisar as consequenciais desses casos, com a intenção de compreender os impactos sobre os envolvidos, bem como sobre o próprio Sistema de Justiça criminal. Desta forma este artigo tem como objetivo abordar as consequências da prisão de indivíduos inocentes para o Sistema de Justiça brasileiro, destacando os desafios enfrentados e possíveis soluções para prevenir esse tipo de violação dos Direitos Humanos.

  1. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E HUMANOS

A Constituição Federal do Brasil de 1988, assegura os princípios fundamentais da vida em sociedade. Entre esses princípios encontramos o da liberdade, segurança, igualdade e justiça. Garantindo a todos os indivíduos serem tratados como iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (Brasil, 1988).

Silva (2006) diz que todo ser humano ao nascer adquire direitos e garantias, e e que esses direitos são tanto criados pelos ordenamentos jurídicos, como também através das lutas e vontades do povo.

Para Pires (2010) o princípio da liberdade é um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, que assegura aos indivíduos o direito de agir e se expressar livremente, desde que respeitem os limites estabelecidos pela lei e pelos direitos de terceiros. Cabe então ao legislador o dever de atentar em inseri-la como um direito e garantia fundamental, já que é uma prerrogativa garantida na Constituição brasileira.

Gonçalves (2020) afirma que os Direitos Fundamentais estão diretamente relacionados ao Jus Punendi, pois é importante que o Estado tenha o poder de punir aqueles que infringem as leis e a ordem pública, mas ao mesmo tempo é indispensável que os Direitos Fundamentais sejam respeitados durante todo o processo penal, evitando abusos e garantindo que o acusado seja tratado de forma justa e digna.

A busca pela efetivação dos Direitos Fundamentais, é algo que deve ser contínuo para o ordenamento jurídico, pois apesar de muitas leis e decretos já terem sido criados para esse fim, é evidente que ainda ocorrem muitas falhas na sua aplicação. Esse fato deixa evidente que é determinante que haja um maior esforço do governo e do Sistema Jurídico, para garantir e proteger os direitos dos indivíduos.

Assim como ressalta Gonçalves (2020), que o principal problema ocorre quando a Justiça Criminal que deveria caminhar em conjunto com os Direitos Humanos, é na verdade uma das razões preponderantes que ferem os Direitos Fundamentais dos indivíduos. Sendo assim, importante que haja um debate sobre se o Sistema Carcerário vem cumprindo suas finalidades.

Outro ponto importante que pode ser observado quando falamos sobre Direitos Fundamentais, se remete aos fatores que levam as condenações erróneas, e que resultam com que vários indivíduos tenham suas vidas marcas e, precisem esperar vários anos para que a justiça corrija seu erro. Um desses fatores se remete a discriminação e ao preconceito.

Segundo Rodrigues (2022) a discriminação e o preconceito são uma realidade no sistema de justiça criminal, onde a maior parte da população carcereira é pobre e tem origem afrodescendente. Em alguns casos, a discriminação e o preconceito afetam diretamente a maneira como a polícia investiga, os promotores acusam e os juízes julgam indivíduos suspeitos de cometer crimes.

Esse ponto de vista ganha apoio quando nos deparamos com os dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022), que revelam o aumento nos últimos anos do percentual da população afrodescendente encarcerada no Brasil. Quando feito uma comparação entre os dados obtidos em 2011, com os últimos divulgados, a desproporção de indivíduos brancos e negros presos, fica evidente. Em 2011, da população encarcerada, 60,3% era negra e 36,6% era branca, já no ano de 2021, a proporção foi de 67,5% de negros encarcerados e de 29,0% de brancos.

Fica evidente que em uma sociedade carregada de preconceitos, que conviveu com a escravidão por mais de 300 anos, indivíduos de certas raças, ainda são tratados de maneira desigual em vários âmbitos da sociedade, incluindo o Sistema Jurídico. Essa discriminação pode levar a realização de investigações inadequadas, à acusação com base em evidências frágeis e à condenação injusta. Essa discriminação e preconceito não apenas violam os Direitos Humanos, mas também põe em xeque a credibilidade do Sistema de Justiça Criminal.

É de responsabilidade do Estado assegurar ao acusado o direito de ser penalizado somente após a conclusão de todas as etapas previstas na Legislação Processual Penal. Porém o que vemos em alguns casos, é o princípio que garantem a liberdade dos indivíduos muitas das vezes serem atropeladas, e os acusados serem presos para cumprimento da pena, antes mesmo do julgamento. Esse fato leva ao cenário onde vários presídios estão com lotação máxima, muitas vezes devido ao aprisionamento de indivíduos que ainda não tiveram sua sentença decretada, ou até mesmo que seu caso não foi nem julgado.

PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

No ano de 1988 com o surgimento da nova Constituição Federal, o Brasil passou a ter um dispositivo que garantia o princípio da Presunção da Inocência. Em seu artigo 5º, inciso LVII, temos que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL,1988, cap. I, art. 5, inc. LVII).

Segundo Guimarães (2022) “A Presunção de Inocência é um princípio constitucional e também um dos Direitos Humanos, tendo suas raízes na evolução francesa no século XVIII”. Esse princípio determina que todo indivíduo é considerado inocente até que se prove o contrário, ou seja, até que haja uma decisão judicial condenando o réu.

Em outras palavras, a Presunção de Inocência é uma importante garantia para todos os indivíduos, pois nos assegura que não podemos ser tratados como criminosos, sem que haja uma comprovação justificada da culpa. Evitando que ocorram abusos por parte do Estado, que poderia prender pessoas sem provas concretas, ou mantê-las presas por longos períodos sem uma condenação definitiva.

Para Salomon (2015) os direitos do acusado devem ser respeitados tanto durante o processo judicial, quanto fora dele. E portanto, o princípio da Presunção de Inocência deve ser aplicado em todas as fases do processo, bem como em todas as relações sociais, de modo que se garanta a proteção dos Direitos Fundamentais e individuais.

No entanto, a aplicação desse princípio tem recebido bastante críticas no Brasil, principalmente em relação ao tempo em que os indivíduos ficam presos temporariamente, aguardando julgamento. Esse fato fica evidente, quando nos deparamos com vários casos de prisões injustas sendo noticiadas pelos meios de comunicação, onde os indivíduos ficaram anos encarcerados sem uma condenação definitiva.

Essa situação mostra a necessidade de se ter um maior cuidado por parte do Sistema de Justiça Criminal brasileiro, para garantir que a Presunção de Inocência seja efetivamente aplicada na prática. E que os julgamentos sejam mais justos e rápidos para os acusados. Por isso é preciso que o Sistema Judicial reveja sua forma de atuar, para garantir o cumprimento da lei e conservar os direitos dos cidadãos.

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO JÚRI

A influência da mídia sobre as decisões do Tribunal do Júri é um tema polémico, que tem sido debatido nos últimos tempos pelos juristas. O que notamos em muitos casos, é o crescente poder da imprensa em moldar a opinião pública sobre determinados assuntos, e isso tem afeta muitas vezes de forma direta no julgamento dos jurados. O sensacionalismo e a pressão popular podem levar a um julgamento injusto, baseado em uma análise superficial dos fatos divulgados pela mídia, sem dar ao acusado o direito de se defender.

Como afirma Gonçalves (2020) que a mídia como formadora de opinião, possuí um aspecto legislador que muitas vezes impactar negativamente na conclusão dos casos. Ele cita como exemplo, o incidente da Boate Kiss, como um caso que sofreu grande repercussão midiática e forte pressão popular. Para ele, esse tipo de cobrança pode levar a julgamentos apressados e sentenças que podem deixar impunes os verdadeiros culpados.

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Podemos citar também que a seleção por parte da mídia, de notícias tendenciosas que buscam apenas alcançar uma maior audiência, é um fator preponderante que contribui para as hipóteses de culpa dos acusados, deixando de lado, fatos que poderiam contribuir para sua inocência.

No contexto da mídia brasileira, é comum que acusações sejam veiculadas como se fossem verdades absolutas, antes mesmo do acusado ter a chance de se defender e ser julgado. Isso gera uma pressão pública que influencia a opinião dos jurados e prejudicar a aplicação imparcial da lei. Um exemplo é o caso Isabella Nardoni, ocorrido em 2008, no qual a mídia acabou pré-julgando os acusados antes mesmo de um julgamento justo e imparcial. O que gerou uma grande pressão sobre as autoridades e os jurados, dificultando a realização de um julgamento sem neutralidade.

Esse acontecimento nos faz refletir sobre se a vida de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, teria mudado de alguma forma, caso eles tivessem recebido a absolvição. Uma vez que provavelmente eles teriam enfrentado dificuldades para reconstruir suas vidas após o ocorrido (Salomon, 2015).

Em outro caso que fica evidente as consequências do julgamento antecipado da sociedade, Salomon (2015) menciona o episódio ocorrido na "Escola Base", em São Paulo, em 1994. Esse caso ilustra como a atuação excessiva e sensacionalista da mídia pode levar a injustiças, uma vez que a divulgação de uma denúncia infundada de abuso sexual, resultou na destruição da imagem da instituição, mesmo após seus dirigentes terem sido absolvidos.

A partir dessas informações, que demonstram que a imprensa tem a capacidade de manipular os jurados e magistrados, fica evidenciado que quando a mídia trás informações erradas ao público, isso causa graves consequências para o processo. E por isso, a publicidade que é dada a esses acontecimentos deveria ser mais responsável, a fim de não prejudicar a vida de inocentes, simplesmente pelo fato de obter mais audiência.

A pesar disso, a mídia também tem sua contribuição e importância para o Estado de Direito. Porém segundo Salomon (2015) é preciso reconhecer que a liberdade da imprensa, nem sempre é usada de forma correta, em favor da democracia. Por isso, para se evitar violações de outros Direitos Fundamentais, seria necessário limitar essa garantia de liberdade, sem recorrer à censura.

Como a liberdade de expressão não é um direito absoluto, mas sim relativo, cabe a legislação regulamenta-lo, a fim de que sejam adotadas medidas para reduzir a influência da mídia no Tribunal do Júri, com interesse de que haja uma maior conscientização da população sobre o seu papel no Júri, e o quanto é importante que suas decisões sejam baseadas em fatos e provas apresentados durante o processo.

RESPONSABILIDADE DO ESTADO DIANTE DAS PRISÕES INDEVIDAS

A responsabilidade do Estado brasileiro diante das prisões indevidas é um tema de grande relevância no atual contexto jurídico e social vivido. O Estado é o responsável por garantir o cumprimento das leis e a proteção dos direitos dos cidadãos, sendo por tanto, de sua inteira responsabilidade reparar os danos causados em decorrência das más decisões tomadas pelos Sistema Judiciário brasileiro.

Pires (2010) afirma que antigamente, o Estado não tinha responsabilidade por seus atos, e não tinha obrigação pelos danos causados aos indivíduos. E que foi apenas no século XIX, na França, que começaram a surgir ideias sobre a culpa administrativa do Estado, fazendo com que ele, por fim, passasse a arcar com os prejuízos causados pela sua atuação.

Porém a responsabilidade civil, evoluiu com o passar dos tempo, e hoje de acordo com o paragrafo 6º, do artigo 37, da Constituição Federal de 1988, o Estado tem o dever de arcar com os prejuízos que ele venha a causar ao indivíduo:

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988, cap VII, art, 37, par. 6º).

Como podemos ver, a Constituição Federal assegura a responsabilização do Estado, frente aos danos gerados por seus agentes aos cidadãos, bem como garante o direito a indenização. Na obra intitulada Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles também adverte quanto a esse tema, afirmando que:

O abuso no exercício das funções por parte do servidor não exclui a responsabilidade objetiva da Administração. Antes, a agrava, porque tal abuso traz ínsita a presunção de má escolha do agente público para a missão que lhe fora atribuída. Desde que a Administração defere ou possibilita ao seu servidor a realização de certa atividade administrativa [...], assume o risco de sua execução e responde civilmente pelos danos que esse agente venha a causar injustamente a terceiros (MEIRELLES,2008, p. 663).

Um simples ato de provocar prejuízo a um cidadão, já consiste em ato ilícito, com responsabilidade civil, para quem agiu em discordância com a lei. O artigo 186, do Código Civil brasileiro diz que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002, art. 186).

Desta forma, podemos dizer que, no que se refere às prisões indevidas, o Ordenamento Jurídico brasileiro já engloba a questão da responsabilização do Estado, bem como não exime-o do dever de indenizar os indivíduos prejudicados.

No entanto, apesar da existência de leis e normas que preveem a responsabilidade do Estado em casos de prisões indevidas, a realidade brasileira ainda enfrenta muitas dificuldades no cumprimento dessas medidas. Muitas vezes, os indivíduos que sofrem prisões injustas, enfrentam longas batalhas judiciais para comprovar sua inocência e consequentemente em conseguir a reparação, ao menos financeira, pelos danos sofridos.

Temos como exemplo disso o caso de prisão indevida, dos irmãos Naves. Onde em 1937, os irmãos Antônio e Joaquim Naves, foram presos acusados de um crime que não cometeram. Segundo Pires (2010), os irmãos, e outros membros de sua família sofreram torturas de diversos tipos, a fim de que confessassem o crime. Sendo eles condenados a mais de 25 anos de prisão, após muitas controvérsias quanto as decisões do Tribunal de Justiça. Os irmãos foram apenas inocentados 17 anos depois.

Esse caso teve grande repercussão na época, e é lembrado até hoje como um exemplo de injustiça no Sistema Penal brasileiro, principalmente por a justiça ter levado anos para reconhecer a inocência dos irmãos, e por ter tardado muitos anos mais em conceder o direito de indenização a família.

Brito (2019) afirma que, apesar de vários casos de inocentes sendo condenados ocorrem com frequência em nosso país, as autoridades aparentemente não se incomodam com tal desumanidade, uma vez que estudos e levantamentos estatísticos sobre a quantidade de pessoas condenadas por erros no Sistema Jurídico, são escassos.

Porém é fundamental que o Estado brasileiro arque com a responsabilidade diante das prisões indevidas, adotando medidas efetivas que realmente possam garantir a proteção dos direitos dos cidadãos. Isso inclui a revisão de procedimentos da Polícia, a capacitação dos Agentes Públicos, uma melhoria de todo o Sistema Prisional e a adoção de medidas que agilizem os processos de indenização as vítimas de prisões injustas. Pois a garantia dos Direitos Fundamentais e da segurança jurídica da população brasileira, dependem exclusivamente da atuação responsável do Estado.

A REINSERÇÃO NA SOCIEDADE

A reinserção social de indivíduos que foram condenados pelo Sistema Prisional brasileiro, é um grande desafio para o Estado. O processo de ressocialização deve ser formado por um conjunto de medidas, que têm como objetivo, promover a aproximação e interação entre a sociedade e os ex-reclusos, tanto durante, quanto após o cumprimento da pena. Essas medidas devem ter como meta amenizar os impactos negativos sofridos pelos indivíduos inseridos no Sistema Penal e, promover uma melhor reintegração social quando eles ganharem a liberdade.

Ferreira (2016, p.16) afirma que “Para ser eficaz, o processo de reinserção do individuo necessita numa participação organizada, ativa e articulada de várias instituições com uma responsabilidade acrescida na área social e da saúde”. Ou seja, essas medidas devem incluir programas de apoio e assistência, como suporte jurídico, acesso a serviços de saúde, educação e disponibilização de cursos profissionalizantes, além de promover uma conscientização social, para combater a discriminação e preconceito contra os ex-condenados.

Carlos Manuel Cardoso de Sousa, em seu estudo de caso sobre as políticas de reinserção social de reclusos, explica que a reinserção social é algo complexo e que requer aplicação de políticas que sejam capazes de cobrir todas as áreas de necessidades dos ex-condenados, ao afirmar que:

[...] Apesar de consagrado na lei, levar a reinserir um ex-recluso na sociedade é deveras mais difícil do que o pensado. É uma matéria complexa que engloba não só a questão da reinserção social como também um conjunto de politicas definidas para o sistema judiciário globalmente considerado, diga-se por exemplo as politicas criminais, como as molduras penais, o regime jurídico da prisão preventiva, o regime jurídico da liberdade condicional etc, No caso especifico da reinserção social esta depende muito das políticas definidas e executadas para os vários sectores do sistema prisional, como as politicas de saúde, de emprego, formação profissional e do ensino. Depende ainda das medidas de carácter jurídico – organizacional, em especial as medidas de flexibilização de execução das penas (SOUSA, 2015, p. 24).

Porém, o que vemos não são as medidas citadas tendo um grande impacto. O que verdadeiramente ocorre é esses indivíduos percorrendo uma jornada solitária e árdua na reconstrução de suas vidas, após passarem por logos períodos encarcerados.

Gomes (2018), afirma que o desafio na reinserção dos ex-condenados na sociedade, se deve em sua maior parte devido a falta de ação do Estado na qualificação desses indivíduos. Uma vez que, segundo ele mais da metade dos condenados no Brasil possuem um baixo grau de instrução, acarretando na falta de meios para essas pessoas conseguirem manter sua família. Logo, fica evidente que a falta de qualificação esta ligada diretamente na reincidência desses sujeitos.

E esse cenário se torna mais preocupante, quando olhamos para os casos de pessoas inocentes que foram condenadas injustamente. Pois, assim como já abordamos nesse artigo, a prisão indevida não apenas priva os indivíduos de sua liberdade, mas também tem um impacto profundo em sua integridade física, emocional e social.

A reinserção desses indivíduos na sociedade é um processo complexo, mas que acima de tudo é de responsabilidade do Estado, que deve prestar apoio de diferentes formas, até que o sujeito esteja readaptado ao meio social. Uma vez que o principal desafio enfrentado por esses indivíduos, é a reconstrução de sua reputação, já que, os danos associados à prisão podem de alguma forma dificultar em sua volta as suas funções no trabalho, ou até mesmo, a conseguir novas oportunidade de emprego e a reestabelecer suas relações sociais. Portanto, é necessário que haja uma conscientização pública sobre a inculpabilidade do indivíduo, frente ao crime ocorrido, mostrando com clareza que houveram erros durante a apuração e julgamento do caso.

Assim com afirma Gomes (2018) que quando os indivíduos saem da prisão, eles tentam recomeçar sua vida, mas de alguma forma elas não conseguem se desprender da sombra de seu passado. Pois a sociedade sempre irá enxergar sua índole com dúvida.

Por fim, a reinserção na sociedade de pessoas que tiveram passagem pelo Sistema Prisional, requer um compromisso sério do Estado. Sendo necessário que haja uma maior responsabilidade na busca pela justiça, oferecendo suporte e oportunidades para que essas pessoas possam reconstruir suas vidas e se reintegrar plenamente à sociedade. Somente assim poderemos caminhar em direção a um Sistema de Justiça mais justo e humano.

INNOCENCE PROJECT BRASIL

Foi através de uma realidade de falhas em garantir os direitos individuais de pessoas que estão envolvidas em processos judiciais, que surgiram iniciativas filantrópicas, com o objetivo de ajudar pessoas que foram prejudicadas por esses erros no Sistema de Justiça.

Uma dessas iniciativas é o Innocence Project Brasil, que é uma associação sem fins lucrativos, criada no ano de 2016. A associação se intitula como sendo a primeira organização brasileira voltada exclusivamente para o enfrentamento das condenações injustas no país. Além disso, eles procuram reverter os erros judiciários cometidos contra os inocentes a partir do debate sobre as causas e soluções para prevenir esses casos (Innocence Project Brasil, 2022a, online).

Para que um indivíduo possa buscar a defesa do Innocence Project Brasil, antes de mais nada, ele dever preencher uma serie de requisitos, uma vez que o serviço oferecido é pro bono, ou seja gratuito.

Segundo Franco, Neto e Machado (2021) quando um caso chega até a associação, em primeiro lugar ocorre a descrição de como o caso ocorreu. Essa informações podem ser relatadas pelo próprio condenado, ou por uma pessoa que seja próxima do mesmo. Então posteriormente é feita uma análise para ser apurado se aquele caso atende aos requisitos a que se propõe o projeto, que são:

  1. Se o indivíduo de fato não é o autor do criminoso, ou se o crime na verdade não ocorreu;

  2. O indivíduo deve ter no mínimo 05 anos de pena por cumprir;

  3. A sentença já ter sido transitada em julgado;

  4. Se existe alguma prova que seja capaz de absolver o réu, sendo está ainda não analisada pela justiça.

Então só a partir da obtenção dessas informações é que o Innocence Project Brasil, analisa os casos, e busca juntar as provas da inocência do indivíduo, para só então atuar em juízo do condenado.

Porém, o trabalho do Innocence Project Brasil não é simplesmente o de provar a inocência dos indivíduos condenados de forma errónea. Eles ainda são responsáveis pela publicação de artigos informativos e pesquisas que ajudam nos debates sobre a criminalização de inocentes, bem como, buscam encontrar soluções para se evitar mais casos de julgamentos erróneos.

Mas de acordo com Gonçalves (2020) apesar do Innocence Project Brasil está auxiliando a reversão de várias condenações injustas no país. Ele afirma que por mais que o projeto tenha crescido, muitas das vítimas não chegam nem a ser idenizadas, ou auxiliadas pelo Estado para voltar as suas vidas de antes, dificultando suas reinserções na sociedade.

Rodrigues (2022) também contempla a situação da mesma forma. Para ele apesar do Innocence Project Brasil ser uma iniciativa que tem tido muito sucesso em ajudar algumas pessoas condenadas injustamente, muita coisa ainda precisam serem feitas. Pois algumas pessoas ainda nem sequer foram idenizadas pelos erros cometidos pelo Sistema de Justiça brasileiro.

Como podemos ver no caso do amazonense, Heberson Lima de Oliveira, preso em 2003, pelo crime de estupro. Ele permaneceu preso preventivamente por quase 3 anos. Nesse período ele contraiu o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), após ter sido violentado em sua cela, por 60 detentos. De acordo com Gonçalves (2020) o caso de Heberson foi cheio de falhas, discursos contraditórios das testemunhas e com laudo médico incapaz de constatar que ele cometeu o crime.

Heberson conseguiu provar sua inocência com ajuda do Innocence Project Brasil, porém vive até hoje esperando por uma indenização por parte do Estado. Que como mencionado no presente artigo, é o único responsável pela reparação financeira, como previsto no Código Civil. Porém muitas vezes o Estado prefere se omitir, quanto a correções das condenações e a reinserção dos indivíduos condenados, no meio social.

CONDENAÇÕES RECENTES DE INOCENTES NO BRASIL

A lista de casos com incriminações infundadas é extensa. Abaixo citaremos alguns dos casos ocorridos no Brasil, e que demonstram a falta de cuidado por parte do Sistema Judiciário ao analisar todos os fatos que rodeiam os processos: como a falta de provas; acusações por vingança; ou até mesmo casos de extorsão, onde sujeitos tentam arrancar dinheiro dos acusados.

7.1 CASO ISRAEL DE OLIVEIRA PACHECO

Como primeiro caso temos o do gaúcho Israel de Oliveira Pacheco, ocorrido no ano de 2008. Israel foi acusado de roubo e violação. Sendo supostamente reconhecido pelas vítimas, apesar delas terem inicialmente afirmado que o criminoso estava usando um capuz, no momento do crime. Apenas após 10 anos do ocorrido, um exame de DNA comprovou que o rapaz era inocente. No entanto mesmo com o resultado do exame sendo levado ao Supremo Tribunal Federal (STF), não houve unanimidade. Dois ministros qualificaram que o Reconhecimento Pessoal, era uma prova que estava acima da do exame de DNA. Mas Israel mesmo assim saiu vitorioso, após longos 10 anos de prisão, ele obteve a liberdade (Nascimento, 2019).

7.2 CASO SÍLVIO JOSÉ DA SILVA MARQUES

Temos também o caso ocorrido no Rio de Janeiro, em 2015. Onde Sílvio José da Silva Marques, foi condenado a mais de 16 anos de prisão por uma tentativa de latrocínio (roubo seguido de morte). Na época, o rapaz tinha uma prometedora carreira como lutador de Artes Marciais Mistas (MMA), que foi completamente atrapalhada quando ele foi preso.

Assim como no caso de Israel, a condenação de Sílvio, foi fundada apenas no reconhecimento fotográfico por uma das vítimas, que havia fica mais de um mês em coma, ou seja, tornando o processo ilegal. Além disso, o rapaz contava com provas de está treinando em uma academia muito longe do local do crime, na hora do ocorrido. Porém essa prova não foi considerada e muito menos o fato das testemunhas presenciais do crime, não o reconhecerem como culpado. Foi apenas no ano de 2021, que houve a absolvição de Sílvio, quando o Innocence Project Brasil, solicitou Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao demonstrar que havia várias ilegalidades em todo o processo (Innocence Project Brasil, 2022b, online).

7.3 CASO CLEBER MICHEL ALVES

Cleber Michel Alves, foi acusado em 2016 por uma adolescente de 13 anos, por crime sexual, na cidade de Cerquilho, em São Paulo. O caso tinha como única prova o testemunho da suposta vítima. Ela afirmou que foi amarrada e raptada em frente ao colégio que frequentava e levada pelo agressor até um local inabitado, onde teria sido cometido a violação. Porém Cleber sempre negou o crime, e apresentou provas de que não estava na cidade na hora do suposto acontecimento (Evans, 2020, online).

Cleber apenas obteve a liberdade após intervenção do Innocence Project Brasil. Segundo o Innocence Project Brasil (2022b, online) a própria vítima teria procurado a Justiça para retirar a acusação e admitir que inventou toda a história. Além disso, o próprio Projeto tinha em sua posse os registros de localização telefônica e de radares de estradas que confirmavam que Cleber não estava realmente na cidade, no dia mencionado pela jovem.

O homem foi posto em liberdade, em agosto de 2021, após mais de três anos preso. Porém o tempo que Cleber perdeu na cadeia não pode ser restituído. “Entre as perdas sofridas durante o período em que ficou privado de liberdade, está o nascimento do filho, que ele não viu e só pôde conviver com o garoto depois de solto” (EVANS, 2020, online).

7.4 CASO ATERCINO FERREIRA DE LIMA FILHO

Atercino Ferreira de Lima Filho foi denunciado em 2004, por supostamente ter abusado sexualmente de seus filhos, Andrey e Aline. Tendo sua condenação decretada com base apenas nos depoimentos das crianças e da mãe.

Ao longo de 15 anos, Atercino lutou para comprovar sua inocência, seus filhos procuraram a justiça várias vezes, afim de mudar seu depoimento e inocentar o pai, mas nunca conseguiram ser ouvidos pela justiça. Segundo Lepri (2018) “[...] os irmãos contam que sofriam maus tratos e fugiram de casa. Eles moraram em orfanato e, quando saíram, procuraram pelo pai e começaram uma batalha para provar a inocência dele”.

De acordo com o Innocence Project Brasil (2022.b) foi apenas em 2017 que as supostas vítimas, entraram em contato com eles e contaram que os abusos nunca ocorreram. E a partir dai a luta na justiça começou. O projeto conseguiu que Andrey e Aline testemunhassem novamente, revelando que eles sofreram ameaças e violência por parte da mãe e de sua companheira, para acusarem o pai. E então no ano de 2018, Atercino teve por unanimidade, o reconhecimento da sua inocência.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do disposto nesse artigo, onde foi enfatizado as questões enfrentadas pela Justiça Criminal brasileira, sobre o tratamento dado aos indivíduos que são presos suspeitos de cometerem crimes. Foram destacado as situações vivenciadas por pessoas inocentes presas, e as consequências que isso trás não só para esses indivíduos mais para toda a sociedade.

Dentro deste contexto podemos afirmar que há um grande descaso do Sistema de Justiça brasileiro, pois cabe a ele a responsabilidade por danos e constrangimentos causados em decorrência das falhas na apuração e julgamentos dos casos, haja vista as consequências sociais e psicológicas que essas falhas de julgamento causam aos indivíduos. Pois, toda a sociedade depende de um Sistema de Justiça que seja imparcial, confiável e capaz de identificar corretamente os culpados, e que quando comprovadas as ilicitudes nos julgamentos, este Estado esteja disposto a reparar o chamado erro Judiciário.

A relevância social e jurídica do tema é evidente, uma vez que afeta a vida de muitas pessoas e pode comprometer a garantia dos Direitos Fundamentais. Diante do exposto, podemos analisar o impacto da prisão de inocentes no Brasil, bem como reafirmar os Direitos Fundamentais em especial a liberdade, a Presunção de Inocência e o devido processo legal. Identificando assim os critérios que devem ser utilizados para melhor aplicação dos processos, de modo á evitar erros.

Então acreditasse que somente através de uma abordagem comprometida com a imparcialidade e com o respeito aos Direitos Fundamentais, será possível reduzir os erros judiciários e minimizar a condenação de pessoas inocentes. Dessa forma, o Sistema Judiciário brasileiro poderá desempenhar seu papel vital de proteger os direitos individuais, promover realmente a equidade e restaurar a confiança da sociedade em sua capacidade de gerenciar a justiça de forma justa para todos.

REFERÊNCIAS

ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 2022. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/20-anuario-2022-as-820-mil-vidas-sob-a-tutela-do-estado.pdf>. Acesso em: 08 de mai. 2023.

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Sobre o autor
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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