Introdução
O intérprete do direito possui diversas ferramentas hermenêuticas para fundamentar suas decisões, contudo, pressupõe-se a ele o seguimento de alguns preceitos básicos nos quais não pode se desvincular, determinadas regras jurídicas que dão forma a todo o ordenamento jurídico.
Nesse aspecto, este trabalho vem apresentar duas questões importantes para a delineação do estudo proposto. De início, fazendo uma breve análise sobre a compreensão constitucional de Estado Democrático de Direito e de segurança jurídica, intentar-se-á localizar o princípio da irretroatividade das normas como meio fundamental de garantir a estabilidade democrática, social e jurídica de um Estado, demonstrando os seus principais aspectos na preservação dos direitos adquiridos.
Em um segundo momento, verificados alguns dos principais contornos da hermenêutica jurídica atual, com fulcro na hermenêutica constitucional, será possível observar alguns dos instrumentos hermenêuticos fundamentais disponíveis para o intérprete contemporâneo.
O Princípio da Segurança Jurídica como Meio de Garantir o Estado Democrático de Direito, a Estabilidade Democrática, Jurídica e Social
Um dos fundamentos sobre os quais a República brasileira está condicionada é o princípio do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, caput, da CRFB/1988). Como bem asseverou Silva (2008, p. 112), não se trata da união formal do Estado de Direito e do Estado Democrático, mas sim de uma reunião dos princípios de ambos, incorporados num conceito novo que os supera, na medida em que se torna um “componente revolucionário de transformação do status quo”.
Em uma compreensão formal e contemporânea, sem a intenção de demonstrar qualquer construção histórica ou qualificar o conteúdo material do tema, a concepção clássica de Estado de Direito, de origem liberal, repousa na ideia do Direito natural, imutável e universal, em que a lei é suprema e, pelo princípio da legalidade absoluta, é concebida como norma jurídica geral e abstrata, podendo ter a sua aplicação indiscriminada às liberdades pessoais, políticas e econômicas
Um dos fundamentos sobre os quais a República brasileira está condicionada é o princípio do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, caput, da CRFB/1988). Como bem asseverou Silva (2008, p. 112), não se trata da união formal do Estado de Direito e do Estado Democrático, mas sim de uma reunião dos princípios de ambos, incorporados num conceito novo que os supera, na medida em que se torna um “componente revolucionário de transformação do status quo”.
Em uma compreensão formal e contemporânea, sem a intenção de demonstrar qualquer construção histórica ou qualificar o conteúdo material do tema, a concepção clássica de Estado de Direito, de origem liberal, repousa na ideia do Direito natural, imutável e universal, em que a lei é suprema e, pelo princípio da legalidade absoluta, é concebida como norma jurídica geral e abstrata, podendo ter a sua aplicação indiscriminada às liberdades pessoais, políticas e econômicas (SILVA, 2008, p. 115-118). Em uma concepção positivista, seria um Estado Formal de Direito, em que Estado e Direito se confundem, o que leva a uma interpretação de que o Estado é uma mera reprodução do direito positivo, desprovido de qualquer conteúdo e “sem compromisso com a realidade política, social, econômica, ideológica, enfim, todo Estado acaba sendo Estado de Direito, ainda que seja ditatorial. [...] Em verdade, destrói qualquer ideia de Estado de Direito” (SILVA, 2008, p. 115).
Por sua vez, quando se fala em Estado Democrático, sem a necessidade de traçar novas linhas argumentativas, já que o tema foi debatido sobre viés da democracia no primeiro capítulo, fala-se de um princípio ou um fenômeno que legitima a norma posta, considerando que possui como fundamentos o domínio do poder pela soberania popular, isto é, pela participação política do povo nas decisões, consubstanciado em um sistema que exige a “garantia de direitos fundamentais, a separação e a organização dos Poderes constituídos e a fixação de determinados fins de natureza política valorativa” (BARROSO, 2009, p. 89). Silva (2008, p. 118) acrescenta dizendo que Estado Democrático é a “efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos de controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos de produção”.
Com isso, no Estado Democrático de Direito, a democracia qualifica o Estado, que irradia esses valores para o Direito que, imantado pela concepção democrática, enriquece-se no poder popular ajustando-se ao interesse coletivo (SILVA, 2008, p. 119), ou como bem aponta os próprios princípios, fundamentos e objetivos de nossa Constituição é uma democracia realizada sob:
[...] um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária, em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu plano exercício (SILVA, 2008, p. 119-120).
Barroso (2009, p. 90) e Canotilho (2002, p. 100) complementam que este é um princípio baseado na ideia de Estado constitucional, uma vez que o Estado Democrático e o Estado de Direito são fenômenos que se completam e se apóiam mutuamente diante da interferência constitucional que por sua vez cede equilíbrio às deliberações majoritárias e estabilidade quanto às garantias e valores essenciais, que ficam preservados no texto constitucional. Barroso salienta, assim, que essa correlação é importante para solidificação da nossa democracia:
Constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de Direito, rule of law, Rechtssaat). Democracia, por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em soberania popular e governo da maioria. Entre constitucionalismo e democracia podem surgir, eventualmente, pontos de tensão: a vontade da maioria pode ter de estancar diante de determinados conteúdos materiais, orgânicos ou processuais da Constituição. Em princípio, cabe à jurisdição constitucional efetuar esse controle e garantir que a deliberação majoritária observe o procedimento prescrito e não vulnere os consensos mínimos estabelecidos na Constituição (2009, p. 88).
Nessa perspectiva, o princípio da legalidade se torna um ponto primordial na ideia de Estado Democrático de Direito constitucional, pois o Estado se sujeita ao império da lei, mas não uma lei vista sob concepção clássica liberal de Estado de Direito ou tão somente como um comando normativo abstrato, geral e modificativo da ordem jurídica existente, “mas também à sua função de regulamentação fundamental, produzida segundo um procedimento constitucional qualificado [...]” ou como um modo pelo qual “o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemão, como guiar-se na realização de seus interesses” (SILVA, 2008, p. 121).
Corroborando, Moraes (2008, p. 41-42) ressalta que, nesse caso, o conteúdo das leis também não poderá ser qualquer um, pois esse preceito normativo para ser legitimado precisa estar em acordo com a Constituição e, especialmente, não atentar contra os direitos e as garantias fundamentais.
Nesse sentido, Canotilho (2002, p. 255-278) estabelece que para a realização efetiva do princípio do Estado Democrático de Direito, principalmente no que diz respeito à efetividade da lei, é necessário o respeito a alguns sub-princípios concretizadores, como a legalidade da administração, a segurança jurídica, a proteção da confiança dos cidadãos, a proibição do excesso, a conformidade e adequação dos meios, a exigibilidade, da proporcionalidade no sentido estrito e, por fim, a proteção jurídica e das garantias processuais.
Silva (2008, p. 122), sob uma ótica mais ampla, indica que os princípios para a concretização desse modelo consistem no princípio da constitucionalidade,no princípio democrático, no sistema de direitos e garantias fundamentais, no princípio da justiça social, no princípio da igualdade, no princípio da divisão dos poderes, no princípio da legalidade em si e, também, no princípio da segurança jurídica.
É neste último fundamento, na segurança jurídica, que a literatura observa uma das mais importantes expressões do Estado Democrático de Direito, pois é nesse princípio que um Estado baseado numa legitima supremacia da lei, pode vir a buscar o equilíbrio entre os objetivos da sociedade e do que é mais justo para todos (CÔRTES, 2008, p. 24).
Côrtes (2008, p. 19-24), ao tratar das diversas tentativas históricas de definir o que é justiça, indica que, na verdade, tal concepção não pode ser vista de modo absoluto, já que se saber o que é ou não é justo sempre estará fundamentado em aspectos subjetivos, individuais, valorativos, morais e políticos, isto é, mesmo quando houver um grande número de pessoas que acham a mesma circunstância justa, outros não pensaram da mesma forma e, assim, não haverá formado um ideal de justiça concreto. Exatamente por isso, nem mesmo os objetivos nos quais o Estado se propõe, isto é, as finalidades das normas, possuem um consenso geral e comum. Portanto, é ai, diante dessa incerteza quanto à definição de justiça e de finalidade, que o direito, na sua qualidade
[...] de norma reguladora da vida social, não pode ficar entregue ao arbítrio de diferentes opiniões dos indivíduos, e entra como uma terceira exigência, a segurança, a certeza, condição de paz social, que exige em primeiro lugar a positividade do direito (CÔRTES, 2008, p. 23).
Côrtes (2008, p. 24) complementa que, dessa forma, os valores de justiça e de finalidade ficam preteridos em nome do valor fundamental da segurança que se deve ter na busca pela paz social, sob pena da injustiça prevalecer, pelo próprio caos no sistema. Assim, “o que existe e deve ser cumprido passa a ser justo e a finalidade do direito. Tudo para que se realize a paz social e os indivíduos possam regrar suas vidas com previsibilidade”. Essa posição é ratificada por Nery Júnior (2009, p. 65-66) quando diz que o Estado Democrático de Direito, para não se tratar somente de uma denominação didática, deve impor a prevalência da segurança quando conflitada com a injustiça do julgado, pois entre o conflito da busca pelo ideal concreto de justiça no processo e o ideal de segurança nas relações sociais, deve-se prevalecer o valor segurança em relação à justiça.
Nessa mesma linha, não apenas a norma positivada é base para a segurança jurídica, mas a prolação de uma decisão no caso concreto e a imutabilidade dessa decisão (CÔRTES, 2008, p. 28).
Kelsen, dentro de sua teoria pura do direito, reconhece que independentemente do subjetivismo que o magistrado cede às suas decisões nos casos concretos, a segurança jurídica imposta pela lei é a melhor maneira de garantir a estabilidade do Estado e, assim, ratificar o Estado de Direito:
Como o processo legislativo, especialmente nas democracias parlamentares, tem de vencer numerosas resistências para funcionar, o direito só dificilmente se pode adaptar, num tal sistema, às circunstâncias da vida em constante mutação. Este sistema tem a desvantagem da falta de flexibilidade. Tem, em contrapartida, a vantagem da segurança jurídica, que consiste no fato de a decisão dos tribunais ser até certo ponto previsível e calculável, em os indivíduos submetidos ao direito se poderem orientar na sua conduta pelas previsíveis decisões dos tribunais. O princípio que se traduz em vincular a decisão dos casos concretos a normas gerais, que hão de ser criadas de antemão por um órgão legislativo central, também pode ser estendido, por modo consequente, à função dos órgãos administrativos. Ele traduz, neste aspecto geral, o princípio do Estado de Direito que, no essencial, é o princípio da segurança jurídica (1998, p. 279)
Barroso destaca que a segurança jurídica para ter efetividade necessita de um conjunto de ideias e regras, que coincidem com a hodierna concepção de Estado Democrático de Direito, pois incluem:
1. a existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao princípio da legalidade; 2. A confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger-se pela boa-fé e pela razoabilidade; 3. A estabilidade das relações jurídicas, manifestada pela durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova; 4. A previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados; 5. A igualdade na lei e perante a lei, inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas (2005, p. 139-140).
Na literatura jurídica de Marinoni (2008, p. 66) e Canotilho (2002, p. 257) o princípio da segurança jurídica é dividido em dois princípios, o da segurança jurídica objetiva, que recai sobre a ordem jurídica objetivamente considerada, visando ao respeito a irretroatividade normativa e a previsibilidade das normas, e o da proteção da confiança, encontrado numa perspectiva subjetiva, já que tratada da segurança jurídica do cidadão em face do poder público, uma vez que considerar os cidadãos como titulares de expectativas legítimas dos atos estatais é garantir a dignidade da pessoa humana.
Canotilho, assim, complementa dizendo que para a consolidação da segurança jurídica é necessária a observância de alguns fundamentos essenciais, como a proibição de normas retroativas restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos, a inalterabilidade do caso julgado e a estabilidade dos casos decididos através de atos administrativos constitutivos de direitos (CANOTILHO, 2002, p. 257).
No Brasil, optou-se pela diretiva constitucional do princípio do Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, pelo princípio da segurança jurídica, ambos considerados pela literatura jurídica como princípios estruturantes do Estado brasileiro (SILVA, 2008, p. 122).
A CRFB/1988, no seu artigo 5º, caput, já alinha a segurança como direito fundamental, porém não trata especificamente da segurança jurídica. No entanto, é possível observar a sua presença efetiva em três momentos no texto constitucional. Primeiro, no já mencionado artigo 1º, caput, quando o poder constituinte optou pelo princípio do Estado Democrático de Direito que, inevitavelmente, como já vimos, necessita do princípio segurança jurídica para se consolidar. Segundo, quando elenca o princípio da legalidade no conjunto dos direitos fundamentais, disposto expresso no próprio artigo 5º, caput, que ratifica a previsibilidade da norma. E, por fim, mais especificamente, o nosso ordenamento constitucional, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, mostra que o princípio da segurança jurídica não é concebido de maneira absoluta em nosso país, pois direciona que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido (MIRANDA, 2011, p. 221).
Verifica-se, desta feita, que o princípio da segurança jurídica como elemento fundamental para garantir a paz social e a estabilidade jurídica, vem a consolidar a ideia de Estado Democrático de Direito, inclusive, no ordenamento jurídico brasileiro, adotando uma estrutura constitucional sustentada na confiança do cidadão para com o Estado, principalmente no tocante à segurança jurídica do povo em relação ao exercício do poder legiferante estatal (MENDES, 2008, p. 457).
No entanto, Mendes (2008, p. 457) relata que tal princípio está em constante colisão com a necessidade e a possibilidade de mudanças legislativas, sendo a aplicação da lei no tempo, principalmente em relação às situações já estabelecidas, um dos assuntos mais controvertidos dessa relação indispensável do viver social, o que exige uma maior reflexão sobre o direito intertemporal.
É nesse momento, que o estudo sobre o princípio da irretroatividade das leis se faz necessário, para demonstrar, principalmente, que sua aplicação é um meio de garantia à estabilidade democrática, social e econômica da coletividade.
Irretroatividade e Segurança Jurídica: a Estabilidade Social Definida pela Impossibilidade de Retroação dos Efeitos Normativos aos Direitos Adquiridos
Como visto, a ordem jurídica dentro de um Estado Democrático de Direito deve respeitar o princípio da legalidade, isto é, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Conforme afirma Santos (2003, p. 15), diante desse princípio é fácil constatar que a lei é promulgada para ter vida plena para o futuro, ao passo que é simples dizer que a lei anterior, revogada pela lei nova, também possui uma sobrevida, ou seja, uma eficácia que permanece no universo jurídico “aos casos ocorridos sob a sua vigência, porque os atos são regidos pela lei existente ao tempo em que foram efetivados”.
Ferrari (2004, p. 105-106) ao tratar que o direito positivo está em constante mutação, consequência das alterações sociais, relata os diversos conflitos que esse suceder normativo dá origem, gerando dentre outros problemas “um conflito relativo à eficácia temporal da norma”, ou mais especificamente, um confronto das leis no tempo em que se faz necessário estabelecer as possibilidades e limites da retroação das novas leis em relação às anteriores (2004, p. 105-106).
O direito penal não reserva ao intérprete esse conflito de normas, porquanto sua rigidez impede o retrocesso legal, salvo quando a lei nova é mais benéfica ao réu (SANTOS, 2003, p. 15), disposição expressa, também, no artigo 5º, inciso, XL, da CRFB/1988 (BRASIL, 2013a).
No entanto, quando se trata de direito civil ou direito público, ai compreendido o Direito Constitucional e, por assim, os Direitos Políticos, Direito Tributário, Direito Previdenciário, entre outros, o intérprete é chamado regularmente para decidir se determinada lei terá efeito imediato, para o futuro ou para passado. Logo, para chegar a uma conclusão fundamentada, este intérprete e aplicador do Direito deve se ater aos aspectos hermenêuticos e, essencialmente, ao estudo jurídico da teoria da irretroatividade das leis (FERRARI, 2004, p. 106).
Para melhor localizar a irretroatividade na argumentação jurídica, Ferrari (2004, p. 106) faz um contraponto entre o princípio da retroatividade e o da irretroatividade, considerando o primeiro como a ideia de norma nova que, por visar o interesse geral, é mais justa e melhor que a anterior, levando-a a aplicação imediata tanto sob os fatos futuros quanto os pretéritos, “já que representa um aprimoramento”. Por sua vez, a irretroatividade, é uma norma que visa à estabilidade do direito, sendo que a lei só nasce para regulamentar fatos futuros a partir de sua aparição no ordenamento (2004, p. 106).
Nesse sentido, Santos assevera:
A segurança e a certeza jurídica são pilares da irretroatividade. A nação politicamente organizada não pode viver sob o sabor da boa vontade do legislador. Por mais que a lei nova surja como apanágio da evolução, de adaptação dos costumes e comportamentos, não se pode, em nome da coerência com a situação atual em que se vive, editar ou interpretar leis dando-lhes efeitos retrooperante (2003, p. 48).
Ferrari (2004, p. 107) acrescenta, ainda, que o princípio da irretroatividade, portanto, vem garantir a segurança jurídica do próprio direito, pois a possibilidade de retroação da norma é prejudicial ao contexto jurídico, “já que nenhuma situação ou ato jurídico poderia ser considerado como seguro se estivesse permanentemente à mercê de uma mudança na legislação que o alterasse ou considerasse inválido”.
Canotilho chama esse princípio de proibição de pré-efeitos de atos normativos, princípio que, em sua visão, intensifica o Estado de Direito e, por assim, garante a segurança jurídica e a confiança jurídica da sociedade, garantindo, ainda:
[...] na qualidade de elemento objectivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, como dimensão garantística jurídico- subjectiva dos cidadãos, legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas (2002, p. 259-260).
No contexto histórico, excluindo as sociedades teocráticas em que lei era sinônimo da vontade divina de Deus, os povos sempre tiveram uma grande dificuldade em estabelecer qual norma aplicar quando da existência de um confronto normativo temporal (SANTOS, 2003, p. 16). Contudo, a evolução e o progresso social, de acordo com os ensinamentos de Santos (2003, p. 16-17), consolidaram o princípio da irretroatividade nos ordenamentos jurídicos contemporâneos.
Ferrari (2004, p.110) esclarece que apesar do reconhecimento universal, hoje, do princípio da irretroatividade das leis, esta regra tem e teve diversos
tratamentos diferentes nos mais variados sistemas jurídicos, figurando ora como preceito constitucional, ora vinculada por uma lei ordinária comum, e até mesmo como um princípio implícito de vedação ao retrocesso legal, consequência do princípio do Estado Democrático de Direito.
Tanto França (1998, p. 21) quanto Santos (2003, p. 20-21), reconhecem que o principal fundamento que domina o direito intertemporal é a Regra Teodosiana de 440, inserida no Código Justiniano de 530, que previa expressamente:
I - a lei regula tão somente o futuro e não o passado; II – A lei, por isso, que não se refere ao passado, não se aplica aos casos pendentes; III – A lei, excepcionalmente, pode abranger o passado e os casos pendentes; IV – A lei só abrange o passado e os casos pendentes, quando inequivocamente expressa (FRANÇA, 1998, p. 21).
Contudo, foi na Constituição Estadunidense de 1787 que pela primeira vez foi estabelecido que o Estado não poderia editar leis que alcançassem o passado, situação seguida, em 1789, na França, pela Declaração de Direitos do Homem, fruto da Revolução Francesa, que dispôs sobre o princípio da legalidade, e pela Constituição Francesa de 1793 que, pela primeira vez na Europa, tratou especificamente sobre a irretroatividade normativa, em que pese ter se restringido ao direito penal e, por fim, em 1795, a Constituição francesa estendeu tal princípio ao campo do direito civil, norma que nunca mais foi reproduzida nas constituições posteriores (FERRARI, 2004, p. 110-111).
O Brasil, influenciado pela literatura jurídica européia, principalmente pela portuguesa (FRANÇA, 1998, p. 181), teve disposto na sua Constituição do Império do Brasil de 1824, no artigo 179, número III, o princípio da irretroatividade como característica normativa de nosso país, em que “nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública, a sua disposição não terá efeito retroativo (BRASIL, 2013j).
Desse modo, tanto a Constituição de 1824, direcionada pela Lei Fundamental Portuguesa, quanto a Constituição de 1891, que recebeu influência da Carta Constitucional Americana, reproduziram a irretroatividade de igual maneira, qual seja, como uma regra para o legislador, ao passo que a literatura e a jurisprudência da época consolidaram o entendimento de que essas Constituições tratavam a irretroatividade normativa “tendo vista o respeito aos Direitos Adquiridos” (FRANÇA, 1998, p. 182).
A forma brasileira, disposta, inclusive, na CRFB/1988, foi criada pelo Código Civil de 1916, com base no Projeto Coelho Rodrigues, que dizia: “A lei não prejudicará, em caso algum, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (FRANÇA, 1998, p. 182).
Em que pese a Constituição de 1934 (BRASIL, 2013z) ter suprimido as palavras “em caso algum”, foi a Carta Constitucional de 1937 (BRASIL, 2013z1) que, pela primeira vez, a irretroatividade das leis foi retirada do âmbito constitucional como uma regra legislativa, passando a ser um princípio da lei civil, sendo considerado “tão-somente uma norma de interpretação, uma regra hermenêutica” (FRANÇA, 1998, p. 183), o que causou um grande caos literário à matéria.
Nesse contexto, a Lei nº 4.657 de 1942, trouxe a teoria das situações jurídicas como base da irretroatividade normativa nacional, circunstância que foi expressa no texto legal (MENDES, 2008, p. 458). Porém, essa teoria nunca foi efetivamente aplicada pelos Tribunais pátrios da época, que continuavam a recorrer à tese do direito adquirido como fundamento de suas decisões, fator tal que incentivou a Constituição de 1946 a trazer novamente o princípio para o âmbito constitucional e com base na teoria dos direitos adquiridos (FRANÇA, 1998, p. 183).
Valendo-se dos ensinamentos de Ferrari (2004, p. 111-112), tanto a CRFB/1988 quanto as constituições de 1967 e 1969, permaneceram com a irretroatividade como regra constitucional e, como afirma França (1998, p. 182), a jurisprudência e a literatura dominante adotaram mais uma vez a teoria do direito adquirido.
Logo, passa-se ao estudo sobre a teoria dos direitos adquiridos dentro do contexto da irretroatividade das leis.
A teoria do direito adquirido
A segurança jurídica, assim manifestada pelo princípio da irretroatividade das normas, quando pressupõe uma teoria que a fundamente e delineie, parte da ideia de que nenhuma nem outra são concepções absolutas que não comportem exceções ou limitações, pois caso contrário, “impediria as instâncias legiferantes de realizar novas exigências de justiça e de concretizar as ideias de ordenação social positivamente plasmada na Constituição” (CANOTILHO, 2002, p. 260). Santos (2003, p. 27-41), seguindo o referido posicionamento, complementa que, para a determinação dessa relativização da irretroatividade normativa, faz-se necessário a compreensão da teoria que cede fundamento para o princípio como um todo, qual seja, a teoria dos direitos adquiridos.
Santos (2003, p. 27-41), e Ferrari (2004, p. 116-138), observam a existência de outras teorias que circundam a discussão sobre a irretroatividade no Brasil, como as teorias dos fatos realizados e a tese das situações jurídicas. No entanto, trazer tais tópicos para o presente estudo em nada acrescentaria na reflexão sobre as bases da irretroatividade legal, hoje, no direito brasileiro, porquanto, como assevera Mendes (2008, p. 459), são conceitos superados pela literatura jurídica e pela jurisprudência nacional, inclusive, pela legislação constitucional e infraconstitucional, que tratam inequivocamente do princípio do direito adquirido, conforme veremos mais adiante.
Tratando da teoria dos direitos adquiridos, Mendes (2008, p. 457) aponta que, salvo a Constituição de 1937, esta sempre foi tradição do ordenamento jurídico brasileiro, sendo conhecida como teoria subjetiva da irretroatividade legal.
Esta tese é desenvolvida sob o aspecto de que a existência de direitos adquiridos impede à retroatividade das leis no que diz respeito à alteração ou extinção desses direitos (FERRARI, 2004, p. 119).
Esclarecendo, Mendes (2008, p. 457) salienta que quando se fala em direitos adquiridos, a nova lei poderá sim retroagir, desde que não atinja de forma alguma esses direitos que, por sua natureza, foram adquiridos na vigência da norma antiga, sob pena de retroatividade ilegítima e, no Brasil, de inconstitucionalidade.
Observando a literatura especializada, não há grandes controvérsias acerca de como se dá a regra da irretroatividade pelo sistema dos direitos adquiridos, uma vez que ela se limita a atender plenamente o respeito e a preservação desses direitos quando da vigência de novas normas, admitindo a retroatividade nos demais casos. Tais aspectos podem ser observados nas obras de Ferrari (2004), Santos (2003), França (1998) e Mendes (2008). A problemática encontrada na literatura jurídica, na verdade, é a definição sobre o que é direito adquirido (FERRARI, 2004, p. 119).
Serpa Lopes, analisando o trabalho de Gabba que, na visão do autor, formulou uma das mais influentes e decisivas teorias da nova interpretação normativa, observou que para Gabba, direito adquirido é:
[...] consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo em que o ato veio realizar, assim como o momento de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da vigência de uma nova lei relativa ao mesmo; e
que; b) nos termos da lei cujo império aconteceu o fato de que se originou, passou a fazer parte imediatamente do patrimônio de quem o adquiriu. Requisito do direito adquirido, para Gabba, é que o fato tenha sido realizado e que o direito se haja incorporado no patrimônio de uma pessoa, o que exclui da aludida noção as meras possibilidades ou abstratas faculdades jurídicas e as simples expectativas. Nem todo direito pode ser considerado como integrado no patrimônio do interessado, como existem muitos direitos, que não podem ser chamados de adquiridos, porque não fazem parte do patrimônio de quem os possui (1959, p. 233).
Serpa Lopes (1959, p. 235) certifica, assim, que Gabba excluiu da noção de direitos adquiridos toda a matéria relativa aos direitos públicos e as expectativas de direitos (1959, p. 235). Por isso, na perspectiva de Santos (2003, p. 32-33), esse conceito não é completo, pois necessita ser adaptado, por exemplo, ao sistema de direito constitucional.
No direito brasileiro, Pereira assim expôs o seu conceito:
Direito adquirido, in genere, abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem. São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade (1961, p. 125).
Para Silva (2011, p. 435), a compreensão de direito adquirido está relacionada, assim, com a ideia de direito subjetivo, ou melhor, sendo um direito que era exercitável à época da lei anterior, independentemente de ter sido exercido ou não, este é um direito adquirido, caso contrário, trata-se de expectativa de direito e, portanto, não se aplica a situação objetiva constituída sob a vigência da lei anterior.
No Brasil, o direito adquirido foi adotado num conceito tríplice, fazendo referência ao ato jurídico perfeito, a coisa julgada e ao direito adquirido em si, o que levou a forte crítica de França (1998, p. 219-220) que afirma que tais conceitos já estão inseridos na ideia de direito adquirido (MENDES, 2008, p. 460).
Silva (2008, p. 460) esclarece que essa divisão apenas vem a esclarecer melhor quais são os aspectos protegidos pelo ordenamento jurídico pátrio, evitando que a “lógica” acepção de direito adquirido leve a situações embaraçosas, principalmente do intérprete constitucional.
França (1998, p. 193), descreve o conceito de direito adquirido como uma “consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência de lei nova sobre o mesmo objeto”.
Conceituando ato jurídico perfeito, Borges (2000, p. 56) atentou para o fato de que este instituto é, na grande maioria das vezes, a aquisição de direitos, ou seja, guarda estrita relação com o direito adquirido.
Por assim, França (1998, p. 221) afirma da inutilidade da referência a necessidade de respeito aos atos jurídicos perfeitos, uma vez que se os direitos adquiridos possuem proteção, é lógico que a ato jurídico perfeito, como uma das causas do direito adquirido, também o tem.
No tocante a coisa julgada, como o tema será aprofundado, ficamos com o sintético conceito trazido por Borges (2000, p. 101) que afirma: “chama-se coisa julgada material a qualidade, que torna imutável e indiscutível o efeito da sentença, não mais sujeita a recursos ordinários ou extraordinários”.
No entanto, tanto a literatura especializada quanto a jurisprudência encontram dificuldades para caracterizar se determinado direito é adquirido ou não quando diante de situações concretas, na verdade, de acordo com os ensinamentos de Mendes (2008, p. 488-489), considerado em sua amplitude, trata-se de um instituto ainda indeterminado que necessita da análise de cada caso posto, tanto é que a própria coisa julgada ganha diversas relativizações.
Portanto, conforme será visto a seguir, em nosso país a irretroatividade é princípio constitucional, isto é, ao contrário dos ordenamentos jurídicos nos quais as maiorias das definições sobre direitos adquiridos são tidas como regras hermenêuticas e, portanto, limitadas aos intérpretes, como nas literaturas de Gabba e Roubier, no Brasil este princípio é tratado como direito fundamental positivado na Constituição e, assim, como bem alertou Santos (2003, p. 29), suas definições devem ser observadas com base na perspectiva constitucional.
Diante dessa difícil definição sobre direito adquirido e para melhor visualizá-lo, opta-se não por um conceito fechado e absoluto, mas sim por uma análise desse conceito sobre o crivo do Direito Constitucional.
A irretroatividade das leis e o direito adquirido no ordenamento jurídico brasileiro atual
Na perspectiva histórica, são poucos os ordenamentos que localizaram a irretroatividade como orientação-normativa constitucional, citando como exemplos
além da Constituição Brasileira, a Constituição Portuguesa, a Constituição Estadunidense e a Constituição Norueguesa (FRANÇA, 1998, p. 182).
Na intenção de demonstrar a irretroatividade como uma norma de caráter essencialmente constitucional, França (1998, p. 184-185) credita a ausência dessa disposição nas constituições européias e mesmo nas latino-americanas como um mero sinal “de atraso na evolução jurídico-política”, uma vez que, influenciados pelo sistema francês que não instalou expressamente essa matéria, tais países, em regra, acabaram sempre aplicando o princípio da irretroatividade como limitação ao poder legiferante e “como barreira à ação dos governos arbitrários” (1998, p. 187).
França (1998, p. 187) demonstra, ainda, que diante dos anseios democráticos de alguns países de referência no Direito Hispanico-Americano, diversos deles como a Costa Rica, México, Bolívia, Cuba, Honduras, Nicarágua, Paraguai e Peru, adotaram, atualmente, a irretroatividade na lei civil e pública como matéria constitucional.
Nessa linha, delineando as vantagens de inserir a referida matéria de direito intertemporal como norma constitucional, Santos assevera que a instabilidade política, principalmente dos países latino-americanos, justifica a colocação da irretroatividade como norma constitucional fundamental, sendo nada mais que
[...] uma reação contra a insegurança derivada das mudanças políticas. Daí se sente a necessidade de dar ao princípio da irretroatividade hierarquia constitucional [...] É que às Constituições importa uma garantia de estabilidade política nos países em que a reforma constitucional se desenvolve pelos caminhos normais (2003, p. 44).
Por sua vez, Canotilho (2002, p. 260) explica que essa preponderância de ausência da irretroatividade nos textos constitucionais se dá em razão da força implícita que os princípios da segurança jurídica e o da confiança jurídica têm como densificadores do Estado de Direito, momento em que já consolidam a irretroatividade de maneira intrínseca, e completa:
Não é pela simples razão de o cidadão ter confiado na não-retroactividade das leis que a retroactividade é juridicamente inadmissível; mas o cidadão pode confiar na não retroactividade quando ela revelar ostensivamente inconstitucional perante certas normas ou princípios jurídico-constitucionais (2002, p. 261).
Contudo, esta regra, principalmente quando constitucional, não pode ser levada ao extremo, pois se assim fosse, petrificaria de certa forma o ordenamento jurídico vigente, impedindo a modificação legislativa e o rápido progresso, situações
de transformação tão necessárias diante das rápidas mutações sociais do mundo contemporâneo, devendo ser considerada como uma norma que comporta exceções (SANTOS, 2003, p. 43).
Dentro desse contexto, a CRFB/1988, numa análise conjunta dos artigos 5º, inciso XXXVI e 60, §4º, inciso IV, trouxe como direito fundamental do individuo, não passível de redução ou extinção, a garantia da irretroatividade normativa limitada ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada, isto é, trouxe a teoria dos direitos adquiridos expressamente no texto constitucional (FRANÇA, 1998, p. 216).
Quando vista sob o aspecto de princípio decorrente do Estado Democrático de Direito e, por assim, da segurança jurídica ou da segurança em geral, a CRFB/1988 traz, ainda, implicitamente, a irretroatividade normativa no artigo 1º caput, na forma de princípio fundamental, no artigo 5º, caput, como direito individual, e no artigo 6º, na expressão de um direito social do povo (BRASIL, 2013a).
Nessa mesma linha, o artigo 5º, inciso II, da Lei Fundamental, consagra o princípio da legalidade, em que afirma que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 2013a).
Colhendo os ensinamentos de Serpa Lopes, a irretroatividade, quando disposta no ordenamento jurídico brasileiro como norma constitucional, possui o legislador como primeiro destinatário e, por conseguinte, o juiz, que na função de interprete normativo deverá averiguar se a lei foi ou não retroativa:
A irretroatividade das leis, como princípio constitucional, representa um limite ao legislador, quer isto dizer, o legislador não pode votar uma lei cujos efeitos se reflitam retroativamente sobre direitos protegidos constitucionalmente pelo princípio da irretroatividade. Qualquer movimento do legislador em sentido contrário a essa regra cria uma questão de inconstitucionalidade. Cabe, então, ao Poder Judiciário apurar se realmente houve retroatividade e se, além disso, essa retroatividade prejudicou qualquer das relações jurídicas constitucionalmente imunizadas (1959, p. 272-273).
Dessa forma, o legislador e o magistrado estão vinculados a ideia de segurança jurídica e de justiça pelo direito visando à proteção a coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, isto é, a lei nova apenas não poderá retroagir no tocante às relações jurídicas concluídas, mas poderá ter efeitos nos fatos passados quando estivermos tratando de relações jurídicas inconcluídas ou
relações jurídicas em mera expectativa ou apenas expectativa de conclusão, na forma da teoria dos direitos adquiridos (SANTOS, 2003, p. 51).
Não diferente, e respeitando o disposto constitucional, a legislação ordinária traçou os limites da irretroatividade por meio da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010, em seu artigo 6º, em que assim dispôs:
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso (BRASIL, 2013q).
Contudo, é válido salientar, que autores como Borges (2000, p. 48) e França (1998, p. 100), esclarecem que tanto o direito adquirido como o ato jurídico perfeito e a coisa julgada são preceitos constitucionais auto-aplicáveis, situação decorrente do disposto no artigo 5º, §1º, da CRFB/1998, em que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (BRASIL, 2013a).
Por tudo isso, Mendes (2008, p. 464) pondera que a ideia abrangente de direitos adquiridos é inevitavelmente uma garantia de hierarquia constitucional fundamental, auto-aplicável e pétrea, sendo que, por isso, a legislação infraconstitucional nunca será parâmetro interpretativo para a irretroatividade normativa, tampouco poderá servir como forma de restrição dessa garantia.
Com isso e não obstante essas considerações, a literatura jurídica vem reconhecendo duas discussões sobre a possibilidade de retroatividade mesmo quando atinente a direitos adquiridos. Primeiro, quando falamos nas leis interpretativas ou aclaratórias e, segundo, no tocante as leis de ordem pública e direito público (FERRARI, 2004, p. 139).
Quando da primeira, das leis interpretativas, estamos falando de leis novas de conteúdo meramente interpretativo tendo como referência uma lei anterior que tenha “provocado certas dificuldades à jurisprudência ou cuja interpretação emitida por esta tenha sido em sentido contrário ao propósito do legislador” (FERRARI, 2004, p. 140).
Para quem defende a existência de leis interpretativas, como Ferrari (2004, p. 139-140), trata-se de uma norma de interpretação autêntica, porquanto realizada pelo legislador, uma lei que traz novas soluções e interpretações a um preceito anterior confuso que, nesse interregno, criou resultados jurídicos diversos com base em litígios resolvidos pela interpretação variada do judiciário.
O STF, após o advento da CRFB/1988, já entendeu pela admissibilidade da lei interpretativa em nosso ordenamento, em um julgado datado de 23/10/1991, em decisão na ADI 605 MC do Distrito Federal, quando admitiu a lei interpretativa como meio jurídico idôneo que não usurpa as competências essenciais do Poder Judiciário (BRASIL, 2013o)14.
No entanto, o próprio STF, já reconheceu em decisão mais recente, que a lei interpretativa não pode atingir interpretações de preceitos constitucionais, pois
[...] admitir pudesse a lei ordinária inverter a leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a interpretação constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do legislador, ou seja, que a Constituição - como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda da sua supremacia -, só constituiria o correto entendimento da Lei Suprema na medida da inteligência que lhe desse outro órgão constituído, o legislador ordinário, ao contrário, submetido aos seus ditames (BRASIL, 2013p).
Nesse sentido, Bastos (1988, p. 01-06) afirma que a função interpretativa cabe sempre ao Poder Judiciário, ao passo que a chamada interpretação autêntica é nada mais que uma lei nova que fere o princípio constitucional da irretroatividade:
1 - a chamada lei interpretativa constitui uma contradição em termos, pois elaborar uma lei é opção política, enquanto que interpretá-la é opção jurídica, na medida em que o comando legal é guia da função eminentemente criadora do intérprete, onde até a condicionante histórica tem papel relevante; 2 - a chamada lei interpretativa é lei nova e, como tal, só se aplica aos casos não definitivamente consolidados sob o pálio da lei interpretada; 3 - o princípio da irretroatividade das leis, enquanto opção do poder constituinte, em sistemas como o nosso, inibe a eficácia retrooperante atribuída à chamada interpretação autêntica do legislador ordinário (BASTOS, 1988, p. 5).
Portanto, considerando as divergências jurisprudenciais e literárias, nosso ordenamento jurídico carece de posição definitiva sobre o tema, o que deixa em aberto tal contorno jurídico acerca da irretroatividade legal em nosso país.
14 […] É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica. - As leis interpretativas - desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de direito positivo
- não traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e, em conseqüência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder. - Mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais [...].
Tem-se, ainda, a exceção pela lei de ordem pública e de direito público, que é considerada por Ferrari (2004, p.142) como o tipo de norma que visa o social e o interesse geral em primeiro plano ou, como grifou Santos (2003, p. 72), “tem sempre em mira o avançado interesse social em detrimento do meramente individual e particular”.
Nesse diapasão, França (1998, p. 156-257) e Ferrari (2004, p. 142-143) demonstram duas posições fundamentais sobre a matéria, primeiro, a de que as leis de ordem pública retroagem plenamente e, por assim, derrogam quaisquer direitos individuais e, por derradeiro, a do respeito ao direito adquirido absoluto.
França (1998, p. 143) argumenta que os defensores da retroatividade, como Bevilaqua e Carvalho Santos, fundamentam sua posição na supremacia absoluta dos interesses de ordem pública sobre os interesses de ordem privada, ou como Ferrari (2004, p. 143) asseverou, configurar-se-ia uma impossibilidade desses direitos privados “assumirem o caráter de direito adquirido e reclamar a garantia que a lei confere a tais direitos”.
Mendes (2008, p. 459), tendo como base os precedentes do STF e a orientação literária de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello que afirma que a irretroatividade é comum tanto ao direito público quando ao direito privado, diz ser certo afirmar que a dimensão constitucional que tem o princípio do direito adquirido não permite excepcionarem da aplicação do princípio as chamadas regras de ordem pública, para isso, coleciona parte da do voto vencedor do Ministro Moreira Alves, no qual se transcreve:
[...] No Brasil, sendo o princípio do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada de natureza constitucional, sem qualquer exceção a qualquer espécie de legislação ordinária, não tem sentido a afirmação de muitos – apegados ao direito de países em que o preceito é de origem meramente legal – de que as leis de ordem pública se aplicam de imediato alcançando os efeitos futuros do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada, e isso porque, se se alteram os efeitos, é óbvio que se está introduzindo modificação na causa, o que é vedado constitucionalmente (MENDES, 2008, p. 459).
A respeito disso, Santos, também atrelado aos precedentes do STF, colhe importante julgado do Tribunal para asseverar que as leis no Brasil devem respeitar estritamente o disposto previsto no artigo 5º, inciso XXXVI, da CRFB/1988:
[...] Aliás, ainda nos países - como na França - em que o princípio da irretroatividade é meramente legal e se impõe ao juiz e não ao legislador, não é pacífica a tese de que as leis de ordem pública são retroativas. Roubier (Droit transitoire, n. 83, p.417 e ss) – um dos clássicos da teoria do direito intertemporal – a critica veementemente. Depois de afirmar que ‘essa
teoria da retroatividade das leis de ordem pública, sob a forma por que se queira apresentar, deve ser pura e simplesmente rejeitada’ (‘Cette thérie de la rétroactivé dês lois d’ordre public, sous quelque forme qu’ on veuille a présenter, doit être purement et simplement rejetté’), dá, para isso, três razões, das quais a primeira, que é principal, é esta: ‘A idéia de ordem pública não pode ser posta em oposição ao princípio da não-retroatividade da lei, pelo motivo decisivo de que, numa ordem jurídica fundada na lei, a não-retroatividade das leis é ela mesma uma das colunas de ordem pública... A lei retroativa é, em princípio, contrária a ordem pública; e se excepcionalmente o legislador pode comunicar a uma lei a retroatividade, não conviria imaginar que, com isso, ele fortalece a ordem pública; ao contrário, é um fermento de anarquia que ele introduz na sociedade, razão por que não deve ser usada a retroatividade senão com a mais extrema reserva’. Se essas palavras são cadentes de verdade em países onde o princípio da irretroatividade é meramente legal, não o serão nos em que esse princípio está inserto na Constituição, entre as garantias fundamentais? (2003, p. 22).
Ainda, o STF se mostrou incisivo ao afirmar que as leis de ordem pública não podem retroagir, uma vez que se submetem ao princípio constitucional da irretroatividade das leis, momento em que se opta também por sua descrição, uma vez da importância dos argumentos ali expendidos:
A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro. Razões de Estado – que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, “ex parte principis’, a inaceitável adoção de medidas de caráter normativo – não podem ser invocadas para viabilizar o descumprimento da própria Constituição. As normas de ordem pública – que também se sujeitam à cláusula inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Política – não podem frustrar a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando em sua autoridade (BRASIL, 2013q).
Nesse contexto, em razão de o sistema de irretroatividade de leis no Brasil gozar de hierarquia constitucional, o legislador, primeiro destinatário deste sistema, não pode ater-se ao fundamento de que está editando lei de ordem pública para, assim, lhe dar caráter retroativo, uma vez que estaria atentando diretamente contra o Estado Democrático de Direito e, ao invés de garantir a ordem, causando insegurança jurídica tamanha que “trouxesse à própria ordem pública destruição e comprometimento” (FRANÇA 1998, p. 258-259).
Os efeitos da coisa julgada e o direito adquirido
Verificamos que toda a concepção de Estado Democrático de Direito e segurança jurídica está ligada diretamente ao princípio da irretroatividade normativa,
ao passo que esta se encontra delineada pela teoria dos direitos adquiridos que abrange, inclusive, a coisa julgada.
Logo, tem-se que toda a proteção constitucional de que a lei poderá retroagir desde que não atinja os direitos adquiridos, estende-se a coisa julgada, inclusive, no tocando as normas de ordem pública.
Coisa julgada, seja na ordem civil ou penal, é a qualidade que torna imutável e indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito não mais sujeita a recursos, momento em que ocorre o seu trânsito em julgado (NERY NÚNIOR, 2009, p. 52).
Greco Filho (1998, p. 55) demonstra que a garantia constitucional da coisa julgada, por meio da imutabilidade dos seus efeitos da sentença, nada mais é que um direito adquirido do indivíduo, uma vez que se transforma em real garantia material incorporada no “patrimônio jurídico de seu beneficiário substancial definido na sentença”.
De acordo com os ensinamentos de Marinoni (2008, p. 66), a coisa julgada é um instituto jurídico que, garantindo o Estado de Direito, tutela a segurança jurídica tanto na sua dimensão objetiva quanto na subjetiva, uma vez que tanto visa à imutabilidade e a estabilidade das decisões, como também preserva a confiança do cidadão em saber que, “uma vez produzida a coisa julgada material, nada mais será possível fazer para se alterar a decisão, e, assim, que o ato judicial de solução do litígio merece plena confiança” (2008, p. 67).
O autor ainda acrescenta que, em que pese a nossa Constituição Federal ter alertado no seu artigo 5º, inciso XXXVI, que a coisa julgada deve ser respeitada em razão da nova legislação, a própria ideia de Estado Democrático de Direito e de segurança jurídica, como já trabalhada no presente estudo, garante que a coisa julgada seja respeitada, também, pelo Poder Judiciário na sua função judicante, isto é, para preservar a estabilidade estatal e democrática, as sentenças, após o trânsito em julgado, não poderão ser revistas nem pelo próprio Judiciário (MARINONI, 2008, p. 69-70).
No entanto, Nery Júnior (2009, p. 66) relata que o sistema jurídico infraconstitucional brasileiro prevê legitimamente algumas situações que autorizam excepcionalmente e de modo taxativo a possível mitigação da coisa julgada, o que de plano poderia levar ao intérprete a constatação errônea de uma inconstitucionalidade.
Errônea porquanto, de acordo com os ensinamentos do autor, corroborado por Greco Filho (1998, p. 57) e Nery Júnior (2009, p. 68), a própria aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade, utilizada numa interpretação una e harmônica da Constituição, autoriza a revisão da coisa julgada em situações nas quais a decisão está fundamentada num processo repleto de vícios jurídicos que chegam a atentar contra a própria estrutura constitucional, principalmente no que diz respeito à preservação dos direitos e garantias fundamentais, o que torna tal exceção legítima em razão da própria ideia de Estado Democrático de Direito e segurança jurídica (NERY JÚNIOR, 2009, p. 66-67).
Contudo, o alerta feito pela literatura jurídica é de que independentemente dessa concepção, é necessário que haja prévia e expressa disposição normativa no sistema autorizando a aplicação desse instituto, isto é, a lei que excepcionar, não poderá retroagir aos casos concretos anteriores a sua entrada em vigor, pois,
permitir que o magistrado, no caso futuro, profira decisão sobre o que fez e o que não fez coisa julgada, a pretexto de que estaria aplicando o princípio da proporcionalidade, não é profligar-se tese de vanguarda, como à primeira vista poderia parecer, mas, ao contrário, é admitir-se a incidência do totalitarismo nazista no processo civil brasileiro (NERY JÚNIOR, 2009, p. 67).
Dentro do processo civil brasileiro, Nery Júnior (2009, p. 66) indica que a relativização ou desconsideração da coisa julgada encontram-se na ação rescisória, nos embargos do devedor na execução por título judicial, na impugnação ao cumprimento de sentença e na coisa julgada segundo o resultado da lide, esta última nos casos do microssistema das ações populares e quando o tema trata de interesses relacionados ao direito do consumidor.
Já no direito penal essa regra segue um caminho um pouco diferente, porquanto, fundamentada na estabilidade do direito, a norma penal só autoriza a mitigação da coisa julgada quando esta visa favorecer o réu, seja perante o Judiciário seja perante o Legislativo (GRECO FILHO, 1998, p. 56).
Nesse sentido, Greco Filho (1998, p. 57) assevera que em ambos os casos a coisa julgada é absoluta desde que não prejudique o réu. Primeiro, quando diante de uma nova legislação, a regra que vige é o princípio da irretroatividade (artigo 5º, inciso LIX, da CRFB/1988), salvo a excepcionalidade constitucional do artigo 5º, inciso, LX, em que a lei penal quando mais benéfica para o réu, retroagirá em seu favor.
Não diferente é a legislação infraconstitucional em relação ao Poder Judiciário, uma vez que em razão do princípio penal legal do bis in idem, no qual ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato, não há possibilidade de renovação da acusação quando houver sentença absolutória ou de extinção de punibilidade (1998, p. 55). Porém, é possível a mitigação da coisa julgada quando o réu, condenado por um processo baseado em erro judiciário, ajuizar uma ação de revisão criminal, instituto criado pela legislação infraconstitucional nos artigos 621 e seguintes do Código de Processo Penal, que, visando à preservação do Estado de Direito e da segurança jurídica, autoriza, em favor do réu, a revisão da coisa julgada (GRECO FILHO, 1998, p. 58).
Diante desses argumentos, observa-se que, no direito brasileiro, a coisa julgada, como regra, pode sofrer uma relativização, desde que tal previsão, no caso concreto, respeite o princípio da irretroatividade normativa e que seja fundamentada na própria ideia de preservação do Estado Democrático de Direito e da segurança jurídica. No caso do direito penal, a concepção só muda para favorecer o réu, ou seja, nada retroage e nada pode ser alterado, salvo em benefício do réu.
Diante do presente estudo, observa-se que a irretroatividade legal no Brasil é um princípio constitucional decorrente dos princípios estruturantes da segurança jurídica e do Estado Democrático de Direito. Ainda, verifica-se que a irretroatividade não é absoluta, pois tendo por base a teoria dos direitos adquiridos, esta se encontra vinculada a coisa julgada, ao direito adquirido em si e ao ato jurídico perfeito. Grifa-se, ainda, que pela hierarquia constitucional da irretroatividade no Brasil, a possibilidade de retroação em razão de normas de ordem pública não são bem aceitas por nosso ordenamento jurídico. Em derradeiro, considerando todos estes aspectos, a coisa julgada, seja no âmbito civil ou penal, ganha força fundamental como forma de garantir a estabilidade democrática, inclusive no respeito aos seus efeitos, mesmo quando admite a sua relativização.
Portanto, já se tem algumas das ferramentas em que o intérprete do direito pode se ater quando diante de lides referentes a aplicação das leis no tempo, principalmente quando atinentes a normas constitucionais. Contudo, tais princípios e fundamentos ainda estão sob a égide da interpretação do magistrado, o que torna fundamental, principalmente para o estudo de caso proposto, verificar alguns pontos da hermenêutica constitucional.
Hermenêutica Constitucional
Hermenêutica, termo provindo da mitologia grega, mais especificamente do deus Hermes, encarregado de intermediar a comunicação entre os deuses do Olimpo e os humanos, possui origem no estudo dos princípios gerais da interpretação bíblica, termo que depois passou para filosofia, para a ciência e aí para o direito, na expressão da hermenêutica jurídica, sendo conceituada como “um domínio teórico, especulativo, voltado para a identificação, desenvolvimento e sistematização dos princípios de interpretação do Direito” (BARROSO, 2009, p. 269).
Logo, a interpretação jurídica está diretamente ligada à hermenêutica jurídica, sendo, nas palavras de Mendes, uma “atividade que, de forma consciente e intencional, dirige-se à compreensão e à explicação do sentido de uma norma” (1997, p. 14). Barroso (2009, p. 269) amplia essa definição creditando à interpretação a finalidade de solucionar problemas a partir de uma atividade intelectual informada por parâmetros que lhe dão legitimidade ou, ainda, na perspectiva da dogmática contemporânea, uma atividade de aplicação na norma jurídica ao caso concreto, uma transformação da disposição abstrata numa regra concreta, isto é, “considerar a norma jurídica como o produto da interpretação, e não como seu objeto, este sendo o relato abstrato contido no texto normativo” (BARROSO, 2009, p. 270).
Para Bonavides (2006, p. 437), não há norma jurídica que dispense interpretação e, por assim, a interpretação é uma operação lógica e técnica que investiga o significado exato da norma jurídica, tornando-a uma norma objetiva que sai do plano abstrato para integrar-se ao plano concreto, inserindo-se, portanto, na realidade social.
A Constituição, por se tratar de uma norma jurídica, também está à mercê de interpretações. Contudo, como afirma Barroso (2009, p. 271), esta deve ser considerada como uma verdadeira conversão jurídica da vontade e da soberania do povo, que leva o direito às relações políticas, disciplinando a partilha e o exercício do poder, ao passo que impõe o respeito à cidadania e leva a legalidade, a justiça e a segurança jurídica para uma sociedade marcada pelo uso potencial da força.
Assim, a literatura especializada trata a hermenêutica constitucional numa esfera bem particular em relação a outras áreas do direito, isso porque, conforme
assevera Bonavides (2006, p. 458-459), as normas constitucionais se projetam na estrutura jurídica de maneira peculiar, levando-se em conta a natureza política dessas normas, a sua superioridade jurídica em relação as demais normas e a sua finalidade em organizar o poder político, indicar valores e fins públicos ao Estado e definir os direitos fundamentais. Barroso (2009, p. 272), acrescenta que, além dessas especificidades, a natureza da linguagem também é fator peculiar na hermenêutica constitucional, uma vez que as normas constitucionais, com frequência, tratam-se de concepções abertas, principiológicas e de conceitos jurídicos indeterminados, “circunstância que permite a sua comunicação com a realidade e a evolução do seu sentido”.
Considerando tais ponderações, a interpretação constitucional deve ser uma atividade concretizadora e construtiva da sociedade, aproximando a norma da realidade, momento em que o intérprete constitucional deve levar em conta, de acordo com os ensinamentos de Barroso:
A integração de sentido dos conceitos jurídicos indeterminados e dos princípios deve ser feita, em primeiro ligar, com base nos valores éticos mais elevados da sociedade (leitura moral da Constituição). Observada essa premissa inarredável – porque assentada na idéia de justiça e dignidade da pessoa humana –, deve o intérprete atualizar o sentido das normas constitucionais (interpretação evolutiva) e produzir o melhor resultado possível para a sociedade (interpretação pragmática). A interpretação constitucional, portanto, configura uma atividade concretizadora, uma interação entre o sistema, o intérprete e o problema - e construtiva, porque envolve a atribuição de significados aos textos constitucionais que ultrapassam sua dicção expressa (2009, p. 287).
Nesse exato sentido, Rollo (2012, p. 56-57), corroborado por Lenza (2011, p. 151), afirma que a liberdade interpretativa não é absoluta, uma vez que as próprias ideias de Estado Democrático de Direito, constitucionalismo e, por assim, a certeza e a segurança jurídica, investem ao intérprete a necessidade de se guiar por determinadas regras, métodos e princípios de hermenêutica, principalmente, como visto, quando se fala em normas constitucionais, que nada mais são que a expressão jurídica, política e estrutural da soberania do povo dentro da civilização contemporânea .
Por tudo isso, passa-se ao estudo sobre os métodos, princípios e limites da hermenêutica constitucional.
Métodos hermenêuticos
Autores como Lenza (2011, p. 145), Mendes (2008, p. 100), Bonavides (2006, p. 477) e Barroso (2009, p. 294-297), adotam em suas literaturas jurídicas tanto o conceito quanto o conjunto de métodos elencados por Canotilho, em que:
A interpretação das normas constitucionais é um conjunto de métodos e de princípios, desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência com base em critérios ou premissas – filosóficas, metodológicas, epistemológicas – diferentes, mas, em geral, reciprocamente complementares (2002, p. 1196).
Os métodos elencados por Canotilho (2002, p. 1196) se dividem em hermenêutico-clássico, tópico-problemático; hermenêutico concretizador; científico- espiritual; normativo-estruturante; e da comparação constitucional.
Assim, sem a pretensão de aprofundar cada método na sua ampla concepção, mas apenas demonstrar as linhas gerais que a literatura jurídica brasileira vem dando a tais instrumentos interpretativos, passa-se ao estudo de cada um deles.
O método hermenêutico-clássico ou jurídico tem origem no direito privado e no formalismo napoleônico, concebe a interpretação como uma atividade puramente técnica, em que o conhecimento do texto constitucional é extraído mediante um modo mecânico e silogístico de aplicação de regras, princípios e elementos tradicionais de interpretação. Diante disso, para Barroso (2009, p. 278- 279), o intérprete não é legítimo para formular juízos de valor “ou desempenhe atividade criativa, lançando mão de elementos axiológicos, com recurso à filosofia ou à realidade”.
Mendes (2008, p. 100) assevera que os adeptos desse método consideram a Constituição como uma lei que não difere das demais no que tange os mecanismos hermenêuticos, mas apenas no tocante aos seus objetos de tutela. Portanto, Lenza elenca os elementos tradicionais utilizados por esse método no Direito Constitucional Brasileiro, sendo estes, o genético, o gramatical, lógico, sistemático, histórico, teleológico, popular, doutrinário e evolutivo:
Elemento genético: busca investigar as origens dos conceitos utilizados pelo legislador; elemento gramatical ou filológico: também chamado de literal ou semântico, a análise se realiza de modo textual e literal; elemento lógico: procura a harmonia lógica das normas constitucionais; elemento sistemático: busca a análise do todo; elemento histórico: analisa o projeto de lei, a sua justificativa, exposição de motivos, pareceres, discussões, as condições culturais e psicológicas que resultaram na elaboração da norma; elemento teleológico ou sociológico: busca a finalidade da norma; elementopopular: a análise se implementa partindo da participação da massa, dos “corpos indeterminados”, dos partidos políticos, sindicatos, valendo-se de instrumentos como o plebiscito, referendo, recall, veto popular, etc.; elemento doutrinário: parte da interpretação feita pela doutrina; elemento evolutivo: segue a linha da mutação constitucional (2011, p. 145).
Em contraposição a esse ponto de vista, tem-se o método tópico- problemático, que para Mendes (2008, p. 101-102) é o método mais adequado para se alcançar a concretização da Constituição, já que esta é um sistema aberto de regras e princípios e, como um objeto hermenêutico, é muito mais problemática do que sistemática, mostrando-se a necessidade de interpretá-la dialogicamente “e aceitar, como igualmente válidos e até serem vencidos pelo melhor argumento, todos os topoi ou fórmulas de busca que, racionalmente, forem trazidos a confronto pela comunidade hermenêutica”.
Com isso, esse método consiste na ideia de que o juiz deve construir a melhor solução para o problema, realizando a chamada justiça do caso concreto, atentando-se tanto para os textos legais quanto para os argumentos baseados em fatos relevantes, na realidade social, nos valores e princípios gerais do direito: “a tópica representa a expressão máxima da tese segundo a qual o raciocínio jurídico deve orientar-se pela solução do problema, e não pela busca de coerência interna para o sistema” (BARROSO, 2009, p. 279).
A hermenêutica concretizadora, para Barroso (2009, p. 279), procura o equilíbrio exato entre a criatividade do intérprete, a realidade e o sistema jurídico, sob uma ótica inversa da anterior, uma vez que não se parte do caso concreto para norma, mas sim, da norma para o problema. Lenza (2011, p. 146) destaca que esse método possui três pressupostos, o subjetivo, o objetivo e o círculo hermenêutico.
Subjetivo, pois necessita de uma pré-compreensão do agente interpretativo sobre os fenômenos sociais políticos e jurídicos que estão ao seu redor e, objetivo, pois exige do hermeneuta uma mediação entre a norma e a situação concreta existente, usando como base a realidade social e os fatores reais do poder (BARROSO, 2009, p. 280).
No tocante ao circulo hermenêutico, Lenza (2011, p. 146) ensina que se trata de um movimento de ir e vir do subjetivo para o objetivo, com a finalidade da melhor compreensão da norma, ao passo que Barroso (2009, p. 280) esclarece ser a interação recíproca entre realidade social e norma constitucional, onde uma não é mero reflexo da outra, pois a concretização constitucional de interpretação da realidade fica limitada ao próprio texto da constituição, sendo “o papel do intérprete compreender esse condicionamento recíproco, produzindo a melhor solução possível para o caso concreto, dentro das possibilidades oferecidas pelo ordenamento”.
Contudo, é de bom alvitre salientar a crítica realizada por Mendes (2008, p. 103-104), que considera o fato de se exigir do intérprete pré-compreensões, pode distorcer a realidade que ele deve captar da norma, bem como o próprio sentido da norma constitucional, uma vez que singulariza a dialética segundo critérios pessoais de justiça dentro de um ir e vir abstrato baseado num suposto critério de verdade que efetivamente não existe quando estamos falando de interpretação jurídica.
Seguindo, tem-se, também, o método científico-espiritual que, em linhas gerais, de acordo com os ensinamentos de Bonavides (2006, p. 477-480), é a interpretação da Constituição não adstrita a sua literalidade normativa, mas sim partindo da realidade vivencial do Estado e seu processo de integração, é considerar a Constituição como um fenômeno cultural e valorativo que deve ser interpretada como uma norma unitária, dinâmica e renovadora, que se molda às alterações da realidade social:
Nenhuma forma ou instituto de Direito Constitucional poderá ser compreendido em si, fora da conexidade que guarda com o sentido de conjunto e universalidade expresso pela Constituição. De modo que cada norma constitucional, ao aplicar-se, significa um momento do processo de totalidade funcional, característico da integração peculiar a todo ordenamento constitucional. A Constituição se torna por consequência mais política do que jurídica (BONAVIDES, 2006, p. 479).
O método normativo-estruturante é uma proposta similar a hermenêutica concretizadora, uma vez que visa conciliar a perspectiva normativa com a sociológica, sendo que a norma jurídica resulta da conjugação do programa normativo com o âmbito normativo, sendo aquele as possibilidades de sentido que o texto constitucional traz de acordo com os recursos tradicionais da interpretação e, e este, a parcela da realidade social no qual se coloca o problema, e na qual o intérprete extrairá os componentes fáticos e axiológicos, encontrando de maneira harmônica a melhor solução para o caso dentro das possibilidades contidas no programa normativo (BARROSO, 2009, p. 281).
Por fim, tem-se o método da comparação constitucional, que consiste na interpretação mediante o direito comparado, isto é, na busca de pontos comuns e divergentes entre os ordenamentos jurídicos (LENZA, 2011, p. 147). No entanto,
Mendes (2008, p. 109) alerta que, em que pese ele ter sido reconhecido pela literatura jurídica como um quinto elemento de interpretação constitucional dentro da teoria de Savigny15, esse método não configura uma proposta hermenêutica independente, mas sim um recurso do intérprete para otimizar o seu trabalho hermenêutico.
Ultrapassado o estudo de alguns dos métodos hermenêuticos elencados pela literatura jurídica especializada como mais importante na interpretação constitucional, passa-se a analise dos princípios aplicados a hermenêutica.
Princípios de interpretação constitucional
Os princípios de interpretação constitucional, na visão de Mendes (2008, p. 111), possuem uma função dogmática libertadora. Isso porquanto se apresentam como enunciados lógicos, que ajudam a resolver os problemas hermenêuticos, funcionando como fórmulas persuasivas, isto é, partem da ideia de que os princípios potencializam a liberdade no juiz, permitindo-lhe uma pré-compreensão sobre o correto e o justo, para só depois buscar os fundamentos de que precisa para essas soluções, tornando essas decisões válidas e não arbitrárias, pois inseridas num processo “em que as conclusões escolhem as premissas, e os resultados selecionam os meios”.
Mendes (2008, p. 112) acrescenta que, para a aplicação desses princípios na hermenêutica constitucional, deve-se estabelecer a ideia do legislador ideal ou legislador racional16, que, em suma, significa que o ordenamento jurídico posto ostenta de características, como operatividade, coerência e onicompreensão, que dão aos juristas “as condições de resolver os problemas de aplicação do direito dentro do próprio sistema jurídico e com os instrumentos de que este dispõe, sem necessidade de apelar para instâncias suprapositivas, como o desgastado direito natural ou a indefinível natureza das coisas [...]”.
15 Teoria desenvolvida no sentido de que a interpretação do direito, em geral, dá-se pelos elementos gramaticais, lógicos, históricos e sistemáticos (MENDES, 2008, p. 108).
16 Legislador Racional, para Mendes: “o jurista se obriga a interpretar o direito positivo como se este e o legislador que o produziu fossem racionais, motivado pela certeza de que pagando esse preço poderá extrair do ordenamento jurídico, otimizado por aquele postulado, todas as regras de interpretação de que necessita para justificar aqueles decisão. Noutras palavras, o jurista antropomorfiza a figura do legislador ideal e, desde logo, atribui-lhe os divinos predicados – ele é singular, imperecível único, consciente, finalista, onisciente, justo, onipotente, coerente, onicompreensivo, econômico, preciso e operativo – de que precisa para otimizar o direito positivo e, por essa forma, preservar as valorações subjacentes às opções normativas, ocultando, por outro lado, a ideologia que as motivou (2008, p. 11-112).
Portando, Barroso (2009, p. 289-290) assevera que dentro dessa compreensão de que o ordenamento jurídico é onicompreensivo, operativo e coerente, os preceitos constitucionais incidem sobre todas as relações sociais, não existem normas sobrando no texto da constituição, estando todas vigentes e operando, cabendo ao intérprete descobrir o âmbito de sua incidência e, em derradeiro, não ocorrem conflitos reais entre as normas constitucionais, mas tão somente aparentes.
Tais princípios, baseados no “catálogo tópico” construído por Canotilho17, são elencados pela literatura jurídica brasileira, por exemplo, por Mendes (2008, p. 114-122), Lenza (2011, p. 147-150) e Barroso (2009, p. 297-305), como os princípios da unidade da constituição, da concordância prática, da correção funcional, da eficácia integradora, da força normativa da constituição, da máxima efetividade, da proporcionalidade ou razoabilidade, da interpretação conforme a constituição e a presunção de constitucionalidade das leis.
Princípio da unidade da Constituição e princípio da concordância prática ou harmonização
O princípio da unidade da Constituição é uma regra de interpretação que considera as normas constitucionais como um todo e nunca isoladas, uma vez que são preceitos integrados e globais inseridos num sistema unitário de regras e princípios instituídos na e pela Constituição, sendo impossível separar uma norma do conjunto em que ela integra (MENDES, 2008, p. 114).
Barroso (2009, p. 302-303) ensina que esse princípio diz respeito tão somente aos conflitos (aparentes) que surgem dentro da própria constituição, e não entre constituição e norma infraconstitucional, momento em que se exige uma conformação interna do sistema em que o jurista, nas palavras de Mendes:
[...] pode bloquear o próprio surgimento de eventuais conflitos entre preceitos da Constituição, ao mesmo tempo que se habilita a desqualificar, como contradições meramente aparentes, aquelas situações em que duas ou mais normas constitucionais – com hipóteses de incidência diferentes – “pretendam” regular a mesma situação de fato (MENDES, 2008, p. 114).
17 Canotilho, em seus ensinamentos, ressalta que tal lista de princípios foi sedimentada com base no método hermenêutico-estruturante, mas que outros autores a recortaram de formas diversas (2002, p. 1209).
Assim, Barroso (2009, p. 303) explica que, inexistindo hierarquia entre as normas da Constituição18, sendo o critério cronológico de valia apenas parcial, já que, via de regra, as normas são promulgadas na mesma data, salvo as hipóteses de emenda constitucional sobre matéria não protegida por cláusula pétrea, e, por fim, tendo o critério de especialização insuficiente carga resolutiva para a maioria dos conflitos, já que de regra as proposições constitucionais são gerais19, para se afastar essas aparentes antinomias, o intérprete deverá promover a concordância prática, ou como entende Lenza (2011, p. 149), aplicar o princípio da harmonização.
Esse princípio consiste na ideia de que, o aplicador das normas constitucionais, quando deparado com situações de concorrência entre os bens jurídicos constitucionalmente tutelados, deverá adotar soluções, dentro de um juízo de coordenação, harmonização e ponderação no caso concreto, que otimizem a realização de todos os direitos, evitando o sacrifício total de um princípio em relação à outro, sendo por isso conhecido, também, como princípio da concordância prática (MENDES, 2008, p. 114). Posição está, ratificada por Lenza (2011, p. 149).
Considerando o referido princípio um vetor hermenêutico importante e muito utilizado nas cortes constitucionais, Mendes (2008, p. 115) tece uma crítica no sentido de que, a aplicação de tal princípio apenas separa os conflitos constitucionais no plano abstrato, já que no plano concreto muitas vezes haverá um inevitável sacrifício de uma norma em razão da outra, e exemplifica:
Num conflito, por exemplo, entre a liberdade de informação e a inviolabilidade da vida privada [...], se algum indivíduo, a pretexto de resguardar a sua intimidade, com ou sem razão, conseguir embargar divulgação de determinada matéria, o veículo de comunicação terá perdido por inteiro o seu direito de informar, ao mesmo tempo em que, também por inteiro, a outra parte verá prevalecer a sua pretensão. Em tese ou abstratamente considerado, ao final dessa hipotética demanda, restará intacto – até porque não foi abolido da Constituição –, o direito de informar e/ou obter informação (2008, p. 115)
Porém, como afirma Canotilho (2002, p. 228), a eleição desse princípio, que vem ocorrendo continuamente em relação aos direitos fundamentais, exige do
18 Em que pese se reconhecer uma hierarquia axiológica no momento de aplicação da norma, podendo uma se sobrepor sobre a outra, mas nunca considerando a outra inconstitucional (BARROSO, 2009, p. 302)
19 Hierarquia, cronologia e especialização das normas, são os critérios clássicos de resolução das antinomias jurídicas proposto por Bobbio em sua literatura jurídica (1999, p. 80). No entanto, é válido salientar o debate que a teoria do diálogo das fontes traz no direito brasileiro e comparado, sobre o enfraquecimento desse critério, considerado clássico, que diante dos novos paradigmas sociais, não mais se pode considerar a existência de conflito entre normas, mas sim, uma necessidade de coordenação e coexistência, buscando sempre a harmonização normativa e aplicação conjunta na finalidade de garantir a tutela do bem jurídico pretendido. Para melhor compreensão e aprofundamento sobre o assunto, vide a obra “Diálogo das Fontes” da autora Cláudia Lima Marques.
intérprete a concordância prática ou harmonização desses direitos, mesmo nos casos concretos, necessitando de um estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos entre os bens tutelas.
Princípio do efeito integrador
Associado, muitas vezes, ao princípio da unidade, esse cânone interpretativo, nos ensinamentos de Mendes (2008, p. 117), orienta ao intérprete constitucional a aplicação de critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração social e a unidade política, e como asseverou Canotilho (2002, p. 1210), não assenta numa concepção integracionista entre Estado e sociedade, que poderia levar a reducionismos e autoritarismos, mas sim está pautada na “conflitualidade constitucionalmente racionalizada para conduzir a soluções pluralisticamente integradoras”.
Princípio da justeza ou da conformidade funcional
Para Mendes (2008, p. 116-117), Tavares (2008, p. 86) e, principalmente, Canotilho (2002, p. 1210-1211), não há grandes divergências sobre definição desse princípio, que, na visão desses autores é a finalidade de orientar os intérpretes da Constituição que, uma vez instituído um sistema coerente e previamente ponderado de repartição de funções, não podem os seus aplicadores chegar a resultados que perturbem o esquema organizatório-funcional nela estabelecido, como é o caso da separação de poderes, que é condição primordial na preservação do Estado de Direito.
Princípio da máxima efetividade
Trazendo a doutrina clássica sobre os atos jurídicos em geral, Barroso (2009, p. 88) assevera que, inclusive as normas jurídicas, comportam análise em três planos, o da sua existência, validade e eficácia. No entanto, o autor alerta que, influenciada pelo constitucionalismo contemporâneo, a CRFB/1988, consolidou um quarto plano fundamental de apreciação das normas constitucionais, o da sua efetividade.
Tavares (2008, p. 86), chamando esse princípio de maximização das normas constitucionais, indica que esse princípio deve ser entendido no sentido de a norma constitucional ter a mais ampla e efetividade social, e por isso “não se deve interpretar uma regra de maneira que algumas de suas partes ou algumas de suas palavras acabem se tornando supérfluas, o que equivale a nulificá-las”.
Por isso, Canotilho (2002, p. 1210) esclarece que esse é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, mesmo que sua maior aplicabilidade seja, hoje, em relação aos direitos fundamentais.
Princípio da força normativa
Fundador do próprio princípio da máxima efetividade, o princípio da força normativa, que para Mendes (2008, p. 118) só vem ratificar a necessidade de eficácia mínima inerente a qualquer norma jurídica, dá sustentação ao intérprete para que, nos problemas jurídico-constitucionais, dê-se prevalência aos pontos de vista que contribuam para máxima efetividade da Constitucional como uma norma jurídica eficaz e permanente, não apenas como um fator político, histórico e social.
Hesse (1991, p. 05-06) teve grande contribuição na formação desse princípio, principalmente para a mudança de paradigma de que a Constituição vai além de uma carta política, sendo necessariamente uma carta normativa, uma força ativa de orientar a conduta social segundo a ordem nela estabelecida, não existindo tão somente a vontade do poder, mas a vontade da Constituição.
Princípio da interpretação conforme a Constituição
Desenvolvida pela literatura jurídica e pela jurisprudência alemã, esse princípio “destina-se à preservação da validade de determinadas normas, suspeitas de inconstitucionalidade, assim como à atribuição de sentido às normas infraconstitucionais, da forma que melhor realizem os mandamentos constitucionais” (BARROSO, 2009, p. 301). Assim, Barroso (2009, p. 302) salienta que esse princípio é, simultaneamente, técnica de interpretação e um mecanismo de controle de constitucionalidade.
Mendes (2008, p. 119), portanto, diz que esse princípio, preservando o princípio da unidade e da correção funcional, resume-se a recomendação aos
aplicadores da Constituição, em face de normas infraconstitucionais, estas revestidas de uma presunção de constitucionalidade até judiciosa conclusão em contrário, escolham o sentido que as torne constitucionais e
não aquele que resulte na sua declaração de inconstitucionalidade, esse cânone interpretativo ao mesmo tempo que valoriza o trabalho legislativo, aproveitando ou conservando as leis, previne o surgimento de conflitos, que se tornariam crescentemente perigosos caso os juízes, sem o devido cuidado, se pusessem a invalidar os atos da legislatura (MENDES, 2008, p. 119).
Logo, como técnica de interpretação, para Tavares, (2008, p. 86-87), o princípio da interpretação conforme a Constituição impõe aos aplicadores do direito que interpretem a legislação ordinária de modo a realizar adequadamente os valores e fins constitucionais, ao passo que como mecanismo de controle de constitucionalidade, como leciona Barroso (2009, p. 301), os juízes e tribunais atuam corretivamente, infirmando apenas uma das interpretações possíveis e afirmando o que se compatibiliza e o que não se compatibiliza com a Constituição, preservando, assim, a validade de uma lei que, na sua leitura mais óbvia, seria no todo inconstitucional.
Lenza (2011, p. 150) fazendo análise sobre as diretrizes que o STF vem dando aos limites dessa interpretação, e sendo corroborado pela literatura jurídica de Tavares (2008, p. 86-87), relata que a interpretação conforme a Constituição se dá pela prevalência da interpretação não contraria à Constituição somente quando a norma permite esse espaço interpretativo; pela preservação das normas sempre que possível, mas excluindo, na busca dessa concordância, a interpretação que contraria o texto literal e o sentido real da lei20; pela rejeição ou não aplicação de normas infraconstitucionais quando, realizada a análise, não se pode interpretar conforme a Constituição e; por fim, o intérprete, não pode atuar como um legislador positivo, pelo uso da hermenêutica, o magistrado não pode criar regras distintas daquelas objetivas pelo legislador.
Princípio da proporcionalidade ou razoabilidade
Segundo Barroso (2009, p. 304), estes princípios são empregados de forma fungível e não estão expressos na CRFB/88, tendo seu fundamento nas ideias
20 Como afirma Mendes, a busca pela salvação da lei a qualquer custo da Constituição, usurparia as tarefas legislativas, transformando o intérprete e verdadeiro legislador positivo (MENDES, 2008, p. 119).
de devido processo legal substantivo e na justiça. Mendes (2008, p. 120-121) amplia tal concepção, dizendo que esses princípios emanam, também, da ideia de equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição do excesso e que, por isso, no Direito Constitucional possuem ligação íntima com os direitos fundamentais, principalmente quando se fala em soluções justas de conflitos normativos.
Em suma, Mendes (2008, p. 121) qualifica tais princípios como tendo alcance praticamente ilimitado, uma vez que sua conceituação é determinada em cada caso concreto, e varia de acordo com as concepções extraídas da transformação social, assim, “só na sua aplicação aos casos ocorrentes, e na concretização que assim necessariamente se processa, é que se revela todo o seu conteúdo significativo e eles cumprem a função de regular situações da vida”.
Sem a intenção de se aprofundar no assunto, é de bom alvitre mencionar a crítica tecida por Silva (2002, p. 29-30) sobre a errônea consideração entre razoabilidade e proporcionalidade como sinônimas, uma vez que, tanto na origem quanto na estrutura, estas se diferenciam completamente. Em linhas gerais, para o autor, proporcionalidade é uma regra de estrutura racionalmente definida, que se traduz na verificação ordenada e subsidiária de três sub-regras, da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, enquanto a razoabilidade é uma simples análise de compatibilidade entre meios e fins21.
Para Silva (2002, p. 34-41), a proporcionalidade deve observar as três sub-regras mencionadas, analisadas numa relação de subsidiariedade, o que significa dizer que nem sempre será necessário aplicar todas elas. Assim, primeiro, verifica-se a adequação, isto é, certifica-se se o propósito pretendido é valido e, por assim, se o meio escolhido é adequado para fomentar esse propósito. Caso constatada a adequação, verifica-se a necessidade, que consiste na observação da existência de outro meio mais eficaz e menos danoso para alcançar o fim almejado. Visto que a medida é adequada e necessária, passa-se a análise da
21 Silva estende a crítica, primeiro, por considerar, à luz da teoria de Alexy que classifica regras e princípios, que a proporcionalidade não é um princípio, mas sim uma regra, porquanto esta é aplicada de maneira constante e não em confronto com outras normas-princípios e não é concretizada em vários graus ou aplicada por meio de regras nas quais a proporcionalidade prevaleceria em relação a outros princípios no caso concreto. Ainda, Silva faz forte crítica ao STF, por considerar que este aplica a regra da proporcionalidade como um mero apelo à razoabilidade, ao passo que invoca tais princípios em um caráter meramente retórico e não sistemático, resumindo-se a um silogismo não racional, qual seja: a constituição consagra a regra da proporcionalidade e, sendo o ato questionado desproporcional, atenta-se que sem qualquer fundamentação lógica, este ato é inconstitucional (2002, p. 23-50).
proporcionalidade em sentido estrito, que consiste “em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva”, ou melhor, para se constatar a desproporcionalidade, não é exigido que a medida implique na não realização do outro direito ou que atinja o chamado núcleo fundamental de algum direito, bastando:
Que os motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido. É possível, por exemplo, que essa restrição seja pequena, bem distante de implicar a não-realização de algum direito ou de atingir o seu núcleo essencial. Se a importância da realização do direito fundamental, no qual a limitação se baseia, não for suficiente para justificá-la, será ela desproporcional (SILVA, 2002, p. 41).
O referido princípio, por vezes aplicado de forma inadequada em nosso ordenamento jurídico, ganha constante relevância na aplicação do direito.
Conclusão
Por todos esses princípios e métodos, percebe-se que o intérprete constitucional possui diversas ferramentas na interpretação e aplicação da norma dentro dos casos concretos, cabendo a ele, dentro dos limites do ordenamento jurídico, estabelecer qual a melhor solução para o caso concreto dentro de sua compreensão axiológica limitada pelos fundamentos fáticos, jurídicos e jurídicos hermenêuticos.
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