IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS: UMA ANÁLISE DOS POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À SUA INSTITUIÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA NO BRASIL
MEDEIROS, Madalena Marta Macedo Janeiro,2020
RESUMO
Enquanto diversas pessoas sofrem com os problemas decorrentes da desigualdade social no Brasil, a ocorrência da pandemia que eclodiu ao final do ano de 2019 em todo mundo, só piorou um quadro que já era visto como desastroso. Neste ânimo, para corrigir os efeitos causados pelo novo coronavírus, muito se tem dito a respeito de uma possível instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas - IGF - com vistas ao reequilíbrio social, preservando vidas e recuperando a economia. Como objetivo, esta pesquisa propõe uma investigação das disposições normativas correlacionadas com o IGF, realizada principalmente pela análise do conteúdo das Propostas de Lei Complementar mais recentes encontradas no banco de dados da Câmara dos Deputados Federal. Este estudo propõe: identificar a importância dos impostos, demonstrar os principais argumentos contrários à instituição do IGF; traçar um prognóstico de uma possível instituição com base no que se tem discutido pelos parlamentares e levantar o posicionamento dos agentes políticos representantes do povo em relação ao tema. A Hipótese analisada é a de que o IGF é um imposto sui generis porque tanto a sua instituição ou não-instituição recebem respaldo pela Constituição Federal de 1988. No momento conclusivo é possível que se entenda que esta Hipótese é válida, estudos mais aprofundados sobre o tema merecem devida atenção e investimento, principalmente no sentido de buscar aliar a propositura do IGF com o respeito à Livre Iniciativa, uma situação que não parece fácil de ser solucionada, desafiando todo e qualquer estudioso que escolha se debruçar sobre o tema.
Palavras-chave: Imposto. Grandes Fortunas. Brasil. Livre Iniciativa. COVID-19.
ABSTRACT
While several people suffer from the problems arising from social inequality in Brazil, the occurrence of the pandemic that broke out at the end of 2019 around the world only worsened a picture that was already seen as disastrous. In this spirit, to correct the effects caused by the new coronavirus, much has been said about a possible institution of the Great Wealth Tax - IGF - with a view to social rebalancing, preserving lives, and recovering the economy. As an objective, this research proposes an investigation of the normative provisions correlated to the IGF, carried out mainly by analyzing the content of the most recent Complementary Law Proposals found in the database of the Federal House of Representatives. This study proposes to: identify the importance of taxes, demonstrate the main arguments against the institution of the IGF; draw a prognosis of a possible institution based on what has been discussed by parliamentarians, and raise the positioning of political agents representing the people concerning the topic. The Hypothesis analyzed is that the IGF is a sui generis tax because both its institution or non-institution are supported by the 1988 Federal Constitution. In the concluding moment, it is possible that it is understood that this Hypothesis is valid, more in-depth studies on the subject deserve due attention and investment, especially in the sense of seeking to ally the proposition of the IGF with respect for Free Enterprise, a situation that does not seem easy to be solved, challenging any and every scholar who chooses to dwell on the subject.
Keywords: Tax. Great Fortunes. Brazil. Free Enterprise. COVID-19.
1. INTRODUÇÃO
Dentre os assuntos mais discutidos nos tempos atuais sob o contexto do Direito Tributário, seja no ambiente acadêmico, seja por parte dos populares, a questão de maior destaque no Brasil, sem dúvidas, é a que envolve a grande problemática da tributação de grandes fortunas. Reconhecidamente o único imposto contido no bojo constitucional que ainda não foi instituído, o Imposto sobre Grandes Fortunas - IGF - tem provocado uma série de discussões entre os brasileiros. Enquanto alguns o veem como uma saída para uma política tributária mais isonômica, outros entendem que a efetivação deste tributo poderia desestabilizar a economia do país principalmente porque a sua instituição seria um fomento à saída de dinheiro circulante na nação.
Paralelamente a isto, o tempo atual - principalmente em razão da grave crise sanitária proporcionada pela COVID-19 - tem apresentado grandes problemáticas em diversos setores sociais. Neste trabalho encontra-se uma abordagem específica e necessária dos setores jurídico e econômico do Brasil, por uma abordagem do tema da possibilidade de instituição do IGF para correção e tratamento dos efeitos nefastos da Covid-19. As medidas de combate à pandemia, como a alternância entre o fechamento e a abertura dos serviços considerados não-essenciais - difundida largamente como a política de lockdown -, para não se dizer da política de vacinação como forma de imunização, vieram a produzir debates acirrados em todo corpo social de modo que o assunto ainda não está pacificado e se encontra longe de uma homogeneização no entendimento acerca de efetividade e de resultados positivos, colocando em jogo a preservação de vidas e a manutenção da estabilidade do Estado brasileiro.
Para se ter uma dimensão em relação ao tamanho do problema, em 29 de setembro deste ano - 2021 - a Organização das Nações Unidas - ONU - divulgou um relatório apresentando como a pandemia veio a afetar diversos países no mundo, fazendo importantes apontamentos em relação ao Brasil sob o argumento de que as nações que apresentam grande desigualdade econômica teriam e estariam recebendo um grande impacto pelos efeitos devastadores do vírus Sars-Cov-2. Segundo o relatório, que traz um levantamento das principais pesquisas realizadas em solo nacional entre 2020 e 2021, 90% (noventa por cento) das mortes por COVID-19 no país foram registradas nos 12 (doze) Estados com maior proporção de domicílios em aglomerados considerados subnormais (IBGE apud ONU, 2021). Além do mais, o documento aponta que, no Município de São Paulo, 93% (noventa e três por cento) dos casos de mortes de crianças e adolescentes se deram em moradores de bairros periféricos ou de baixa renda (ONG PÚBLICA apud ONU, 2021).
Em relação ao aspecto metodológico o presente trabalho se vale da Pesquisa de Revisão Bibliográfica realizada com base no Método Científico Hipotético-Dedutivo. Busca-se avaliar a hipótese de que a instituição do IGF é algo, antes de tudo, direcionado pelo caráter político dos agentes públicos representantes da nação, e portanto, apesar dos problemas apresentados pela pandemia da COVID-19, é algo que está longe de ser solucionado principalmente pela existência de uma aberração constitucional, identificada claramente quando se vê que tanto a instituição quanto a não instituição recebem respaldo da Constituição Federal. Em outras palavras, busca-se validar que o caso do IGF é um caso sui generis e que a pacificação da problemática apresentada pelo mesmo, apesar dos mais de 30 (trinta) anos decorridos da Constituição Federal de 1988, ainda se encontra longe de uma possível solução homogênea.
Tendo em vista este cenário, este estudo propõe, como objetivo geral, investigar as disposições normativas acerca do IGF, bem como, o conteúdo dos Projetos de Lei Complementar em debate no Poder Legislativo, destacando o critério da atualidade, a partir de uma visão qualitativa. De maneira específica intenta-se: a) apresentar o conceito e a importância do papel dos impostos para a manutenção da organização social; b) identificar os principais argumentos que justificam a não instituição do IGF até o presente momento; c) traçar um prognóstico de alcance da instituição do IGF avaliando como se daria sua instituição, identificando critérios a serem utilizados para definir a configuração do possível contribuinte; e, d) levantar como tem se comportado os agentes políticos representantes do povo em relação ao tema deste estudo na atualidade, procurando definir o posicionamento da situação e da oposição, em relação ao IGF.
Justifica-se o presente estudo tendo em vista a grande polêmica envolvendo o tema. Diversos são os agentes sociais que se manifestam acerca do tratado, seja por uma posição favorável à instituição do IGF, seja por uma posição contrária a tal medida. Além do mais, o tema é tido como um conhecido ponto de debate entre os gestores públicos e pelos candidatos a cargos eletivos, razão pela qual entende-se que muitos tratam do assunto ora abordado sem, contudo, apresentar uma abordagem que realmente pacifique a questão, chegando a uma solução definitiva a este respeito e, por isso, o tema da (não) instituição do IGF merece especial atenção por parte de todos.
2. CONCEITO E IMPORTÂNCIA DOS IMPOSTOS PARA A SOCIEDADE
A sociedade enquanto entidade organizada fatalmente demanda a figura do Estado para que haja a gestão dos processos sociais. Para que seja possível esta gestão, independentemente da ideologia política que inspire as instituições ou até mesmo o estágio de desenvolvimento da situação, identifica-se como elemento central de chancela, no intuito de possibilitar a gestão social, a figura dos tributos, e dentre tais, a espécie de tributo que mais chama atenção é, sem dúvidas, o imposto.
A tributação, algo indissociável da figura estatal, tanto nas democracias quanto no totalitarismo, é visto em uma relação de decorrência especificamente porque a busca de recursos para a manutenção da ordem é algo necessário, e que se vê claramente destacado nos registros históricos (PAULSEN, 2020). Não há como conceber que o Estado venha a cumprir o seu papel e as razões de sua instituição sem que sejam identificados os recursos para tanto, e tem-se nos impostos o principal meio de colheita dos “subsídios” provindos da esfera privada para que se consolide e se mantenha a ordem social.
Esta configuração do modus operandi (meio pelo qual) também assenta um grave quadro problemático em que se viu e que se vê, em muitas das vezes, um processo de obliteração da iniciativa privada e a famigerada política de confisco - algo rechaçado atualmente -, conforme se vê a seguir.
Os problemas relacionados à tributação, desde cedo, despertam a necessidade de compatibilização da arrecadação com o respeito à liberdade e ao patrimônio dos contribuintes. Por envolver imposição, poder, autoridade, a tributação deu ensejo a muitos excessos e arbitrariedades ao longo da história. Muitas vezes foi sentida como simples confisco. Não raramente, a cobrança de tributos envolveu violência, constrangimentos, [e] restrição a direitos. (PAULSEN, 2020, p. 22).
No que diz respeito ao ordenamento jurídico brasileiro, Carneiro (2020) bem nos lembra que o conceito de tributo - termo este que não é entendido como um resultado dos modernistas, principalmente porque sua origem é bem mais antiga, provinda do latim, pelo termo tribuere (divisão, repartição) - se encontra definido no artigo 3° do Código Tributário Nacional - Lei n° 5.172 de 25 de outubro de 1966 - e portanto merece especial atenção para que seja possível compreender o conceito inerente à figura jurídica do imposto.
De acordo com o CTN:
Art. 3° Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (BRASIL, 1966, n.p.).
Portanto, conforme dita o trecho acima, o tributo - gênero do qual o imposto é espécie - se manifesta como sendo uma prestação pecuniária e compulsória que deve ser paga em moeda ou base de valor em que possa haver sua expressão, não sendo entendida como uma sanção de ato ilícito - isto porque a sanção de ato ilícito é vista na figura da multa e não do tributo - e que deve ter embasamento legal, pois, em não havendo lei não há como se cobrar e nem há meios para que se constitua o denominado crédito tributário. Além do mais, a cobrança do tributo pressupõe uma atividade administrativa plenamente vinculada; ou seja, para que seja identificada a figura do tributo é necessário que se aponte uma atividade administrativa decorrente, uma contrapartida que justifica o recolhimento do recurso, pois do contrário estaríamos diante da figura do enriquecimento ilícito, algo vedado pelo ordenamento jurídico nacional.
Ainda com base no CTN é possível que seja identificado o conceito de imposto por intermédio do artigo 16 (dezesseis). Com base neste artigo é possível que identifiquemos que “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (BRASIL, 1966, n.p.). Portanto, para que se esteja tratando de imposto, de acordo com o legislador ordinário, antes de tudo é necessário que se trate de uma obrigação, obrigação esta que é gerada por um fator que não depende de uma atividade estatal específica; em outras palavras, o Estado não está adstrito à execução de uma determinada espécie de atividade para que reclame o crédito tributário de modo que se vê como discricionária a aplicação de recursos colhidos por meio de impostos, na busca de satisfação dos critérios de conveniência e oportunidade, inerentes a cada demanda que a sociedade apresenta, algo que não é visto nas demais espécies de tributos como as taxas e as contribuições de melhoria, por exemplo, apenas para os impostos.
3. ARGUMENTOS QUE EMBASAM A NÃO-INSTITUIÇÃO DO IGF
Conforme já mencionado no momento introdutório, de todos os impostos previstos no bojo constitucional sustentado pela Constituição Federal de 1988 do Brasil, o único imposto que ainda não foi instituído, muito em razão de que a norma que prevê a possibilidade do mesmo é uma norma constitucional de eficácia contida, têm proporcionado um cenário que dá lugar a um verdadeiro palco de debates, um palco que divide opiniões. Enquanto alguns são favoráveis defendendo uma maior efetividade da Justiça Fiscal e Social pelo viés da redistribuição de renda, outros se manifestam de maneira contrária argumentando que a instituição do mesmo em verdade é um obstáculo à livre iniciativa e que, principalmente, a instituição de tal faria com que a elite econômica direcionasse suas fortunas para países considerados como paraísos fiscais, argumento que - inclusive - é analisado a seguir.
3.1 O OBSTÁCULO À LIVRE INICIATIVA
Não é sem razão que muitos dos defensores da não-instituição do IGF argumentam que a instituição desta espécie de imposto acarretaria em um verdadeiro obstáculo à livre iniciativa. A razão lógica de arguição desta premissa é bem clara: constituir o detentor de uma reconhecida fortuna como contribuinte de imposto em razão de sua posse e/ou propriedade, seria o mesmo que privilegiar aqueles que não se esforçam para serem vitoriosos em aspectos financeiros ou mesmo competitivos na acirrada competição econômica e mercadológica. Com isso o aprimoramento de produtos e serviços estaria prejudicado; algo que é, de maneira clara, rechaçado pelo ordenamento jurídico nacional.
Conforme demonstra Figueiredo (2019) em sua dissertação, o principal sustentáculo do reconhecimento da Justiça na tributação se constitui no momento em que se identifica que o pagamento de tributos em verdade é um mecanismo que busca assegurar a garantia das liberdades, razão esta, inclusive, tida como um verdadeiro fenômeno que possibilitou a instituição do denominado Estado Moderno. Não fosse esta lógica vigente dificilmente seria possível identificar o Estado nos moldes em que o encontramos hoje, sendo, portanto, a tributação, uma verdadeira base para o asseguramento das liberdades, um fator decisivo no processo de evolução histórica do elemento comum a todos os cidadãos de uma mesma nacionalidade; ou seja, algo que é de impossível escusa.
Neste sentido:
A justiça na tributação vem amparada, nesta pesquisa, na noção de que o pagamento dos tributos é mecanismo de garantia de liberdades, sendo essa a razão de instituição do Estado moderno. Aos membros de uma coletividade organizada, o pagamento de tributos se torna indispensável para a manutenção das atividades do Estado que é instituído. No tocante ao tamanho do Estado, a percepção adequada é a de que não se trata de ente restrito às funções do “guarda noturno”, tampouco em provedor universal, cabendo-lhe o fornecimento daqueles bens indispensáveis, que não sejam providos de forma suficiente pela iniciativa privada. (FIGUEIREDO, 2019, p. 149).
Portanto, como se pode ver o posicionamento de Figueiredo (2019) é no sentido de sustentar que, pelo viés liberal, a consagração da Justiça Social, bem como, a Justiça Fiscal, se dá em um ambiente em que o Estado deve intervir no domínio econômico de forma moderada, garantindo os bens indispensáveis aos cidadãos que sejam de difícil provimento se valendo de critérios de suficiência pela iniciativa privada, de forma que deve agir a partir de uma insuficiência de tal; em outras palavras, o Estado deveria tapar os buracos deixados pela iniciativa privada.
Este posicionamento encontra um forte embasamento constitucional, principalmente porque a proteção da livre iniciativa é considerada um dos principais fundamentos da República que é apresentado logo no primeiro artigo da constituição, como se demonstra abaixo.
Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. (BRASIL, 1988, n.p.).
Além do mais, cabe ressaltar que a própria ordem econômica brasileira, de acordo com a Constituição Federal de 1988, é fundada com base nos valores da livre iniciativa tendo por fim o asseguramento da existência digna dos cidadãos de acordo com as premissas da Justiça Social acabando por levar em consideração os princípios da soberania nacional, da propriedade privada, da função social da propriedade, da livre concorrência, dentre outros; algo explícito no artigo 170 reproduzido abaixo.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (BRASIL, 1988, n.p.).
Portanto, a livre iniciativa, mais do que um fundamento da ordem econômica, é um fundamento da própria República e não sem razão é tratada na Constituição Federal de 1988 sendo protegida e desde o início sendo citada por duas vezes no texto constitucional: no inciso IV do artigo 1° e no artigo 170; ambos apresentados acima. Além do mais, a tributação deve ocorrer atendendo a capacidade contributiva dos pagadores, de maneira certa e sem que ocorra arbitrariedade. A colheita dos recursos estatais por intermédio dos impostos deve ocorrer sempre se pautando pelo mínimo necessário, evitando características totalitárias e reafirmando o modelo do Estado Democrático de Direito (FIGUEIREDO, 2019).
3.2 ENVIO DE PATRIMÔNIO PARA O EXTERIOR
Outro argumento bastante utilizado para justificar a não-instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas é baseado na afirmação de que: se houvesse a instituição diversos seriam os detentores de grandes fortunas que enviariam os seus recursos para o exterior, alocando-os nos denominados paraísos fiscais. Este é um posicionamento largamente difundido no cenário nacional pelos populares e deve ter a devida vênia.
Conforme Fedrizzi apud Pozzer et al (2019), ocorrendo a possibilidade da instituição do IGF, o fato gerador deste imposto seria a posse de grande fortuna em um período anual considerando-se o patrimônio do núcleo familiar. Além do mais, buscando solucionar o problema apresentado acima a respeito do envio de recursos ao exterior aponta-se a solução da universalidade de cobrança; em outras palavras, mesmo que os recursos fossem enviados para paraísos fiscais, ainda sim, estariam sujeitos a tributação. Outro ponto em destaque é o de que quase todos os projetos de lei complementar propostos no Congresso Nacional - 99% dos casos - até o momento versam a respeito da hipótese da tributação de pessoas físicas e não de pessoas jurídicas - ponto que só veio a receber um posicionamento alternativo no ano passado - 2020.
Em tese, o fato gerador do IGF seria a posse de grande fortuna durante o período anual, onde seja considerado o patrimônio do núcleo familiar, ou seja, o próprio interessado, seu cônjuge e seus dependentes. Outro quesito importante é a universalidade do imposto, se não, seria incentivada a saída do patrimônio para o exterior, ou seja, o residente no Brasil, mesmo tendo seus bens no exterior, seria alcançado pela incidência na integralidade de seu patrimônio. Todos os projetos de lei encaminhados para o Congresso somente constaram a hipótese de tributação sobre a pessoa física, excluindo pessoa jurídica. (FEDRIZZI apud POZZER et al, 2019, p. 08).
Além do mais, outros pontos decorrentes devem ser considerados. Aqueles que são contrários à tributação de grandes fortunas indicam ainda que esta medida seria um verdadeiro fator negativo para o estímulo da poupança, não bastasse a possibilidade da retirada patrimonial do capital ao estrangeiro configurando uma verdadeira evasão. Outrossim, “(...) existem argumentos no sentido de que o valor arrecadado seria ínfimo e os custos para se efetuar uma fiscalização adequada seriam elevados, e dessa maneira a implantação do IGF seria inviável” (POZZER et al, 2019, p. 10).
4. PROGNÓSTICO DE ALCANCE DA INSTITUIÇÃO DO IGF
Como apresentado, os critérios que norteiam a instituição do IGF ainda são muito obscuros, principalmente porque deixou-se - o legislador constituinte - o tratamento a cargo do legislador complementar. Um dos grandes pontos que gera muitas dúvidas é o alcance da expressão grandes fortunas. Ora, a quem estaria realmente endereçada a cobrança deste imposto? Ou seja, quem seria o contribuinte em questão? De fato, nota-se que é aquele que tem a posse e/ou propriedade de uma Grande Fortuna, mas, como seria possível delimitar o alcance desta norma tributária?
El-Jaick (2017) é muito direta quando aponta que “os critérios norteadores do Imposto sobre Grandes Fortunas não foram elencados pela Constituição Federal (...) [e que] essa se limitou a inseri-lo de forma genérica no ordenamento” (n.p.). Portanto, esta é uma condição que tem gerado muita controvérsia e debate no ambiente acadêmico e profissional correlato. Segundo esta autora, nem os ricos e tão pouco os milionários seriam atingidos e colocados no polo passivo desta relação fiscal, simplesmente pelo fato de tais poderem provar que não haveriam de possuir uma Grande Fortuna, justamente pelo critério abstrato envolvido com a norma, como se vê abaixo.
Levando-se essa expressão à risca, não poderia ser tributado o patrimônio dos “ricos” e nem dos “milionários” por não possuírem exatamente uma “Grande Fortuna”. No entanto, é possível estabelecer algumas diretrizes gerais a partir da Lei n° 5.172/66-CTN, bem como no Projeto de Lei Complementar 277/2008 [projeto proposto por Luciana Genro - PSOL/RS]. (EL-JAICK, 2017, n.p.).
Assim, fica claro que o que se tem no bojo constitucional e na decorrência normativa infraconstitucional, mesmo com a grande complexidade e tratamento que se vê no CTN, é um quadro onde se vislumbra que ainda há muito o que se pensar e analisar quando o assunto é a instituição do IGF, e talvez a via Complementar seja a de real efetividade para sanar tal lacuna no momento de se buscar entender o que seria uma grande fortuna, motivo pelo qual entende-se que o legislador constituinte originário posicionou-se corretamente quando exarou a norma do inciso VII do artigo 153 da Constituição Federal de 1988, conferindo a Competência Tributária à União, vez que se vê claramente que “compete à União instituir impostos sobre: VII grandes fortunas, nos termos de lei complementar” (BRASIL, 1988, n.p.).
4.1 TRATAMENTO ATUAL DA MATÉRIA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Uma pesquisa no portal eletrônico da Câmara dos Deputados encontramos em andamento muitos projetos tratando da instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), no entanto, mais de 16 propostas foram protocoladas após o início da pandemia do novo coronavírus, tendo como motivação combate e amenização dos problemas por ela causados.
4.1.1 O PLC MAIS RECENTE EM DISCUSSÃO - 215/20
Em questão de atualidade, a pesquisa no banco de dados da Câmara dos Deputados Federais do Brasil, feita com base nos termos: Imposto sobre Grandes Fortunas, aponta a indicação do Projeto de Lei Complementar 215/20, de autoria do deputado Paulo Guedes (PT-MG). De acordo com este PLC o IGF incidiria com uma alíquota de 2,5% sobre os bens de pessoas físicas ou jurídicas - uma inovação de interesse, visto que a grande maioria dos projetos anteriores - para não se dizer a totalidade - não consideravam as pessoas jurídicas como possíveis contribuintes para esta espécie de imposto. Com base em tal, para ser considerado como contribuinte, seria necessário que a pessoa, seja física, seja jurídica, apresentasse um patrimônio líquido superior a R$ 50.000.000,00 (cinquenta) milhões de reais.
O novo imposto se aplica[ria] a imóveis para uso pessoal como residência ou lazer com valor acima de R$ 5 milhões; veículos que custem mais de R$ 500 mil; embarcações com valor superior a R$ 1 milhão e aeronaves com valor maior que R$ 5 milhões. Para fins de enquadramento no IGF, serão[iam] usados os valores dos bens declarados à Secretaria da Receita Federal do Brasil. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020, a, n.p.).
É informado também que os recursos arrecadados teriam destino certo: a construção de unidades de ensino e/ou de saúde credenciadas pelos governos federal, estaduais e municipais. Ainda de acordo com o texto deste PLC a alíquota poderia ser reduzida para 1,75% nos casos em que o proprietário e/ou possuidor, de maneira espontânea, venha a declarar a sua fortuna e os valores de seus bens. Além do mais, com a declaração voluntária, tais poderiam escolher quais projetos seriam beneficiados com os recursos arrecadados.
O proponente do PLC 215/20 veio a declarar que “a possibilidade de redução da alíquota e a escolha do projeto a ser beneficiado são estímulos à auto declaração, [e] ao crescimento da consciência da cidadania” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020, a, n.p.). Neste viés, caso os valores não forem informados de forma espontânea, além da aplicação da alíquota maior, a autoridade administrativa poderia aferir o montante com base no valor de mercado ou por arbitramento estadual e municipal com relação à imóveis urbanos ou veículos.
4.1.2 O PLC 924/20 E O ENFOQUE PARA A COVID-19
Também estruturado no sistema do banco de dados da Câmara dos Deputados, a vice-liderança da atualidade de projetos que estão discutindo uma possível instituição do IGF, ou seja, em segundo lugar no quesito atualidade, está o Projeto de Lei Complementar 924/20, de autoria do Deputado Federal Assis Carvalho (PT-PI). De acordo com a equipe de reportagem da Câmara dos Deputados Federais, este PLC propõe que a Lei Complementar Decorrente vigore enquanto perdurar a situação de calamidade pública proporcionada pela COVID-19.
Com relação ao fato gerador proposto tem-se que “será[ia] a titularidade de bens e direitos, no Brasil ou no exterior, no dia 31 de dezembro de cada ano, em valor global superior a R$ 5.000.000,00 [cinco milhões de reais]” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020, b, n.p.). A proposta do projeto apresenta uma distribuição gradativa com relação ao objeto básico da relação obrigacional tributária - as fortunas. Propõe-se uma alíquota de 0,5% (meio por cento) para fortunas entre R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); 1% (um por cento) para fortunas entre R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); 2% (dois por cento) para fortunas entre R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) e R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais); 3% para fortunas entre R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) e R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais); e, por fim, 5% (cinco por cento) para fortunas acima de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais).
Destaca-se ainda que a arrecadação pretendida seria destinada em 30% (trinta por cento) para a União, 35% (trinta e cinco por cento) para os Estados e o Distrito Federal; e 35% (trinta e cinco por cento) para os Municípios. O autor deste PLC destacado afirma que a Lei Decorrente teria o condão de originar novos recursos para reforço de caixa do Governo, levando-se em consideração os efeitos devastadores do vírus Sars-Cov-2, tanto no aspecto econômico quanto no aspecto do setor da saúde pública (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020, b).
Com relação aos contribuintes, é possível que se veja que a pessoa física domiciliada no Brasil, bem como, as pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior, desde que haja relação direta entre a pessoa e o patrimônio encontrado em solo nacional, serão tributadas. No caso de cônjuges ou companheiro, haverá a tributação com base na individualidade de cada um, com acréscimo de metade do patrimônio em comum, o que decorre também entender que o patrimônio dos filhos será, de igual forma, também tributado; não se esquecendo também o tratamento - por decorrência - dos espólios.
Conforme a proposta, serão contribuintes do imposto as pessoas domiciliadas no Brasil, as pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior, em relação ao patrimônio que tenha no Brasil, e os espólios. Cada cônjuge ou companheiro será tributado com base no seu patrimônio individual acrescido da metade do patrimônio comum. O patrimônio dos filhos menores será tributado juntamente com o dos pais. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020, b, n.p.).
No que diz respeito à não incidência, identifica-se que não se propõe a incidência sobre os bens e direitos considerados de pequeno valor individual. Objetos de arte ou coleção e outros bens, cujo a pessoa tenha propriedade e/ou posse e que sejam considerados de relevante valor social, econômico ou ecológico, não seriam tributados; isto é, com modulação de condições e porcentagens a serem fixadas em lei. Além do mais, sobre o imóvel residencial reconhecido como Bem de Família, conforme a Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família, seria possível identificar uma limitação do poder de tributar. Esta limitação estaria definida no valor abaixo de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), não havendo, portanto, neste caso, a tributação (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020, b, n.p.).
Sobre os dispositivos de sanção de ato ilícito em pecúnia, a proposta apresenta a possibilidade da multa de 65% (sessenta e cinco por cento) do valor extraído da diferença entre o montante do quantitativo do imposto omitido e o valor fraudulento constante na declaração de bens. Além do mais, a proposta apresenta uma aplicação da legislação do Imposto de Renda para o IGF, principalmente no que se correlaciona com a fiscalização, lançamento, cobrança, penalização, administração e processamento na esfera administrativa.
Finalmente, com relação à tramitação, a notícia que se tem mais recente no banco de dados da Câmara dos Deputados Federais do Brasil, é que, até a data do dia 24 de março de 2020 este PLC foi apresentado à Câmara dos Deputados, não sendo identificada até o momento - 23 de novembro de 2021 - tramitação no Senado Federal ou mesmo na Presidência da República; ou qualquer outro movimento.
4.1.2.1 JUSTIFICATIVAS DO PLC 924/20
Iniciando a terceira página do PLC 924/20, o Deputado Assis Carvalho evoca primeiramente o fato de que o Congresso Nacional aprovou a Mensagem n° 93 (noventa e três), de 18 de março de 2020, exarada pelo Presidente da República para que fosse reconhecido o estado de Calamidade Pública, com uma disposição de que os efeitos durassem até 31 (trinta e um) de dezembro de 2020 - algo que se viu estender até atualmente.
Má condução da administração por parte do Governo Federal e déficit primário são os principais pontos que são evocados como justificativa para o tratamento da discussão e aprovação do PLC 924/20. Com a aprovação deste projeto - que in corpus - em real - trata o produto como Decreto [erroneamente considerado, vez que Decreto e Lei Complementar são diplomas legais diferentes] - o autor sustenta o fato de que o Poder Executivo não mais precisaria cumprir as metas fiscais, sugerindo uma flexibilização em um dos elementos constitutivos do modelo de gestão das políticas macroeconômicas que atualmente é utilizado pelo Brasil: as metas de inflação do famigerado Tripé Macroeconômico. Neste sentido:
É sabido por todos que as contas do Governo brasileiro vão de mal a pior. Segundo dados do Ministério da Economia, o déficit primário previsto para este ano na Lei Orçamentária Anual é de pouco mais de 124 bilhões. Com a aprovação do Decreto, o Poder Executivo não precisará mais cumprir as metas fiscais. (CARVALHO, 2020, p. 03).
Além disto, também é evocado o fato de que a instituição do IGF seria modulada para reparar e corrigir os efeitos devastadores do vírus, seja no setor econômico, seja no setor da saúde, de modo que a arrecadação faria parte do denominado Fundo Emergencial de Enfrentamento ao Coronavírus, também de autoria do mesmo, apresentado em outro projeto de lei. Carvalho (2020) ainda aponta que o fato de o imposto estar previsto na Constituição Federal a mais de 31 (trinta e um) anos, e ainda assim não estar instituído, de forma que nunca fora regulamentado pela Câmara, é algo que justificaria merecida atenção por parte de todos, algo que deveria ser destaque na agenda política não só da Câmara dos Deputados Federais, mas também, de todo Congresso Nacional.
Com relação ao volume dos recursos para o enfrentamento do novo coronavírus, em um dos momentos derradeiros da justificativa, há menção ao critério de exclusividade, de modo que tais recursos não poderiam ser destinados a demais setores; ou seja, seria impossível que recursos fossem destinados a setores que não estivessem envolvidos ou ligados, direta ou indiretamente, com o tratamento da pandemia da COVID-19.
4.1.2.2 POSICIONAMENTO DO GOVERNO EM RELAÇÃO AO PLC 924/20
Em relação ao posicionamento do Governo - situação - para com a instituição do IGF, conforme o Deputado Federal Coronel Armando (PSC-SC) - Luiz Armando Schroeder Reis - vice-líder do Governo Federal na Câmara dos Deputados - “a taxação de grandes fortunas não foi adotada por governos passados” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020, c, n.p.).
Eles têm de certa forma uma grande contribuição. E essa taxação de grandes fortunas não passou por todos os governos de esquerda, pelo governo FHC. Em nenhum momento foi implantada. Sempre foi jogado para frente. Então quando a esquerda era governo, eles, pelo contrário, eles ajudaram o pessoal da economia porque viram que ali é que a gente consegue crescer e aumentar os empregos. (REIS apud CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020, c, n.p.).
Desta forma, é possível que se veja que enquanto a situação defende a não instituição do IGF, especificamente a partir de um posicionamento adotado pelo Deputado Federal Coronel Armando - Reis - que defende que se os governos passados - segundo ele, de esquerda - não adotaram o referido tipo de imposto, não seria lógico para a direita - agora na situação - que este viesse a ser instituído; o autor deste PLC, o Deputado Federal Assis Carvalho, filiado ao Partido dos Trabalhadores - PT - partido de oposição - se manifesta na contramão do que tem defendido os direitistas, os quais - apoiadores do atual Governo - claramente se posicionam contrários ao tolhimento de liberdades e da livre iniciativa, algo que buscou-se demonstrar ao longo de todo este item desta pesquisa.
4.2 TRATAMENTO ATUAL DA MATÉRIA NO SENADO FEDERAL
Conforme informação da Agência Senado, o imposto sobre grandes fortunas (IGF) é tema de pelo menos cinco projetos em tramitação no Senado, sendo que três deles foram apresentados após o início da pandemia do novo coronavírus: PLP nº 101/2021, PLP nº 38/2020 e PLP n° 50/2020.
0 PLP nº 101/2021 de autoria do senador Randolfe Rodrigues, da Rede Sustentabilidade do Amapá, propõe que sejam tributados os patrimônios acima de R$ 4,67 milhões. Metade dos recursos arrecadados seria destinada para ações de combate à pandemia e a outra metade destinada ao auxílio emergencial. A alíquota do novo imposto ficaria entre 0,5% e 5%, conforme o patrimônio do contribuinte. A justificativa seria o agravamento da desigualdade social no país durante a pandemia.
Segundo Randolfe, o Brasil teria iniciado o ano de 2021 com 7,9 milhões de brasileiros vivendo na extrema pobreza (2,8 milhões a mais do que antes da pandemia), enquanto o número de brasileiros bilionários teria crescido de 45 para 65 entre 2020 e 2021. (SENADO, 2021).
Justifica Randolfe, “Mostra-se, portanto, razoável que aqueles contribuintes com maior capacidade contributiva, que, em sua maioria, tiveram aumento patrimonial enquanto a grande massa da população vem sofrendo com os efeitos perversos da crise sanitária e econômica, contribuam com o país neste momento de forte recessão”.
(AGENCIA SENADO, 2021).
O PLP n° 38/2020, proposta do Senador Reguffe, do Podemos do Distrito Federal, institui o Imposto Extraordinário Sobre as Grandes Fortunas que durante o período de calamidade pública causada pela pandemia, tributando com a alíquota de 0,5% as pessoas físicas cujo patrimônio seja superior a 50.000 (cinquenta mil) salários mínimos.
Segundo ele, o dinheiro arrecadado com o imposto seria repassado para o SUS e para um fundo social destinado aos mais pobres. ”O Brasil possui 206 bilionários com patrimônio superior a mais de R$ 1,2 trilhão. Apenas deste seleto grupo, poderiam verter recursos da ordem de R$ 6 bilhões para o combate de calamidades públicas no Brasil. Isso sem contar as pessoas que estão na faixa entre R$ 50 milhões e R$ 1 bilhão de patrimônio líquido, o que aumentaria de forma expressiva a arrecadação de recursos nesse momento tão delicado e crítico para a população brasileira”. (SENADO, 2020a).
A senadora Eliziane Gama, do Cidadania do Maranhão, é autora do projeto, o PLP nº 50/2020. Institui imposto sobre grandes fortunas e empréstimo compulsório, que financiará necessidades de proteção social decorrentes da covid-19. Além da criação do imposto, ela sugere uma medida que poderia gerar efeitos imediatos: o empréstimo compulsório aplicado às grandes fortunas. Segundo a Senadora, o empréstimo consistiria em uma alíquota de 4% aplicada sobre a mesma base tributária do imposto que a senadora propõe: patrimônios acima de 12 mil vezes o limite de isenção do imposto de renda, o dinheiro seria restituído no próximo ano, corrigido pela Taxa Referencial (TR).
“Sabemos que historicamente no Brasil os mais ricos pagam poucos tributos, e frequentemente se beneficiaram de favores estatais. Tributar grandes fortunas é uma forma de a sociedade receber de volta uma pequena parcela de renúncias fiscais e subsídios dados no passado”, escreveu a senadora em sua justificativa para o projeto. (SENADO, 2020b).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após todo o desenvolvimento do processo de pesquisa proposto na busca da análise de validação da Hipótese eleita como fundamento, tem-se claro que a mesma é válida. Em outras palavras, o caso do IGF é, sobretudo, um caso sui generis, principalmente porque tanto a instituição quanto a não instituição recebem respaldo pela Constituição Federal de 1988. Enquanto o posicionamento favorável se atém à direta, nua e crua letra fria do diploma constitucional; o posicionamento contrário é respaldado principalmente pela importância dada à Livre Iniciativa, a qual é identificada como um dos principais fundamentos da República Federativa do Brasil. Deste modo identifica-se o que se denomina - na Academia - de aberração constitucional. Ou seja, o mesmo diploma que prevê a possibilidade de instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas claramente demonstra que tal só deve ser instituído se houver o devido respeito aos valores sociais da livre iniciativa, o que é impossível de ser feito tendo em vista que a própria natureza da propositura desta espécie tributária desestimula o acúmulo lícito de capital, provocando prejuízos na melhoria de produtos e serviços.
No desenvolvimento do trabalho foram apresentados o conceito e os argumentos que embasam a importância dos impostos para a manutenção da ordem social e também foram identificados os principais argumentos que justificam a não instituição do IGF. Ainda neste esteio, foi traçado o prognóstico de alcance da norma instituidora valendo-se do posicionamento qualitativo pelo exame das Propostas de Lei Complementar mais recentes identificadas na base de dados da Câmara dos Deputados Federais e Senado Federal do Brasil. Ao final, levantou-se o posicionamento adotado pela situação e pela oposição, no que se correlaciona com a instituição IGF, na medida do tempo atual - 2021.
Finalizando, a clareza identificada no inciso VII do artigo 153 da Constituição Federal não deixa nenhuma dúvida: a vontade do legislador constituinte originário, de fato, era que o IGF fosse instituído, e por isto é citado explicitamente; porém, ter deixado a cargo do legislador complementar a sua regulação acaba manifestando uma condição ambígua valorizando um confronto com um dos fundamentos da República, razão pela qual entende-se que o mesmo deveria ter sido tratado com mais propriedade ainda no berço constitucional. Concluindo, estudos direcionados para uma instituição do IGF respeitando a livre iniciativa merecem a devida atenção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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