Direito e literatura: Na colônia penal, de Franz Kafka

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Resumo: Na Colônia Penal ("no original: In der Strafkolonie") é um conto de Franz Kafka escrito em alemão em outubro de 1914, revisado em novembro de 1918 e publicado pela primeira vez em outubro de 1919. Como em alguns dos outros escritos de Kafka, o narrador dessa história parece separado ou talvez entorpecido por eventos que normalmente se esperaria que fossem registrados com horror. Pistas internas e o cenário em uma ilha sugerem The Torture Garden (O Jardim da Tortura) de Octave Mirbeau como uma influência.[1] A história se passa em uma colônia penal sem nome e descreve o último uso de um elaborado dispositivo de tortura e execução que esculpe a sentença do prisioneiro condenado em sua pele enquanto ele morre lentamente ao longo de doze horas. À medida que a trama se desenrola, o leitor aprende cada vez mais sobre a máquina, incluindo sua origem e justificativa original.[2]

Palavras-chave: Na colônia penal. Franz Kafka. Direito. Literatura.

1 A HISTÓRIA DE NA COLÔNIA PENAL

Na Colônia Penal apresenta apenas quatro personagens, cada um nomeado de acordo com seu papel na história. O Condenado é um homem marcado para a execução, o Soldado é responsável por vigiá-lo, o Oficial é o encarregado da máquina que executará o Condenado e o Viajante é um dignitário e visitante europeu.

A história se concentra no Viajante, que acaba de chegar a uma ilha-colônia penal e se depara com sua brutal máquina de execução pela primeira vez. Tudo sobre o funcionamento da intrincada máquina e seu propósito e história é contado a ele pelo Oficial. O Soldado e o Condenado, que não sabe que foi condenado à morte por não se levantar e saudar a porta de seu superior a cada hora durante sua vigília noturna, assistem placidamente de perto.

No processo judicial associado à máquina, o arguido é sempre considerado culpado e não tem possibilidade de se defender. Como punição, a lei que o homem quebrou é inscrita progressivamente mais profundamente em seu corpo durante um período de 12 horas, enquanto ele morre lentamente devido aos ferimentos. Durante as últimas seis horas na máquina, os acusados ficam parados e parecem experimentar uma epifania religiosa. A máquina foi projetada pelo Comandante anterior da colônia, de quem o Oficial é um devoto apoiador. Ele carrega suas plantas com ele e é a única pessoa que pode decifrá-las, não permitindo que ninguém as manuseie.

Eventualmente, fica claro que a máquina caiu em desgraça desde a morte do Comandante anterior e a nomeação de um sucessor. O Oficial sente saudades do aparelho de tortura e dos valores que inicialmente lhe foram associados, recordando as multidões que assistiam a cada execução. Agora, ele é o último proponente declarado da máquina, mas acredita fortemente em sua forma de justiça e na infalibilidade do Comandante anterior.

O Oficial implora ao Viajante que fale com o atual Comandante em nome do uso contínuo da máquina. O Viajante se recusa a fazê-lo, embora diga que não falará publicamente contra a máquina, mas, em vez disso, dará sua opinião ao Comandante em particular e partirá antes que possa ser chamado para prestar contas oficialmente. Desanimado pelo Viajante não ter sido persuadido por suas explicações e súplicas, o Oficial liberta o Condenado e monta a máquina para si, com as palavras "Seja Justo" escritas nele. No entanto, a máquina apresenta mau funcionamento devido ao seu avançado estado de degradação; em vez de sua elegante operação usual, ela rapidamente esfaqueia o oficial até a morte, negando-lhe a experiência mística dos prisioneiros que ele havia executado.[3]

Acompanhado pelo Soldado e pelo Condenado, o Viajante dirige-se a uma casa de chá, onde lhe é mostrado o túmulo do anterior Comandante, que não foi autorizado a ser enterrado no cemitério. A lápide, que é tão baixa que uma mesa pode ser facilmente colocada sobre ela, traz uma inscrição afirmando a crença de seus seguidores anônimos de que ele ressuscitará dos mortos algum dia e retomará o controle da colônia. O Viajante vai imediatamente ao porto e encontra alguém que o leve até o vapor em que viaja. Ele repele os esforços do Soldado e Condenado para segui-lo.

2 AS INTERPRETAÇÕES RELIGIOSAS DE NA COLÔNIA PENAL

Se todos os paralelos com a Bíblia forem considerados, a leitura pode ser “uma visão não ortodoxa da teologia tradicional”.[4] A velha forma de administrar a colônia lembra as visões apresentadas no Antigo Testamento, com o antigo Comandante – o criador da máquina de tortura, bem como da própria colônia – semelhante a Deus. O antigo Comandante se concentrou na culpa humana, da qual “nunca se deve duvidar”[5]. A comparação entre a máquina usada na colônia penal e o mundo em geral pode significar que o propósito da vida é merecer a salvação da culpa por meio do sofrimento.[6] De acordo com Geddes, no entanto, interpretar o uso da engenhoca dessa forma pode resultar em encobrir a lição da história – incorrendo nos perigos de ver os eventos como uma forma de teodiceia, secular ou sagrada.[7] Mais paralelos incluem as regras novas e mais liberais estabelecidas na colônia após a morte do Comandante original, que podem representar o Novo Testamento.[8] Da mesma forma que o cristianismo evoluiu da “antiga lei da tradição hebraica” para as regras misericordiosas do Novo Testamento, podemos ver essa progressão na história de Kafka.[9] O oficial poderia representar Cristo, mas na "inversão de Kafka da teologia cristã tradicional", ele se sacrifica para mostrar seu apoio ao ex-comandante, em oposição às novas regras. [10] A inscrição no túmulo do antigo comandante também pode implicar que a “segunda vinda” refere-se ao retorno das regras antigas.[11] Outros críticos (Politzer, Thorbly, Neumeyer) reconhecem os paralelos e o simbolismo, mas não querem associá-los a nenhuma leitura bíblica específica.[12][ 13][14] Neumeyer acrescentou que a tradução para o inglês do conto feita por Willa Muir e Edwin Muir contém imprecisões, incluindo aquelas que apoiam a interpretação religiosa, dando ao leitor uma “imagem disforme” da história.[15]

3 ADAPTAÇÕES DE NA COLÔNIA PENAL

Em 1969, a história foi adaptada para uma peça de teatro por Steven Berkoff, que também interpretou o oficial.[16]

Em 1999, Charlie Deaux escreveu e dirigiu o curta-metragem de vanguarda "Zoetrope",[17] que é vagamente baseado na história. A trilha sonora do filme foi escrita e interpretada por Lustmord.

Em 2000, o compositor Philip Glass escreveu uma ópera de câmara, In the Penal Colony (Na Colônia Penal), baseada na história.[18]

Uma adaptação cinematográfica de 24 minutos do cineasta canadense nascido na Turquia, Sibel Guvenc, foi lançada em 2006.

Em 2009, um jovem cineasta iraniano, Narges Kalhor, exibiu seu curta-metragem adaptado no Festival de Cinema de Nuremberg.

Em julho de 2011, a Companhia de Teatro ShiberHur da Palestina apresentou uma nova versão de Na Colônia Penal, adaptada por Amir Nizar Zuabi, no Young Vic de Londres.

Em 2012, o grupo teatral independente egípcio Warsha realizou uma adaptação para a língua árabe no Cairo dirigida por Hassan El Geretly.

Uma adaptação cinematográfica de 40 minutos criada por cineastas em Las Vegas, Nevada, foi concluída em 2013 e lançada no Vimeo em 2014.

Em 2018, uma nova adaptação teatral, Franz Kafka – Apparatus, escrita e dirigida pelo dramaturgo galês Ross Dinwiddy, estreou no The Rialto Theatre Brighton como parte do Brighton Fringe.[19] Afastando-se do texto original, Dinwiddy explora a atração sexual que se desenvolve entre o Soldado e o Condenado e muda o gênero do Oficial de masculino para feminino.[20]

4 O LEGADO DE NA COLÔNIA PENAL NA CULTURA POPULAR

Frank Zappa, no encarte do álbum do Mothers of Invention, We're Only in It for the Money (1968), recomenda a leitura do conto antes de ouvir a faixa "The Chrome Plated Megaphone of Destiny".

Ian Curtis da banda Joy Division se inspirou em "Na Colônia Penal" para escrever a música "Colony" do álbum Closer (1980).

O romance The Shadow of the Torturer (1980) de Gene Wolfe segue as façanhas de um membro de uma guilda de torturadores. A certa altura, ao fazer um tour pelas instalações de um preso condenado, o chefe da guilda descreve um dispositivo idêntico ao apresentado neste conto.

Ivan Klíma menciona em seu romance Love and Garbage (1986) a primeira história de Kafka que ele leu, que era a história de "... um Viajante a quem um Oficial em alguma ilha quer demonstrar, com amor e dedicação, sua própria máquina de execução bizarra."[21] O narrador provavelmente está se referindo a "Na Colônia Penal".

No romance Kafka à beira-mar (2002), de Haruki Murakami, o protagonista, um menino que se autodenomina Kafka, admite que "Na Colônia Penal" é seu conto favorito de Franz Kafka. Ele imagina a explicação puramente mecânica de Franz Kafka sobre a máquina como "um substituto para explicar a situação em que estamos".

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O álbum Public Strain (2010) da banda de rock canadense Women traz a música "Penal Colony", que faz referência à história de Kafka.

O videogame Resident Evil: Revelations 2 de 2015 contém muitas referências às obras de Kafka. Além de ser ambientado em uma colônia insular, o primeiro episódio se chama "The Penal Colony, A Colônia Penal" após a história, um arquivo encontrado dentro do jogo contém um trecho de Na Colônia Penal, e um dos locais apresenta um dispositivo de tortura semelhante ao um descrito por Kafka.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Corngold, Stanley (2007). Kafka's Selected Stories. New York: Norton. p. 44 n.8. ISBN 978-0-393-92479-4.

  2. Para um estudo da história em relação à colônia penal britânica de Port Arthur, na Tasmânia, veja Frow, John (2000). "In The Penal Colony" (PDF). Journal of Australian Studies. 24 (64): 1–13. doi:10.1080/14443050009387551. S2CID 143000602.

  3. Fickert, Kurt J. (2001). "The Failed Epiphany in Kafka's 'In der Strafkolonie.'". Germanic Notes and Reviews. 32 (2): 153–59. 12.

  4. Fowler, Doreen F. (1979). ""In the Penal Colony": Kafka's Unorthodox Theology". College Literature. 6 (2): 113–120. JSTOR 25111260. Acesso em 31 mai. 2023. p. 113.

  5. Fowler 1879, p. 115.

  6. Fowler 1979, p. 113.

  7. Geddes, Jennifer L. (2015). "Violence and Vulnerability: Kafka and Levinas on Human Suffering". Literature and Theology. 29 (4): 411–412. doi:10.1093/litthe/frv044. JSTOR 43664493. Acesso em 31 mai. 2023.

  8. Fowler 1979, p. 116.

  9. Fowler 1979, p. 116.

  10. Fowler 1979, p. 116.

  11. Fowler 1979, p. 117.

  12. Fowler 1979, p. 118.

  13. Fowler 1979, p. 119.

  14. Neumeyer, Peter (1979). "Do Not Teach Kafka's "In the Penal Colony". College Literature. 6 (2): 103–112. JSTOR 25111259. Acesso em 31 mai. 2023, p. 113.

  15. Neumeyer 1979, p. 111.

  16. Church, Michael (16 September 2010). "In the Penal Colony, Music Theatre Wales, Linbury Theatre". The Independent. Acesso em 31 mai. 2023.

  17. "Lustmord & Charlie Deaux - Zoetrope (1999)".

  18. Kinzer, Stephen (6 de dezembro de 2000). "A Pocket-Size Opera From a Harrowing Kafka Story". New York Times. Acesso em 31 mai. 2023.

  19. Fringe, Franz Kafka: Apparatus | Brighton. "Franz Kafka: Apparatus | Brighton Fringe". www.brightonfringe.org. Acesso em 31 mai. 2023.

  20. "Franz Kafka: Apparatus | Fringe Guru". brighton.fringeguru.com. Acesso em 31 mai. 2023.

  21. Klíma, Ivan (1993). Love and Garbage (First Vintage International ed.). Random House INc., New York: Vintage Books. p. 44. ISBN 978-0-679-73755-1.

LEITURA ADICIONAL (EM INGLÊS):


Sobre o autor
Icaro Aron Paulino Soares de Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Acadêmico de Administração na Universidade Federal do Ceará - UFC. Pix: [email protected] WhatsApp: (85) 99266-1355. Instagram: @icaroaronsoares

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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