A responsabilidade das empresas que praticam testes em animais e seus impactos nos consumidores

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RESUMO

O presente artigo possui como finalidade explorar a responsabilidade das empresas que praticam testes em animais, bem como seus impactos nos consumidores, tendo em vista que, alguns produtos ora comercializados não apresentam os devidos selos que indicam ser livres de testes em animais, colocando um óbice para consumidores que são contra a prática. Dessa maneira, essa pesquisa utiliza-se da natureza exploratória, visando analisar fontes bibliográficas e documentais, para que se atinja maior eficácia do tema mencionado. Para tanto, visou-se apresentar uma perquirição a respeito dos testes em animais, bem como a influência de tal ato nas empresas e nos consumidores. Em que pese tais aspectos, também será intensamente analisado princípios do direito do consumidor, relacionando-os com o tema em comento. No mais, além das pesquisas bibliográficas e documentais, também será apresentado uma pesquisa jurisprudencial sobre o assunto, fazendo as devidas análises perante casos práticos na atual conjectura.

Palavras-chave: Direito do Consumidor. Cruelty Free. Princípios fundamentais consumeristas.

ABSTRACT

This article aims to explore the responsibility of companies that practice animal testing, as well as its impacts on consumers, considering that some products now marketed do not present the proper seals that indicate they are free of animal testing, placing an obstacle for consumers who are against the practice. Thus, this research uses an exploratory nature, aiming to analyze bibliographic and documental sources in order to achieve greater effectiveness of the mentioned theme. To this end, we aimed to present a survey on animal testing, as well as the influence of such act on companies and consumers. In spite of such aspects, the principles of consumer law will also be intensively analyzed, relating them to the theme under discussion. Moreover, in addition to bibliographic and documentary research, a survey of case law on the subject will also be presented, performing the necessary analysis in the face of practical cases in the current conjuncture.

Key-words: Consumer Law. Cruelty Free. Fundamental principles of consumerism.

1. INTRODUÇÃO

Todos os anos, diversos animais são mortos em testes farmacêuticos ou de cosméticos como meio de procedimento para verificar tanto a eficácia de medicamentos e produtos estéticos, como também estudar doenças e desenvolver novos tratamentos médicos, utilizando-se, contudo, da dor e sofrimento de animais. Além das práticas dolorosas aos animais, ao final do procedimento, são condicionados ao processo de eutanásia, com o intuito de serem estudados os resultados internos que ocorreram durante a utilização dos componentes utilizados (Michel & Vargas, 2017).

Em busca do bem-estar dos animais não-humanos e a segurança dos consumidores, o selo Cruelty Free foi criado para garantir que os produtos não são testados em animais ou que também não possuem na sua composição matérias-primas testadas em animais.

Todavia nem todos os produtos com o selo Cruelty Free são necessariamente veganos, uma vez que podem conter vestígios de origem animal. Algumas empresas, utilizam deste doloroso método e não informam aos seus consumidores esta prática. Em geral, indústrias que vendem para a China ainda realizam este tipo de teste ou produzem com substâncias de origem animal, pois até 2021 era uma obrigação o uso dos animais para teste para que empresas comercializarem no país (Catalina Portales, 2021).

Diante disso, a interface do direito ao consumidor é muito importante para tratar do caso. Isto se explica através de alguns princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor, como: direito à informação, o consumidor deve ser informado/conscientizado a respeito do produto que consome; o princípio da boa-fé objetiva, visto que o consumidor não sabe que o produto que utiliza foi fabricado através de testes em animais, afetando sua decisão e em consumir ou não o produto; e o princípio da transparência, que em falta pode levar o consumidor a tomar decisões equivocadas quanto a adquirir ou não produtos que utilizam desta prática nos seus testes ou composições por falta de clareza na transmissão das informações pelo fornecedor.

Assim, esclarece Ricardo Voltolini (2010), que os dados passados pelas empresas necessitam ser claros e de fácil acesso, que permitem ao consumidor obter clareza nos procedimentos realizados desde a produção até o descarte dos produtos. Logo, é importante a organização e a precisão dos dados passados aos consumidores. Desta forma, o destinatário final dos produtos ao obter à sua disposição informações e decidir efetuar a compra do bem, estará expondo sua conformidade com a política e preparo da empresa/produto.

Com isso, o presente artigo fará breve análise de legislações atuais vigentes acerca do assunto “testes em animais”, assim como sua implementação nos tribunais, e ainda demonstrará o impacto causado pela prática aos consumidores finais. Deste modo, a pesquisa determinará a compreensão da responsabilidade da pessoa jurídica infratora e de seus sócios quando da violação de direitos dos animais, especialmente em experimentos com animais em testes de laboratórios, bem como de seus impactos para com os consumidores.

2. A PRÁTICA DE TESTES EM ANIMAIS

É de amplo saber que uma grande quantidade de animais é morta em testes todos os anos, tanto nos Estados Unidos como na União Europeia. Tem-se que os animais que são, em geral, mais utilizados para fins de testagens são: coelhos, ratos, cães e macacos, tendo em vista sua personalidade dócil, o que facilita os testes invasivos. Ao final do procedimento, os animais são condicionados ao processo de eutanásia, com o intuito de serem estudados os resultados internos que ocorreram durante a utilização dos componentes utilizados (Michel & Vargas, 2017).

Historicamente, o primeiro país que criou uma lei para regulamentar a utilização de animais como cobaias foi o Reino Unido, em 1876, com a British Cruelty to Animal Act. posteriormente, a maior atenção ao uso científico de animais ocorreu a partir dos anos 70 (Pacheco, 2012).

No Brasil, a legislação oferece respaldo à proteção aos animais, conforme o expresso no artigo 225, caput e parágrafo 1º, inciso VII da Constituição Federal, que faz alusão ao direito do meio ambiente equilibrado e à vedação às práticas que submetam os animais à crueldade, e, também, a Lei Federal 9.605 de Crimes Ambientais, que criminaliza as condutas de maus tratos e mutilação (artigo 32).

Ademais, criou-se, com o intuito de controlar a realização de experimentos para com animais não-humanos, a Comissões de Ética no Uso de Animais a qual possibilitou a regulamentação básica para o uso científico destes. Noutro lado, no Brasil, fundou-se o Conselho Nacional de Controle e Experimentação Animal (Concea), através da Lei n° 11.794 e, ainda que exista, ainda não se aplicou a devida implementação de princípios universais.

Ressalta-se, contudo, a resolução recém-publicada, nº 58, de 24/02/2023, do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que dispõe:

Art. 1º Fica proibido no País o uso de animais vertebrados, exceto seres humanos, em pesquisa científica e no desenvolvimento e controle da qualidade de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes que utilizem em suas formulações ingredientes ou compostos com segurança e eficácia já comprovadas cientificamente.

Em que pese a legislação vigente, há grande falha de fiscalização da aplicação das leis de proteção aos animais e de punição aplicada aos infratores, quais sejam: empresas e indústrias de cosméticos e farmacêuticas, bem como instituições de pesquisa (universidades e laboratórios).

Além de referida Resolução, na esfera criminal, ainda há o Projeto de Lei “Brasil sem maus-tratos” (atualmente transformada na Lei Ordinária 14064/2020), a qual visa proporcionar uma mudança considerável no mercado brasileiro, vez que visa identificar as empresas como socialmente responsáveis, conforme trecho retirado da ementa do Projeto de Lei:

Altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 para estabelecer pena de reclusão a quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos; e instituir penas para estabelecimentos comerciais ou rurais que concorrerem para a prática do crime.

Diante disso, é perceptível que a causa está ganhando visibilidade, o que fomenta as regulamentações neste sentido, de maneira pró ao combatimento de atividades que afetem os animais não humanos para produção de medicamentos e ou cosméticos.

3. A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS

Algumas empresas, tal como pode ser verificado nos próprios produtos de consumo, desenvolvem uma sinalização que facilita, ao consumidor, identificar se o produto, para seu desenvolvimento, foi testado em animais ou se possuem matérias-primas de origem animal. Ademais, tais produtos costumam apresentar o desenho de um coelho, acompanhado da inscrição cruelty-free, como elucida a autora Andreia Filipa Ferreira Branco (p. 33, 2021):

O selo Cruelty Free garante que os produtos não são testados em animais nem possuem na sua composição, matérias-primas testadas em animais. Todavia nem todos os produtos com o selo Cruelty Free são necessariamente veganos, uma vez que podem conter vestígios de origem animal, como por exemplo, mel ou queratina na sua composição, desde que a sua obtenção não tenha causado qualquer sofrimento ao animal.

Não obstante, verifica-se que é um direito do consumidor à informação, pois este tem direito de se informar a respeito do produto que consome, logo, o selo acima referido é uma maneira de conscientizar o consumidor sobre a responsabilidade social exercida pela empresa ao não optar por utilizar animais na produção de seus produtos.

Sobre o direito do consumidor à informação, o doutrinador Paulo R. Roque A. Khouri (p. 82, 2022) esclarece, assertivamente, que:

O direito à informação é hoje um direito fundamental da pessoa humana, assegurado pelos ordenamentos jurídicos modernos.Esse direito deverá ser assegurado também quando o cidadão vai ao mercado adquirir bens e serviços. Por que a informação é tão importante para o consumidor? É que, ao deixar de informar adequadamente ao consumidor sobre os bens e serviços que está adquirindo, o fornecedor está deixando de ser transparente. A falta dessa transparência pode conduzir o consumidor a decisões equivocadas de consumo. Dispondo de informações suficientes, evidente que sua decisão quanto a adquirir ou não bens de consumo tenderá a maior racionalidade, evitando, por conseguinte, a aquisição de bens desnecessários ou a celebração de contratos desvantajosos. Em outras palavras, a não disponibilização de informações essenciais ao consumidor acaba por violar a boa-fé objetiva nessa relação.

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Logo, visualiza-se a importância que referido princípio exerce em nosso ordenamento jurídico, vez que está diretamente ligado com o princípio da boa-fé objetiva, pois, vez que o consumidor não sabe que o produto que utiliza foi fabricado através de testes em animais, conclui-se que sua compra estaria eivada de um gravíssimo vício fundamental que afetaria a decisão e consumir ou não determinado produto, logo, um indivíduo, na boa-fé, consumiria um produto sem saber que este seria fruto de testagem de animais.

O princípio da informação, também conhecido como princípio da transparência, está disposto nos Arts. 4º, caput; 6º, inciso III; 8º, caput; 31; 37, §3º; 46 e 54, §§3º e 4º do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Art. 37. § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Art. 54. § 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

Art. 54. § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Tal princípio refere-se a forma em que as informações sobre os produtos e os serviços são passados ao consumidor, havendo a necessidade de serem claras e sem possibilidade de ambiguidade, garantindo a equidade na relação de consumo, sem que o consumidor tenha dúvidas sobre o produto/serviço. O princípio da informação age em todas as fases da relação de consumo, desde seu marketing até o momento após sua aquisição.

Ainda, têm-se o princípio da confiança que está fortemente ligado ao princípio da informação/transparência, já que, ao ver as informações transmitidas, o consumidor tem esperança de que o produto/serviço esteja em conformidade com o que foi apresentado. O consumidor espera que o produto ou serviço desempenhe a função que foi informada e atinja a provável finalidade que foi contratado/comprado para alcançar.

Neste diapasão, regulando as relações entre consumidor e empresa, vez que a empresa, massivamente, sempre exerce uma manipulação e controle sobre o consumidor em função da produção e venda daquilo que será consumido os autores Michael e Vargas (p. 12, 2017) apontam que:

Nesse sentido, o legislador, ao promulgar o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90), buscou superar os desequilíbrios existentes entre as partes (consumidor-empresas), eis que o poderio econômico torna o cidadão comum hipossuficiente nas relações consumeristas. Assim, tornou-se obrigação do fornecedor mencionar as características e informações pertinentes de maneira verdadeira, exata e séria, sendo elemento essencial para a perfectibilização da venda. A necessidade da publicidade nos termos da Lei nº 8078/90 constitui, exatamente, o princípio da transparência, impondo ao fornecedor a clareza na transmissão de informações e possibilitando ao consumidor realizar compras de forma consciente.

Portanto, a divulgação dos dados adequados, em relação aos efeitos que o produto pode gerar, tais como: prejudicar a saúde do consumidor, é algo essencial, entretanto, torna-se medida que se impõe verificar também se apenas isso é o essencial, vez que, omitir informações, principalmente àquelas referentes ao uso de animais na produção de mercadoria poderia ser um fator causador de dano ao cidadão, pois observa-se que seu direito de ser informado estaria sendo violado, além disso, até mesmo escolhas de compras, vez que o consumidor estaria utilizando o produto sem estar ciente de sua procedência e procedimento de criação.

4. OS IMPACTOS NOS CONSUMIDORES

Diante do exposto, vez que as informações não são passadas de forma verídica, observa-se uma violação ao princípio (basilar no Direito do Consumidor) quanto ao acesso à informação. Não obstante, uma vez que a empresa seja omissa ao não fornecer rótulos que indiquem o que está sendo vendido, isso propicia que o consumidor haja cegamente, vez que ele acredita que suas atitudes diárias não afetam diretamente o surgimento ou agravamento dos problemas ambientais.

O estudioso Ricardo Voltolini (2010), através de um Dossiê que visa identificar Rótulos, selos e Certificações Verdes, aponta que a falta de informações faz com que nem as pessoas que possuem preocupações com as questões ambientais tenham conhecimento do que as suas atitudes cotidianas causam no meio ambiente, demonstrando que há ocultados muitos dados pelas empresas.

Ainda, conforme esclarece Ricardo Voltolini (2010), observa-se que os dados passados pelas empresas necessitam ser claros, demonstrando todas as nuances sobre a produção e descarte dos produtos. Logo, não é suficiente apenas que se passe a informação, devendo, em acréscimo, ser organizada e clara, mesmo que isso envolva a revelação de algo que a própria empresa não gostaria que fosse publicizado.

Portanto, o consumidor teria à sua disposição as informações e, mesmo que aquilo não o sensibilizasse, pelo menos estaria em conformidade com o direito à informação, nesta visão, o consumidor escolheria o produto tendo noção daquilo que consome.

5. JURISPRUDÊNCIA

No que concerne à proteção da dignidade animal, de início é importante salientar que, em um marco jurídico recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a dignidade animal em um precedente julgado em 21 de março de 2019 (Recurso Especial nº 1797175/SP). Nesse julgamento, foi estabelecida a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana e, como resultado lógico, reconheceu-se a possibilidade de atribuir dignidade e direitos aos animais não-humanos.

Outrossim, no âmbito federal, foram julgados dois casos pelo STF que tratam da proibição, pelo Estado do Rio de Janeiro e do Amazonas, do uso de animais em testes pelas indústrias de cosméticos. Referidos julgados analisam suposta ofensa ao sistema constitucional de competências legislativas, bem como as questões éticas relacionadas à proteção ao consumidor e ao meio ambiente.

Recentemente, o estado do Rio de Janeiro publicou a Lei 7.814/17 proibindo, no âmbito de seu território, a utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e testes de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e seus componentes, ao passo que proibiu a comercialização de alguns produtos indicados, quando derivados da realização de testes em animais. Referida lei gerou discussões por parte da indústria cosmética, culminando na propositura de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.995/RJ) perante o Supremo Tribunal Federal, que consolidou jurisprudência.

A Lei Estadual fluminense elenca um rol exemplificativo de produtos abrangidos pela proibição (artigo 1º). No artigo 4º, a Lei determinou que nas embalagens de todos os produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e de limpeza comercializados no Estado do Rio de Janeiro deverá existir a informação aos consumidores de que não foram realizados testes em animais para a elaboração do produto, com exceção apenas para os produtos e substâncias testados e disponíveis para venda, ao tempo da publicação da referida Lei.

A ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos) questionou a constitucionalidade tanto do artigo 1º quanto do artigo 4º da Lei 7.814/2017 do Rio de Janeiro, por meio da ação direta de constitucionalidade. De acordo com a ABIHPEC, a Lei teria ultrapassado a competência da União para estabelecer normas gerais relacionadas à fauna, conservação da natureza, proteção do meio ambiente, produção, consumo, direito civil e comercial. A associação alegou que a Lei teria invadido a competência legislativa da União em relação às normas gerais para a proteção da fauna e que a proibição de venda de produtos de outros estados que não adotem as mesmas regras interfere indevidamente no comércio interestadual.

No julgamento em questão, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de os Estados ampliarem a proteção ao meio ambiente por meio de leis estaduais. O colegiado, contudo, invalidou trechos da mesma lei que proíbem a comercialização, no estado, de produtos derivados de testes animais vindos de outras unidades da federação e exigem que os rótulos informem que não houve testagem em animais, prevalecendo o entendimento de que a lei invadiu a competência da União para legislar sobre comércio interestadual e sobre a discriminação de informações nos rótulos dos produtos. O relator também julgou inválido o dispositivo que exige a informação, no rótulo do produto, de que não houve testes em animais. Segundo ele, essa regra entra na competência federal para legislar sobre produção e consumo, pois há diversas normas federais tratando da matéria.

No entanto, é importante ressaltar que, no referido julgamento, surgiram duas teses opostas entre os votos dos ministros. A primeira afirma que embora os estados tenham a possibilidade de editar normas mais protetivas ao meio ambiente do que a União e outros entes federados, nesse caso específico, não havia nenhuma peculiaridade regional que justificasse tal ação, além de considerar que a competência legislativa em relação à proibição de comercialização e exigência de rotulagem de produtos era exclusiva da União.

A segunda tese considerou a Lei fluminense integralmente constitucional. Segundo ele, a lei não tratava especificamente da comercialização de produtos, mas sim da proteção à fauna e aos consumidores, áreas em que o legislativo estadual poderia atuar de forma suplementar. Portanto, conforme esta tese, ao estabelecer requisitos relacionados a testes em animais, o legislador estadual estaria agindo de maneira suplementar às normas federais de proteção ao consumidor e ao meio ambiente.

6. CONCLUSÃO

Através do que foi apresentado neste Artigo, verifica-se a tentativa de implementação de combates legislativos para sanar problemas que envolvam empresas, maus-tratos com animais e consumidores.

Finalmente, tem-se que o acesso à informação e o desenvolvimento sustentável (principal aquele referente ao teste em animais) são temas que afetam a vida do consumidor, sendo pressupostos para viabilizar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente harmoniozo. Com o crescimento do consumo da sociedade, torna-se importante verificar como as empresas têm atuado frente a produção consciente, vez que tal produção afeta não somente os consumidores, como também as vidas animais.

Os consumidores estão cada vez mais preocupados com a proteção à dignidade animal e a forma como os produtos são desenvolvidos e testados, buscando opções que sejam cruelty-free, ou seja, livres de crueldade animal.

A conscientização dos consumidores e a pressão pública têm desempenhado um papel fundamental na transformação do mercado, incentivando empresas a adotarem práticas mais responsáveis, como o desenvolvimento de métodos alternativos de testes e a busca por práticas mais éticas. Outrossim, a transparência sobre as práticas de testes e o fornecimento de informações claras aos consumidores são imprescindíveis, considerando-se alguns princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor: o direito à informação, o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da transparência.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANCO, Andreia Filipa Ferreira. Motivações de Compra do consumidor de produtos de cosmética Cruelty-free. 2021. Dissertação (Mestrado em Gestão de Marketing) - Universidade do Porto, Portugal, 2021.

GOLDIM, José Roberto; OLIVEIRA, Elna Mugrabi. Legislação de proteção animal para fins científicos e a não inclusão dos invertebrados – análise bioética. In. Revista Bioética vol 22 no.1 Brasília Jan./ apr.2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-80422014000100006> Acesso em: 06 abr. 2023.

KHOURI, Paulo R. Roque A. Direito do Consumidor. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book. ISBN 9788597026443. Disponível em: <https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597026443/> Acesso em: 05 abr. 2023.

Michel, V. de F., & Vargas, Y. R. (2017). Environmental Law- O direito do consumidor à informação e o panorama atual dos selos cruelty-free. RBDA, 12, 155–200. http://lattes.cnpq.br/4052037774909476.

PACHECO, et. al.. Aspectos éticos no uso de animais de produção em experimentação científica. Acta Veterinaria Brasilica, v. 6, n. 4, p. 260-266, 2012.

PORTALES, Catalina. CHINA: ATUALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE TESTES EM ANIMAIS NO PAÍS. TE PROTEJO: Belleza sin testeo animal, 2021. Disponível em: <https://ongteprotejo.org/br/noticias/china-atualizacao-das-politicas-de-testes-em-animais-no-pais/> Acesso em: 19 mai. 2023.

Resolução nº 58 do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). fev. 2023. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-58-de-24-de-fevereiro-de-2023-466792333>Acesso em: 29 abr. 2023.

VOLTOLINI, Ricardo. Rótulos, selos e certificações ambientais. Revista Ideia Socioambiental, 2010. Disponível em: <http://www.ideiasustentavel.com.br/pdf/IS20%20-%20Dossie%20v3.pdf > Acesso em: 3 abr. 2023.

Sobre as autoras
Bianca Pirotti Pocai

Estudante do curso de direito da graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Gabrielle Luiza Inoue Jange

Estudante do curso de direito da graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Rafaela Barbosa Negri

Estudante do curso de direito da graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Laura Alves Felipe

Estudante do curso de direito da graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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