O dano indenizável como meio para incentivar o cumprimento das relações jurídicas entre as pessoas e para reduzir os processos judiciais.

01/06/2023 às 17:43
Leia nesta página:

INTRODUÇÃO

O direito brasileiro traz a reparação ao dano sofrido de maneira ampla. Tal instituto reparatório tem capacidade de reduzir a demanda judicial, bem como de motivar as partes integrantes de uma relação jurídica a cumprirem com o combinado. Tendo isso como base, o artigo visa aprofundar o debate e apontar os benefícios da condenação em danos indenizatórios para a regulação social, não só nas relações consumeristas, mas jurídicas como um todo.

OS DANOS

A reparação pelo dano moral foi consagrada em nossa carta magna, no artigo 5, o qual é relativo aos direitos fundamentais. Nesse sentido, ela garantiu a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; bem como assegurou o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Ademais, definiu que o Estado promoverá a defesa do consumidor em lei. Veja que todos esses artigos são considerados cláusulas pétreas, ou seja, não podem ter seu núcleo abolido, sob pena de gerar retrocesso social.

Não obstante, o Código Civil, que rege as relações privadas e, subsidiariamente, as públicas, ampliou o espectro do dano extrapatrimonial. Em seu artigo 186, fixou-se que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Ora, o ato ilícito aqui é praticar o dano, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial, não se limitando ao caráter moral. Mais especificamente no contrato de transporte, em seu artigo 733, o CC fixou que o transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas. O mesmo segue no artigo 734. Por fim, no capítulo Da Obrigação de Indenizar, o artigo 927 estipula que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Veja que, em todo o código civil, o legislador utilizou a expressão mais ampla da palavra dano, não a limitando em moral, material, estético, ou seja, abrangendo todos os danos patrimoniais e extrapatrimoniais, uma vez que ambos são bens jurídicos tutelados pelo nosso ordenamento jurídico.

O código de defesa do consumidor, por sua vez, trouxe a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Nota-se que no código consumerista, o legislador ampliou a proteção dos danos extrapatrimoniais, compreendendo os direitos individuais, coletivos e difusos, ou seja, todos os bens jurídicos referentes às pessoas. Dessa forma, não só os direitos fundamentais expressos no artigo 5 estão passiveis de serem indenizados, quando violados, como os demais direitos explícitos e implícitos em nosso ordenamento jurídico bem como outros direitos humanos a serem internalizados. Logo, a ofensa a qualquer direito constitucional, seja ele de imagem, moral, social, trabalhista, ambiental, leva a responsabilização do ofensor por esse dano.

TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO E SUAS PROTEÇÕES

Nesse sentido, a teoria do desvio produtivo do consumidor veio trazer clareza aos operadores do direito, que se viram limitados perante a tese do mero dissabor. Ela buscou ampliar o dano extrapatrimonial no Brasil. Segundo seu idealizador, “diante da necessidade de se conferir efetividade ao princípio da reparação integral, tornou-se necessário ampliar o conceito de dano moral no Brasil, para que fosse possível reconhecer novas categorias de danos extrapatrimoniais para além da esfera anímica da pessoa e, ao mesmo tempo, para que se permitisse a reparação autônoma de mais de uma espécie deles oriunda do mesmo evento danoso. ”. Dessaune, então, trouxe não só dano moral strictu sensu (o prejuízo não econômico que decorre da lesão à integridade psicofísica da pessoa) para o debate, como também o lato sensu (prejuízo não econômico que decorre da lesão a bem extrapatrimonial juridicamente tutelado, abrangendo os bens objeto dos direitos da personalidade). Dessa forma, ao identificar o tempo do consumidor como um bem extrapatrimonial, ele amplia a hipótese de indenização, não a restringindo à lesão psicofísica da pessoa.

O tempo sempre foi bem valioso na vida da pessoa. Nos dias atuais, ele tem se tornado mais ainda, já que a competitividade e número de informações são tão grandes que o tempo se tornou extremamente escasso para realizarmos o que queremos. Desse modo, problemas criados pelos fornecedores, nas relações de consumo, gastam esse tempo de maneira improdutiva, restringindo a vítima de usufruir de seus direitos sociais, como os dispostos no artigo 6 da constituição, além de gerar um abalo à psique do ser humano. Logo, o problema criado pelo próprio fornecedor de produtos ou serviços gera dano ao consumidor, que merece ser indenizado conforme o ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, a Teoria do Desvio Produtivo explana que o dano se torna existencial quando afeta a produtividade do consumidor. Segundo Dessaune, “Um evento de desvio produtivo traz como resultado um dano que, mais do que moral, é existencial, pela alteração prejudicial do cotidiano e/ou do projeto de vida do consumidor. ”

O DANO PELO DESCUMPRIMENTO DA RELAÇÃO JURÍDICA

O não cumprimento de uma relação jurídica gera transtornos às partes envolvidas, principalmente à parte prejudicada. Ela, além de ter suas expectativas frustradas, na maioria das vezes, precisa ingressar em uma lide jurídica para retomar parcialmente seu “status quo”. Isso porque o tempo dedicado ao contrato e a busca de sua reparação não são plenamente retomados. Isso não se considera apenas em um processo de relação consumerista. O tempo do autor é subtraído em todo caso de não cumprimento da relação jurídica, bem como ocorre o desgaste físico e psicológico, principalmente se uma das partes dificulta a reparação ou posterga tais tratativas. Desse modo, o dano indenizável poderia ter a capacidade de motivar as partes a cumprirem seus acordos como estabelecidos, principalmente nos contratos de adesão, nos quais raramente existem cláusulas penais.

Vale mencionar, ainda, que o dano pode existir mesmo que haja, em contrato, uma cláusula penal. Isso porque a parte que não cumprir o contrato pode, também, não cumprir com a reparação extrajudicial, necessitando, assim, a parte lesada ingressar em juízo e ter todo o desgaste físico, psicológico e financeiro, para ser, ao final, parcialmente ressarcido de um prejuízo ao qual não deu causa.

Daqui em diante, focarei mais na relação consumerista. Entretanto, a ideia é de ampliação do dano para as demais áreas do direito, uma vez que esse tipo de indenização não é exclusiva da seara consumerista.

O dano indenizável possui a capacidade de ser um meio regulador da ordem pública, como ocorre no Direito Consumerista. Nota-se que os fornecedores de produtos e serviços melhoraram a prestação de seus produtos e serviços após as lides consumeristas aumentarem, ainda mais com as recorrentes condenações em danos morais. Tal fato, se aplicado com parcimônia, poderia ser levado aos demais ramos do direito, com o intuito de aumentar a qualidade de vida e inibir a tentação de descumprir uma relação jurídica com o intuito de angariar vantagem.

O capitalismo concorrencial agressivo dos dias atuais fez com que as pessoas só se importassem com o lucro. Desse modo, as relações sociais foram deixadas de lado, assim como a melhora na qualidade de vida prometida. Tal fator fez com que o tempo das pessoas se tornasse ainda mais escasso, já que o intuito é produzir durante todo o momento. Toda a sociedade, então, precisou se adaptar a esse estilo de vida trazido pelo aprofundamento do meio técnico-cientifico-informacional e pela globalização, caso contrário acabaria marginalizada.

A necessidade de aumento de lucro e enriquecimento relativo trouxe consequências sérias para a sociedade, como é o caso do não cumprimento das relações jurídicas, pela necessidade de se tirar vantagem em toda situação, e do aumento das doenças do século 21. Tais ganancias aprofundaram doenças psicológicas. No contexto de saúde pública e psicológica atual, com altas tensões de estresse, o capitalismo exacerbado, a falta de tempo, a busca pelo lucro constante e do proveito em detrimento dos outros, fizeram com que a sociedade entrasse na era das doenças psicológicas. Desse modo, a permissividade de práticas abusivas não me parece viável para evitar tais enfermidades.

Esse ciclo de competitividade leva as pessoas a não fazerem nada bem feito. ‘Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante’. Essa frase do livro O pequeno príncipe expõe perfeitamente a importância de dedicarmos tempo para certas coisas se tornarem importantes em nossa vida. Dedicar o tempo à família, ao trabalho e aos cuidados pessoais não cabe mais dentro das 24 horas do dia. Assim, uma relação jurídica, que deveria estar baseada no pacta sunt servanda, não deveria tomar mais tempo e saúde da parte lesada, consumindo tempo para outras partes importantes da vida dela. Isso é o que ocorre quando a relação jurídica é desrespeitada e a parte lesada precisa ingressar em juízo. O processo judicial e extrajudicial, na maioria das vezes, consome o autor e toda sua família, afetando a saúde e a relação dos envolvidos.

Por isso, o dano indenizável não pode ser esquecido nas lides jurídicas. Ele possui a capacidade de fazer as partes cumprirem seus acordos, assim como possui o atributo para regular a ordem social.

A LENIÊNCIA DO FORO CÍVEL

O dano moral e extrapatrimonial está internalizado no direito brasileiro por meio da Constituição Federal e, mais especificamente, mediante o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil. Nesse sentido, não cabe ao judiciário relativizar, quando não excluir, tal direito, sob pena de punir duplamente a vítima do ilícito. Outrossim, tais sentenças possibilitam a internalização de práticas abusivas nos transgressores, contribuindo para a sobrecarga do judiciário e a piora na qualidade de vida da sociedade.

O dano moral/extrapatrimonial está expressamente elencado em nosso artigo 5 da constituição, sendo um direito fundamental. Logo, ele é um direito humano internalizado e não pode ser relativizado. Na verdade, ele não pode ter seu núcleo reduzido ao ponto de eliminá-lo. Nesse sentido, as sentenças que improcedem o pedido de dano moral, nas relações consumeristas e jurídicas, sob a alegação de mero dissabor ou mero aborrecimento vão de encontro à Constituição Federal e aos Direitos Humanos, não só em relação ao dano moral em si, mas também em relação à proteção ao consumidor e à pessoa humana.

Mais especificamente na relação de consumo, o consumidor é a parte vulnerável dessa relação. Nesse sentido, a constituição federal previu proteção especial para essa classe nas relações jurídicas, com o intuito de coibir o abuso e o dano a estes. Dessa forma, não cabe ao judiciário, em especial os de graus inferiores, querer modificar a legislação nacional por meio de sentenças com teorias destoantes, em especial a do mero dissabor. Se houve um dissabor ou um aborrecimento, logo, houve uma afronta a psique do consumidor. A palavra “mero” não possui a capacidade de eliminar tal fato, mas, apenas, serve para justificar uma possível redução no quantum indenizatório. Assim, ao utilizar a tese do “mero dissabor” o juiz não só estará contrariando o ordenamento pátrio, como também estará incorrendo em contradição, já que se há dissabor, há o sofrimento.

A jurisprudência, ao adotar o mero aborrecimento, entende que houve a lesão à integridade do autor, mas que ela não teve o condão de romper o equilíbrio psicológico da pessoa. Entretanto, tal tese se torna contraditória, como mencionado. A partir do momento que se reconhece a lesão, caracteriza-se a configuração do dano. Nesse sentido, se houve dano, deve haver reparação, conforme o ordenamento jurídico brasileiro. A palavra “mero” não possui a capacidade de excluir o dano, mas apenas de reduzi-lo, entrando, assim, no artigo 944 do CC, que define que a indenização deve ser medida pela extensão do dano. O dano não está apenas focado na questão psicológica do indivíduo, ele é muito mais amplo, como conceituado no CC, no CDC e nesse artigo. Ora, se foi reconhecido o aborrecimento (dano), mesmo que ele não tenha abalado a moral do ofendido, ele afronta demais bens jurídicos do autor, como seu tempo, seu lazer, seu trabalho, seu descanso, seu tempo com a família, bens extrapatrimoniais esses que são valiosos hoje em dia, decorrente da era da produtividade.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Dessaune expôs perfeitamente os equívocos de tal tese, “O primeiro equívoco é que o conceito de dano moral enfatizaria as consequências emocionais da lesão, enquanto ele já evoluiu para centrar-se no bem jurídico atingido; ou seja, o objeto do dano moral era essencialmente a dor, o sofrimento, o abalo psíquico, e se tornou a lesão a um bem extrapatrimonial juridicamente tutelado, abrangendo os bens objeto dos direitos da personalidade. O segundo equívoco é que, nos eventos de desvio produtivo, o principal bem jurídico atingido seria a integridade psicofísica da pessoa consumidora, enquanto, na realidade, são a sua liberdade, o seu tempo vital e as atividades existenciais que cada pessoa escolhe nele realizar, como trabalho, estudo, descanso, lazer, convívio social e familiar, etc.. O terceiro equívoco é que esse tempo existencial não seria juridicamente tutelado, enquanto, na verdade, ele se encontra protegido tanto no rol aberto dos direitos da personalidade quanto no âmbito do direito fundamental à vida. Por conseguinte, o lógico seria concluir que os eventos de desvio produtivo do consumidor acarretam, no mínimo, dano moral lato sensu reparável. ”

Nesse sentido, o Prof. Dr. Juiz ALEXANDRE DAVID MALFATTI expôs, em uma de suas decisões, “Preocupa-me a tese esposada por alguns intérpretes do Direito, diferenciando o dano moral dos transtornos causados pelo cotidiano, que não seriam indenizáveis. A Constituição Federal concebeu a indenização dos danos morais sem qualquer restrição, não cabendo ao Estado (legislador ordinário ou juiz) diminuir o alcance de tão importante direito fundamental. ” (TJ-SP - RI: 10000604920208260003 SP 1000060-49.2020.8.26.0003, Relator: Alexandre David Malfatti - Santo Amaro, Data de Julgamento: 02/11/2020, 4ª Turma Recursal Cível - Santo Amaro, Data de Publicação: 02/11/2020)

Sobre isso, colhe-se a magnífica manifestação do Min. FRANCISCO REZEK ( RT 740/205 ), que vê na tímida atuação do foro cível - ao lado do foro criminal - uma das causas da sensação de impunidade do país:

“Volto agora ao que nos interessa: receio que seja também ideológica a leniência do foro cível - que responde, tanto quanto o foro criminal, pela imagem do “país da impunidade” -no domínio das relações do cidadão, visto na sua qualidade de consumidor, com todas as forças estabelecidas no plano econômico: o comerciante, o industrial, o prestador de serviços, o banqueiro, o próprio Estado-empresário. A tendência do Poder Público diante dos reclamos do consumidor sempre foi - neste país mais do que nos outros - a de reagir com surpresa. O que é isso? Que história é esta? Não é caso de indenização; não é caso de a pessoa sentir-se tão lesada; não é caso de pedir em juízo reparação alguma. Parece-me que essa forma de leniência no foro cível deveria finalmente, à luz da CF/88, encontrar seu paradeiro, produzindo uma situação nova, condizente com os termos da Carta.”

Na maioria das vezes, quando o foro cível nega um dano indenizatório, ele acaba transparecendo uma replicação da sociedade brasileira em culpar a vítima pelo ocorrido. Entretanto, o magistrado deveria pautar sua sentença, principalmente as consumeristas, no incentivo ao transgressor não incorrer, novamente, em ilícitos. Tal comentário não se dirige somente aos magistrados, mas também a todos os operadores do direito. Não é raro vermos comentários, nos casos dos processos com pedido de dano moral, sobre o intuito da parte de “tirar proveito” mediante um direito indenizatório.

Nota-se que o judiciário está a centrado na parte errada do processo. Ele deveria focar em reprimir o causador do abalo ao invés de martirizar o sofredor. Isso porque é muito mais fácil reduzir a demanda judicial eliminando a causa do problema do que as vítimas, já que elas continuarão se multiplicando. Nesse sentido, nos casos consumeristas, o número de consumidores vítimas de ilícitos é amplo e todos são resultantes de alguns atos de algumas empresas. Logo, ao elaborarem sentenças punitivas, eles incentivam tais empresas a não incorrerem novamente nesses atos.

A eliminação do dano moral ou indenizatório não possui a capacidade de diminuir os processos judiciários. Ela, na verdade, só tende a aumentar a demanda. Isso porque a causa do problema não está no consumidor ou na parte lesada, mas no fornecedor do produto/serviço defeituoso ou em quem não cumpre com a relação jurídica determinada. A partir do momento que o judiciário tenta reduzir as ações focando na vítima, ele, na verdade, apenas contribui para a manutenção de práticas ilícitas, que resultarão em mais demandas judiciais. O lesado continuará demandando, quando ele tiver seu direito afrontado. O contrário, entretanto, não seria verdadeiro, uma vez que condenações em danos indenizatórios teriam a capacidade de reduzir a demanda judicial, uma vez que afetariam a parte economicamente, incentivando-a a não repetir tal conduta.

A partir do momento que a vítima é desmotivada a buscar seus direitos reparatórios, por causa de teses jurídicas que visam a diminuição da demanda processual, ela acaba tendo seu direito reparatório inviabilizado, assim como seu acesso à justiça mitigado. Nesse sentido, ela é punida duplamente. Primeiro pelo ato abusivo do fornecedor ou da quebra do contrato. Segundo pelo entendimento do judiciário que, ao tentar desmotivar a vítima de ingressar em uma demanda judicial, acaba a onerando. Isso porque o consumidor lesado gasta tempo e dinheiro para ingressar em juízo e, na maioria dos casos, as condenações se quer possuem a capacidade de ressarcir os gastos com o advogado.

Nesse sentido, a indenização não pode ser irrisória ao ponto de desmotivar as vítimas a buscarem justiça. Caso o valor seja ínfimo, o padecente mal conseguirá contratar um advogado, quem dirá ter seus danos ressarcidos adequadamente. Assim, a justiça não pode ser leniente com o abusador, ratificando a imagem do “país da impunidade”, ela precisa atuar para alcançar seu real objetivo reparador e não ser fator para mais danos à vítima.

A tese do mero dissabor não só contribui para o sobre carregamento do judiciário, como também para a manutenção de práticas ilícitas pelos fornecedores de produtos e serviços. Ao se implantar tal tese, o judiciário incentiva a empresa a continuar praticando sua abusividade, uma vez que ela pode considerar a possível condenação como um eventual custo da empresa. Ou seja, já que o judiciário está coibindo as demandas indenizatórias, eu não preciso adequar minhas práticas e posso continuar com minhas abusividades. Assim, caso haja uma demanda judicial, eu a considero como um custo da empresa.

Desse modo, as tímidas condenações do foro cível incentivam o fornecedor a continuar cometendo os mesmos ilícitos, afinal, para grandes empresas, uma condenação em valores ínfimos poderá representar um risco assumido na adoção de posturas ilegais contra os consumidores (é notório que nem todos os ofendidos ingressam em Juízo na defesa dos seus direitos e interesses).

Tais condutas merecem mais atenção do judiciário, já que a tese do mero dissabor e a tímida condenação aos pedidos de indenização perpassam uma ideia de impunidade da esfera civil, que ratifica a conduta da empresa e resulta na manutenção de um serviço defeituoso. Merecem mais atenção ainda as empresas que prestam serviços públicos. Isso porque elas estão inseridas em uma relação de consumo de Oligopólio, quando não monopólio. Desse modo, “a mão invisível” do mercado não possui a capacidade de eliminar essas empresas defeituosas do mercado, uma vez que só elas prestam o serviço. Assim, a tese do mero dissabor só incentiva a reiteração das práticas abusivas e o aumento das demandas judicias, já que os consumidores só possuem a opção de consumir dessas empresas. Coincidentemente ou não, os maiores casos de demanda consumeristas são destinados a essas empresas, já que as que se encontram em uma relação de “livre comércio” não possuem tal proteção para praticar dissabores e aborrecimentos aos seus consumidores, uma vez que eles podem parar de ter relações com elas e iniciarem relações com outras empresas que prestam os mesmos serviços.

Ademais, a abusividade das empresas ainda pode ser correlacionada às doenças do século 21, que estão ligadas à distúrbios psicológicos. Isso porque o aborrecimento, ainda mais quando reiterado na sociedade, pode servir de gatilho para uma doença psicológica ou pode ele mesmo ser a causa do início de uma doença psicológica. Desse modo, a tese do mero dissabor apenas contribuiria para um problema de saúde, uma vez que ela visa a manutenção de atitudes que afetam o psicológico da pessoa, reiteradamente, afrontando, assim, direito constitucional básico do ser humano.

Vale ressaltar que a falta de preparo das grandes empresas, em situações delicadas, sem respaldo ao cliente, contribui para o aumento de tensões psicológicas e desgaste da saúde mental, que são essenciais à qualidade de vida. Nesse sentido, a ilicitude afronta diretamente a saúde do consumidor, também, já que o estresse e a ansiedade são doenças recorrentes na sociedade atual, muitas tendo como gatilhos o despreparo de empresas na relação de consumo. Além do desperdício de tempo do autor, sendo esse um bem valioso nos dias atuais, já que não se tem tempo para nada.

Portanto, se a constituição e as leis infraconstitucionais estipularam a condenação em danos patrimoniais e/ou extrapatrimoniais, não cabe ao magistrado ilidi-la e, muito menos, eliminá-la do processo. O abalo sofrido deve, exclusivamente, ser fator de quantificação da reparação e não meio para o operador do direito justificar a não aplicação da norma jurídica. Assim, o magistrado deve considerar o valor no caso prático, por meio da capacidade dos envolvidos, dos fatos, da amplitude dos danos, do histórico das partes, entre outros fatores.

CONCLUSÃO

O Judiciário deveria se utilizar mais do instrumento jurídico do dano para regular a ordem social, com o intuito de coibir a positivação de práticas ilícitas por alguma das partes das relações jurídicas. A timidez do foro cível tende, apenas, a contribuir com o aumento da demanda jurídica, bem como com o adoecimento da sociedade. Ainda, teses jurídicas contrárias a uma real reparação do lesado transparecem a leniência da justiça com o abuso, ratificando a imagem do pais da impunidade. 

Sobre o autor
Henrique Rozim Manfrenato

Pós graduado em Direito e Processo do Trabalho, Direito Ambiental e Sustentabilidade, Direito Internacional. MBA em Finanças e em Administração Pública. Atuo/atuei nas áreas previdenciária, tributária, civil, consumerista e criminal, desde 2016.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos